Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 612/2020-T
Data da decisão: 2021-11-02  IRS  
Valor do pedido: € 10.160,50
Tema: IRS (tributação de mais-valias): Conformidade do regime de tributação das mais-valias imobiliárias dos não residentes com o Direito da União Europeia, particularmente com a liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º e seguintes do TFUE)
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DECISÃO ARBITRAL

 

A Signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 03 de maio de 2021.

 

  1. RELATÓRIO

 

1. A..., divorciada, portadora do bilhete de identidade francês n.º ..., com o NIF n.º ..., residente na Rue ..., n.º ..., ..., França, (doravante, Requerente), apresentou no dia 9 de novembro de 2020 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede a anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2019, no montante de EUR 10 160,50, notificado através da Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2020 ... emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa ..., cuja data limite de pagamento voluntário era dia 31 de agosto de 2020 (doravante, ato impugnado).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 10 de novembro de 2020, e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 6 de janeiro de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 2 alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 6 de janeiro de 2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 3 de maio de 2021.

 

6. Em 4 de maio de 2021, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.

 

7. A Requerida veio aos autos apresentar Resposta e juntar o processo administrativo em 4 de junho de 2021 (tempestivamente).

 

8. Em 8 de junho de 2021, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor: “Uma vez que não está requerida a produção de prova testemunhal e não existe matéria de excepção sobre a qual as partes careçam de se pronunciar, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT:

1) Dispensa-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT;

2) Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas sucessivas — prazo de 10 dias;

3) A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT (até dia 3 de novembro de 2021), devendo a Requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente”.

 

9. Em cumprimento do referido despacho, em 20 de outubro de 2021, a Requerente juntou aos autos a taxa arbitral subsequente. A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações.

 

10. Como fundamentação do PPA, a Requerente alega que no ano de 2019 a AT liquidou IRS (à taxa de 28%, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS) sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias (não apenas sobre 50% do seu valor, como determina o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS) auferidas pela Requerente (cidadã portuguesa, residente fiscal em França) com a venda da fração autónoma, sita em Portugal, melhor identificada na matéria de facto, fazendo assim uma diferenciação inadmissível (face ao artigo 18.º do TFUE), entre cidadãos residentes e cidadãos não residentes em território Nacional. Entende a Requerente que o tratamento conferido pela AT com base na legislação Portuguesa a residentes e não residentes, na tributação das mais-valias imobiliárias, configura uma discriminação indireta em função da Nacionalidade, objetivamente contrária ao disposto nos artigos 63.º e seguintes do TFUE.

Para suportar a sua argumentação, a Requerente baseia-se no Acórdão Hollmann, no Acordão Gielen (ambos do TJUE) e baseia-se ainda em diversas Decisões do CAAD que identifica, e no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3/fevereiro/2016.

 

11. Na sua Resposta, sumariamente, a Requerida alega:

A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal nem residente num Estado Membro da União Europeia (ou seja, residente num país terceiro) violar o Direito Comunitário.

Ou seja, entende a Requerente que o disposto no n.o 2 do artigo 43° do Código do IRS se aplica aos não residentes em Portugal (tanto residentes num Estado Membro da União Europeia como residentes de Estados terceiros).

Ora, relativamente a este assunto, é certo que no Acórdão C - 443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72°, n.o 1 e 43°, n.o 2 do Código do IRS, por “o artigo 56° CE dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”. No seguimento deste Acórdão, foi esse entendimento seguido pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2008JAN16 (processo 0439/06).

Tendo em conta o teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.o 67-A/2007, de 31/12, o n.o 7 (atual n.º 9), cujo teor à data dos factos, era o seguinte: «9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.o 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.o, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.» (destaque nosso)

Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 10) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que: «10- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.» (destaque nosso)

Saliente-se que a Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 é o Orçamento de Estado para 2008. E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.

Consultada a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue em nome da Requerente (relativa ao ano fiscal de 2019), verifica-se que no no quadro 8 B do mod.3 do IRS foi assinalado, o campo 4, não residente e o campo 7, pretende a tributação pelo regime geral. Posto isto, a Requerente podia ter optado pela tributação como residentes em território português e assim beneficiar do pretendido, acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque, a fazê-lo, teria também de declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional.

Assim, as alegacões da Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10).

O n.º 8 (atual n.º 10) do artigo 72° do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro). O mesmo é referido no n.º 1 do artigo 15º do Código do IRS: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

Como tal, para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 8, 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.o 67-A/2007, de 31/12.

Saliente-se, ainda, que o artigo que a Requerente pretende que lhe seja aplicado (43° n.o 2 do Código do IRS) está incluso no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável".

Estamos, pois, perante a determinação do rendimento.

Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9° e 10° do Código do IRS.

Assim, o disposto no n.o 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

Tendo-se já pronunciado neste sentido o tribunal arbitral no processo n.º 539/2018-T”. Em defesa da sua posição, a Requerida baseia-se ainda no Processo prejudicial C-388/19 (Processo CAAD no 598/2018-T) e que corre os seus termos no Tribunal de Justiça da União Europeia, e no Processo 75/20BALSB (Recurso para uniformização da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa), da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a declaração de voto do Exmo. Senhor Conselheiro Gustavo Lopes Courinha.

Sem conceder, entende a Requerida “que se levantam dúvidas suficientes, em face da jurisprudência que vimos de invocar, que obstam à aceitação do entendimento dos aqui Requerentes sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados. Pelo que, deverá suspender a presente instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.o do TFUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TFUE”.

 

  1. SANEAMENTO

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram‑se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1    FACTOS PROVADOS

 

  1. A Requerente é cidadã europeia, de nacionalidade portuguesa, que se encontra emigrada na França, onde reside na supra indicada morada;
  2. No ano de 2019, a Requerente procedeu à venda por escritura pública, pelo valor de EUR 78000, da fração autónoma designada por “CJ”, destinada à habitação, correspondente ao nono andar – D, do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o n.º .../... da freguesia da ..., sito na Rua..., n.º..., freguesia da ..., concelho da Amadora, inscrito na matriz predial urbana sob o número ... da freguesia de ...;
  3. A Requerente tinha adquirido tal imóvel por sucessão hereditária (legado) de B..., falecido no ano de 2018, pelo VPT (EUR 30520);
  4. Tal como oportunamente fez constar do Anexo G ao Modelo 3 da Declaração de Rendimentos (IRS), em encargos com a transmissão, a Requerente despendeu a quantia de EUR 11192,48, apurando-se assim a diferença, para efeitos de tributação de mais-valias de EUR 36287,52;
  5. Na referida declaração, a Requerente enquadrou-se como «Não Residente», preenchendo o quadro 8B no campo 4, e no campo 7 indicou optar pelo regime geral;
  6. A declaração entregue deu origem à liquidação n.º 2020..., tendo a AT tributado em 100% a mais-valia imobiliária à taxa de 28%;

 

III.2    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

 

III.3    FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e no processo administrativo.

 

  1. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

 

No caso concreto, a questão que a Requerente coloca é, precisamente, a da conformidade do regime geral de IRS (que sujeita, a tributação em sede de IRS, 100% da mais-valia obtida por um não residente em Portugal, mas residente na União Europeia) com o Direito Comunitário, particularmente, com o disposto no artigo 63.º do TFUE. Tendo em consideração o exposto, seguiremos respondendo a duas questões essenciais:

 

I - O regime geral aplicável aos não residentes (artigo 10.º nº 1 al. a; artigo 43.º nº 2 e artigo 72.º nº 1 al. a, todos do CIRS) é conforme com o artigo 63.º do TFUE?

II - Do pedido de Reenvio Prejudicial

 

Seguirei respondendo a estas duas questões.

 

I - O regime geral aplicável aos não residentes (artigo 10.º nº 1 al. a; artigo 43.º nº 2 e artigo 72.º nº 1 al. a, todos do CIRS) é conforme com o artigo 63.º do TFUE?

 

No que respeita à conformidade do regime legal de tributação das mais-valias obtidas por não residentes, existe uma extensa jurisprudência do CAAD (sustentada por jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo), que decidiu no sentido da desconformidade do regime de tributação das mais-valias realizadas por não residentes com o Direito da União Europeia, particularmente com a liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º e seguintes do TFUE), dado que cria para os não residentes uma carga fiscal mais elevada do que para os residentes, criando assim um tratamento discriminatório (para os não residentes em Portugal).

 

Nos termos e para os efeitos do artigo 8.º nº 3 do Código Civil, vamos acompanhar a Decisão Arbitral de 8 de abril de 2019 (processo nº 600/2018-T), Tribunal presidido pelo Conselheiro Lopes de Sousa, na qual estava em causa uma liquidação de IRS que incidiu sobre uma mais-valia obtida no ano de 2017. Esta jurisprudência já se pronuncia relativamente ao regime fiscal de tributação de mais-valias realizadas por não residentes, de acordo com o regime legal em vigor após as alterações ao regime de tributação de mais-valias introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007 de 31/12.

 

Decisão Arbitral de 8 de abril de 2019 (processo nº 600/2018-T):

 

O artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece o seguinte:

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

O TJUE considerou incompatível o com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.

Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

Esta jurisprudência foi recentemente reafirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia». No entanto, esta última decisão foi também proferida tendo como pressuposto a redacção do artigo 72.º introduzida pela Lei n.º 109‑B/2001, de 27 de Dezembro, anterior à Lei n.º 67-A/2007. Assim, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, não há jurisprudência específica do TJUE sobre a compatibilidade do regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, nos n.ºs 7 e 8 do CIRS com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

No entanto, o TJUE entendeu naquele acórdão do processo C-443/06, que o essencial da incompatibilidade do regime do artigo 71.º, n.º 1, com o direito de União resulta de instituir «um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais‑valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável» (§ 54).

Na mesma linha, decidiu o TJUE no acórdão de 19-11-2015, processo C-632/13 (Skatteverket contra Hilkka Hirvonen) que «a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21.º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeitos a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhes são assimiladas, cuja situação seja comparável à sua».

Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação aos Requerentes do regime que lhes foi aplicado.

O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.

Na verdade, à matéria tributável de cada Sujeito Passivo no valor de € 108.085,28 correspondeu IRS no valor de € 30.263,88 à taxa de 28%, aplicável aos não residentes enquanto mesmo aplicando a taxa máxima de 48% (e a taxa média é necessariamente menor pois a cada escalão corresponde a respectiva taxa) a metade daquela matéria tributável o IR a pagar por cada um dos Sujeito Passivo seria de € 25.940,47 (108.082,28 / 2 x 48%).

Mesmo considerando a taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.º-A, n.º 1, do CIRS de 2,5% aplicável à parte que excede 80.000 [(108.085,28 - 80.000) x 2,5% = 702,13] e a já extinta sobretaxa extraordinária de 3,21%, prevista no artigo 194.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, aplicável à parte que excede o valor anual da retribuição mínima mensal garantida de 7.798,00 ( 2 ) [(108.085,28 – 7.798) x 3,21% = 3.219,22), conclui-se que aplicando o regime dos residentes cada um dos Requerentes pagaria € 29.861,82 (25.940,47 + 702,13 + 3.219,22), menos do que o valor de € 30.263,88 que foi liquidado a cada um dos Requerentes.

Assim, é seguro que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.

Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado nas liquidações impugnadas.

 

É entendimento da jurisprudência maioritária que — apesar das alterações introduzidas pela Lei 67-A/2007 de 31/12 (LOE 2008), bem como pelos diplomas subsequentes — o regime Português aplicável à tributação das mais-valias imobiliárias obtidas por não residentes (aplicado pela Requerida no caso concreto) é incompatível o com o Direito da União Europeia, por conferir aos não residentes um tratamento fiscal diferenciado — incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do TFUE (anterior artigo 56.º).

Veja-se exatamente neste sentido, o exposto no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de dezembro de 2020, proferido no processo nº 075/20.6BALSB (disponível in http://www.dgsi.pt) que confirmou o teor da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 9 de junho de 2020 no processo nº 846/2019-T, decidindo o seguinte no que respeita a este tema:

 

III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.

 

A mesma posição foi perfilhada pelo Acórdão do TJUE proferido em 18 de março de 2021 no processo nº C-388/19 (MK contra AT), em resposta a um pedido de Reenvio Prejudicial remetido pelo CAAD, no qual relativamente ao quadro fiscal criado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, o TJUE vem dizer:

 

O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

 

A fundamentação exposta no Acórdão foi a seguinte:

Quanto à questão prejudicial

19 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.° e 63.° a 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

Quanto aos princípios e às liberdades aplicáveis

20 A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o artigo 18.° TFUE apenas deve ser aplicado de modo autónomo às situações regidas pelo direito da União para as quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 28 e jurisprudência referida).

21 Ora, o Tratado FUE prevê, designadamente, no seu artigo 63.°, uma regra específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 29 e jurisprudência referida).

22 Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 31 e jurisprudência referida).

23 Daqui decorre que a alienação onerosa de um bem imóvel situado no território de um Estado‑Membro, efetuada por pessoas singulares não residentes, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 63.° TFUE.

24 Por outro lado, na medida em que, na decisão de reenvio, não é feita referência a nenhum elemento suscetível de incluir tal operação no âmbito de aplicação do artigo 64.° TFUE, não há, no caso em apreço, que examinar a questão à luz das disposições deste artigo.

Quanto à livre circulação de capitais

25 Importa recordar que o artigo 63.° TFUE proíbe quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 65.° TFUE.

26 No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando‑se de mais‑valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado‑Membro.

27 Em especial, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, as mais‑valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais‑valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.

28 Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais‑valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais‑valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando‑se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 37).

29 Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais‑valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais‑valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros e de 5 % acima desse valor.

30 Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais‑valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.° TFUE.

31 Esta constatação não é posta em causa pelo n.° 44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C‑632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.° 29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais‑valias sobre a venda de imóveis.

32 Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais‑valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE.

33 Por conseguinte, importa verificar se essa restrição pode ser considerada objetivamente justificada, à luz do artigo 65.°, n.os 1 e 3, TFUE.

Quanto à existência de uma justificação para as restrições à livre circulação de capitais à luz do artigo 65.°, n.os 1 e 3, TFUE

34 Resulta do artigo 65.°, n.° 1, TFUE, lido em conjugação com o n.° 3 desse mesmo artigo, que os Estados‑Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

35 Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.° 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que disposições fiscais nacionais, como o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, possam ser consideradas compatíveis com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.os 44 e 45 e jurisprudência referida).

36 Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

37 Quanto, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, importa recordar que, no n.° 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça já declarou, em primeiro lugar, que a tributação das mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, e do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, que essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes; e, em terceiro lugar, que o Estado‑Membro de onde o rendimento coletável provém é sempre a República Portuguesa.

38 Resulta do exposto, nomeadamente do n.° 29 do presente acórdão, que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, e do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais‑valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontra um contribuinte não residente, como MK, é comparável à de um contribuinte residente.

39 Esta constatação não é posta em causa pela ratio legis do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50 % aplicável às mais‑valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.

40 Quanto, em segundo lugar, à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, importa salientar que o Governo português não refere a existência de tais razões. No entanto, alega que, no âmbito da tributação do saldo positivo das mais‑valias imobiliárias realizadas em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, do CIRS tem por objetivo evitar penalizar os sujeitos passivos residentes em Portugal ou os sujeitos passivos não residentes que escolham ser tributados como tais nos termos do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, devido ao facto de lhes ser aplicada uma taxa progressiva.

41 Ora, nos n.os 58 a 60 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça considerou que o benefício fiscal concedido aos residentes, que consistia numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais‑valias realizadas, excedia, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos. Consequentemente, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que não estava demonstrada uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinada imposição fiscal e que a restrição resultante da regulamentação nacional em causa não podia, portanto, ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.

Quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes

42 Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.

43 Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44 Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).

45 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).

46 Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.

47 Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

 

No mesmo sentido, vide o Acórdão do CAAD de 3 de Abril de 2020, proferido no processo nº 438/2019-T, em Tribunal Coletivo composto pelos árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. C... e Dra. D..., que exatamente com os mesmos fundamentos, declarou procedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade parcial do ato tributário impugnado, com a consequente anulação parcial da liquidação de IRS relativa a rendimentos obtidos no ano de 2017.

 

No mesmo sentido, existem diversas outras decisões (singulares e coletivas) do CAAD, designadamente a decisão arbitral de 27 de agosto de 2019 proferida no processo nº 67/2019-T, a decisão arbitral de 22 de maio de 2019 proferida no processo nº 74/2019-T, a decisão arbitral de 04 de junho de 2018 proferida no processo nº 520/2017-T, a decisão arbitral de 12 de dezembro de 2019 proferida no processo n.º 111/2019-T, a decisão arbitral de 18 de junho de 2019 proferida no processo n.º 63/2019-T, a decisão arbitral de 18 de junho de 2019 proferida no processo n.º 63/2019-T, e a decisão arbitral de dia 31 de agosto de 2020 proferida no processo n.º 793/2019-T (entre muitos outros, que se pronunciaram no mesmo sentido).

 

Vide ainda no mesmo sentido (entre outros) o Acórdão do STA de 5 de agosto de 2019, proferido no processo nº 1358/08.9BESNT (disponível in http://www.dgsi.pt) que julgou a legalidade de uma liquidação de IRS referente ao ano de 2010:

 

I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).

 

Conclui-se assim do exposto, que o regime de tributação à taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2019 - regime geral concretamente aplicado na situação em causa nos presentes autos - é incompatível com o artigo 63.º do TFUE, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.

 

II - Do pedido de Reenvio Prejudicial

 

Entende a Requerida que este regime legal (alterado pela Lei nº 67-A/2007 de 31/12) não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, impondo-se assim a suspensão da instância para que o TJUE estabeleça interpretação vinculante sobre a matéria (em sede de reenvio prejudicial), para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.°, 63.°, 64.° e 65.° TFUE, impondo-se assim uma decisão de suspensão da instância até decisão do TJUE.

 

A decisão Arbitral proferida no processo nº 600/2018-T já referida supra, e para a qual novamente remetemos, já se pronunciou sobre esta questão no mesmo sentido (à semelhança da Decisão Arbitral proferida no processo nº 438/2019-T):

 

O facto de atualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.

Para além disso, na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação».

No mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:

62 Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta contudo da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.º 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.

Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:

42. Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida).

É à luz desta jurisprudência que há que apreciar a pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira de reenvio prejudicial.

Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia. E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

“No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14). “No caso em apreço, conclui-se com segurança da reiterada jurisprudência do TJUE que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanada pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial. “Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, no recente acórdão de 20-02-2019, processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, sem aventar a necessidade de reenvio, concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na vigência da recurso da Lei n.º 67-A/2007.”

Termos em que, é de concluir pela ilegalidade da tributação nos termos em que foi efectuada na liquidação impugnada, o que justifica sua anulação parcial, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

É assim indeferido o pedido suspensão da instância com os fundamentos melhor expostos na Decisão Arbitral transcrita supra.

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que, se decide julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e por conseguinte:

  1. Anular parcialmente (na parte ilegalmente liquidada) o ato impugnado; e
  2. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 10160,50.

 

  1. CUSTAS

 

O montante das custas — a cargo da Requerida — é fixado em EUR 918,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

 

Notifique-se.

Notifique-se o Ministério Público, para efeitos de aplicação da LOTC.

 

Lisboa, 2 de novembro de 2021.

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

(Árbitro Singular)