Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 618/2020-T
Data da decisão: 2021-07-12  IRS  
Valor do pedido: € 4.216,06
Tema: IRS - Tributação de mais-valias resultantes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis, realizada por residente noutro Estado Membro da União Europeia.
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SUMÁRIO

 

IRS – Art. 43º, n2 do CIRS. Tributação de mais-valias resultantes da alienação de bem imóvel realizada por residente noutro Estado Membro da União Europeia. Incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no art. 63º do TFUE

 

DECISÃO ARBITRAL

I - RELATÓRIO

 

 

A.  AS PARTES. CONSTITUIÇÂO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.

 

     1. No dia 11 de Novembro de 2020, A..., portador do cartão de cidadão nº..., contribuinte fiscal º ... e sua mulher B..., portadora do cartão de cidadão nº..., contribuinte fiscal nº..., casados sobre o regime de comunhão geral de bens e residentes em ..., ... ..., França (doravante, abreviadamente, designados por Requerentes), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação,  nº 2020..., referente ao período de tributação de 2019, no valor de 8.432,11 euros, efectuada pelo Serviço de Finanças de Lisboa -..., sito na Rua ..., Lisboa, da Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida), que os Requerentes pagaram em 12/08/2020, dentro do prazo limite de pagamento – 31/08/2020.

 

      2. Os Requerentes por não concordarem com o referido acto de liquidação apresentaram em 11/11/2020 o presente pedido de pronúncia arbitral, requerendo a declaração de ilegalidade e a sua anulação.

 

           - No dia 13/11/2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

     3. Ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

     4. Em 06/01/2021, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar.

 

    5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 03/05/2021.

 

     6. No dia 01/06/2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito em 04/05/2021, apresentou a sua Resposta defendendo-se unicamente por impugnação e juntou o processo administrativo (PA).

 

     7. No dia 02/06/2021, foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, concedendo um prazo de dez dias para a apresentação facultativa de alegações escritas e fixando a data de 30/07/2021 como a previsível para a prolação da decisão arbitral.

 

     8. No dia 14/06/2021, foram apresentadas alegações escritas pelos Requerentes, reiterando e desenvolvendo a sua posição jurídica.

 

    9. A Requerida não apresentou alegações escritas.

 

    10. Em 12/07/2021 foi proferida a decisão arbitral.

 

 

 

    B. PRETENSÃO DOS REQUERENTES E SEUS FUNDAMENTOS

 

    Os Requentes, solicitam a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do ato de liquidação relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do exercício do ano 2019, por entenderem que a Requerida, ao considerar na liquidação de IRS a totalidade da mais-valia realizada pelos Requerentes, aplicou o disposto no artigo 43º n.º 2 do Código do IRS o qual, por sua vez, viola os artigos 18º e 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante TFUE).

 

       Os Requerentes no ano de alienação do imóvel em causa, residiam e residem em ..., ..., em França.   

 

      Durante o matrimónio, os Requerentes adquiriram, em 23/10/1998, por escritura pública a fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao segundo andar direito, lado norte, destinada a habitação, do prédio urbano sito no ..., Rua ..., da atual união de freguesias de ... (...), ... e ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., da freguesia de ... (...), e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... da referida união de freguesias, pelo preço de nove milhões e quinhentos mil escudos.   

 

       Os Requerentes adquiriram a totalidade do IMÓVEL na referida data.  

 

       Deste modo, no cômputo geral, o valor de aquisição mencionado no anexo G da Declaração Mod 3 – IRS de 2019, importou em € 47.385,80.    

 

No dia 18/02/2019, os Requerentes alienaram o IMÓVEL, pelo valor de € 100.000,00.

 

Assim, o cômputo geral do valor de realização mencionado no Anexo G da Declaração de Mod 3 de IRS de 2019, importou em € 100.000,00.

 

Em 27 de Maio de 2020 os Requerentes submeteram, na qualidade de sujeitos passivos não residentes, a declaração de Modelo 3 de IRS de 2019, mencionando no anexo G a referida alienação.   

 

      Os valores de realização, de aquisição e de despesas e encargos declarados no Anexo G, para o que aqui importa, foram, respetivamente, de € 100.000,00, € 47.385,80 e € 228,17.

 

      Com a aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda, os valores de aquisição, passam a ser os seguintes:

 

- € 47.385,80*1.47=€ 69.657,1 

 

      Correspondendo a uma mais-valia de € 30.114,70 (€ 100.000,00 - € 69.657,13 - € 228,17).  

 

No quadro 8 da declaração de IRS de 2019, os Requerentes optaram pelo Regime Geral, assinalando o campo 07.    

 

A Requerida AT efetuou a correspondente liquidação de IRS, constando da respetiva demonstração o rendimento global de € 30.114,70.     

 

E o valor a pagar de € 8.432,11.      

 

Ou seja, corresponde a 28% da totalidade da mais-valia realizada pelos Requerentes de € 30.114,70.

 

A respetiva nota de liquidação foi emitida em 22/07/2020, com o prazo de pagamento até 31/08/2020.    

 

Os Requerentes procederam ao pagamento do referido imposto no dia 12/08/2020.

 

A Requerida tributou em 100% as mais-valias imobiliárias auferidas pelos Requerentes, à taxa de 28%      

 

Tal ato de tributação da totalidade das mais-valias imobiliárias é incompatível com o Direito da União Europeia.     

 

Em particular, com a liberdade de circulação de capitais, estabelecida no artigo 63º do TFUE.      

 

Na medida em que não houve aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em 50%, conforme previsto no artigo 43º n.º 2 do Código do IRS, a residentes fiscais noutro Estado-Membro da União Europeia.      

 

Existe, assim, um conflito de norma interna, o artigo 43º n.º 2 do Código do IRS, com o Direito da União Europeia, devendo aquela ser desaplicada pela Requerida AT, de acordo com o Princípio do Direito da União Europeia.     

 

Ora, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o artigo 10º n.º 1 alínea a) do CIRS prevê que: “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

 

a)      Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…), sendo o ganho constituído pela diferente entre o valor da realização e o valor da aquisição, líquidos das partes qualificada como rendimento de capitais (…)”

 

               Quanto à tributação de não residentes em território português, prevê o artigo 13º n.º 1 do referido diploma, que:

 

“Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.”.   

 

Prevê ainda o artigo 15º n.º 2 do mesmo diploma que, quanto aos não residentes, aquele imposto incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.      

 

Nessa conformidade, as mais valias resultantes da transmissão de imóveis situados em território português, constituem, assim, rendimentos obtidos nele, conforme artigo 18º n.º 1 h) do CIRS.     

 

De harmonia com a declaração de rendimentos dos Requerentes, a Requerida, liquidou o imposto, à taxa de 28%, sobre a totalidade do rendimento global, prevista no artigo 72º n.º 1 alínea a) do CIRS, o qual, determina que: “São tributados à taxa autónoma de 28%: a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado.”      

 

Ora, diz-nos o artigo 63º n.º 1 do TFUE, que apresenta a livre circulação de capitais como elemento estruturante do processo de integração europeia, que: “São proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados – Membros e entre Estados – Membros e países terceiros.”      

 

Além do mais, determina, ainda, o artigo 65º do referido Tratado que:

 

“1-O disposto no artigo 63º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

 

Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

 

Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

 

2- O disposto no presente Capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com o presente Tratado.

 

3- As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63º.”     

 

Conforme definido, ainda, no artigo 18º do referido Tratado, é proibida toda e qualquer discriminação, no âmbito de aplicação dos Tratados e sem prejuízo das suas disposições especiais.     

 

Ora, atento às normas europeias supra citadas, é manifesta a desconformidade da legislação fiscal portuguesa com a legislação da União Europeia.   

 

Isto é, o tratamento conferido pela legislação fiscal portuguesa a residentes e não residentes, na tributação de mais-valias imobiliárias, configura, em si, uma manifesta discriminação indireta em razão da nacionalidade, contrária ao disposto nos artigos 63º e seguintes do TFUE.      

 

            A tributação pela legislação portuguesa, só tem regimes diferenciados em função da residência ou não residência do sujeito passivo.      

 

            Não se verificando qualquer razão justificativa, material ou formal, para a diferenciação dos regimes impositivos, isto é, a exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em 50% para residentes, e a tributação da totalidade das mais-valias imobiliárias para não residentes.      

 

            Assim, na perspetiva material, os residentes e os não residentes encontram-se, no caso de tributação de mais-valias imobiliárias, em situação, claramente, idêntica.    

 

            É comumente aceite que, uma operação de liquidação de um investimento imobiliário está abrangido pela liberdade de circulação de capitais.

 

          Ora, no caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, como no caso sub judice, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal muito superior àquela que é aplicada a residentes, ocupando, uma posição menos favorável em relação a estes.     

 

            Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada a taxa de 28% sobre a totalidade das mais-valias realizadas.     

 

A consideração de apenas metade da matéria coletável correspondente às mais-valia realizada por um residente, permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, independentemente da taxa de tributação que seja aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 48%.   

 

Tem sido unânime na jurisprudência dos nossos Tribunais e Centros de Arbitragem, que, este regime torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes, constituindo, assim, uma restrição aos movimentos de capitais expressamente proibida pelo artigo 63º do TFUE.    

 

O Tribunal de Justiça da União Europeia já teve várias oportunidades de se pronunciar sobre a matéria em causa, concretamente, a compatibilidade da norma contida no artigo 43º n.º 2 do CIRS com o Princípio da livre circulação de capitais.     

 

Entre outros, no acórdão Hollmann, de 11/10/2007, Processo n.º C-443/06, proferido pelo TJUE, no qual, este conclui que a normal nacional portuguesa, contida no referido artigo 43º n.º 2 do CIRS, viola o artigo 63º do TFUE, na medida em que reveste um carácter discriminatório para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados Membros.   

 

Os principais argumentos utilizados e no qual se fundamentou a decisão proferida pelo TJUE no acórdão supra indicado, foram os seguintes:     

 

 Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais;

 

No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior à que é aplicada a residentes, encontrando-se, assim, numa situação menos favorável que estes;

 

Enquanto que a um não residente é aplicada uma taxa de 25% (atualmente de 28%), sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável corresponde às mais-valias realizadas por um residente, permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42% (atualmente 48%);

 

Este regime torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;

 

A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objetivo de evitar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25% (Atualmente 28%, não ocorrendo o englobamento), porque, como supra salientado, sendo o escalão mais elevado 42% (Atualmente 48%) conduz sempre, nas mesmas condições a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento coletável do residente, não existindo, objetivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos;

 

A necessidade de garantir a coerência do regime fiscal nacional não se apresenta como razoável para permitir a restrição propugnada pelo artigo 43º n.º 2 do CIRS.      

 

A jurisprudência do TJUE interpreta o atual artigo 63º do TFUE no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria em relação a este tipo de operação, sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.     

 

Nessa medida, o disposto no artigo 43º n.º 2 do CIRS, ao limitar a tributação a 50% do saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal e não para os não residentes, para efeitos de determinação da matéria coletável em IRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida expressamente pelo artigo 63º do TFUE.      

 

Também na jurisprudência nacional, o Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 439/06, veio, igualmente, a decidir pela incompatibilidade deste normativo nos seguintes termos:”O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, (…) que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no artigo 56º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”     

 

Tal linha de raciocínio foi também seguida pelo STA no processo n.º 1172/14, no qual o Tribunal concluiu no mesmo sentido do anterior processo, relativamente à questão da divergência de regimes de tributação em função da residência dos sujeitos passivos.            

 

Pelo que entendem os Requerentes terem o direito a ver anulada a parte da liquidação que se encontra viciada, por violação das normas supra citadas, tudo melhor conforme Acórdão do STA, de 30/04/2013 (Processo n.º 1374/12) e Acórdão do STA, de 2/12/2015 (Processo n.º 754/15).    

 

            Será também esta a jurisprudência dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD, no sentido de considerar ilegal a tributação de mais-valias obtidas por não residentes, por incompatibilidade entre o artigo 43º n.º 2 do CIRS e o artigo 63º do TFUE, na medida em que restringe a tributação 50% das mais-valias a cidadãos residentes, citando a título de exemplo as decisões proferidas no âmbito dos processos n.s 45/2012-T (5/07/2012), 127/2012-T (14/05/2013), 748/2015-T (27/07/2016), 89/2017-T (5/07/2017), 520/2017 (4/06/2018), 617/2017.T (22/06/2018) e 644/2017-T (30/05/2018), 800/2019-T (19/10/2020).      

 

Mesmo após as alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no processo C-443/06, conhecida como Acórdão Hollmann, se mantém o efeito discriminatório decorrente da diferenciação dos regimes aplicáveis a residentes e a não residentes.     

 

Pelo que, em conclusão, entendem os Requerentes que o ato de liquidação de IRS n.º 2020... relativo ao IRS do exercício de 2019, no valor de € 8.432,11, é ilegal, por violação das leis europeias supra mencionadas, por manifesta incompatibilidade do artigo 43º n.º 2 do Código do IRS com os artigos 18º e 63º do Tratado do Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal.      

 

Devendo, em consequência, a referida liquidação ser parcialmente anulada na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, ou seja, em € 4.216,06.           

 

Nos termos do disposto no artigo 100º da Lei Geral tributária, a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.   

 

O ato de liquidação em causa é da inteira responsabilidade da Requerida, Autoridade Tributária, tendo conduzido a um pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, estando, pois, inquinado por vício de violação de lei, tendo sido praticado por erro imputável aos serviços, pelo que os Requerentes têm direito ao pagamento de juros indemnizatórios.   

 

Com efeito, nos termos do artigo 43º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando exista erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

 

E esses juros indemnizatórios são devidos, desde a data do pagamento, calculados com base no respetivo valor, até à integral devolução aos Requerentes, nos termos dos artigos 43º n.ºs 1 e 4, e 35º n.º 10 da LGT, 61º do CPPT e 559º do Código Civil, à taxa legal em vigor

 

 Requerem, assim, que seja declarado ilegal o ato de liquidação n.º 2020..., relativo ao IRS do exercício de 2019, e, em consequência, se condene a Requerida a:

 

a)      Anular parcialmente a liquidação posta em crise, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária;

 

b)      Substituir a referida nota de liquidação, por outra que preveja a aplicação da exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em 50%;

 

c)      Restituir aos Requerentes o valor de imposto indevidamente pago, no valor de € 4.216,06.

 

d)     Pagar aos Requerentes juros indemnizatórios, desde a data em que aqueles efetuaram o pagamento da liquidação, até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado.

 

e)      Pagar as custas do processo. 

 

 

 

           C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

Impugnando a Pretensão dos Requerentes, a Requerida AT alegou o seguinte:

 

Nos presentes autos está em causa a liquidação de IRS nº 2020..., referente ao ano de 2019, da qual resultou imposto a pagar no valor de 8.432,11 euros.

 

Os Requerentes pedem a sua anulação parcial, designadamente, " (...) na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, ou seja, em 4.216,06 €", considerando que, é ilegal, por violação das leis europeias por manifesta incompatibilidade do artigo 43º nº 2 do Código do IRS com os artigos 18º e 63º do Tratado do Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal".

 

A Requerida entende que inexiste qualquer vício que inquine a sua validade, pelas seguintes razões:

 

Com vista à adaptação da legislação portuguesa à legislação comunitária foi aditado ao artigo 72º do CIRS, o nº 7, actual nº 9, cuja redacção à data dos factos, era o seguinte:

 

"Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 e no nº 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

 

Igualmente o nº 8, actual nº 10, do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei nº 67-A/2007, prescrevia, à data dos factos, que "Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes".

 

Por força dessa alteração legislativa as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68º do CIRS.

 

Verifica-se na declaração de IRS entregue pelos Requerentes que no Quadro 8 do Rosto foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (país de residência) e o campo 7 (opção pela tributação pelo regime geral).

 

Na verdade, para que o pretendido pudesse proceder, nomeadamente, que a tributação da mais-valia fosse feita pela taxa consagrada no artigo 68º, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9, opção pelas taxas do artigo 68º do CIRS, e 11, total dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

Não o tendo feito, como evidencia o Mod. 3, e decorre do P.P.A., não pode ser peticionado proceder e, muito menos, a imputação do erro, e consequente responsabilidade, no preenchimento da declaração ser assacada à Requerida.

 

Ademais, a norma estabelecida no nº 2 do artigo 43º, e cuja aplicação os Requerentes defendem, encontra-se no capítulo II do CIRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento colectável".

 

No entender da Requerida, para efeitos de incidência, e no que respeita à matéria das mais-valias, relevantes são os artigos 9º e 10º do CIRS.

 

Assim, o disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS não é aplicável ao caso aqui em análise.

 

Razão pela qual, soçobram todos os fundamentos trazidos aos autos pelos Requerentes e, consequentemente, as alegadas ilegalidades assacadas à liquidação objecto do P.P.A.

 

Também o pedido de condenação em juros indemnizatórios terá que improceder por não se verificarem os pressupostos constantes do nº 1 do artigo 43º da LGT.

 

Razão pela qual deve a presente acção arbitral ser julgada improcedente, absolvendo-se a Requerida dos pedidos.

 

 

      D. QUESTÕES A DECIDIR

 

            Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados é, no fundo, a seguinte a principal questão que cabe apreciar e decidir:

 

            Se no caso de mais-valias resultante da alienação de bens imóveis, o regime diferenciado de tributação aplicável a residentes no território nacional e a residentes no território da União Europeia, no que concerne à  limitação da incidência de IRS para os aqui residentes de 50% do saldo das mais-valias, configura, ou não, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia.

 

              E, complementarmente, no caso do Tribunal Arbitral condenar a Requerida, se haverá lugar ao pagamento por esta de juros indemnizatórios.

 

 

     E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

        - O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.

 

         - As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

         - O processo não enferma de nulidades.

 

         - Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

        Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

       Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

 

Os Requerentes A..., NIF ... e sua mulher B..., NIF ... são cidadãos portugueses residentes em França.

Os Requerentes procederam, em 27/05/2020, na qualidade de sujeitos passivos não residentes à entrega da sua declaração de IRS – Modelo 3, respeitante ao ano de 2019, com o Anexo G, relativo aos rendimentos das mais-valias imobiliárias obtidas com alienações de imóveis.

Consta deste Anexo G, as mais-valias resultantes da alienação a que os Requerentes procederam do seu imóvel identificado nos autos, sito no concelho de ..., em 18/02/2019, pelo valor de 100.000,00 euros.

Este imóvel tinha sido adquirido pelos Requerentes, na constância do matrimónio, em 23/10/1998 pelo valor de  47.385,80 euros.

Os valores de realização, de aquisição e de despesas e encargos declarados no Anexo G são, respectivamente, 100.00,00 euros, 69.657,13 euros (com a aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda sobre 47.385,80 euros) e 228,17 euros, correspondendo a uma mais-valia de 30,114,70 euros.

No quadro 8 da Declaração de IRS, os Requerentes optaram pelo Regime Geral, assinalando o campo 7.

A AT efectuou a correspondente liquidação, constando da respectiva demonstração o rendimento global de 30.114,70 euros, sendo o valor a pagar 8.432,11 euros, que corresponde a 28% da totalidade da mais-valia realizada.

A respectiva nota de liquidação foi emitida em 22/07/2020, com o prazo de pagamento até 31/08/2020.

Os Requerentes foram notificados para procederem ao pagamento do imposto apurado, o qual ascendia a 8.432,11 euros, tendo efectuado esse pagamento em 12/08/2020.

10. Por não se conformarem com a liquidação em apreço, os Requerentes apresentaram, pedido de pronúncia arbitral em 11/11/2020.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

        Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

           Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, no processo administrativo e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada.

 

 

 

B. DO DIREITO

 

     Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

 

     A principal questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a A.T. ao tributar a totalidade das mais-valias resultantes da alienação onerosa do bem imóvel sub-judice por sujeitos passivos que não residem em Portugal, mas em França, país membro da União Europeia, por considerar que o nº 2, do art. 43º do Código do IRS deve ser aplicado tão-só aos sujeitos passivos residentes em Portugal, terá violado o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, designadamente o seu art. 63º que assegura a liberdade de circulação de capitais, constituindo tal facto um comportamento discriminatório entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado - Membro da União Europeia.

 

    Com efeito, entende a Requerida que a disciplina do art. 43º, nº 2 do CIRS é aplicável apenas a residentes em território nacional, tendo em conta o elemento literal da norma e as especificidades do regime de tributação das pessoas singulares em Portugal.

 

     No entanto, e como resulta do que se dirá a seguir, e consta da Decisão Arbitral nº 644/2017, de 30 de Maio de 2018, por nós subscrita como juiz singular, carece totalmente de fundamento legal a tese da Requerida que sustenta a coexistência na ordem jurídica portuguesa de dois regimes, um aplicável às pessoas residentes em território português e outro aplicável às pessoas que não sejam aí residentes, embora residam também no território de Estado Membro da União Europeia.

 

     Ora, conforme, aliás, é alegado pelos Requerentes, esta questão foi já apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no seu Acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, designado por "Acórdão Hollmann", que se pronunciou no sentido que o referido art. 43º, nº 2 do CIRS por revestir carácter menos favorável para os não residentes, infringindo, assim, o princípio da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros da União Europeia, viola o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

     Assim sendo, fica, agora, por determinar se a opção, que o sistema tributário português introduziu, após a publicação do referido "Acórdão Hollmann", e que se encontra vertido nos nºs 8 e 9 do art. 72º do CIRS, terá afastado o juízo de discriminação do TJUE, formulado a respeito do disposto no nº 2 do art. 43º do CIRS, nos termos acima indicados.

 

    Com efeito, para a Requerida o regime constante do art. 72º do CIRS repôs a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes, eliminando, assim, qualquer discriminação que pudesse existir.

 

    Ora, tal não ocorre, como resulta do que a seguir se explana.

 

     Em situação paralela, veio o TJUE pronunciar-se em 18 de Março de 2010, no apelidado "Acórdão Gielen" (processo C-440/08), frisando claramente que a opção de equiparação que venha permitir a um sujeito passivo não residente a possibilidade de escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório não exclui os efeitos discriminatórios do primeiro destes dois regimes, pois se tal fosse reconhecido estar-se-ia a validar um regime fiscal violador do Tratado, em razão do seu carácter discriminatório.

 

     E, peremptoriamente, conclui que o Tratado "se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes... apesar de esses contribuintes poderem optar pelo regime aplicável aos contribuintes residentes".

 

     Ora, o nº 4 do art. 8º da Constituição da República consagra o princípio do primado do direito comunitário e da prevalência da interpretação do TJUE, nos seguintes termos:

 

    “3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos tratados constitutivos.”

 

     Assim sendo,  prevalecendo na ordem jurídica portuguesa a jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, vinculando a mesma os tribunais nacionais, conforme é reconhecido pelo STA, e face ao paralelismo das questões que foram decididas  com a questão agora em apreciação, a decisão nos presentes autos não se distinguirá, nem se poderia distinguir, da orientação fixada na referida jurisprudência, isto é que a solução que o legislador português adoptou não eliminou o carácter discriminatório em que, nesta matéria, se encontram os sujeitos passivos residentes em Estados-Membros da União Europeia.

 

     Também tem sido esta a Jurisprudência adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo, conforme se verifica no Acórdão de 22 de Março de 2011, proferido no processo nº 1031/10, em que para fundamentar a anulação da liquidação emitida pela Autoridade Tributária, este Venerando Tribunal disse o seguinte:

 

     "perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72º nº 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43º, nº 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. nº 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56º do TJCE (actual artigo 63º do Tratado sobre o Financiamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.".

 

     E, no que ao princípio da não discriminação diz respeito, nas situações de tratamento igual entre cidadãos europeus, independentemente da sua nacionalidade e residência, como princípio estruturante da União Europeia, citam-se os Acórdãos do STA de 16/01/2008 (proc. nº 439/06) de 27/11/2013 (proc. nº 0654/13) e de 14/05/2014 (proc. nº 01319/13).

 

     No mesmo sentido este CAAD se tem pronunciado sobre a questão sub judice, conforme se verifica nas Decisões, que vêm citadas nas peças processuais apresentadas pelos Requerentes, que consideraram ilegais as liquidações efectuadas pela AT nestas circunstâncias, e procederam à sua anulação, por estas terem restringido o  direito à redução em 50% das mais-valias aos sujeitos passivos residentes em Portugal.

 

     Assim sendo, dúvidas não há de que a solução normativa que foi adoptada pelo legislador nacional não eliminou o carácter discriminatório no tratamento de residentes e de não residentes, em matéria de mais-valias decorrentes da alienação de imóveis.

 

     Deste modo, atento o exposto, procede o vício de violação de lei invocado pelos Requerentes relativamente à liquidação efectuada pela Requerida nos referidos termos e que vem impugnada, por manifesta incompatibilidade do nº 2 do art. 43º do Código do ISS com o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no ponto em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal, com a sua consequente anulação.

 

    Relativamente aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a administração tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias, para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu nº 5,  que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, reconhecendo, assim, o direito a juros em processo arbitral.

 

    Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo art. 29º, nº 1, alínea a), preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

 

    Por seu lado, o art. 43º da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

    Nesta conformidade, a questão que se coloca é a de se saber se, face ao circunstancialismo demonstrado, se pode considerar ter havido, ou não, erro imputável aos serviços na situação vertente.

 

    Analisada a situação, verifica-se que a Autoridade Tributária ao proceder à liquidação, nos termos em que o fez, tinha consciência de que incorria na prática de uma ilegalidade, uma vez que o entendimento aqui sufragado já se encontra sedimentado na ordem jurídica há largos anos e a Requerida reconhece conhecê-lo.

 

     Assim sendo, há que concluir que o acto de liquidação, que é da inteira responsabilidade da Requerida e que conduziu a um pagamento de IRS em montante superior ao legalmente devido e está inquinado por vício de violação da lei, foi praticado por erro imputável aos serviços, pelo que haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios. 

 

C. DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

 

a) Declarar ilegal e anular parcialmente o acto tributário objecto dos presentes autos, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração na totalidade da mais-valia imobiliária;

 

b)  Condenar a Requerida a restituir aos Requerentes o valor do imposto indevidamente liquidado e pago, isto é, 4.216,06 euros acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até integral reembolso;

 

c)  Condenar a Requerida nas custas do processo,

 

D. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em 4.216,06 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)

 

Lisboa, 12 de Julho de 2021

 

O Árbitro

(José Nunes Barata)