Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 616/2020-T
Data da decisão: 2021-07-19  IRS  
Valor do pedido: € 29.393,64
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias – Não residentes.
Versão em PDF

 

Sumário:

I-Atenta a natureza de “processo de massa” da liquidação anual de IRS, o dever de fundamentação é cumprido pela AT de forma “padronizada” e “informatizada”, não podendo o declarante alegar o desconhecimento de factos e valores por si declarados.

II-A norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, incluindo a residentes em estados terceiros, é ilegal por constituir uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

I.1

1.            Em 10 de NOVEMBRO de 2020 o contribuinte A..., Contribuinte fiscal n.º..., residente em ...,  ..., Dubai, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 11 de Novembro de 2020.

3.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

4.            Por requerimento de 13.01.2021 a Requerida informou que revogou parcialmente o ato impugnado.

5.            O Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por ofício datado de 05.01.2021, notificou a requerente para informar se queria prosseguir com o procedimento.

6.            A requerente informou no dia 17.01.2021 que pretendia que o procedimento prosseguisse os trâmites normais.

7.            O tribunal arbitral foi constituído em 03.05.2021 e no mesmo dia proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.

8.            A AT apresentou a sua resposta em 07 de junho de 2021.

9.            Por despacho de 08.06.2021, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.

10.          A Requerida apresentou as suas alegações em 21 de junho de 2021.

11.          A Requerente não apresentou alegações.

12.          Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare ilegal e anule o ato de liquidação N.º2020..., referente ao ano de 2019, do qual resultou imposto a pagar no valor de €29.393,64,

 

I.2. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.            Do ato de liquidação ora contestado, não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, conforme é exigido de acordo com o disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária.

2.            Na verdade, no ato de liquidação notificado não são explicitados os fundamentos que determinaram a sua emissão, sendo, apenas, indicado um conjunto de valores, impercetíveis para um destinatário normal e, também, para a ora Requerente.

3.            Sucede que, aquando da emissão do  ato  de  liquidação  objeto  do  presente  pedido,  a Autoridade  Tributária  e  Aduaneira  fez  incidir,  erradamente,  a  referida  liquidação  de  IRS  sobre  a totalidade do saldo positivo da mais-valia auferida pela ora Requerente decorrente da alineação do imóvel situado em território português e, bem assim, não cuidou de fazer as correções impostas pela lei acima melhor descritas.

4.            Ao contrário do que a lei impõe, não foi aplicada a exclusão de 50% do saldo positivo da mais-valia imobiliária, conforme estabelece o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS para os sujeitos passivos residentes.

5.            O tratamento conferido pela atual redação do CIRS a residentes e a não residentes na tributação de mais-valias imobiliárias configura uma discriminação indireta em razão da nacionalidade, contrária, por conseguinte, ao disposto nos artigos 63.º e seguintes do TFUE. 

6.            O legislador fiscal português, nesta matéria, desconsidera por completo os princípios do primado do Direito  Europeu  e  da  prevalência  da  interpretação  do  TJUE  sobre  o  Direito  Europeu, impostos pelo n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

7.            A legislação portuguesa em vigor prevê uma redução da base tributável em 50% respeitante ao saldo positivo das mais-valias imobiliárias para os sujeitos passivos qualificados como residentes fiscais em Portugal, impondo, pelo contrário, a tributação total daquele saldo quando referente a sujeitos passivos não residentes.

8.            Para além da discriminação acima evidenciada, a Autoridade Tributária incorreu, também, num erro no cálculo das mais-valias, não tendo cuidado de fazer as correções impostas pela lei.

9.            O imóvel foi adquirido pela ora Requerente “em comum e partes iguais”, correspondendo o valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) ao montante pago pela Requerente, e o remanescente ao valor pago pelo outro proprietário, B... .

10.          Esse valor deverá ser corrigido através da aplicação do coeficiente desvalorização da moeda de 1,14 (em vigor no ano de alienação, i.e., 2019 – portaria n.º 362/2019, de 9 de outubro).

11.          A este montante deverão ser acrescidos os montantes pagos a título de comissão imobiliária (€ 16.758,75), IMT (€ 12.914,00) e Imposto do Selo (€ 2.425,00).

12.          Ora, feitas as mencionadas correções ao valor de aquisição inicial (€ 300.000,00) obtemos o montante de € 374 097,75 (= € 300.000,00 x 1,14 + € 16.758,75 + € 12.914,00 + € 2.425,00).

13.          Tendo presente que o imóvel foi alienado por € 500.000,00, verifica-se que a mais-valia obtida é de € 125.902,25, resultante da subtração do montante do valor de aquisição (€ 374.097,75) ao valor de realização (€ 500.000,00).

14.          No entanto, a mais-valia obtida, i.e. € 125.902,25, não é totalmente imputável à Reclamante uma vez que a Reclamante apenas era proprietária de 50% do imóvel alienado (“em comum e partes iguais”).

15.          Assim, aplicando a referida percentagem ao referido montante, verifica-se que a mais-valia efetivamente devida pela Requerente é de € 62.951,13 (€ 125.902,25 x 50%).

16.          De igual modo, como vimos acima, de acordo com o disposto no artigo 43.º, n.º 2, alínea b do Código de IRS, o saldo da mais-valia apenas é “considerado em 50 % do seu valor”.

17.          Aplicando a referida disposição ao caso vertente, verificamos que a taxa de 28% apenas incidirá sobre € 31.475,56 (€ 62.951,13 x 50%).

18.          É, portanto, sobre esse valor que deverá incidira a taxa de 28% aplicável por via da aplicação do disposto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a).

19.          Assim, aplicando-se a referida taxa ao montante de € 31.475,56 verifica-se que a mais-valia efetivamente devida era de € 8.813,16.

 

I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.            Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigurou-se a correção oficiosa, corrigindo o ano de aquisição do imóvel, tendo sido parcialmente revogado o ato de liquidação de IRS nº 2020..., referente ao período de tributação de 2019, o que foi notificado à Requerente.

2.            A questão controvertida  é  uma  questão  de  direito  e  diz  respeito  à  exclusão  da  incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal nem residente num Estado Membro da União Europeia (ou seja, residente num país terceiro) violar o Direito Comunitário.

3.            Após a decisão proferida no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das  Comunidades  Europeias  de  2007OUT11  (Hollmann),  legislador  nacional  procedeu  à  adaptação  da  legislação  nacional  à  decisão  ali  sufragada,  aditando ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º  7  (atual  n.º  9)  e  o  n.º  8(atual  n.º  10)

4.            Tanto a decisão proferida no Acórdão Hollmann como a decisão proferida no Acórdão  C-184/18  de  6  de  Setembro  de  2018  do  TJUE,  referem-se  a situações ocorridas na vigência da redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31/12,do artigo 72º do Código do IRS.

5.            Quadro normativo esse que passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo  ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

6.            Assim, por um lado, consagra-se a opção da tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a  determinação  da  taxa  teria  em  conta  todos  os  rendimentos  incluindo  os  obtidos fora  deste  território,  nas  mesmas  condições  que  são  aplicáveis  aos  residentes.

7.            Por outro lado, consagra-se a taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS. 11.Alteração esta que veio permitir que,  tanto  residentes  como  não  residentes,  beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento  dos  rendimentos  obtidos  tanto  em  Portugal  como  fora  deste território.

8.            Situação que no caso concreto não ocorreu.

9.            Por tudo o exposto,  salvo  melhor  opinião,  entendemos  que  deve  ser  mantida  a  liquidação impugnada, referente ao IRS do ano fiscal de 2019, devendo-se concluir pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

II. SANEAMENTO

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito dos pedidos.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se o ato tributário está devidamente fundamentado e se no caso de mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, o regime diferenciado de tributação aplicável a residentes no território nacional e a não residentes no território da União Europeia, no que concerne à  limitação da incidência de IRS para os aqui residentes de 50% do saldo das mais-valias, configura, ou não, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os residentes noutro Estado Membro da União Europeia.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.            No dia 27 de novembro de 2007, a Requerente adquiriu, juntamente com B... (NIF...), pelo preço de € 300.000,00 (trezentos mil euros), “a fração autónoma designada pela letra “E” correspondente ao segundo andar direito, para habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., número ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na … conservatória do registo predial de Lisboa, sob o número … e … e …, daquela freguesia, prédio inscrito na respetiva matriz, da freguesia de ..., sob o artigo..., com o valor patrimonial correspondente à fração de 8.189,58€.

2.            O imóvel foi adquirido pela Requerente e por B... em comum e partes iguais.

3.            No dia 21 de janeiro de 2019 a Requerente, juntamente com o outro proprietário, através de escritura pública de compra e venda, procedeu à alienação do referido imóvel, pelo preço global de €500.000,00 – quinhentos mil euros.

4.            Em 2019 a Requerente era residente em ..., ..., Dubai.

5.            Com referência ao ano de 2019, a Requerente, apresentou a declaração Modelo 3 de IRS, tendo na mesma evidenciado rendimentos de mais valias, decorrente da alienação do mencionado imóvel.

6.            A contribuinte declarou pretender que a tributação da mais valia devida fosse efetuada pelo regime geral.

7.            A Requerente foi notificada da liquidação de IRS (2019) nº 2020..., com montante final a pagar em sede de IRS de €259.393,64.

8.            A Requerente apresentou um pedido de pronuncia arbitral no dia 11.10.2020, pedindo a anulação da liquidação identificada no artigo anterior.

9.            Por requerimento de 13.01.2021 a Requerida informou que revogou parcialmente o ato impugnado, corrigindo-se o ano de aquisição do imóvel (2007), o qual havia sido declarado erradamente (2017) pela contribuinte.

 

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 9 são dados como assentes pela análise dos documentos 1 a 5 juntos pela Requerente e pela posição assumida pelas partes.

 

V. Do Direito

 

I)             Falta de fundamentação

 

                               A Requerente começa por invocar a falta de fundamentação do ato impugnado.

                               O direito à fundamentação, relativamente aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos tem consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias - Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º, n.º3 . - tendo o respetivo princípio constitucional sido densificado no art. 77º nºs. 1 e 2 da LGT.

                               A fundamentação tem a função de dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação. A fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação).

                               A falta ou insuficiência de fundamentação do ato, vício de natureza formal (e não substancial), verifica-se, pois, quando o respetivo ato não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório: o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato.

A fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada ato (Cf. Ac. do STA, proc. n.º0787/08 de 05-03-2009 e Ac. do STA proc. n.º 0399/13.9 BEAVR de 24.04.2019).

Cabe-nos verificar se neste ato em concreto, um destinatário normal, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, ficou em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais

                               No caso em concreto, o ato em causa – liquidação de IRS - tem a natureza de “processo em massa”. Nestes casos a lei não exige senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes dos citados números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e que é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da liquidação anual deste imposto (cfr. J.L. Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, «Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202, Ac. do STA de 17/06/2009, proc. n.º 0246/09 e decisão proferida pelo CAAD no processo n.º 137/2013-T de 02.12.2013).

                               A fundamentação padronizada e informatizada constante do ato sub judice não é por si só reveladora da eventual falta de fundamentação.

                               No caso em concreto a liquidação resulta dos factos e valores declarados pela contribuinte. Deste modo, os factos e valores que constam da liquidação são do conhecimento da declarante, não podendo ela alegar o seu desconhecimento e por isso não se nos afigura que o ato padeça de falta de fundamentação. Citando o Ac. do TCA do Sul de 24.01.220, proc. n.º267/07.3 BEALM:

 

I – Porque a liquidação se baseou nos elementos declarados pelos contribuintes resulta dos autos que o acto em crise se encontra devidamente fundamentado, não se verifica qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos critérios utilizados, pois nele se expressam as razões, do conhecimento dos contribuintes a partir das suas próprias declarações, por que se tributou, sendo claros os motivos e os factos concretos ou de direito em que se fundou para decidir no sentido em que o fez, e ali se especificam os elementos determinantes dos critérios utilizados na quantificação do resultado fiscal relativo á liquidação adicional impugnada.

 

Mais, quanto a este vício alegado pela contribuinte, cumpre-nos referir que é patente do seu pedido de pronúncia arbitral que a mesma compreendeu, na íntegra, os diversos motivos fácticos e jurídicos que determinaram a liquidação

Na verdade, as divergências existentes entre a AT e a contribuinte são, como resulta do processo, questões de Direito que a contribuinte no seu articulado alega e esgrime sem qualquer limitação (tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes).

Desta feita, não nos parece, por esta via, que ocorra aqui qualquer vício de falta de fundamentação.

 

II)           Violação do art.º 63º do TFUE

 

Este vício já foi analisado, em situações similares, em diversas decisões arbitrais onde o signatário interveio (cf. a título de exemplo, as decisões proferidas nos Processo n.ºs 548/2018-T, 782/2019-T, 834/2019-T, 600/2019-T, e 318/2020-T).

E não há motivo para alterar o entendimento então sufragado, que de seguida se procurará sintetizar.

 

A Requerente obteve em 2019 um ganho decorrente de uma mais valia obtida pela alienação onerosa de um bem imóvel.

Este rendimento é classificado como rendimento da categoria G – Mais Valia - (art. 10º, n. º1º, al. a) do CIRS), sendo esse ganho constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor da aquisição (art. 10º, n. º4 do CIRS).

Uma vez que o ganho foi obtido em território português (art. 18º, n. º1, al. h) do CIRS) está sujeito a tributação, em sede de IRS, em território Português (art. 13º, n. º1 e 15º, n. º2 do CIRS). 

Depois de apurado o valor da mais valia, o art. 43º, n. º2 do CIRS estatui o seguinte:

“2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.”

 

Face à norma citada, o valor da mais valia é considerado apenas em 50%. Contudo, esta exclusão de tributação é apenas aplicada aos residentes, estando os não residentes afastados do âmbito de incidência da norma.

No caso em apreciação, sendo a Requerente não residente, esta exclusão de 50% não lhe foi aplicada. Sobre a não aplicação desta exclusão de tributação, tal como mencionada pelo Requerente na petição arbitral, o Acórdão Hollmann do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido em 11.10.2007, processo C-443/06, veio considerar que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, ao limitar a tributação a 50% do saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal e não para os não residentes, para efeitos de determinação da matéria coletável em IRS, “constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE” (atual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE).

Esta conclusão assenta nos seguintes argumentos principais:

(a) Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais;

(b) No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos;

(c) Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% (a taxa atual é de 28%) sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade);

(d) Este regime torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;

(e) A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objetivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25% - a taxa atual é de 28% -, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade) conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento coletável do residente, não existindo, objetivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.

f) Deparamo-nos, portanto, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 16.01.2008, proferido no processo n.º 0439/06, veio igualmente decidir pela incompatibilidade da aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS e, consequentemente, pela violação do preceituado no artigo 56.º (atual 63º) do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, em obediência ao primado do direito comunitário estipulado no nosso ordenamento jurídico no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” (Cfr no mesmo sentido, o acórdão do STA de 22.03.2011, processo n.º 01031/10, de 10.10.2012, Proc. n.º 0533/12, de 30.04.2013, Proc. n.º 01374/12, de 18.11.2015, Proc. n.º 0699/15, de 03.02.2016, Proc. 01172/14).

Mais recentemente o STA no proc. n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17 de 20.02.2019, pronunciou-se sobre esta questão, analisando factos de 2010, portanto, posteriores às alterações legislativas efetuadas em 2007, reiterando a desconformidade da legislação nacional com o direito da União Europeia. O STA decidiu da seguinte forma:

“O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros -.

O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel..”.

Seguindo a jurisprudência do TJUE a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal cfr. Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24., sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.

Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

Contrariamente ao alegado pela recorrente, em face do que se expôs apenas pode concluir-se que o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”

 

 

O TJUE voltou a apreciar esta questão no Acórdão “MK” contra Autoridade Tributária e Aduaneira” , proc. C-388/19 de 18 de março de 2021, e declarou:

 

“O artigo 63. o TFUE, lido em conjugação com o artigo 65. o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”

 

Pelo que, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, não se pode concluir e decidir de forma diversa nos presentes autos, atenta as questões ali versadas serem semelhantes à do caso em apreço, bem como a norma legal na qual as mesmas se fundaram.

Face a esta situação, seguimos a fundamentação jurídica dos citados Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, bem como no Acórdão Hollman do TJUE. Assim, a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado, sendo aquela unicamente aplicável a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os não residentes.

A jurisprudência dos tribunais superiores (STA proc. n.º 0439/06 de 16.01.2008 e proc. n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17 de 20.02.2019) e do CAAD (proc. n.º 45/2012, de 05.07.2012, proc. n.º 127/2012 de 14.05.2013, proc. n.º 748/2015, 27/07/2016, proc. n.º 89/2017 de 05/07/2017, proc. n.º 644/2017 de 30.05.2018, proc. n.º 617/2017 de 22.06.2018, proc. n.º 370/2018 de 18.01.2019, proc. n.º 687/2018 de 26.07.2019, 55/2019, de 10.07.2019, proc. n.º 63/2019 de 18.06.2019, proc. n.º 65/2019 de 11.10.2019, proc. n.º 67/2019 de 27.08.2019, proc. n.º 74/2019 de 22.05.2019, proc. n.º 590/2018 de 08.07.2019, proc. n.º 562/2018 de 24.07.2019, proc. n.º 208/2019 de 16.10.2019, proc. n.º 332/2019 de 13.12.2019, proc. n.º 904/2019 de 30/07/2020, proc. n.º 846/2019 de 06/06/2020, proc. n.º842/2019 de 28/08/2020, proc. n.º837/2019 de 06/07/2020 e proc. n.º834/2019 de 15/07/2020), a cuja fundamentação aderimos, tem reconhecido a ilegalidade do art. 43º, n.º2 do CIRS face ao disposto no art. 63º do TFUE, não encontrando este Tribunal qualquer fundamento legal para alterar o sentido destas decisões.

Resta analisar a aplicação, ou não, das normas previstas no TFUE a um não residente na UE. Quanto a esta questão o TJUE também já a apreciou, precisamente a propósito de uma situação factual semelhante à sub judice e a propósito da mesma norma legal (art. 43º, n.º2 do CIRS), tendo proferido a seguinte decisão:

“Uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.o, n.o 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.o, n.o 1, TFUE.” Proc. C-184/18 de 06.09.2018

                Deste modo, o regime diferenciado de tributação aplicável a residentes no território nacional e a não residentes no território da União Europeia, no que concerne à limitação da incidência de IRS para os aqui residentes de 50% do saldo das mais-valias, configura, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os residentes noutro Estado não Membro da União Europeia.

Alega ainda a Requerida que o quadro legal vigente em 2019 não é o mesmo do que existia aquando da apreciação do TJUE no citado Acórdão Hollman. A Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 aditou ao artigo 72º do Código do IRS o n.º 7 , cujo teor à data dos factos, era o seguinte:”13 -Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e)) do n.º 1 e no n.º2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.”

Por sua vez, o n.º 8, do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que:”14-Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

É verdade que, entretanto, foram feitas alterações legislativas, com entrada em vigor a partir de 2008.

Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes:

-um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento;

- um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado no caso em concreto à liquidação de IRS ora questionada. No caso em apreço foi aplicada uma legislação cuja ilegalidade já foi reconhecida pelo TJUE.

Mais, a opção que o não residente possui não afasta o carácter discriminatório em vigor aplicado ao caso sub judice.

O TJUE num caso com evidente paralelismo já se pronunciou no sentido de que o contribuinte não se pode ver na circunstância de optar entre um regime legal e um regime ilegal. Citando o Ac. Gielen de 18/03/2010, proc. C- 440/08:

“Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.

De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.

No Ac. Gielen de 18/03/2010 está em apreciação a violação do direito de estabelecimento e liberdade de prestação de serviços (arts. 26º, 49º a 62º do TFUE). A  sua citação não é aqui feita por estar em causa a apreciação do mesmo direito comunitário, mas sim, por apreciar regimes discriminatórios (restrições proibidas) entre residentes e não residentes, em sede de tributação relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o que justifica o paralelismo.

Este agravamento de formalidades diferenciador entre residentes e não residentes afigura-se-nos desconforme ao disposto no art. 63º do TFUE, podendo mesmo despoletar uma situação potencial de restrição ou de discriminação dos não residentes.

O agravamento de formalidades, para os não residentes, ocorre porque:

a) vêm-se na contingência de ter que optar entre dois regimes legais;

b) vêm-se na contingência de ter que declarar todos os seus rendimentos no local de residência e outra vez em Portugal.

Estas  contingências, às quais os residentes em Portugal não se sujeitam, constituem, na nossa opinião, um agravamento de formalidades exigidas aos não residentes em Portugal.

Acresce que, segundo a jurisprudência do TJUE, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outros benefícios, mesmo supondo que esses benefícios existam (cf., neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C 35/98, e Amurta, C 379/05, de 08.11.2007).

Por outro lado, mesmo uma restrição de pequeno impacto ou de menor importância a uma liberdade fundamental é proibida pelo Tratado (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C 34/98; de 11 de Março de 2004, de Lasteyrie du Saillant, C 9/02; e de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C 170/05).

As alterações legislativas ocorridas em 2007 não eliminaram o caráter discriminatório do art. 43º, n. º2 do CIRS. A intervenção do legislador nacional não eliminou a violação do direito da União Europeia.

Ainda assim, cabe-nos em sede nacional verificar se a restrição à livre circulação de capitais é permitida face ao disposto no artigo 65º do TFUE.

O art. 65º do TFUE prescreve o seguinte:

1. O disposto no artigo 63.o não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. (…).

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o.

4. (…).

 

Nos termos do art. 65º, n. º1, al. a) do TFUE a distinção entre residentes e não residentes é permitida desde que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis e desde que não seja uma discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

No caso em apreço, os rendimentos quer sejam obtidos por residentes ou por não residentes são integrados na mesma categoria (categoria G) e o rendimento em ambas as situações é obtido em território nacional.  

Estando os residentes e os não residentes em situações idênticas não se nos afigura que exista uma qualquer razão que justifique esta desigualdade de tratamento.

Citando a decisão do TJUE no Proc. C-184/18 de 06.09.2018:

 

Resulta do exposto que não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes em causa no processo principal que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais valias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontram os contribuintes não residentes, como os recorridos no processo principal, é comparável à dos contribuintes residentes.

 

No que respeita à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral (art. 65º, n. º1 al. b) do TFUE, ex: assegurar a eficácia da supervisão fiscal ou o combate à evasão fiscal), não se nos afigura existirem, até porque nos presentes autos, nada foi alegado. Ainda assim citando o Acórdão Hollmann do TJUE:

“Consequentemente, há que considerar que a restrição resultante da legislação fiscal em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.”

 

Em conclusão, as restrições à livre circulação de capitais com países terceiros admitida pelo artigo e 65º do TFUE não se verifica no caso em julgamento.

Destarte, o disposto no art. 43º, n. º2 do CIRS, quando não aplicável a não residentes, viola do disposto no art. 63º, n. º1 do TFUE. Em face do princípio do primado do direito da União Europeia reconhecido pelo art. 8º, n. º4 da CRP, a não aplicação do disposto no art. 43º, n. º2 do CIRS aos não residentes é ilegal.  

 

VI) DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2020..., relativa ao exercício de 2019 e em consequência anular parcialmente aquela liquidação, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais valia imobiliária;

b) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €29.393,64 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de julho de 2021  

 

O Árbitro

(André Festas da Silva)