Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 606/2019-T
Data da decisão: 2020-07-06  IRS  
Valor do pedido: € 23.063,98
Tema: IRS – Retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por não residentes; Formulários Mod. 21-RFI; Meios probatórios.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 6 de dezembro de 2019, decide:

 

I.             Relatório

 

 

A A..., Associação sem fins lucrativos, NIPC ..., com sede na ..., n.º..., ...-... Matosinhos, (adiante apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).

 

A Requerente pretende que o Tribunal declare a anulação de indeferimento da Reclamação Graciosa e anulação parcial da liquidação adicional de Retenção na Fonte de IRS n.º 2018 ... (e dos correspondentes juros compensatórios), referente ao ano de 2015, e seja determinada a devolução à Requerente do valor do imposto e juros compensatórios, no valor global de € 23.063,98 e o pagamento de juros indemnizatórios contados desde o respetivo pagamento.

 

A Requente fundamenta a sua pretensão no alegado erro na qualificação do facto tributário e violação da lei, por erro nos pressupostos de facto da liquidação.

Para o efeito alega que foi objeto de um procedimento inspetivo externo incidente sobre o exercício de 2015, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço OI2017... . No âmbito da ação inspetiva foi a Requerente notificada do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e a liquidação em apreço foi notificada à Requerente para pagamento voluntário até dia 21/11/2018, o que a Requerente fez nessa data.

A Requerente sustenta que nos meses de Fevereiro a Dezembro (ambos, inclusive) de 2015, a Requerente pagou ao prestador de serviços B..., VAT nr. ES ... por trabalho prestado mas não efetuou retenção na fonte. A AT considerou que não estava demonstrado estarem reunidas as condições para a respetiva dispensa de retenção. Posição que a Requerente não sufraga. Segundo a Requerente, a AT alega estar em falta era o documento formulário 21-RFI emitido pelas Autoridades Fiscais Espanholas, a única prova que a Requerida admite, segundo a Requerente, para acionar a Convenção entre Portugal e Espanha para Evitar a Dupla Tributação (CDT).

Dessa forma em liquidação adicional, a AT exigiu a retenção na fonte em relação aos rendimentos pagos ao prestados de serviços no montante de € 20.540,00 e juros compensatórios de € 2.523,98.

A Requerente não se conforma alegando que o prestador de serviços é cidadão com residência fiscal em Espanha, sem estabelecimento estável localizado em Portugal e inscrito naquele país como contribuinte para efeitos de aplicação de imposto sobre o rendimento estando, por isso, segundo a Requerente tais rendimentos sujeitos à Convenção supra referida.

A Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 21/03/2019 quanto aos rendimentos pagos ao prestador de serviços B..., VAT nr. ES...M tendo, segundo a Requerente, exibido documento comprovativo da sua residência fiscal em Espanha e sujeição ao regime normal de tributação nesse país.

A Reclamação Graciosa foi indeferida, segundo a Requerente, com fundamento na insuficiência da documentação exibida.

A Requerente considera que a posição da AT é ilegal, por violação do disposto no n.º 1 do art. 101.º-C do Código do IRS. Por outro lado ainda, suscita que nada afastou, nem a AT sequer contesta a veracidade dos documentos apresentados, a presunção de veracidade e da boa-fé das declarações dos contribuintes, prevista no art. 75.º, n.º 1 da LGT.

Pelos fundamentos sumariamente descritos, a Requerente pugna pela procedência do pedido arbitral.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 16 de setembro de 2019 tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 17 de setembro de 2019 e seguiu a sua normal tramitação.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 27 de setembro de 2019, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 6 de dezembro de 2019.

 

Em 27 de janeiro de 2020, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência do pedido e consequente absolvição do pedido, e juntou o processo administrativo em 20 de fevereiro de 2020.

 

A Requerida alega que a Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo, com extensão ao período de 2015, a coberto da OI2017..., do qual resultaram correções em sede de Retenções na Fonte de IRS e IRC.

Da inspeção resultou que no ano de 2015, a Requerente pagou rendimentos a B..., não residente em território nacional, não tendo sido efetuadas retenções na fonte de IRS.

Segundo a Requerida, a Requerente não demonstrou estarem reunidas as condições de dispensa de retenção na fonte referidas no RIT, pelo que tais rendimentos foram sujeitos a tributação no momento do pagamento/colocação à disposição do respetivo titular/beneficiário, através de retenção na fonte à taxa liberatória de 25%, cabendo à Requerente, como entidade devedora dos rendimentos, a obrigação de retenção do correspondente imposto e entrega do mesmo nos cofres do Estado.

A Requerente interpôs reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2019..., na qual alegou que se encontravam reunidas as condições para a dispensa de retenção na fonte, e, para prova do que alegou, juntou um atestado de residência em nome do prestador de serviços não residente, B..., emitido pelas Autoridades Fiscais de Espanha.

A AT, por despacho de 30/04/2019 aposto no projeto de indeferimento, considerou que o certificado de residência emitido pela Agencia Tributaria – Delegação Especial de Madrid, o qual atesta a residência fiscal de B..., no período em causa, naquele território, mas não é ali confirmada a sujeição a imposto sobre o rendimento em Espanha. Alega a Requerida que  também não foi apresentado o modelo 21-RFI devidamente preenchido e certificado pela Autoridades Fiscais Espanholas. Por conseguinte, conclui a Requerida não estarem verificados os pressupostos legais e materiais de que dependeria a dispensa, total ou parcial, de retenção na fonte.

A Requerente não exerceu o direito de audição prévia, pelo que, por despacho de 07/06/2019, a AT indeferiu a reclamação graciosa.

A Requerida entende que não se encontra provada a sujeição dos rendimentos auferidos à CDT, por falta de declaração das autoridades fiscais de Espanha nesse sentido. Enfatizando que o que solicitou foi um documento que atestasse, para além da residência fiscal, a “sujeição e imposto sobre o rendimento nesse Estado”, não fazendo menção necessariamente ao formulário 21-RFI.

Perante a posição assumida, a Requerida pugna pela improcedência do pedido arbitral.

 

Em 9 de março de 2020 foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e foi concedido o prazo de 15 dias para alegações. A Requerente apresentou requerimento em 20 de março considerando reproduzido o articulado inicial.

Por despacho de 2 de julho de 2020 foi designado o dia 31 de julho de 2020 como data prevista para a prolação da decisão final.

 

II.            Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Quanto à determinação do valor da ação:

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi indicado, pela Requerente, o valor total de € 23.063,98.

A Requerida veio impugnar este valor alegando que o valor do processo deveria ser de € 20.540,00 relativo aos montantes da retenção na fonte em apreço nos presentes autos.

A Requerente não se pronunciou quanto a esta questão, mormente em sede de alegações.

Cumpre decidir,

Nos termos do art. 296.º do CPC, o valor da ação representa a utilidade económica imediata do pedido.

No caso em concreto, e apesar de o RIT ter apurado o valor de € 20.540,00, a verdade é que o valor do processo determinado pela AT no âmbito da Reclamação Graciosa foi de € 23.063,98 tendo, aliás, sido este o montante pago pela Requerente (que inclui juros compensatórios no valor de € 2.523,98).

Desta forma, considerando o peticionado pela Requerente não se vislumbra que o valor desta ação possa ser outro que não os € 23.063,98 indicados pela Requerente no seu articulado.

Face ao exposto, fixa-se no valor da ação em € 23.063,98.

 

Não há outras questões prévias, nulidades ou matéria de exceção para conhecer passando-se para a análise do mérito da causa.

 

III.          Fundamentação

 

III.I. Matéria de facto

 

A.           Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

1.            A Requente foi objeto dum procedimento inspetivo externo, com extensão ao período de 2015, a coberto da OI2017..., do qual resultaram, entre outros, correções meramente aritméticas em sede de Retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS);

2.            A Requerente, no ano de 2015, pagou rendimentos a B..., cidadão espanhol, VAR nr. ES ...M.

3.            Para os rendimentos descritos no ponto anterior, a Requerente não efetuou quaisquer retenções na fonte de IRS.

4.            Os períodos de tributação e o valor da retenção na fonte resultam do seguinte quadro:

 

5.            O valor do imposto relativo aos rendimentos pagos à entidade identificada no ponto 2., conforme constam do quadro do ponto 4.

6.            A Requerente interpôs reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2019... .

7.            A Requerente apresentou um atestado de residência em nome do prestador de serviços B..., emitido pelas Autoridades Fiscais de Espanha.

8.            Do atestado de residência, emitido pela Agência Tributária em 10 de agosto de 2018, referente ao ano de 2015, resulta que:

 

9.            Em 2015, B... era residente em Espanha.

10.          Do despacho de 30/04/2019 aposto no projeto de indeferimento, a Requerida assume que,

 

11.          A Requerente não exerceu o direito de audição prévia, pelo que, por despacho de 07/06/2019, a AT indeferiu a reclamação graciosa nos termos do ponto anterior, notificado à Requerente em 17/06/2019.

12.          No dia 21/11/2018 a Requerente procedeu ao pagamento de € 23.063,98.

13.          O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 16 de setembro de 2019.

 

B.            Factos não provados:

 

1.            Não se provou que, em 2015, B..., VAT nr. ES ...M estivesse sujeito ao regime normal de tributação em Espanha.

 

C.            Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, que em termos de matéria de facto, as partes não divergem na sua posição, com exceção do facto dado como não provado, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

Em relação ao facto dado como não provado – ónus probatório a cargo da Requerente – resulta que da declaração apresentada, e dada como provada no ponto 8. da factualidade dada como provada, o conteúdo que se extrai do documento é que o supra identificado prestador de serviços tinha, em 2015, a sua residência em Espanha.

A Requerente alega – mormente no seu ponto 9.º do articulado inicial – que o documento referido comprova a residência fiscal em Espanha e sujeição ao regime normal de tributação nesse país.

Remetendo a prova de tais factos para o documento dado como provado no ponto 8. da factualidade dada como provada, impõe-se a análise do conteúdo declarativo do documento. Do suporte documental, ainda que se permita extrair que, em 2015, B..., VAT nr. ES ... M, era residente em Espanha, já não se permite extrair, por qualquer forma, que o prestador de serviços estivesse sujeito ao regime normal de tributação em Espanha.

Face ao exposto, e quanto ao facto 1. da factualidade dada como não provada, o tribunal conclui que a Requerente não cumpriu o ónus probatório a que estava adstrito, dando-se o facto como não provado.

 

III.II Matéria de Direito (fundamentação)

 

Nos presentes autos está em causa determinar, por um lado, qual ou quais os elementos documentais suficientes para provar os pressupostos da não obrigação de efetuar a retenção na fonte nos termos do n.º 1 do art. 101.º-C do Código do IRS e, por outro lado, quais os elementos materiais que devem constar tal suporte documental, para que se possa concluir pela suficiência probatória da declaração aposta nesses documentos para provar os aludidos pressupostos.

 

Considerando o documento (Doc. N.º 2) junto pela Requerente aos autos, podemos concluir que o destinatário dos rendimentos era, no ano de 2015, residente em Espanha, conforme é dado como provado. Documento este que a AT não impugna e, como alude a Requerente, nos termos do art. 75.º da LGT, “[p]resumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

Nada nos permite concluir outra coisa que não seja que o documento em causa é, de facto, verdadeiro, bem como o conteúdo material da declaração nele aposta, ou seja, que o beneficiário dos rendimentos, no ano a que a liquidação em apreços nos autos diz respeito, é residente em Espanha.

Cumpre agora apreciar se este documento (de residência) é formalmente idóneo, ou não, para prova dos pressupostos legais da não obrigação de efetuar a retenção na fonte ou, pelo contrário, se tal prova só se pode fazer pelo formulário Modelo 21-RFI.

A dupla tributação será evitada, nos termos do art. 23.º da CDT, recorrendo aos métodos da legislação interna do Estado, in casu, Portugal, desde que estes não estejam em contradição com os princípios gerais previstos no preceito.

Assim, para que seja dispensada de retenção na fonte e reembolso de imposto relativo a rendimentos auferidos por não residentes, prevê o art. 101.º-C, do Código do IRS :

“1 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRS, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no artigo 71.º quando, por força de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.

2 - Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação, de um outro acordo de direito internacional, ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças:

a) Certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência; ou

b) Acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado”.

 

Considerando que, ainda que, à data, a lei interna exigisse o formulário Modelo 21-RFI (Quadro II “certificação das autoridades fiscais competentes do estado de residência do beneficiário efetivo”) a verdade é que, conforme a jurisprudência tem decidido, a apresentação deste formulário Mod. 21-RFI é uma mera formalidade ad probationem e não ad substantiam.

Posição a que aderimos.

Como resulta da decisão n.º 715/2014-T do CAAD (disponível em www.caad.pt) que a própria Requerente invoca, e que aqui assumimos,“[c]onforme tem vindo a ser maioritariamente defendido pela jurisprudência, a apresentação do formulário Mod. 21-RFI é uma mera formalidade ad probationem e não ad substantiam, pelo que a prova da residência noutro Estado poderá ser efectuada por qualquer outro meio idóneo que não única e exclusivamente o sobredito formulário.

Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0283/11, de 22JUN2011, disponível em www.dgsi.pt, no qual se considera que:

“III - Estes formulários não constituem requisitos “ad substantiam”, sendo a prova de residência um mero requisito “ad probationem”, já que a certificação de residência é um acto de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções, limitando-se a AF à confirmação desses pressupostos, sendo que, na verdade, o que releva é a efectiva verificação dos respectivos pressupostos, pelo que não devem aqueles formulários constituir o único meio de prova necessário para certificar a sua residência.

IV - Assim, ainda que não correspondendo ao modelo oficial actual, atestando os certificados de residência apresentados a residência, e mostrando-se certificados pela autoridade fiscal respectiva, devem os mesmos ser aceites pela AF como prova efectiva da residência dessas entidades” .

Entende-se, por isso, não se encontrar a verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação exclusivamente dependente da apresentação do formulário Mod. 21-RFI, podendo a prova desses pressupostos ser feita por qualquer outro meio”.

 

Igual conclusão se extrai do teor da decisão n.º 221/2017-T do CAAD (disponível em www.caad.pt), também referida pela Requerente, e que aqui damos por reproduzida, ou seja colocando-se a questão, da“[...] apresentação do mod. 21-RFI ser um elemento indispensável para prova do que já estava provado pela referida declaração das autoridades fiscais holandesas. A resposta a esta questão deve ser negativa, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 14-12-2016, proferido no processo n.º 0141/14:

I - Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados.

II - As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna.

III - Ainda que seja da competência de cada um dos estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no nº 1 do artigo 1º da LGT.

IV - Resulta da interpretação dos artigos 103 da CRP e 90 do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados podendo ser substituídos nos termos do artigo 364 nº 2 do Código Civil.

Na linha desta jurisprudência, entende-se que decorre da prevalência das normas de convenções internacionais sobre as normas de direito interno (artigo 8.º, n.º 3, da CRP), bem como do princípio de que os elementos fundamentais da tributação dependem de lei formal (artigo 103.º, n.º 2, da CRP), que a aplicação do regime que resulta da CDT Portugal – Holanda quando estavam provados os pressupostos materiais da sua aplicação, não pode ser afastada com fundamento na falta de apresentação do MOD. 21-RFI, exigida por um despacho do Ministro das Finanças publicado na II série, do Diário da República”.

 

Assim, a apresentação deste formulário Mod. 21-RFI é uma mera formalidade ad probationem e não ad substantiam, podendo, com esta interpretação, a prova da verificação dos pressupostos referidos ser efetuada por qualquer meio idóneo, e não apenas através da apresentação do formulário.

Mas, em abono da verdade, no caso concreto, a própria AT, e ao contrário do que alega a Requerente, adere a esta conclusão, ou seja, ainda que a AT se refira ao aludido formulário Mod. 21-RFI, fá-lo como uma alternativa a outro suporte documental idóneo para prova da verificação dos pressupostos previstos na CDT e legislação interna.

 

Cumpre passar para a segunda questão, ou seja, concluindo que aquela prova se pode fazer por outro meio idóneo, e não apenas através da apresentação do formulário Mod. 21-RFI, vejamos, agora, se o certificado de residência junto pela Requerente constitui meio idóneo a tal prova.

O documento junto pela Requerente atesta que, em 2015, B... era residente em Espanha. É suficiente esta declaração?

Admitindo – como já se concluiu – que a Requerente pode fazer prova dos pressupostos da não obrigação de efetuar a retenção na fonte e a subsunção destes casos ao disposto no n.º 1 do artigo 101.º-C do Código do IRS, por outro meio que não o formulário Mod. 21-RFI, a questão que agora se impõe responder é se conteúdo da declaração constante daquele documento é suficiente para que a prova seja feita.

Nos termos do n.º 2 do art. 101.º-C do Código do IRS “[...] os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação, de um outro acordo de direito internacional, ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças:

a) Certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência; ou

b) Acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado.”

Preceito legal alinhado com a CDT. Nos termos do art. 4.º da CDT determina-se,  no seu n.º 1 que “[p]ara efeitos desta Convenção, considera-se «residente de um Estado Contratante» qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto, devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Todavia, esta expressão não inclui qualquer pessoa que está sujeita a imposto nesse Estado apenas relativamente ao rendimento de fontes localizadas nesse Estado”.

Significa isto que – e aqui acompanhamos a posição da Requerida – se impõe que o documento ateste, para além da residência fiscal, a sujeição e imposto sobre o rendimento nesse Estado.

De facto, conforme resulta do documento junto pela Requerente, o que se pode concluir é que a declaração apresentada comprova que o prestador de serviços tem residência em Espanha mas, ao contrário do que a Requerente defende nada mais se extrai do suporte documental junto, mormente a sujeição do prestador de serviços ao regime normal de tributação nesse país.

Na posição defendida pela Requerente, resulta que “[...] a Contribuinte possuía, e exibiu, documento comprovativo da sua residência fiscal em Espanha e sujeição ao regime normal de tributação nesse país” (nomeadamente, artigo 9.º do articulado inicial). Mas, de facto, o documento em causa, não atesta o que a Requerente pretende mas, unicamente que B... foi, em 2015, residente em Espanha, conforme resulta dos factos dados como provados (nomeadamente factos descritos nos pontos 8. e 9.).

 

Aliás, analisando as decisões suscitadas pela Requerente, a verdade é que em ambos os casos tal elemento material resulta das declarações aí apresentadas, ao contrário do documento em apreço nos autos.

Da supra referida decisão 715/2014-T extrai-se que, “[...] o certificado de residência junto acaba por dar cabal cumprimento aos objectivos pretendidos com a apresentação do formulário Mod. 21-RFI, isto é, a prova de residência fiscal da entidade beneficiária dos rendimentos sujeitos a tributação noutro Estado Contratante.

Tanto assim é que, à semelhança do campo “III - Certificação das Autoridades Fiscais Competentes do Estado de Residência do Beneficiário Efectivo” do respectivo formulário, o certificado de residência junto declara exactamente o mesmo que o formulário, isto é, que a entidade beneficiária dos rendimentos é residente fiscal no Reino Unido, para os efeitos do disposto na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, nos anos de 2009 a 2013, tendo estado aí sujeito a esse imposto durante o indicado período”.

 

Também do texto da decisão n.º 221/2017-T se conclui que, “[...] o certificado de residência apresentado pela Requerente durante a acção inspectiva, que consta do Anexo II ao Relatório da Inspecção Tributária, emitido pelas autoridades fiscais holandesas, cuja autenticidade não foi questionada, refere que, durante o ano de 2013, a B… era residente na Holanda com o sentido do artigo 4.º da CDT Portugal – Holanda («resident of the Netherlands within the meaning of article 4 of the Convention for the avoidance of double taxation between the Kingdom of the Netherlands and the Portuguese Republic»)”.

 

Desta forma, impõe-se concluir que, ainda que a prova dos pressupostos da não obrigação de efetuar a retenção na fonte se pode fazer por outro meio idóneo, e não apenas através da apresentação do formulário Mod. 21-RFI, a verdade é que o documento junto pela Requerente não permite atestar nada mais além da residência fiscal, ao contrário do que a própria Requerente defende. O que, para efeitos do exercício de subsunção ao preceito legal aplicável, é insuficiente para extrair a estatuição normativa.

Face ao exposto, conclui-se que a Requerente não demonstrou, como lhe era imposto, estarem verificados os pressupostos da não obrigação de efetuar a retenção na fonte e a subsunção destes casos ao disposto no n.º 1 do artigo 101.º-C do Código do IRS, não estando, por isso, verificados os pressupostos da não obrigação de efetuar a retenção na fonte.

 

Com a improcedência do pedido arbitral, quanto ao aludido fundamento, fica prejudicado o conhecimento de demais peticionado pela Requerente – artigos 130.º e 608.º, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, do RJAT.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerente.

 

IV.          DECISÃO

 

Nestes termos, este Tribunal Arbitral Singular decide,

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

b)           Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 23.063,98.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 1.224,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de julho de 2020

 

O Árbitro,

 

(Marisa Almeida Araújo)

 

[Despacho de retificação de 14 de julho de 2020: “Estando-se perante uma situação de lapso manifesto quanto à indicação do montante das custas, corrige-se esse lapso, alterando a redação do ponto Custas, nos seguintes termos: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em €1.224,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT”.]