Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 621/2020-T
Data da decisão: 2021-10-26  IRS  
Valor do pedido: € 9.089,58
Tema: IRS – Tributação em sede de IRS dos rendimentos de mais-valias imobiliárias auferidos por sujeitos passivos não residentes.
Versão em PDF

 

SUMÁRIO: I — Na determinação do valor da causa atende-se exclusivamente à realidade processual existente no momento em que a ação é proposta sendo irrelevantes posteriores modificações dos elementos da instância (art. 299.º do CPC).  II — O regime previsto no art. 43.º, n.º 2, do CIRS (na redação vigente em 2018), na medida em que restringe apenas aos sujeitos passivos residentes a aplicação da desconsideração de 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias para efeitos de determinação do rendimento de mais-valias sujeito a tributação em sede de IRS a que essa norma se refere, é incompatível com o art. 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, como tal deve ser desaplicado. III — O ato de liquidação que se baseou em norma ou interpretação normativa desaplicada por incompatibilidade com preceito de Direito Europeu está ferido de vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito e, como tal, deve ser anulado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

— I —

                A..., contribuinte n.º..., residente na Alemanha (doravante “o requerente”) veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTO¬RI¬DADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”) peticionando a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS n.º 2019-... relativa ao exercício de 2018, bem como da decisão proferida sobre a reclamação graciosa deduzida contra tal ato tributário. Mais peticionou a condenação da requerida na restituição dos montantes de imposto por si indevidamente colocados a pagamento bem como dos correspondentes juros indemnizatórios.

                Para tanto alegou, em síntese, que através de sucessivas transmissões gratuitas adquiriu uma quota indivisa de cerca de 38% de uma fração de prédio urbano sito no concelho de Lisboa que veio subsequentemente a alienar em 2018; que declarou essa alienação com vista à tributação das mais-valias em sede de IRS; que veio a ser proferido pela requerida ato de liquidação de que o requerente interpôs reclamação graciosa, a qual foi parcialmente procedente, com a anulação parcial do imposto liquidado; que, ainda assim, a tributação em sede de IRS, por força do ato de liquidação por si impugnado na presente arbitragem veio a incidir sobre a totalidade do montante das mais-valias realizadas sem ter havido lugar à aplicação do regime de desconsideração de metade da diferença positiva entre o valor de alienação e o valor de aquisição, previsto no art. 43.º, n.º 2, do CIRS apenas para os sujeitos passivos fiscalmente residentes em Portugal. Mais invocou que a não aplicação desse regime a residentes fiscais de outros Estados membros da União Europeia constituiria uma ilícita restrição à livre circulação de capitais em violação do disposto no art. 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Concluiu peticionando a anulação parcial da liquidação impugnada, assim como a condenação da requerida na restituição dos montantes por si colocados a pagamento bem como no pagamento de juros indemnizatórios.

Juntou documentos e procuração forense e declarou não pretender proceder à designação de árbitro. Procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.

*

                Constituído o Tribunal Arbitral Singular, nos termos legais e regulamentares aplicá-veis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.

                Depois de devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta limitando-se a sustentar a legalidade da liquidação impugnada e a remeter para a posição expressa na decisão final do procedimento de reclamação graciosa. Mais invocou que subsequentemente à decisão proferida neste procedimento veio a ser proferido no confronto do requerente um novo ato de liquidação relativo ao IRS de 2018 (a Liquidação n.º 2020-...), impugnando assim o valor atribuído por aquele à presente arbitragem.

                Concluiu pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição e juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e um processo administrativo.

*

                Depois de assegurado o exercício do contraditório, por despacho do Tribunal Arbitral foi determinada a modificação objetiva da presente instância arbitral, passando esta a ter por objeto a declaração de ilegalidade da Liquidação n.º 2020-..., acima melhor identificada, mantendo-se, tal como originariamente deduzidos, os pedidos acessórios de condenação da requerida na restituição dos montantes indevidamente pagos e no pagamento de juros indemnizatórios, relegando-se para a decisão arbitral o conhecimento do incidente de verificação do valor da causa.

*

                Facultada a ambas as partes a possibilidade de adaptarem os seus articulados e requerimentos probatórios ao novo objeto da presente arbitragem, veio o requerente aos autos manter na íntegra o teor da sua petição inicial de pronúncia arbitral devendo considerar-se os fundamentos desta reportados ao ato tributário agora objeto da presente instância.

*

Ouvidas as partes, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT.

*

                Notificadas as partes para, querendo, produzirem alegações escritas quanto à matéria de facto e de direito, apenas o requerente as veio a produzir, concluindo nestas pela anulação parcial da liquidação impugnada e consequente condenação da AT na restituição do montante de imposto indevidamente e no pagamento de juros indemnizatórios, mais requerendo a fixação do valor da causa em EUR 1.097,01. Depois de instado a fazê-lo, veio ainda o requerente demonstrar nos autos o pagamento da segunda prestação da taxa de arbitragem.

 

 — II —

As partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.

*

No seu requerimento inicial, o requerente atribuiu à presente arbitragem o valor de EUR 9.089,58, montante que a administração tributária requerida impugnou na sua resposta sob a invocação de que, posteriormente à prolação do ato originalmente impugnado nos presentes autos, fora proferido novo ato de liquidação referente ao IRS de 2018 (a referida Liquidação n.º 2020-...) através do qual foi liquidado um montante de IRS no valor de EUR 2.504,29, que assim deveria ser o montante correspondente ao valor da presente arbitragem.

Já em sede de alegações veio o requerente sustentar que o valor da causa deveria ser fixa¬do no montante de EUR 1.097.01. Em relação a esta novíssima pretensão do requerente não emi¬tiu a requerida qualquer pronúncia em sede de contra-alegações, uma vez que optou por as não apre¬sentar.

Importa decidir então o valor da presente arbitragem.

Antes de mais, e para efeitos de decisão desta questão prévia relativa à fixação do valor da causa, depois de compulsados os documentos juntos pelas partes e aqueles que fazem parte do Processo Administrativo junto pela requerida considero sumária e indiciariamente provados os seguintes factos relevantes:

a) Em 26-07-2019 a AT emitiu, no confronto do requerente e referente ao IRS do exercício de 2018, a Liquidação n.º 2019-...;

b) Neste ato de liquidação a AT fixou ao requerente, para o exercício de 2018, um rendimento coletável no valor de EUR 32.462,81 (campo 9), uma coleta de imposto relativo a tributações autónomas no valor de EUR 8.779,31 (campo 17), uma coleta total de EUR 9.089,57 (campo 18), correspondendo assim a um valor total de imposto a pagar de EUR 9.089,57;

c) Em 20-12-2019 o requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de liquidação referido em a);

d) Por despacho de 2-10-2020 do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-... foi concedido parcial provimento à reclamação graciosa referida em c);

e) Em 19-10-2020 a AT emitiu, no confronto do requerente e referente ao IRS do exercício de 2018, a Liquidação n.º 2020-...;

f) Neste ato de liquidação a AT fixou ao requerente, para o exercício de 2018, um rendimento coletável no valor de EUR 8.943,91 (campo 6), uma coleta de imposto relativo a tributações autónomas no valor de EUR 2.194,02 (campo 17), uma coleta total de EUR 2.504,28 (campo 18), correspondendo assim a um valor total de imposto a pagar de EUR 2.504,28;

g) O ato de liquidação referido em e) foi notificado ao requerente em data não anterior a 9-11-2020;

h) Em 12-11-2020 o requerente apresentou no CAAD petição de pedido de pronúncia arbitral, por intermédio do qual peticionou a anulação do ato de liquidação referido em a);

i) Na petição referida em h) o requerente atribuiu à presente arbitragem o valor de EUR 9.089,57.

j) Por despacho de 28-06-2021 deste Tribunal Arbitral Singular foi determinada oficiosamente a modificação objetiva da presente instância arbitral, passando a ter por objeto a declaração de ilegalidade do ato de liquidação referido em e), mantendo-se os pedidos acessórios originariamente deduzidos.

 

Conforme resulta do art. 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável ex vi do art. 29.º do RJAT, o valor atendível, para efeitos de custas, será “[q]uando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende.” Por outro lado, nada se prescrevendo nas leis processuais tributárias quanto ao momento que releva para a fixação do valor da causa, há que convocar para esse efeito a aplicação do disposto no art. 299.º, n.º 1, do CPC, preceito segundo o qual “[n]a determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.” Desta regra processual excetuam-se apenas aqueles casos, que não relevam para a presente arbitragem, em que haja lugar a reconvenção ou intervenção principal (n.º 1, in fine) ou os processos de liquidação e outros em que só na sequência da própria propositura da ação se possa apurar a utilidade económica do pedido (n.º 3).

Ora aquando da propositura da presente arbitragem (12-11-2020) o requerente apresentou-se a peticionar a declaração de ilegalidade da Liquidação n.º 2019-... . Mais: do petitório formulado no pedido de pronúncia arbitral resulta bem clara a dedução de uma pretensão de anulação integral — e não meramente parcial — deste ato tributário.

O facto de, posteriormente, o Tribunal ter determinado a modificação objetiva da instância e redirecionado a pretensão anulatória agora para o ato de liquidação que mais recentemente veio regular a situação do requerente relativa ao IRS do exercício de 2018 é despiciendo no que diz respeito à determinação do valor da ação já que, como resulta claramente do cit. art. 299.º, n.º 1, do CPC, a realidade processual a que se deve atender na operação de fixação do valor da ação é aquela existente à data da propositura da causa, sendo para esse efeito irrele¬van¬tes quaisquer supervenientes vicissitudes que venham modificar os elementos da instância, salvo naturalmente aquelas expressamente excecionadas no próprio art. 299.º do CPC.

Assim, à data da sua propositura, a presente arbitragem foi configurada como uma disputa em torno da pretensão de declaração de ilegalidade e invalidação integral de um ato tributário de que resultava a liquidação de imposto pelo montante de EUR 9.089,57. É este, pois, o valor que se deve fixar para a presente causa.

Improcedem deste modo as pretensões deduzidas por ambas as partes quanto à fixação do valor da causa.

*

Fixado que está o valor da presente causa e uma vez que o requerente optou por não proceder à designação de árbitro, é possível concluir pela afirmativa no que diz respeito à competência em razão do valor do presente Tribunal Arbitral Singular (art. 5.º, n.º 2, do RJAT).  É também competente em razão da matéria por força da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada realizada sob os auspícios do CAAD por parte da administração tributária requerida conforme resulta da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e, em especial, do disposto no proémio do art. 2.º e no n.º 1 do art. 3.º deste instrumento regulamentar (cfr. também o art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT).

*

Depois de reconfigurado o objeto da presente arbitragem, pelo despacho arbitral de 28 de junho p.p., inexistem quaisquer questões prévias ou outras questões prejudiciais que obstem ao conhecimento do objeto da causa. Não se verificam igualmente nulidades processuais de que importe conhecer, quer por terem sido invocadas pelas partes, quer ainda por serem do conhecimento oficioso.

 

— III —

FACTOS PROVADOS:

                Com relevância para a decisão da presente causa considero provados os seguintes factos:

A.           O requerente, de nacionalidade portuguesa, e é residente fiscal na Alemanha.

B.            Em 24-12-1972, na sequência da morte de B..., sua mãe, o requerente adquiriu sucessoriamente a quota ideal de 16,67% da fração autónoma “B” que faz parte do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., do município de Lisboa, sob o artigo ...;

C.            Em 3-03-1980, na sequência da morte de C..., seu pai, o requerente adquiriu adicionalmente a quota ideal de 12,50% da fração identificada em B.;

D.           Em 28-06-2016, na sequência da morte de D..., sua irmã, o requerente adquiriu adicionalmente a quota ideal de 9,72% da fração identificada em B.;

E.            Em fevereiro de 2018, o requerente alienou a quota ideal de 38,89% da fração identificada em B.;

F.            Em 30-5-2019 o requerente submeteu eletronicamente uma declaração de substituição da declaração de rendimentos, modelo 3, com o n.º..., declarando no campo 4001 do respetivo Anexo G a alienação de 9,72% da fração referida em B., indicando como valor de realização a quantia de EUR 11.664,00, como valor de aquisição a quantia de EUR 3.719,72 e como despesas e encargos a quantia de EUR 108,47;

G.           Em 26-7-2019 a requerida emitiu Liquidação n.º 2019-... referente ao exercício de 2018 e tendo por destinatário o requerente, da qual resulta a fixação do rendimento coletável em EUR 32.462,81 (campo 9), da coleta de imposto relativo a tributações autónomas em EUR 8.779,31 (campo 17), da coleta total em EUR 9.089,57 (campo 18), correspondendo assim a um valor total de imposto a pagar de EUR 9.089,57;

H.           O requerente colocou a pagamento o imposto liquidado no ato de liquidação referido em G.;

I.             Em 20-12-2019 o requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de liquidação referido em G.;

J.             Por despacho de 2-10-2020 do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-... foi deferida parcialmente a reclamação graciosa referida em I., cujo conteúdo, integrando o Processo Administrativo apenso aos autos, se dá aqui por integralmente reproduzido;

K.            Em 19-10-2020 a AT emitiu, no confronto do requerente e referente ao IRS do exercício de 2018, a Liquidação n.º 2020-..., da qual resulta a fixação do rendimento coletável em EUR 8.943,91 (campo 6), da coleta de imposto relativo a tributações autónomas em EUR 2.194,02 (campo 17), da coleta total em EUR 2.504,28 (campo 18), correspondendo assim a um valor total de imposto a pagar de EUR 2.504,28;

L.            O ato de liquidação referido em K. foi notificado ao requerente em data não anterior a 9-11-2020;

M.          Em 12-11-2020 o requerente apresentou no CAAD petição de pedido de pronúncia arbitral, por intermédio do qual peticionou a anulação do ato de liquidação referido em G.;

N.           Na petição referida em M. o requerente atribuiu à presente arbitragem o valor de EUR 9.089,57.

 

FACTOS NÃO PROVADOS:

Da factualidade alegada relevante para a decisão da presente causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito, considero como não provados os seguintes factos:

i.             Que a alineação referida em E. dos factos provados tenha sido feita pelo preço de EUR 46.668,00;

ii.            Que por causa da alienação referida em E. dos factos provados o requerente tenha suportado despesas no valor de EUR 433,98.

 

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

O facto dado como provado em A. resulta demonstrado dos diversos documentos juntos com o requerimento inicial, e não contraditados nem impugnados pela requerida, assim como do próprio Processo Administrativo que identifica o requerente como estando inscrito no cadastro fiscal como residente na Alemanha.

Os factos provados em B. a D. resultam demonstrados, respetivamente, pelos documentos juntos com o requerimento inicial sob os n.os 5 e 6, cotejados com a apresentação n.º 8 de 17-9-1993 da Conservatória do Registo Predial de Lisboa e certificada na certidão de registo predial junta com a petição de reclamação graciosa e constante do Processo Administrativo apenso aos autos. Também o facto provado em E. resulta certificado na certidão acabada de referido (apresentação n.º ... de 20-02-2018).

Os factos provados em F. e G. e H. resultam provados pelos documentos juntos com o requerimento inicial sob os n.os 8 e 3, respetivamente; e os factos provados em I. e J. resultam do documento n.º 1 oferecido com o mesmo articulado. Já os factos provados em K. e L. resultam provados pelos documentos juntos aos autos pela requerida em 17-06-2021.

Finalmente, os factos provados em M. e N. resultam da própria tramitação processual dos presentes autos.

Quanto à matéria dada como não provada, o facto ii. resulta da circunstância de não ter sido oferecido qualquer meio de prova, documental ou outro, que demonstrasse quer a faturação, quer o pagamento de tais despesas, assim como a sua descrição e um qualquer nexo de conexão com a alienação da fração. Por outro lado, e quanto facto i., não foi junta qualquer prova documental (designadamente certidão do contrato de compra e venda ou da respetiva escritura) que permitisse concluir qual o preço pelo qual foi efetivamente vendida a quota ideal do requerente na fração identificada em B. dos factos provados. Apesar da certidão de registo predial constante do Processo Administrativo permitir estabelecer com segurança a alienação, pelo requerente, da sua quota indivisa em tal imóvel, esse documento não se mostra suficiente para demonstrar probatoriamente o preço da referida transação imobiliária e tão-pouco foi oferecido qualquer outro meio de prova que indiciasse essa factualidade.

Em consequência, não poderão assim considerar-se provados tais factos, apesar de alegados no requerimento inicial.

 

— IV —

QUESTÃO DECIDENDA:

                A única questão principal relevante para a decisão da presente causa é a de saber se o regime previsto no art. 43.º, n.º 2, do CIRS (na redação vigente em 2018), na medida em que restringe apenas aos sujeitos passivos residentes a aplicação da desconsideração de 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias para efeitos de determinação do rendimento de mais-valias sujeito a tributação em sede de IRS, deve ser afastado por ser incompatível com preceitos e princípios de Direito Europeu, em particular com o disposto no art. 63.º do TFUE.

Acessoriamente, importa ainda decidir duas outras questões: (i) a restituição ao requerente dos montantes por si indevidamente pagos ao abrigo do ato impugnado e (ii) a condenação da requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

*

                Da factualidade provada resulta que, depois de no procedimento de reclamação graciosa ter aceitado excluir da tributação o valor de realização correspondente à parcela da quota indivisa adquirida anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS, ao proceder ao apuramento do rendimento de mais-valias sujeito a tributação em sede de IRS do requerente, a AT considerou in totum a diferença positiva entre o valor de realização declarado, deduzido das despesas e encargos, e o valor de aquisição corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda. Não foi, por conseguinte, efetuada a exclusão de tributação que à época se previa no cit. n.º 2 do art. 43.º do CIRS: “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor” (realce adicionado).

                Com efeito, a factispécie da referida norma é bastante clara: a desconsideração na determinação do rendimento de mais-valias (ou, se se preferir, a exclusão de tributação) que nela se prevê aplica-se apenas aos rendimentos provenientes de transmissões efetuadas por sujeitos passivos residentes. No caso presente, sendo o requerente residente na Alemanha, a letra da lei não consentiria que a norma pudesse ser aplicada à determinação do seu rendimento tributável.

                Insurge-se porém o requerente, sustentando a incompatibilidade de uma tal solução legislativa com os princípios e os preceitos de Direito Europeu e, em especial, com o art. 63.º do TFUE que estatui uma proibição genérica de restrições à livre circulação de capitais (n.º 1) e à livre realização de pagamentos (n.º 2) entre Estados membros e entre estes e países terceiros e, por conseguinte, clamando pelo afastamento da aplicação da referida norma de direito interno.

                Importa decidir.

*

                Independentemente das sérias reservas que a solução encontrada possa suscitar — na medida em que desconsidera por completo as opções de política legislativa que presidem entre nós à tributação dos rendimentos mais-valias imobiliárias e que passam pelo englobamento destes rendimentos quando obtidos por sujeitos passivos residentes, sujeitando-os à tributação pelas taxas gerais de IRS e acabando assim por se revelar como uma solução que redunda, as mais das vezes, em situações de flagrante discriminação positiva dos sujeitos passivos não residentes em relação àqueles fiscalmente residentes no território nacional —, a verdade é que a resposta da jurisprudência à questão decidenda é hoje absolutamente clara e inequívoca, não se antevendo qualquer razão ou fundamento para agora divergir dela, sobretudo tendo presente o preceituado no art. 8.º, n.º 3, in fine, do Código Civil.

                Com efeito, as exigências de uniformidade na interpretação e aplicação do Direito da União Europeia impõem que seja o Tribunal de Justiça da União Europeia o único intérprete das normas dos tratados constitutivos e do direito derivado. Nessa medida, a jurisprudência do TJUE a propósito da interpretação das normas e princípios de Direito Europeu tem carácter obrigatório e é vinculativa para os tribunais nacionais. E acerca da questão decidenda nos presentes autos o Tribunal do Luxemburgo já deixou bem claro que “a fixação da matéria coletável em 50 % para as maisvalias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.°, n.° 1, do TFUE” que não encontra justificação válida ou objetiva (Ac. TJUE 18-3-2021, MK, C-388/19, EU:C:2021:212, pars. 32 e 41).

                Consequentemente, concluiu o Tribunal de Justiça (Ac. MK, cit., par. 47):

o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um EstadoMembro que, para permitir que as maisvalias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse EstadoMembro, por um sujeito passivo residente noutro EstadoMembro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às maisvalias realizadas por um residente do primeiro EstadoMembro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

 

                Também o Supremo Tribunal Administrativo afinou pelo mesmo diapasão, mesmo antes da prolação do Acórdão MK, uniformizando a jurisprudência no mesmo exato e preciso sentido. Na verdade, no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo veio a tirar-se acórdão [Ac. STA 9-12-2020, Proc.º 075/20.6BALSB (ainda não publicado em Diário da República, mas disponível em www.dgsi.pt)] que uniformizou a seguinte jurisprudência:

III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redação aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV – Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.

 

Assim, nada mais resta do que aderir aos fundamentos destes dois arestos acima citados e, subsumindo a factualidade dada como provada a esses considerandos jurídicos, concluir que o regime previsto no art. 43.º, n.º 2, do CIRS (na redação vigente em 2018), na medida em que restringe apenas aos sujeitos passivos residentes a aplicação da desconsideração de 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias para efeitos de determinação do rendimento de mais-valias sujeito a tributação em sede de IRS, é incompatível com o disposto no art. 63.º do TFUE, na exata e precisa medida em que tal resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão MK.

*

Neste passo é forçoso ter presente que, de acordo com o artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o Direito Europeu é aplicável na ordem interna nos termos previstos pelo próprio Direito da União — isto é, neste preceito constitucional está implícita a assunção do denominado princí-pio do primado do Direito da União sobre o direito interno. Na verdade, “[é] a regra básica do Direito Comunitário que [...] uma norma de Direito Comunitário com efeito direto prevalece sempre sobre uma norma de direito nacional. Esta regra, que não se encontra consagrada em nenhum dos Tratados mas que tem sido invocada com grande ênfase pelo Tribunal, aplica-se independentemente da natureza da norma comunitária (tratado constitutivo, ato comunitário ou acordo com um Estado terceiro) ou da norma nacional (Constituição, norma legislativa ou normação derivada); aplica-se da mesma forma quer a norma comunitária seja anterior ou posterior a uma norma nacional: em todos os casos a norma nacional cede perante o Direito Comunitário” (T.C. HARTLEY, Foundations of European Community Law, Oxford University Press, 2003, p. 228, tradução livre). Entendimento que, de resto, corresponde à jurisprudência longamente consolidada do TJUE — assim, cfr. Ac. TJUE 15-7-1964, COSTA c. ENEL, C-6/64, EU:C:1964:66; Ac. TJUE 9-3-1978, SIMMENTHAL, C-106/77, EU:C:1978:49, par. 24. Também na doutrina portuguesa é consensual a ideia de que “a uniformidade do Direito Comunitário impõe o pri¬ma¬do de todo o Direito Comunitário (originário, isto é, os tratados, e derivado, quer dizer, as normas e os atos emanados dos órgãos comunitários) sobre todo o direito estadual (inclu¬sive a Cons¬tituição), seja este anterior ou posterior aos tratados comunitários ou à nor¬ma comu¬ni¬tária concretamente em causa” (GONÇALVES PEREIRA / FAUSTO DE QUA¬DROS, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, 1997, pp. 125 e 126).

Como bem sintetiza ALBERTO XAVIER, agora já no plano da aplicação deste princípio no domínio específico do Direito Fiscal (Direito Tributário Internacional, Almedina, 2007, p. 216):

O Direito Comunitário (tratados institutivos e disposições dotadas de aplicabilidade direta) tem prevalência ou primazia de aplicação (Anwendungsvorrang) relativamente à legislação nacional dos Estados- Membros. Esta primazia traduz-se na desaplicação da lei nacional e consequente aplicação da norma comunitária com ela colidente, mas não necessariamente abrogação.

 

Como o Tribunal do Luxemburgo deixou bem explícito no cit. Ac. SIMMENTHAL (cit., par. 24): “O juiz nacional responsável, no âmbito das suas competências, por aplicar disposições de direito comunitário, tem obrigação de assegurar o pleno efeito de tais normas, decidindo, por autoridade própria, se necessário for, da não aplicação de qualquer norma de direito interno que as contrarie, ainda que tal norma seja posterior, sem que tenha de solicitar ou esperar a prévia eliminação da referida norma por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional.”

Em conclusão, do princípio do primado não decorre que as normas de Direito Europeu tenham natureza paramétrica sobre as normas de direito interno: não há lugar a um juízo de invalidação ou de revogação enquanto manifestação de uma hierarquia normativa strictu sensu, cuja existência, de resto, não é consensual. No que interessa à economia da presente arbitragem, o efeito prático do princípio do primado é a desaplicação das normas de direito interno que sejam contrárias a, ou incompatíveis com, o Direito da União Europeia.

Nessa medida há que recusar a aplicação do mencionado art. 43.º, n.º 2, do CIRS na interpretação normativa de efeito restritivo e cerceador da liberdade de circulação de capitais consagrada pelo citado art. 63.º do TFUE. Aplicando, então, aos factos sub judice aquele preceito de direito interno já despido do segmento normativo que se concluiu ser incompatível com os tratados europeus, verifica-se que a liquidação objeto da presente arbitragem não pode validamente subsistir, pois está ferida de vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito.

Consequentemente, a presente impugnação terá de proceder, determinando-se assim a anulação da liquidação que, após a modificação objetiva da instância, forma objeto desta arbitragem na parte em que, na determinação do rendimento de mais-valias do requerente sujeito a tributação em sede do IRS referente ao exercício de 2018, não considerou o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias imobiliárias por ele declaradas nesse exercício em apenas 50% do seu valor.

 

DOS PEDIDOS ACESSÓRIOS,

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, caracterizado por pronúncias constitutivas (arts. 99.º e 124.º do CPPT), nele podem ainda extrair-se efeitos condenatórios no confronto da administração tributária, como resulta patente do facto de nesse meio processual poder haver lugar à condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida. Acresce que de harmonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão,” preceitos legais aplicáveis à arbitragem tributária por força da expressa remissão, a título de direito subsidiário, do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e c), do RJAT.

Por outro lado, face ao disposto no art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, fica a administração tributária requerida vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.”

Donde, nada obsta a que, no processo arbitral tributário possa haver lugar à condenação da administração tributária requerida na restituição aos requerentes das quantias por eles pagas na decorrência de atos tributários que venham, nessa sede arbitral, a ser anulados ou declarados nulos. De resto, tal constitui uma prática jurisdicional difusa nos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD.

Pelo que, na procedência da impugnação do ato de liquidação objeto da presente arbitragem, terá também de proceder a pretensão de condenação da AT a restituir ao requerente a quantia de imposto por ele indevidamente paga ao abrigo do ato de liquidação agora parcialmente anulado.

*

                Decorre do art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão da qual não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, devendo esta — nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários estaduais — restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando todos os atos e operações necessários para o efeito, norma esta que não pode ser desligada do que se dispõe no art. 100.º da LGT, nos termos do qual a plena reconstituição da situação atual hipotética compreende “o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” Especificamente no que concerne à obrigação de juros indemnizatórios dispõe-se no art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Dúvidas não podem existir de que a pretensão relativa a juros indemnizatórios tem também cabimento no meio processual arbitral. Na realidade, dispõe-se no art. 24.º, n.º 5, do RJAT que é “devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” Tal norma¬tivo, conjugado com a circunstância de o processo arbitral ser uma alternativa à impug-na¬ção judicial, deve ser entendido como permitindo a condenação da administração fiscal no paga¬mento de juros indemnizatórios no quadro do processo arbitral. Conclusão que apenas sai reforçada pela leitura do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010 que autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária” com o deliberado fito de que o processo arbitral tributário funcionasse como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

Aplicando este enquadramento jurídico ao caso sub judice, e tendo ficado provado que o requerente procedeu ao pagamento da obrigação tributária correspondente à liquidação parcialmente anulada nos presentes autos e que esta, por seu turno e no segmento em que foi invalidada, está ferida de vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito — circunstância que permite imputar a ilegalidade de que o ato padece diretamente à conduta da AT —, tanto basta que se possa concluir pelo preenchimento dos pressupostos do direito a juros indemnizatórios.

Tem assim também de proceder o pedido acessório de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS DA ARBITRAGEM,

                Tendo em conta o valor já atribuído à causa em sede de saneamento, por aplicação da l. 3 da Tabela I ane¬xa ao Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD (doravante “o Regulamento”) há que fixar a taxa de arbitragem do presente processo em EUR 918,00.

*

Vencida na presente arbitragem, é a requerida AT responsável pelas custas — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento.

Sucede, porém, que a responsabilidade pelas custas da arbitragem não pode ser imputada integralmente à conduta processual da requerida. Com efeito, resulta da factualidade provada que o requerente se apresentou em juízo a impugnar um ato de liquidação que, nesse momento, já estava parcialmente revogado (rectius, administrativamente anulado) na sequência da parcial procedência da reclamação graciosa que ele próprio havia interposto.

A procedência de uma reclamação graciosa faz impender sobre a administração tributária o dever de reconstituir a situação que existiria se o vício de que padecia o ato reclamado não se tivesse verificado, obrigando as mais das vezes — e como sucedeu no caso sub judice — à substituição do ato de liquidação por um novo ato que venha regular integralmente a totalidade da situação tributária sobre que incidia o ato precedentemente objeto daquele meio gracioso de impugnação.

Se o requerente tivesse agido com a diligência devida e que lhe seria exigível, até porque já mesmo durante a fase administrativa se encontrava patrocinado por ilustre causídico, deveria ter aguardado pela prolação e notificação do novo ato tributário a ser emitido na sequência da procedência da reclamação graciosa por si interposta. E nem mesmo o receio de uma situação extremada em que a administração fiscal omitisse o dever de implementar a sua própria decisão de procedência parcial da reclamação graciosa consentiria ao requerente impugnar o ato de liquidação originalmente proferido pela AT: é que os atos administrativos constitutivos de direitos são, em si mesmos, passíveis de execução coerciva por via jurisdicional — caber-lhe-ia assim, num tal cenário, lançar mão do processo de execução de julgados (que, não obstante a sua denominação enganadora, também pode servir para executar atos administrativos inimpugnáveis) dando à execução o despacho que concedeu parcial provimento à reclamação graciosa e não, como fez, impugnar um ato tributário já parcialmente anulado administrativamente pela decisão proferida naquele meio de impugnação graciosa.

Inexiste assim qualquer razão válida para que o requerente se apresentasse a pretório a peticionar a anulação de um ato de liquidação cuja invalidade e desvalor jurídico já haviam sido administrativamente reconhecidos, ainda que parcialmente. Mais a mais quando, ao fazê-lo, o requerente peticionou a invalidação integral desse ato tributário.

A responsabilidade por custas da requerida tem assim de ser limitada ao seu decaimento em face do objeto da instância arbitral tal qual ele foi reconfigurado pelo despacho de 28 de junho p.p. do Tribunal Arbitral. Deste modo, tendo presente que se o requerente se tivesse apresentado a impugnar o mais recente ato regulador da sua situação fiscal relativa ao IRS do exercício de 2018, a responsabilidade por custas da requerida nunca excederia o valor previsto na l. 1 da tabela anexa ao Regulamento — isto é, seria de EUR 306,00.

Por razões de equidade e por obediência aos ditames da boa-fé, afigura-se como ajustado limitar a esse montante a responsabilidade da requerida pelas custas da presente arbitragem, cabendo ao requerente — em virtude do seu impulso processual precipitado — a responsa¬bi¬lidade pelo remanescente da taxa de arbitragem devida, tanto mais que o valor que veio a ser fixado à presente arbitragem (e que, por imposição legal, serve de base tributável para a determinação da taxa de arbitragem devida a final) é exclusivamente imputável à sua conduta processual. Tivesse o requerente impugnado o ato de liquidação referido em K. da factualidade provada — e tivesse peticionado a sua anulação parcial em função da causa de pedir que avançou nos autos — o valor da arbitragem teria forçosamente de ser fixado em montante que se compreenderia no âmbito da l. 1 da Tabela I anexa ao Regulamento e, por consequência, o decaimento da requerida ter-se-ia compreendido numa ordem de grandeza mais limitada, gerando uma responsabilidade por custas de montante significativamente inferior àquela que resultará do valor da presente causa.

Não tendo procedido desse modo, há que concluir que é o requerente quem dá causa às custas na parte em que estas excedem o que resultaria da base tributável que seria aplicável se ele tivesse procedido com o zelo e a diligência que lhe seriam exigíveis.

Por conseguinte, a final condenar-se-á a requerida nas custas da presente arbitragem até ao limite da responsabilidade que resulta da l. 1 da Tabela I anexa ao Regulamento; e o requerente nas custas pela taxa de arbitragem correspondente ao valor remanescente.

 

— V —

                Assim, pelos fundamentos expostos, julgo a presente arbitragem parcialmente proce-den¬te e em consequência:

a)            Julgo o regime previsto no art. 43.º, n.º 2, do CIRS (na redação vigente em 2018), no segmento em que restringe apenas aos sujeitos passivos residentes a aplicação da desconsideração de 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias para efeitos de determinação do rendimento de mais-valias sujeito a tributação em sede de IRS, incompatível com o disposto no art. 63.º do TFUE, na exata e precisa medida em que tal resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão TJUE 18-3-2021 (MK, C-388/19, EU:C:2021:212) e, consequentemente, recuso a aplicação daquele preceito legal na referida dimensão normativa;

b)           Declaro ilegal e anulo parcialmente a Liquidação de IRS n.º 2020-..., na parte em que, na determinação do rendimento de mais-valias do requerente sujeito a tributação em sede do IRS referente ao exercício de 2018, não considerou em apenas 50% do seu valor o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias imobiliárias por ele declaradas nesse exercício e não excluídas de tributação;

c)            Condeno a requerida Administração Tributária e Aduaneira a restituir ao requerente o montante de imposto por este indevidamente pago ao abrigo do segmento ora anulado do ato de liquidação referido em b);

d)           Condeno a requerida Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de juros in¬demni¬zatórios calculados, à taxa legal, sobre a quantia de imposto que o requerente pa¬gou inde¬vidamente ao abrigo do segmento ora anulado do ato de liquidação referido em b), contados desde a data do pagamento até processa¬men¬to integral da correspon¬den¬te nota de crédito;

e)           Fixo à presente arbitragem o valor de EUR 9.089,58;

f)            Condeno ambas as partes nas custas do presente processo arbitral tributário, cuja taxa de arbitragem fixo em EUR 918,00, a suportar em EUR 306,00 pela requerida e em EUR 612,00 pelo requerente.

 

Notifiquem-se as partes.

Notifique-se o M.º P.º — arts. 252.º, n.º 1, do CPC e 72.º, n.º 3, da LTC.

Registe-se e deposite-se.

 

CAAD, 26/10/2021

 

O Árbitro,

(Gustavo Gramaxo Rozeira)