Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 626/2018-T
Data da decisão: 2019-08-26  IVA  
Valor do pedido: € 25.092,12
Tema: IVA – Caducidade do direito à liquidação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

 

1.1. A... Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ...-... – ..., (doravante designada por “Requerente”) apresentou em 11-12-2018, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

1.2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IVA, de 08/09/2018, bem como dos respetivos juros compensatórios e moratórios.

 

1.3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

1.4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 11-12-2018.

1.5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

1.6. As partes foram notificados, em 04-02-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

1.7. De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25-02-2019.

1.8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 25-02-2019, apresentou, em 01-04-2019, a sua Resposta e, na mesma data, juntou o Processo Administrativo.

1.9. O Tribunal Arbitral por despacho, de 09-04-2019, notificou a Requerente para indicar os factos sobre os quais pedia a inquirição da testemunha indicada no pedido de pronúncia arbitral.

1.10. Em 17-04-2019, a Requerente indicou os fatos sobre os quais pretendia inquirir a testemunha.

1.11. Por despacho, de 02-05-2019, o Tribunal Arbitral determinou designar o dia 17 de maio, às 11h, para inquirição da testemunha indicada pela Requerente.

1.12. O Tribunal Arbitral, em 17-05-2019, procedeu à inquirição da testemunha C... conforme ata que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos, como integralmente reproduzida. Na referida sessão o Tribunal: (i) notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem as alegações escritas no prazo de 15 dias; (ii) designou o dia 01-07-2019 como data para a prolação da decisão arbitral, data que foi posteriormente adiada, através dos despachos do Tribunal Arbitral, de 01-07-2019, de 15-07-2019 e de 22-08-2019.

1.13. A Requerente apresentou, em 31-05-2019, as suas alegações. Em 14-06-2019, a Requerida apresentou as suas alegações, tendo junto um documento.

1.14. A Requerente, em 18-06-2019, pronunciou-se sobre o documento junto pela Requerida com as alegações.

1.15. Em 25-06-2019, a Requerida exerceu o contraditório relativamente ao requerimento apresentado pela Requerente identificado no n.º anterior.

1.16. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

1.16.1. As questões suscitadas pela Requerente são: (i) A falta da notificação da liquidação no prazo de caducidade por a liquidação adicional com base na correção efetuada pelos Serviços da AT, desde há muito já se ter completado o prazo de caducidade findo em 01/01/2016; (ii) A preterição de notificação para audição prévia em violação do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alíneas a) e e) da LGT e no artigo 60.º do RCPIT.

1.16.2. Não está em causa a impugnação de um ato que indeferiu o pedido do reembolso do IVA, nem foram invocadas quaisquer deduções indevidas com base na operação em apreço, perfeitamente individualizada por uma fatura, que foi alvo das correções feitas.

 

1.16.3. Não tendo havido liquidação de IVA, não há nada a deduzir ou creditar, relativamente à concreta operação tributária de exportação do cavalo titulada pela fatura em causa, a qual não deu lugar a qualquer reporte para os períodos seguintes.

 

1.16.4. É absurdo e anti-jurídico querer aplicar-se o artigo 22.º do CIVA em matéria de “deduções indevidas” que não foram invocadas e nada têm a ver com a operação aqui em causa, na tentativa de afastar o efeito da caducidade previsto em norma própria, radicada em elementares razões de segurança jurídica, como é próprio de um Estado de Direito.

 

1.16.5. O artigo 22.º do CIVA não derroga nem introduz qualquer restrição às normas legais aplicáveis em matéria de caducidade, que estão expressamente previstas no artigo 45.º da LGT, ex vi do artigo 94.º, n.º 1 do CIVA, sem qualquer exceção.

 

1.16.6. O prazo de caducidade inicia-se, se a lei não fixar outra data, no momento em que o direito possa ser legalmente exercido (artigo 329.º do Código Civil).

 

1.16.7. Estando em causa a liquidação adicional de IVA sobre um certo e determinado facto tributário titulado por fatura emitida em 06/10/2010, indicado na declaração periódica de IVA relativa ao 4.º trimestre 2010, a qual foi apresentada dentro do prazo legal, no dia 14/02/2011, e sendo este imposto de obrigação única (e não um imposto periódico), o termo inicial do prazo de caducidade conta-se a partir do inicio do ano civil seguinte aquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, nos termos do artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, ex vi do artigo 94.º, n.º 1 do CIVA, ou seja, no caso a partir de 01/01/2012.

 

1.16.8. Contados a partir de 01/01/2012, os quatro anos do prazo legal de caducidade do direito de liquidação do IVA completaram-se em 01/01/2016, nos termos do artigo 45.º n.ºs 1 e 4 da LGT, ex vi do artigo 94.º, n.º 1, do CIVA.

 

1.16.9. A liquidação do IVA e juros compensatórios e moratórios em questão só foram notificados à Requerente por Via CTT, em 12/09/2018, ou seja, muito depois de ultrapassado o prazo de caducidade do direito à liquidação ocorrido em 01/01/2016, o que determina a anulação do ato impugnado, com as legais consequências.

1.16.10. A invocada preterição de audição prévia só pode ser considerada formalidade não essencial se se tivesse demonstrado que, mesmo sem ter sido facultada a audição prévia, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente, o que não é o caso.

 

1.16.11. Sendo lícito à Requerente produzir a prova dos pressupostos do artigo 14.º. n.º 1, alínea b) do CIVA através de qualquer meio de prova, ao abrigo dos princípios do inquisitório e da livre admissibilidade dos meios de prova que vigoram em direito tributário, afigura-se-nos que a preterição da audição prévia cometida não pode ser degradada em não essencial, o que também determina a anulação do ato impugnado, com as legais consequências.

 

1.17. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

1.17.1. De acordo com a Requerida, a Requerente não impugna a liquidação controvertida com fundamento em vício de violação de lei por erro quanto aos factos ou quanto ao direito, não constituindo matéria controvertida nos autos que a inexistência da documentação alfandegária comprovativa da isenção aposta na fatura nº 0045 de 06/10/2010 determina, por força do disposto no n.º 8 e n.º 9 do artigo 29.º do CIVA, a obrigação para o transmitente dos bens de liquidar o imposto correspondente. A Requerente também não impugna as razões de facto e de direito que serviram de fundamento à decisão que recusou o reembolso de imposto pedido no montante de € 35.000,00.

1.17.2. Não obstante resultar do teor do pedido de pronúncia arbitral que a Requerente não impugna a liquidação controvertida com fundamento em vício de violação de lei por erro quanto aos factos ou quanto ao direito, constatou-se que na inquirição da testemunha, de acordo com o Mandatário da Requerente, teve por objeto a transação comercial subjacente à fatura que originou a liquidação adicional de IVA ora controvertida. Deste modo, à cautela, e muito embora se considere que a ilegalidade da liquidação por vício de violação de lei seja matéria que, não sendo suscitada pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral nem sendo de conhecimento oficioso, não cabe ao Tribunal Arbitral conhecer, sob pena de excesso de pronúncia, impugna-se toda a matéria de facto que a Requerente procurou comprovar através da inquirição da sua testemunha, quer a referente à operação subjacente à fatura, quer a demais matéria de facto.

1.17.3. Para este tipo de situações, despoletadas pelo exercício do direito à dedução de imposto e consequente reembolso do reporte acumulado em exercícios sucessivos, o n.º 3 do artigo 45.º da LGT prevê expressamente que “o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”.

1.17.4. Justamente, em sede de IVA o apuramento do imposto devido implica o exercício pelo sujeito passivo do direito à dedução do imposto suportado a montante nas operações tributáveis que efetuar (artigo 19.º CIVA), e sendo apurado um crédito de imposto, o mesmo pode ser reportado para as declarações periódicas seguintes, mantendo uma situação de crédito de imposto, ou, quando assim o entender, reunidos os respetivos pressupostos, pode pedir o reembolso do imposto. No caso dos autos, havendo uma situação de crédito de imposto acumulado que a Requerente pretendeu reaver, tendo, para o efeito, apresentado pedido de reembolso na sua DP1712T, e respeitando o reembolso pretendido a um crédito acumulado que tem vindo a ser reportado pela Requerente, sucessivamente, desde o exercício de 2007, impunha-se que a ação inspetiva efetuasse a análise à conta-corrente da Requerente para o período de 2007 a 2017.

1.17.5. Resulta evidente que o exercício do direito à dedução do imposto suportado a montante, que integra o mecanismo de apuramento do imposto devido, não é destacável, na sua análise, do imposto liquidado. Por conseguinte, a conclusão quanto ao direito da Requerente ao pretendido reembolso envolve a análise às operações tributáveis realizadas e ao imposto suportado para verificar o saldo a pagar ou a reembolsar a favor do contribuinte. Seria manifestamente contrária ao princípio da justiça uma solução legal que admitisse a faculdade de o contribuinte pedir o reembolso de imposto arrecadado há mais de 4 anos e, em simultâneo, impedisse à AT, no âmbito da análise efetuada à conta-corrente do contribuinte, a possibilidade de corrigir o imposto a favor do Estado

1.17.6. A verificação dos pressupostos do reembolso, a fim de verificar se o mesmo é devido, tem de ser feita no momento em que o reembolso é pedido, não sendo aplicáveis nesse caso as razões de segurança jurídica que subjacentes ao regime de caducidade do direito à liquidação. Tal como resulta da jurisprudência proferida sobre esta questão de direito, seria contrário ao princípio da legalidade e da verdade material aplicar o efeito preclusivo da caducidade do direito à liquidação nas situações em que o contribuinte solicita o reembolso de imposto. Esta posição tem acolhimento na jurisprudência (vd., acórdão do TCA Sul, de 12/05/2016, no processo nº 08095/14).

1.17.7. No que respeita ao exercício do direito de audição prévia, impugna-se o aduzido pela Requerente uma vez que consta comprovado nos autos que a Requerente foi notificada do projeto de relatório através de ofício remetido por carta registada para o seu domicílio fiscal.

1.17.8. Ainda que assim não se entenda, hipótese que se coloca por dever legal de patrocínio, cumpre assinalar que a jurisprudência é unânime em considerar que não é essencial a preterição da formalidade destinada a assegurar o exercício do direito de audição prévia quando se demonstre que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.

1.17.9. Na verdade, e na situação dos presentes autos, considerando o enquadramento legal em causa nos autos, mais concretamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA e os n.º 8 e n.º 9 do artigo 29.º do CIVA, resulta inequívoca a exigência de um documento alfandegário, comprovativo da isenção aposta na fatura em apreço, cuja falta determina a obrigação de o transmitente dos bens liquidar o imposto correspondente.

1.17.10. Não obstante as interpelações da AT, a Requerente não possui o documento alfandegário em questão, nem invocou nos presentes autos qualquer outro documento ou justificação suscetível de demonstrar o direito àquela isenção.

1.17.11. Assim sendo, resulta forçoso concluir que na situação dos presentes autos o exercício do direito de audição prévia não se afigurava suscetível de alterar o projeto de correções que viria a ser convolado em definitivo (no mesmo sentido vd.,. acórdão do STA de 16/11/2011, no processo nº 0539/11).

1.18. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

1.19. A Requerida quando apresentou as alegações juntou um documento denominado “Recolha de notícias sobre o cavalo olímpico ..., nos sites de internet indicados” no qual são transcritas três notícias, inseridas em sites, relativas ao referido cavalo (vd., 1.13. supra).

A Requerente pronunciou-se sobre o documento supra identificado (vd., 1.14. supra), tendo requerido o seu desentranhamento do processo e considerar-se não escritos os pontos n.ºs 9 e 10.3 das alegações da Requerida, devido à arguição de nulidades secundárias, nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, do Código do Processo Civil (CPC).

A Requerida exerceu o contraditório tendo considerado improcedentes as nulidades invocadas pela Requerente e, em consequência, devendo ser indeferido o pedido de desentranhamento do documento junto com as alegações e igualmente indeferido o pedido para se considerarem não escritos os pontos n.ºs 9 a 10.3 das alegações (vd., 1.15. supra).

Cumpre apreciar.

 

Nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alíneas c) e d) do RJAT, os documentos devem ser juntos aos articulados que contenham as circunstâncias de facto objeto de prova.

De acordo com o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT é subsidiariamente aplicável, ao processo tributário, o regime processual civil, sendo que, como decorre do n.º 2 de tal preceito, tal aplicação deve ser realizada em termos devidamente adaptados á realidade do processo tributário e às especificidades de cada ação.

Nos termos do disposto no artigo 423.º, n.º 1, do CPC, os documentos devem ser juntos aos articulados em que é invocada a factualidade a que tais documentos se reportam. No âmbito dos n.ºs 2 e 3 desta norma é admissível a junção tardia de documentos, nos seguintes termos:

“2- Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

A aplicação desta norma devidamente adaptada ao processo arbitral conduz a que nos casos em que não tenha havido audiência de julgamento, a referência processual a tomar em consideração seja o momento das alegações e não o da audiência.

Verifica-se, contudo, que a Requerida não procedeu à junção do documento aos autos até ao vigésimo dia anterior ao início do prazo para a produção de alegações.

O documento cuja junção foi requerida pela AT respeita a factos conexos com matéria que consta do pedido de pronúncia arbitral (vd., n.ºs 5, 6 do pedido de pronuncia arbitral) e que poderia ter sido junto com a Resposta, além disso, não se verifica nenhuma das hipóteses em que, a título excecional, se considera admissível a junção posterior de documentos.

Nestes termos, não se admite a referida junção, devendo, o documento indevidamente apresentado pela Requerida com as alegações ser desentranhado dos autos.

O pedido da Requerente para se considerarem não escritos os pontos n.ºs 9 e 10.3 das alegações da Requerida é indeferido, porque os referidos pontos das alegações da Requerida consistem em considerações sobre a produção da prova testemunhal que a Requerida legitimamente faz no exercício dos seus poderes no âmbito do processo arbitral, cabendo a este Tribunal aferir da sua relevância tendo em conta as questões suscitadas no processo.

 

1.20. O processo não enferma de nulidades.

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

2. MATÉRIA DE FACTO

2.1. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)           A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objeto social “Construção, promoção e comercialização de empreendimentos imobiliários, exploração de complexos turísticos, hoteleiros e similares, compra e venda de imóveis, compra de imóveis para revenda e gestão de investimentos imobiliários próprias ou de terceiros” (vd., Documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

B)           A Requerente desenvolve, no âmbito da sua atividade, um projeto equestre com o objetivo de promover e desenvolver a “...” e outras modalidades equestres (vd., Relatório Final de Inspeção constante do Processo Administrativo, Parte I);

 

C)           A Requerente, desde 01-10-2005, está enquadrada no regime normal do IVA, com periodicidade trimestral e com direito à dedução total do IVA suportado (vd., Relatório Final de Inspeção constante do Processo Administrativo, Parte I);

 

D)           A Requerente emitiu, em 06-10-2010, a fatura n.º 0045 endereçada a ..., residente na ..., ..., ..., referente à venda do cavalo “...”, pelo preço de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), por contrato firmado em 11-08-2010 e onde consta a seguinte referência: “Exportação – bem transportado para fora da Comunidade por adquirente sem residência ou estabelecimento em território nacional – Isento de IVA nos termos do art.º 14.º, n.º 1-b)” (vd., Documento n.º 5 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

E)            A venda identificada na alínea anterior foi declarada no campo n.º 8 do Quadro 06 da Declaração Periódica de IVA relativa ao 4.º Trimestre/2010, identificada sob o n.º..., entregue em 14-02-2011 (vd., Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

F)            A Requerente formulou um pedido de reembolso de IVA, em 12-02-2018, relativo ao 4º trimestre/2017, sob o n.º..., no valor de €35.000,00 (vd., Processo Administrativo, Parte I);

 

G)           Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2018..., de 16-02-2018, a Equipa 55 da Divisão V do Departamento C da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa realizou um procedimento de inspeção interna para análise do pedido de reembolso de IVA identificado na alínea anterior; (vd., Processo Administrativo, Parte I);

 

H)           A Requerente foi notificada do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção para efeitos de exercício do direito de audição, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPITA, através de ofício n.º..., de 27-07-2018, dos Serviços de Inspeção Tributária, Divisão V, da Direção de Finanças de Lisboa, remetido para o seu domicílio fiscal por carta registada dos CTT, registo postal RH...PT, (vd., Processo Administrativo, Parte II);

 

I)             A Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia relativamente ao projeto do Relatório de Inspeção, identificado na alínea anterior;

 

J)            A Requerente foi notificada, nos termos do artigo 62.º do RCIPTA, do Relatório Final, através de ofício n.º..., de 21-08-2018, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada dos CTT, registo postal RH...PT, (vd., Processo Administrativo, Parte I);

K)           O Relatório Final do procedimento de inspeção, identificado na alínea anterior, refere o seguinte;

“A empresa encontra-se em situação de crédito de imposto desde o início da atividade, 4.º trimestre de 2005, tendo atingido no período em análise o montante de € 70.555,74, apesar do pedido de reembolso ter sido apenas de € 35.000,00.

De referir que em 2006 e 2007 verificaram-se 2 pedidos de reembolso de IVA, nos montantes de €35.636,92 + €53.809,34, que foram integralmente reembolsados.

Os exercícios de 2007 e 2008 corresponderam a um período de investimento da A... no seu complexo turístico-desportivo. Neste período a faturação da construção foi emitida com inversão do sujeito passivo, procedendo este à liquidação e respetiva dedução do IVA. A exploração comercial, com faturação a clientes, iniciou-se em janeiro de 2009.

O crédito de imposto teve origem no IVA suportado e deduzido com o investimento inicial efetuado na construção do complexo equestre, B..., e mais tarde com a diferença entre o IVA liquidado e o IVA deduzido que nos últimos exercícios tem sido negativa por os proveitos registados pela empresa não cobrirem os custos suportados. Os proveitos registados proveem da cedência de espaços e instalações serviços conexos referentes várias boxes, em número variável (35, 33, 23), conforme faturação mensal, tendo por cliente a B..., Lda, NIF ... e outros.

Foi solicitada documentação, extratos de contas do IVA e documentos registados nos exercícios de 2007 a 2017, excluído o exercício de 2014 por este ter sido objeto de uma ação de inspeção externa efetuada com base na Ordem de serviço n.º OI2017... de 2017/03/07.

 

1.            Transmissão de um cavalo para um cliente sediado no Brasil

Da análise da referida documentação, verificou-se que o sujeito passivo registou uma operação de exportação relativa à transmissão de um cavalo “...”(…). Pelo valor de €450.000,00, sem liquidação de IVA, referindo a fatura que se trata de uma operação isenta nos termos do artigo 14.º n.º 1 b) do CIVA.

Contudo, nos termos do n.º 8 do artigo 29.º do CIVA, a isenção referida deve ser comprovada através do documento alfandegário apropriado, neste caso a “Certificação de saída para o expedidor/exportador”.

Nos termos do n.º 9 do artigo 29.º do CIVA, a falta do referido documento comprovativo, determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente (…)

O facto do transporte do bem expedido ter sido da responsabilidade do adquirente, não tem qualquer relevância para este efeito, pois o n.º 9 do art. 29.º do CIVA refere expressamente que a falta do documento comprovativo (documento alfandegário apropriado) determina a obrigação para o transmitente dos bens, de liquidar o imposto correspondente.

Deste modo, encontra-se em falta a liquidação do IVA no montante de € 94.500,00, apurado por aplicação da taxa normal do IVA à data da operação, outubro de 2010 (21%) sobre o valor da transmissão do bem, € 450.000,00. (…)

Conclusão

De acordo com as infrações descritas nos pontos 1 e 2, apurou-se IVA em falta, nesta ação de inspeção no montante total de € 95.075,00 (€94.500,00 + € 575,00). Como o valor do crédito acumulado no fim do período de imposto de 2017/12T é de €70.555,74, resultando em consequência, o indeferimento do pedido de reembolso no valor de € 35.000,00, a anulação do restante valor de crédito e ainda a liquidação adicional no valor de €24.519,26.

As referidas infrações são penalizadas através do artigo 114.º do RGIT.”

(vd., Relatório Final de Inspeção, constante do Processo Administrativo, Parte I, e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

L)            A Requerente foi notificada da correção efetuada ao valor do excesso a reportar existente na conta corrente de IVA, com os fundamentos constantes do relatório de inspeção através do Documento de Correção sob o n.º ... (vd., Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

M)          A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA n.º 2018..., de 08-09-2018, no montante de € 24.519,26, (vd., Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

N)           A Requerente foi notificada da liquidação dos juros compensatórios e moratórios no valor de € 572,86 (vd., Documentos n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

2.2. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa e no depoimento da testemunha C..., que aparentou isenção no seu depoimento e ter conhecimento dos factos que relatou.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos, e a prova testemunhal supra identificada consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

3. MATÉRIA DE DIREITO

3.1. Questões decidendas

As duas questões decidendas suscitadas nos presentes autos pela Requerente dizem respeito:

(i) à alegada falta da notificação da liquidação do IVA e dos juros compensatórios e moratórios no prazo de caducidade do direito à liquidação, de acordo com o disposto no artigo 45.º da LGT (vd., n.ºs 23.º a 33.º do pedido de pronuncia arbitral);

(ii) à alegada preterição de formalidade essencial, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1, alíneas a) e e), da LGT e 60.º do RCPIT, de notificação para audição prévia do projeto de relatório da inspeção tributária (vd., n.ºs 34.º a 38.º do pedido de pronuncia arbitral).

Cumpre apreciar.

 

3.2. Aplicação do direito ao caso sub judice

 

3.2.1. Relativamente à primeira questão decidenda o presente Tribunal Arbitral subscreve a posição expressa na Decisão Arbitral n.º 48/2015-T, de 3 de outubro de 2015, ao afirmar: 

“O IVA, enquanto imposto sobre o consumo, caracteriza-se essencialmente como um típico imposto indireto, que incide sobre cada uma das transacções ou prestações de serviços e permite “aos sujeitos passivos desonerarem-se do encargo do imposto suportado a montante e assegurando que a tributação incida, em cada etapa do circuito económico, sobre o valor acrescentado, sendo suportada, principalmente, pelo consumidor final”. Cada sujeito passivo liquida imposto, à taxa legal aplicável, sobre as suas vendas ou prestações de serviços, fazendo-o acrescer ao valor tributável constante das facturas ou documentos equivalentes que passa aos seus clientes. No final de cada período (o mês, ou o trimestre) o sujeito passivo entrega nos cofres públicos apenas a diferença entre o imposto assim repercutido nas suas operações activas e o imposto suportado nas suas aquisições e constante das facturas de que foi destinatário. O apuramento de IVA a pagar ou de IVA a recuperar constitui o resultado da operação de liquidação de imposto, que é, em regra, realizada pelos próprios sujeitos passivos (autoliquidação). (…) resultando do conceito de liquidação, como apuramento do IVA relativo a cada período de tributação efectuado pelo sujeito passivo, quer um valor positivo – IVA devido aos cofres públicos – quer um valor negativo – crédito de imposto sobre os cofres públicos, então deverá concluir-se que ambas as situações devem ser vistas, só e simplesmente, como valores do apuramento periódico do IVA integrando pois, e em ambos os casos, o conceito de liquidação.” Sob outra perspectiva, tende a distinguir-se entre IVA liquidado pelo sujeito passivo nas operações activas que este realiza e IVA deduzido em virtude de operações passivas associadas à sua actividade, considerando-se que “só quanto ao imposto liquidado pelo sujeito passivo nos seus outputs são aplicáveis as noções de facto gerador e exigibilidade”, designadamente, para efeitos de aplicação das regras de caducidade (artigo 45.º da LGT).

Conceito que se afigura obter acolhimento no artigo 22.º, n.º 1, do CIVA quando se refere que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, “efectuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante de imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.”

Já quanto ao IVA em que o sujeito passivo incorra nos seus inputs não é gerado na sua esfera jurídica nem a ele lhe é exigível, constituindo (…) um crédito que este pode ou não mobilizar contra o Estado, exercendo o direito à dedução.   A doutrina converge, porém, que é através do direito à dedução que se garante um princípio estrutural do imposto (o da neutralidade), porquanto é através do exercício deste direito “que se garante ao sujeito passivo a desoneração do imposto pago na aquisição dos inputs essenciais e necessários à prossecução de uma actividade económica (…)”.  No entanto, o legislador, em homenagem a outros princípios essenciais da ordem jurídica, como os da certeza e segurança jurídicas, e com fundamento no princípio da proporcionalidade, estabelece, no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que o “direito à dedução do imposto”, ou ao “reembolso do imposto pago em excesso”, apenas pode ser exercido pelo sujeito passivo até 4 anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto. Como quer que se entenda, verifica-se que o legislador português, embora com regras diferentes para o exercício do respectivo direito, optou por fixar prazo igual, quer para a caducidade do direito à dedução, quer para o direito à liquidação, que, como veremos, é também de quatro anos. Destes conceitos deve distinguir-se a situação de reembolso de IVA, a que se referem os n.ºs 4 e seguintes do artigo 22.º do Código do IVA, onde se estabelece que “sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes”, explicitando-se as condições necessárias para que o sujeito passivo possa solicitar o reembolso desse crédito.  

Ao conceito de reembolso aqui utilizado não é aplicável o prazo de caducidade do artigo 98.º do CIVA, porquanto o âmbito de aplicação do artigo 22.º do CIVA abrange tão só as situações em que a liquidação e a dedução do imposto foram efectuadas de forma correcta resultando do seu saldo um crédito de IVA a favor do sujeito passivo, que será utilizado em períodos seguintes (numa lógica de conta corrente) conferindo-se ao sujeito passivo a faculdade de solicitar o reembolso do mesmo e assim obviar ao seu reporte e aplicação nos períodos seguintes. Assim se compreende que a este reembolso não se aplique, aliás, um qualquer prazo de caducidade, assistindo ao sujeito passivo o direito de obter o reembolso de um crédito de IVA gerado sem limitação temporal, isto é, originado pela dedução de imposto em períodos que se encontram para lá do prazo de caducidade geral (de 4 anos).

De igual modo, também do lado da Administração Tributária, esta não está aqui limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, porque ao apreciar a existência dos pressupostos de um pedido de reembolso se limita a efectivar correcções ao crédito de IVA, indeferindo total ou parcialmente o reembolso e corrigindo, desta forma, a conta corrente do sujeito passivo. O que significa que do indeferimento total ou parcial (expresso ou silente) de um pedido de reembolso não resulte para os sujeitos passivos quaisquer obrigações que não tivessem anteriormente. Como ficou consignado no Acórdão do STA, de 12/7/2007, processo n.º 303/07, “reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir”.   

Atendendo ao exposto, este Tribunal considera que a verificação dos pressupostos do reembolso do IVA tem de ser feita no momento em que o reembolso é pedido, não sendo aplicáveis, nesse caso, pelas razões anteriormente expostas, as razões de segurança jurídica que estão subjacentes ao regime de caducidade do direito à liquidação.

Nestes termos, improcede o alegado pela Requerente relativamente à primeira questão decidenda.

 

3.2.2. Quanto à segunda questão decidenda, atendendo aos fatos dados como provados e constantes do n.º 2.1., alínea H), supra, verifica-se que a Requerida notificou a Requerente para efeitos da audição prévia do projeto de relatório da inspeção tributária, pelo que, nesta parte, improcede o alegado pela Requerente.

4. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Desentranhar dos autos o documento junto pela Requerida nas Alegações, nos termos do n.º 1.19 supra;

b)           Julgar totalmente improcedente o pedido de pronuncia arbitral;

c)            Condenar a Requerente ao pagamento das custas no presente processo.

 

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 25.092,12 (vinte e cinco mil e noventa e dois euros e doze cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 26 de agosto de 2019.

 

O Árbitro

Olívio Mota Amador