Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 605/2020-T
Data da decisão: 2021-11-02  IRC  
Valor do pedido: € 3.556.827,95
Tema: IRC. Perdão de créditos. Acordo extrajudicial homologado em PER. Encargos financeiros. Dedutibilidade fiscal. Artigos 41.º, n.º 1, alínea c) e 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CIRC
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 3 de maio de 2021, Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Jorge Carita e Fernando Marques Simões (co-árbitros), acordam no seguinte:

 

 

I.         Relatório

 

A..., Lda., doravante “Requerente”, com o número de matrícula e pessoa coletiva ..., com sede na ..., ..., ...-...,  ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência da formação da presunção de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto relativamente à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), do período de tributação de 2015, emitida sob o n.º 2019..., que tem subjacente uma correção à matéria coletável deste imposto, no valor de € 3.568.975,13.

 

A Requerente pretende a anulação da liquidação identificada e, bem assim, dos atos de indeferimento tácito do recurso hierárquico e da reclamação graciosa por si deduzidos, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, submetido em 6 de novembro de 2020, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 9 de novembro de 2020 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 3, do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 6 de janeiro de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 3 de maio de 2021.

 

Em 7 de junho de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, concluindo pela procedência da exceção e consequente absolvição da instância, ou, assim não se entendendo, pela improcedência da ação arbitral. Pede também a alteração do valor da causa. Juntou na mesma data o processo administrativo (“PA”).

Em 14 de junho de 2021, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para exercer o contraditório sobre a matéria de exceção e a impugnação do valor da causa invocadas pela Requerida, o que aquela concretizou em 24 de junho de 2021.

 

Em 21 de setembro de 2021, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com inquirição da testemunha indicada pela Requerente. Constatada a existência de elementos em falta no PA, concedeu-se o prazo de 10 dias para a Requerida proceder à respetiva junção e notificaram-se ambas as Partes para, após, apresentarem alegações escritas, no prazo de 10 dias. Foi também fixado o prazo para prolação da decisão até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Os elementos adicionais do PA foram juntos pela AT em 4 de outubro de 2021, tendo as Partes, de seguida, apresentado as suas alegações.

 

Posição da Requerente

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Em relação à matéria dos créditos incobráveis, argui que, ao contrário do que entendeu a Requerida, os acordos extrajudiciais homologados no âmbito de um PER, se encontram abrangidos pela previsão do artigo 41.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, pelo que os créditos aí perdoados devem ser aceites como gastos ou perdas para efeitos fiscais.

 

Neste sentido, afirma que não se compreenderia que fossem aceites os acordos ao abrigo do SIREVE e hoje do RERE, que consistem em processos extrajudiciais de reorganização de dívidas das empresas, e não o fosse o acordo extrajudicial alcançado no PER. Por outro lado, o artigo 41.º do Código do IRC não faz qualquer distinção entre o PER resultante de acordo alcançado no decurso do processo (judicial) ou resultante de acordo prévio (extrajudicial).

            Acresce que, segundo a Requerente, quer no caso de acordo extrajudicial, quer no de acordo judicial, a homologação do juiz no PER ocorre sempre nos termos previstos no artigo 17.º-F do CIRE e, independentemente disso, a ratio da norma (do artigo 41.º do Código do IRC) sempre pretendeu incluir os créditos incobráveis resultantes do PER, pelo que, segundo a Requerente, a sua conduta não pode ser considerada violadora dos princípios da legalidade e da tipicidade.

 

Alega, por outro lado, que a atuação da Requerida foi distinta em relação a outras sociedades do Grupo B..., quando fizeram igualmente concorrer para o seu resultado tributável créditos incobráveis sobre a C..., S.A., adiante “C...”, como se verificou com a D..., S.A., doravante também designada “D...”, em que a dedução foi aceite.

 

No tocante ao tema da (in)dedutibilidade de gastos de financiamento na esfera da D..., a Requerente sustenta que a Requerida não provou que os financiamentos em causa tiveram como destino custear os empréstimos concedidos não remunerados a sociedades relacionadas.

 

Acrescenta que os empréstimos concedidos, pela D..., a sociedades relacionadas, embora sem vencerem juros a seu favor, nem por isso deixam de ter conexão com os rendimentos tributados em IRC. Estes empréstimos permitiram que essas sociedades fizessem face aos seus compromissos e fomentassem a sua atividade económica com repercussão positiva no resultado fiscal do Grupo B... . Considera ainda que no âmbito do RETGS não se justifica uma correção, pois os fluxos com impacto nos resultados no seio do grupo são eliminados, produzindo um impacto nulo no apuramento da matéria coletável do Grupo.

 

Argumenta, por fim, que a interpretação defendida pela AT é demasiado limitativa, compromete o princípio constitucional de tributação pelo lucro real e ignora o direito à liberdade de gestão.

Posição da Requerida

 

Segundo a Requerida, a ação é desprovida de objeto, por não se ter formado a presunção de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa, quando da interposição do Recurso Hierárquico, atenta a suspensão de prazos determinada pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, relativa às medidas excecionais do Covid-19. Aduz que se se considerar que o objeto do processo são as liquidações efetuadas, a ação é intempestiva, suscitando-se em qualquer caso a absolvição da instância.

 

A Requerida contesta o valor da ação indicado pela Requerente, de € 803.019,40, resultante da aplicação da taxa de 22,5% às correções à matéria coletável, pois, segundo o disposto no artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por remissão do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), tratando-se da impugnação de ato de fixação da matéria coletável, o critério de aferição do valor da ação, é o da importância contestada, i.e., in casu € 3.568.975,13, e não a “importância cuja anulação se pretende”.

 

Por impugnação, a Requerida alega que o PER pode iniciar-se e desenrolar-se por duas vias distintas, a prevista nos artigos 17.º-A a 17.º-H e a prevista no artigo 17.º-I do CIRE. No primeiro caso, a homologação ocorre nos termos definidos no artigo 17.º-F do CIRE, e, no segundo, em conformidade com o disposto no artigo 17.º-I do mesmo diploma.

 

No caso dos autos, o PER foi iniciado nos termos do disposto no artigo 17.º-I do CIRE e a Requerente suportou uma perda considerável resultante do perdão da dívida, que “não é economicamente compreensível dentro dos padrões comuns de um gestor normal”.

 

O artigo 41.º, n.º 1, alínea c), na redação vigente em 2015, considera diretamente como gastos ou perdas os créditos incobráveis após homologação do plano de recuperação previsto no artigo 17.º-F do CIRE.

 

Esta norma não contém qualquer referência ao artigo 17.º-I do CIRE e não pode ser lida extensivamente de molde a incluir este último, pois não tem suporte gramatical (na letra da lei), nem é consentida pelo espírito da norma, sob pena de violação do princípio da legalidade.

 

A Requerida invoca também a violação do princípio da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real (v. artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2 da Constituição.

 

Em relação aos encargos financeiros suportados pela D..., a Requerida entende que, existindo empréstimos a terceiros, mesmo que pertencentes ao mesmo grupo económico e fiscal, e não sendo estes remunerados, os gastos suportados com juros de financiamento bancário obtido para esse efeito não devem concorrer para o apuramento do resultado tributável do sujeito passivo, atento o disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

 

A dedutibilidade dos gastos de natureza financeira tem necessariamente de apresentar um nexo causal com a atividade produtiva da empresa, que conclui não existir na presente situação, qualificando o gasto como revestindo caráter alheio, pois não foi suportado no interesse da Requerente, mas no de terceiros.

 

A Requerida rebate ainda o argumento da Requerente de que existindo um REGTS abrangendo a sociedade financiadora [a Requerente] e as sociedades mutuárias, considerar um gasto fiscal na esfera de uma sociedade ou de outra seria inócuo. A este propósito, nota que o lucro tributável ou os prejuízos fiscais apurados individualmente por cada uma das sociedades que integram o RETGS são determinantes para a dedutibilidade fiscal, ou não, de eventuais prejuízos reportados (v. artigo 52.º, como refere o artigo 71.º, ambos do Código do IRC), por exemplo, no caso de recomposição do Grupo, com entradas e saídas de sociedades, ou ainda para aferir a dedutibilidade (e respetiva medida) de eventuais benefícios fiscais a efetuar à coleta do Grupo.

 

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação de IRC (com as legais consequências nos atos de segundo grau), à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A Requerida suscita a falta de objeto e a intempestividade da ação, exceções para cuja apreciação interessa atender à matéria de facto, seguidamente fixada, após o que tais questões serão, antes de mais, decididas por este Tribunal, e bem assim, fixado o valor da causa. 

 

 

III.      Questões a Apreciar

 

Importa apreciar, com prioridade sobre as demais questões, a alegada falta de pressupostos processuais, no que se refere ao objeto e à intempestividade da ação.

 

Se as referidas exceções improcederem, cumpre conhecer do mérito e decidir as ilegalidades substantivas invocadas, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito. Está aqui em causa aquilatar:

 

  1. Da não aplicação do regime de créditos incobráveis previsto no artigo 41.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC a créditos perdoados no âmbito de um acordo extrajudicial homologado num PER; e
  2. Da indedutibilidade de gastos financeiros incorridos em relação a empréstimos não remunerados a sociedades relacionadas.

IV.      Fundamentação

 

1.         De Facto

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A A..., Lda., aqui Requerente[1], é uma sociedade comercial por quotas, com sede em Portugal, enquadrada no regime geral de tributação para efeitos de IRC, e tem por objeto social: “atividades de prestação de serviços de gestão, a formação e consultoria para os negócios e gestão nas áreas da agricultura e pecuária e de atividades conexas, gestão financeira, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos, a conceção e desenvolvimento de projetos e de investimentos, o apoio estratégico à gestão e planeamento empresarial, incluindo a assessoria nas áreas económica, financeira, tecnologias de informação, estratégia e marketing, a prestação de serviços administrativos, assessoria, e prestação de serviços conexos, bem como a representação e comercialização de produtos nas áreas da agricultura e pecuária para mercados nacionais e internacionais, e, a promoção e organização de eventos de carácter empresarial ou social, para apoio a empresas” – cf. documento 6 junto pela Requerente.
  2. No período de tributação de 2015, a Requerente era a sociedade dominante do perímetro do Grupo B... abrangido pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos Sociedades (“RETGS”), previsto no artigo 69.º e seguintes do Código do IRC – cf. Relatórios de Inspeção Tributária individuais e de Grupo (“RIT”), juntos pela Requerente como documentos 3 e 10 e constantes do processo administrativo (“PA”) junto pela Requerida.
  3. Do perímetro do Grupo B... faziam parte, em 2015, além da Requerente, entre outras, a sociedade D..., S.A. – cf. RIT.
  4. Com referência ao período de 2015, a Requerente procedeu ao registo contabilístico do montante de € 3.341.694,67, como gasto na conta de créditos incobráveis (conta #6832 – DI outros devedores), concorrendo para a formação do seu resultado fiscal – cf. RIT.
  5. Esta importância diz respeito, maioritariamente, a empréstimos concedidos à sociedade C..., S.A., cujo capital social era integralmente detido pela Requerente (3% diretamente e 97% indiretamente). Tais empréstimos foram contabilizados na conta # 4113002 – “empréstimos concedidos”, no valor de € 2.000.000,00, e o restante valor em contas de clientes # 211610017 e outros devedores # 278100029 – cf. RIT.
  6. A Requerente entendeu que estavam cumpridos os pressupostos do artigo 41.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, referente a créditos incobráveis, tendo em conta a instauração do Processo Especial de Revitalização (“PER”) pela C... (na qualidade de devedor), em conjunto com o credor F..., S.A., em 17 de agosto de 2015, no Tribunal da Comarca de Beja, que correu termos sob o n.º .../15...T8BJA – cf. RIT e documento 9 junto pela Requerente.
  7. A instauração deste PER teve por base a apresentação de um acordo extrajudicial de recuperação, nos termos do artigo 17.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”). Sobre este acordo, recaiu sentença homologatória em 13 de novembro de 2015, transitada em julgado em 4 de dezembro de 2015, de que se transcreve o seguinte excerto:

Atento o exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-I, n.ºs 4, e 6 e 7 do art. 17.º-F (ex vi n.º6 do art. 17.º-I) do CIRE,

Homologa-se, por sentença, o Acordo Extrajudicial conducente à Revitalização da Requerente C..., S.A.” – cf. RIT e documento 9 junto pela Requerente.

  1. Neste acordo extrajudicial foram integralmente perdoados os créditos subordinados e aqueles que lhes são equiparados, incluindo os créditos dos acionistas, abrangendo capital e juros, que ascendiam a € 12.277.515,16 – documento 9 junto pela Requerente.
  2. Na sequência do procedimento inspetivo interno realizado à Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo B..., sob a Ordem de Serviço OI2019..., e dos procedimentos externos que o antecederam incidentes sobre a situação individual da Requerente e das sociedades G..., Lda., D..., S.A., H..., Lda., I..., Lda. e Sociedade J..., Lda., foram efetuadas as seguintes correções à matéria coletável:
    1. A título individual, à Requerente, sociedade dominante, no montante de € 3.341.694,67 (apuradas no procedimento inspetivo externo de âmbito geral sob a ordem de serviço OI2017...);
    2. À sociedade dominada G..., Lda., no montante de € 63.685,52, que foram aceites pela Requerente, pelo que não integram o objeto da presente ação; e
    3. À sociedade dominada D..., S.A., no valor de € 227.280,46 (apuradas no procedimento inspetivo de âmbito parcial – IVA e IRC, efetuado à D... sob a ordem de serviço OI2018...),

– cf. RIT.

  1. Como fundamento da correção de € 3.341.694,67, o RIT refere que:

Face ao estabelecido na lei – alínea c), n.º 1, do art.º 41.º do CIRC, observa-se na previsão da letra da norma que os créditos incobráveis podem ser considerados gastos fiscais no âmbito de um processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no art.º 17.º F, do CIRE.

No caso em análise, não estamos na presença, como factualmente documentado, de um processo especial de revitalização (PER) previsto no art.º 17.º F do CIRE (acordo judicial), mas sim, de um processo especial de revitalização (PER) previsto no art.º 17.º I do CIRE (acordo extrajudicial).

Deste modo, para efeitos de dedutibilidade fiscal dos créditos, na expressa intenção do legislador fiscal, somente a homologação do plano previsto no art.º 17.º F do CIRE (o judicial) se encontra contemplada na previsão da norma.

No âmbito do procedimento inspetivo, foi o sujeito passivo questionado sobre os motivos (base legal) que o levaram a considerar como fiscalmente dedutíveis os créditos incobráveis ao abrigo do PER, instaurado nos termos do art.º 17.º I do CIRE, cuja resposta se transcreve:

«………………….

Conforme solicitado, por email de 12 de Março de 2019, vimos por este meio esclarecer as questões colocadas.

De acordo com a comunicação recebida, verificou-se que o registo contabilístico da E..., SGPS, Lda. ("A...") realizado na conta de créditos incobráveis (#68322), no montante de €3.341.694,67, respeita a créditos sobre a C... S.A. ("C..."), entidade cujo capital era totalmente detido pela A... (3% por via directa e 97% por via indirecta). Este montante concorreu para a formação do resultado tributável da A... com referência ao ano 2015

De facto, em 17 de Agosto de 2015, a C..., Juntamente com o credorm F... S.A., requereu a instauração de Processo Especial de Revitalização ("PER") da própria C..., nos termos do disposto no artigo 17.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ("CIRE") – documento que já foi disponibilizado à Autoridade Tributária.

Este PER ao qual foi atribuído o n.º de processo .../15...T8BJA correu termos e terminou com a sentença do Tribunal da Comarca de Beja que homologou o acordo extrajudicial conducente à revitalização da C... e transitou em julgado em 4 de Dezembro de 2015 (documento que já foi disponibilizado à Autoridade Tributária).

Na redacção do artigo 41.º do Código do IRC em vigor em 2015, estabelecia-se o seguinte:

“l - Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação nas seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente:

(…)

c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;”

Este artigo foi, entretanto, alterado, sendo a redacção actual a seguinte:

“l — Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação, ainda que o respetivo reconhecimento contabilístico já tenha ocorrido em períodos de tributação anteriores, em qualquer das seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente:

(…)

c) Em processo de insolvência ou em processo especial de revitalização, quando seja proferida sentença de homologação do plano de insolvência ou do plano de recuperação que preveja o não pagamento definitivo do crédito;”

Analisados os normativos legais que estabelecem as regras aplicáveis ao PER (em particular os artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE), verifica-se que este processo pode iniciar-se de duas formas diferentes:

a.  Através de manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita (cfr. resulta do artigo 17.º-C do CIRE); ou

b.  Pela apresentação pelo devedor de acordo extrajudicial de recuperação, assinado pelo devedor e por credores que representem pelo menos a maioria de votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º (cfr. resulta do artigo 17.º-I CIRE).

 

 

O PER segue depois uma tramitação similar e, independentemente da forma como o processo se iniciou, havendo acordo entre o devedor e os credores e, considerando o tribunal que o acordo respeita as normas e procedimentos legais imperativos, é proferida sentença homologatória do mesmo, nos termos do artigo 17.º-F do CIRE (sendo que, além do mais, o próprio artigo 17.º-I do CIRE remetia, entre outros para a homologação prevista no artigo 17.º-F n.º 3 [actualmente remete para o n.º 5 cujo texto legal é semelhante] do mesmo diploma).

Assim, o artigo 41.º n.º 1 alínea c) do Código do IRC acima transcrito e em vigor em 2015, considerava como créditos incobráveis e como tal dedutíveis ao lucro tributável, os créditos sob os devedores que se encontrassem em situação de PER e cujo plano tivesse sido concluído, aprovado pelos credores e reconhecido por sentença homologatória do mesmo, para efeitos do artigo 17.º-F do CIRE. Sucede o mesmo na versão actualmente em vigor, conquando nesta já não é feita alusão a qualquer artigo do CIRE, bastando que o plano seja aprovado nos termos transcritos acima.

Em face do exposto e em resumo, parece-nos que, independentemente da forma como se tenha iniciado o PER da C... o mesmo terminou com um acordo homologado pelo Juiz, pelo que a dedutibilidade fiscal deste gasto deverá ser aceite, nos termos do disposto no artigo 41.º n.º 1 c) do Código do IRC.

Da análise aos esclarecimentos acima transcritos, retira-se que o sujeito passivo entende que independentemente da forma de instauração do PER (instaurado nos termos do art.º 17.º F, do CIRE ou nos termos do art.º 17.º I, do CIRE) e pelo facto das duas formas de instauração previstas no CIRE, seguirem uma tramitação similar, deve-se interpretar, para efeitos de dedutibilidade fiscal dos créditos considerados incobráveis, que a alínea c), do n.º 1, do art.º 41.º do CIRC, na sua redação ao tempo, inclui, também a homologação de acordos extrajudiciais a que alude o art.º 17.º I do CIRE.

Tal entendimento não pode ser acompanhado pela Administração Tributária, vejamos;

Em bom rigor, há que fazer a distinção entre o PER de que tratam os art.ºs. 17.º A a 17.º H do CIRE e aquele que surge regulado no art.º 17.º I do mesmo diploma.

O regime do PER regulado nos art.ºs. 17.º A a 17.º H do CIRE, visa permitir a recuperação empresarial do devedor que se encontra em situação económica difícil. Podendo assumir duas configurações possíveis, o previsto no art.º 17.º I do CIRE é um processo que visa a homologação de um acordo de recuperação que foi alcançado extrajudicialmente antes de iniciado o processo em causa, e no caso do art.º 17.º F o acordo de natureza judicial é negociado sobre a coordenação de um administrador judicial provisório, designado pelo tribunal.

O legislador fiscal, na formulação da redação (2014) contida na alínea c) do n.º 1 do art.º 41.º do CIRC, fez constar expressamente que os créditos incobráveis a considerar como gastos e perdas do período de tributação, são os que resultam de processo especial de revitalização, após a homologação do plano de recuperação pelo juiz previsto no art.º 17.º F do CIRE

Veja-se que, a redação da alínea c), do n.º 1, do art.º 41.º do CIRC, ao tempo dos factos, foi dada pela Lei n.º 2/2014 de 16/01, a vigorar a partir de 01-01-2014 (tendo sido alterada somente pela Lei n.º 114/2017, de 29/12), e que nessa data, já vigorava a redação dos art.ºs. 17.º A a 17.º I do CIRE (redação dada pela Lei n.º 16/2012, de 31/12).

Neste sentido, entende a AT que se fosse intenção do legislador fiscal alargar a dedutibilidade fiscal dos créditos incobráveis relacionados no âmbito de um PER regulado nos termos do art.º 17.º I do CIRE, tal intenção encontrar-se-ia expressa na letra da lei, o que não acontece no caso em apreço.

No mesmo sentido seguem os princípios da legalidade e da tipicidade fiscal que não permitem, como é sabido, aplicações analógicas em matéria tributável. Sendo que, também aqui, temos que, acompanhando o preceituado no n.º 3 do art.º 9.º do CC considerar que na fixação e alcance da lei o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. De onde decorre em conclusão que o legislador somente consagrou na previsão da norma (art.º 41.º do CIRC) as situações abarcadas pela disciplina do art.º 17.º F do CIRE e não as do art.º 17.º I do mesmo diploma.

Face ao anteriormente descrito, vai a AT, propor a correção do resultado fiscal do exercício em análise, no montante de €3.341.694,67, relativo a créditos incobráveis integrados em processo especial de revitalização, regulado pelo art. 17.º I, do CIRE, por não se enquadrarem na previsão e na estatuição da alínea c), do n.º 1, do art.º 41.º do CIRC.– cf. RIT e documento 3.

  1. Nestes termos, a Requerida procedeu à correção do resultado fiscal individual da Requerente, no exercício em análise de € -3.754.360,23 para € -412.665,56, em consequência do acréscimo de € 3.341.694,67 à sua matéria coletável de 2015 – cf. RIT.
  2. Em relação às correções, no valor de € 227.280,46, efetuadas na esfera individual da D..., estas reportam-se a encargos financeiros. Os encargos financeiros suportados pela D... no período de 2015 ascenderam a € 1.344.271,21 (€ 274.768,47 – conta # 681231 e € 1.069.502,74 – conta # 69) e derivaram de financiamentos obtidos junto de instituições financeiras, no valor global de € 48.331.628,49. Relativamente a estes encargos, a D... acresceu ao quadro 07, Campo 748 da declaração modelo 22 de IRC referente a 2015 o montante de € 332.124,03 – cf. RIT.
  3. Neste período de 2015, a D... concedeu empréstimos não remunerados a três sociedades relacionadas (K... SGPS, S.A., E... SGPS, Lda. e L..., Lda.), no valor de € 10.397.741,95 – cf. RIT.
  4. Tendo em conta os encargos financeiros incorridos em financiamentos obtidos pela D... junto de instituições financeiras e a utilização de uma parte desses fundos em empréstimos não remunerados a sociedades relacionadas, o RIT do procedimento inspetivo que teve por objeto esta sociedade, desconsiderou uma parcela proporcional dos encargos financeiros incorridos, com os seguintes fundamentos:

Pelo exposto e tendo em atenção do disposto nos artigos 23º e 67º, ambos do Código do IRC, foram apuradas as correções a efetuar no exercício de 2015, conforme quadro abaixo.

Conta

Designação

Valor

Obs.1

Obs.2

278110014

K... SGPS, SA

5.550.000,00 €

1

-

278110015

E...-SGPS, Lda

2.680.692,58 €

2

-

278110023

L..., Lda

2.167.049,37 €

3

-

Total

10.397.741,95 €

4=1+2+3

Empréstimos concedidos às entidades relacionadas

2511

Empréstimos Bancários

48.331.628,49 €

5

Montante total dos empréstimos obtidos

681231

Imposto selo

274.768,47 €

6

 

68

Juros – Empréstimos Bancários

1.069.502,74 €

7

 

Total encargos bancários

1.344.271,21 €

8=6+7

Montante total dos encargos suportados com empréstimos obtidos

 

Limite artigo 67º CIRC

1.000.000,00 €

9

 

-

Artº 67º CIRC

344.271,21 €

10=8-9

Total dos encargos não aceites nos termos do artº 67º CIRC

 

Encargos financeiros apurados

1.000.000,00 €

11

Total dos encargos financeiros a considerar para efeitos de correção

-

Gastos não aceites

215.133,28 €

12=(11*4)/5

Valor a corrigir relacionado com os encargos financeiros dos empréstimos concedidos a entidades relacionadas

-

Total dos gastos não aceites

559.404,49 €

13=12+10

Total dos gastos não aceites apurados nos termos do artº 67º do CIRC acrescidos com os gastos imputados aos financiamentos concedidos a entidades relacionadas

 

Correção Q07 M22

332.124,03 €

14

Correção ao Q07 da modelo 22 efetuada pelo sujeito passivo aos encargos financeiros

 

Correção a efetuar

227.280,46 €

15=11-12

Valor da correção a efetuar deduzindo o valor já corrigido pelo sujeito passivo

Assim e tendo em consideração que pelo limite de 1 000 000,00 previsto no artigo 67º do Código do IRC, o valor de € 344 271,21 não é aceite para efeitos fiscais e tendo em atenção a proporção dos financiamentos obtidos e concedidos face aos juros suportados com os respetivos financiamentos, o valor de € 215 133,28 não é aceite nos termos do artigo 23º do Código do IRC.

Refira-se que nos termos do disposto no nº1 do artigo 23º do Código do IRC, para determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Pelo que, o montante total não aceite ascende a € 559 404,49.

Dado que o sujeito passivo corrigiu o montante de € 332 124,03 no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, o valor a corrigir ascende a € 227 280,46.” – cf. RIT.

  1. No procedimento inspetivo da D..., a Requerida aceitou a dedutibilidade do crédito incobrável que esta sociedade detinha sobre a C... (ao contrário do que sucedeu no procedimento inspetivo da Requerente, a título individual), nos seguintes termos (cf. excerto do RIT):

4 – Outros gastos e perdas

No exercício de 2015 destaca-se o crédito incobrável no montante de € 3.468.428,21, conforme registo na conta 68322 – DI – Outros Devedores.

Da análise à documentação enviada pelo sujeito passivo verifica-se que o referido crédito é aceite fiscalmente nos termos do artigo 41.º do CIRC, bem como nos termos do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), dado resultar de um perdão de dívida no âmbito de um processo especial de recuperação e revitalização (PER).”

  1. Das acima mencionadas correções, resultou a diminuição do resultado fiscal negativo declarado pelo GRUPO B... de € -13.120.266,27 (após declaração de substituição e correção voluntária de € 63.686,52) para € - 9.551.291,14, ou seja, foi acrescida à matéria coletável de IRC da Requerente do período de 2015 o valor global de € 3.568.975,13 – cf. documentos 7 e 8 (declaração de substituição modelo 22 de IRC e extrato da consulta da situação da Requerente no Sistema de Gestão do IRC).
  2. Na sequência da correção à matéria coletável da Requerente determinada no RIT, foi emitida, com data de 7 de novembro de 2019, a liquidação de IRC n.ºs 2019 ..., com valor de imposto apurado nulo (“zero”) tendo em conta que, apesar do referido acréscimo à matéria coletável, a Requerente continuou a apresentar um resultado fiscal negativo – cf. documentos 1 e 2 juntos pela Requerente.
  3. Por não concordar com esse acréscimo à matéria coletável, com a ressalva da diferença de € 12.147,18, resultante da aplicação do limite previsto no artigo 67.º do Código do IRC que não é controvertida (a Requerente só tinha acrescido o montante de € 332.124,03 ao quadro 07 da modelo 22, quando deveria ter acrescido € 344.271,22, aceitando esse facto), a Requerente apresentou, em 5 de fevereiro de 2020, Reclamação Graciosa, com fundamentos idênticos aos do presente pedido arbitral – cf. documento 4 junto pela Requerente.
  4. Não tendo a Reclamação sido decidida no prazo de 4 meses, a Requerente presumiu o respetivo indeferimento tácito, conforme previsto no artigo 57.º, n.ºs 1 e 5 da Lei Geral Tributária (“LGT”), e interpôs Recurso Hierárquico em 18 de junho de 2020 – cf. documento 5 junto pela Requerente.
  5. O Recurso Hierárquico não foi, até ao presente, objeto de decisão expressa, pelo que, de novo, a Requerente se prevaleceu da formação de ato silente de indeferimento, que considerou ter ocorrido em 17 de agosto de 2020, de acordo com o disposto no artigo 66.º, n.º 5 do CPPT, e, mantendo a discordância em relação à fixação da matéria coletável subjacente à liquidação de IRC controvertida, referente ao período de 2015, apresentou no CAAD, em 6 de novembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. documento 5 junto pela Requerente e registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições assumidas pelas Partes, que não apresentam divergência em relação à matéria de facto.

 

A prova testemunhal não se revelou pertinente, pois a testemunha ouvida, indicada pela Requerente, M..., atual diretor financeiro desta, não teve qualquer contacto com os factos, reportados ao período de 2015, dado que apenas iniciou a sua colaboração com a Requerente três anos depois, em 2018, pelo que o seu depoimento é de conhecimento indireto e apenas contextual.

 

3.         Factos não Provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

4.         Questões Prévias: Falta de Objeto da Ação Arbitral e Caducidade do Direito de Ação

 

            A Requerida argui a exceção dilatória de falta de objeto, com fundamento na prematuridade da apresentação do Recurso Hierárquico e, consequentemente, do pedido de pronúncia arbitral (este apresentado em 6 de novembro de 2020), em virtude da suspensão de prazos que se verificou entre 9 de março e 2 de junho de 2020, operada pelo artigo 7.º, n.º 6, alínea c) e n.º 7 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, diploma que estabeleceu medidas excecionais e temporárias associadas ao Covid-19.

 

            Desta forma, a Requerida preconiza que o prazo para a formação do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa deduzida pela Requerente esteve suspenso e que, por essa razão, não era legítimo à Requerente presumir o indeferimento tácito dessa Reclamação e interpor o subsequente Recurso Hierárquico, pois o prazo para a formação do ato tácito pressuposto [de indeferimento da Reclamação Graciosa] ainda não tinha decorrido. Donde conclui que a presente ação carece de objeto, pois o ato presumido ainda não se tinha formado.

            Por outro lado, defende que, caso se considere que o objeto da ação não respeita aos atos de segundo grau, mas antes, ao próprio ato de liquidação [melhor dito, de fixação da matéria coletável], a ação é intempestiva, pois a liquidação remonta a novembro de 2019 e a ação foi proposta em novembro de 2020, quase um ano depois, pelo que muito além do prazo de 90 dias após a respetiva notificação. Nesta última hipótese, a Requerida alega a caducidade do direito de ação.

 

            A este respeito, interessa começar por notar que a presunção do indeferimento de uma pretensão dirigida à AT constitui uma ficção legal criada para proteção dos interesses dos contribuintes, permitindo-lhe o acesso aos meios adjetivos de tutela – quer administrativa (no caso da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico), quer contenciosa (reportada à via jurisdicional) – dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, quando se constata a omissão do dever de decidir, no prazo legalmente previsto, que impende sobre a Administração. Estamos perante uma figura legal de garantia consagrada a benefício dos administrados.

 

            Convém também assinalar que a lei não estabelece qualquer efeito, designadamente sancionatório ou extintivo, relativamente ao exercício prematuro de um direito potestativo de natureza adjetiva (como o direito de apresentar um requerimento, reclamação, recurso ou petição), i.e., dito de outro modo, à prática de um ato antes do início do prazo de caducidade, em especial quando, como sucede na presente situação, já ocorreu o evento que determina a reação administrativa ou contenciosa, que se prende com a emissão do ato tributário impugnado (de fixação, com acréscimo, da matéria coletável da Requerente).

 

            Nota-se que se a lei fixa o momento em que se inicia um prazo, fá-lo porque o dies a quo é fundamental para a determinação da sua contagem, destinando-se a estabelecer, com exatidão, o momento que em que inicia o prazo de caducidade, por forma a concluir com rigor sobre o momento em que termina o prazo para o exercício desse direito, dado o efeito desfavorável que advém para o seu titular (pois a caducidade tem como cominação o contribuinte deixar de poder exercer o direito de reclamação, de recurso ou de ação e, em consequência, o direito que pretendia fazer valer através destes meios de reação, impondo-se aqui razões ponderosas de certeza e segurança jurídicas). Ou seja, o início do prazo constitui um fator necessário e determinante, mas tão só para balizar o fim do mesmo prazo. E sendo esses os interesses sob tutela e, pela própria definição e natureza do instituto da caducidade, esta só pode operar após o decurso do prazo e não antes do início do mesmo.

 

            Nestes termos, ainda que possa considerar-se, em linha com a Requerida, que o Recurso Hierárquico foi precocemente interposto, antes da formação do ato silente de indeferimento da Reclamação Graciosa, essa circunstância não tem associada qualquer cominação legal, nem configura uma exceção de extemporaneidade. E é, de igual modo, verdadeiro que, descontando a suspensão do prazo de 9 de março a 2 de junho de 2020, depois decorridos os 4 meses que a AT tinha para decidir de forma expressa (em 3 de setembro de 2020), esta não o fez, e tanto quanto se sabe, não o fez até hoje. Chegados a esse ponto, seria um ato inútil e redundante exigir que a Requerente tivesse de renovar o Recurso Hierárquico, submetendo nova petição, ou seja, que tivesse de praticar de novo o ato procedimental prematuro.

 

            Assim, constatada a omissão do dever de decidir a Reclamação Graciosa em 3 de setembro de 2020 (já descontando o efeito suspensivo da legislação Covid 19), cujo incumprimento é imputável à AT, deve considerar-se sanada a prematuridade do Recurso Hierárquico que não configura, como a Requerida defende, uma “falta de objeto”, antes uma antecipação do direito potestativo procedimental.

 

            A partir daí, decorridos os 60 dias previstos no artigo 66.º, n.º 5 do CPPT, sem que tenha recaído sobre o Recurso qualquer decisão, voltou a formar-se a presunção de indeferimento (em 3 de outubro de 2020). 

 

            Logo, a propositura da presente ação, em 6 de novembro de 2020, ocorreu no prazo legal de 90 dias (a contar de 3 de outubro de 2020[2]), estabelecido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, com remissão para o início de contagem previsto no artigo 102.º, n.º 1 do CPPT (aplicando-se neste caso a alínea e)), a partir da formação do ato silente de indeferimento do Recurso Hierárquico (dies a quo).

 

            Neste âmbito, é irrelevante saber se o objeto da ação é o ato silente ou o ato de fixação da matéria coletável, materializado no ato tributário de liquidação “nula”. A contagem do prazo de caducidade do direito de ação constitui uma questão independente dessa, sem prejuízo de se entender que o objeto do processo arbitral é sempre o ato tributário de liquidação ou de fixação da base de incidência, de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, sob pena de incompetência material do Tribunal Arbitral.

           

            A interpretação que se preconiza resulta da aplicação dos princípios procedimentais e processuais do direito adjetivo contemporâneo, designadamente do princípio pro actione ou de favorecimento do processo, que consta do artigo 7.º do CPTA, e que impregna as diversas disposições dos compêndios de procedimento e processuais, no sentido de, sempre que possível, serem supridas e sanadas as deficiências formais e aproveitados os atos que o puderem ser sem violação dos direitos e garantias dos administrados. Vide, a título ilustrativo, o disposto nos artigos 52.º (aproveitamento e convolação do procedimento) e 98.º, n.ºs 3 a 5 do CPPT (aproveitamento de atos e convolação do meio processual), e 7.º-A, n.º 2 e 87.º do CPTA (dever de gestão processual e suprimento, inclusive oficioso, da falta de pressupostos processuais – com idêntica solução v. ainda os artigos 6.º, n.º 2, 146.º e 590.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

 

            Mais, é a solução que melhor se coordena ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, com assento no artigo 20.º da Lei Fundamental e reproduzido no artigo 2.º do CPTA.

 

            À face do exposto, conclui-se pela improcedência da exceção suscitada pela Requerida, quer no tocante à falta de objeto, quer à alegada caducidade do direito de ação, julgando-se esta tempestiva.

 

           

            5.         Valor da Causa

 

            A Requerida impugna o valor da causa por entender que, no caso, vem impugnado um ato de fixação da matéria coletável no montante de € 3.568.975,13, importância que traduz a utilidade económica do pedido, desconhecendo-se o impacto de tal valor na futura liquidação do imposto. Donde, considera que o valor indicado pela Requerente, de € 803.019,40, correspondente a uma liquidação hipotética (não real), foi artificialmente criado por esta e não pode ser atendido.

 

            Segundo o disposto no artigo 306.º do CPC, é ao Tribunal que cabe fixar o valor da causa[3], sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as Partes.

 

            A aferição do valor da utilidade económica do processo é imprescindível, atendendo a que, por um lado, deve constar do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, e, por outro, como esclarece Carla Castelo Trindade[4], porque “é importante para aferir: (1) a competência do tribunal arbitral e (2) o valor a pagar a título de taxa de arbitragem inicial ou de taxa de arbitragem.”

 

            Na verdade, a utilidade económica do processo é “um critério transversal de determinação do valor de um pedido ou de uma causa, quer em matéria civil ou administrativa”, como referido na decisão arbitral (no âmbito do CAAD) n.º 698/2019-T. Em matéria civil, o artigo 296.º, n.º 1 do CPC prevê que “[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do processo.”

 

            E, em matéria administrativa, semelhante disposição consta do artigo 31.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), segundo o qual “[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do processo.

 

            Sobre esta matéria, o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) prevê, de forma expressa, no seu artigo 3.º, n.º 2 que o “valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, dispondo, por seu turno, este último preceito, com relevância para a questão em análise, que:

Artigo 97.º-A

Valor da causa

1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado;

c) Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;

[…]”.

 

            Na situação vertente, mantendo a Requerente um resultado negativo no período em consideração (2015), a correção da matéria coletável não resultou numa liquidação adicional de imposto, mantendo-se a liquidação nula, i.e., “a zeros”.

 

            Desta forma, o pedido da Requerente dirige-se à contestação do ato de fixação da matéria coletável de IRC, por ilegalidade substantiva, sendo, por conseguinte, enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e não na sua alínea a). Assim, o valor considerado pelo legislador como parâmetro da utilidade económica do pedido na ação impugnatória é a matéria coletável acrescida pela AT, na parte em que a Requerente com a mesma não se conforma, ou, dito de outro modo, “o valor contestado”.

 

Neste sentido, veja-se o entendimento sufragado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 62/18.4BCLSB, de 17 de janeiro de 2019, que merece a nossa concordância:

 

6. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, o valor da causa corresponde ao valor contestado do acto de fixação da matéria tributável, e não ao valor que o contribuinte poderá deixar de pagar no futuro a título de imposto, caso obtenha ganho de causa.

7. Mas se também for impugnada a liquidação, o valor da causa já não é determinado por esta alínea b), mas antes nos termos da alínea a), correspondendo ao valor contestado da liquidação e sem que acresça a tal valor o da parte contestada da matéria tributável.

8. Quando é unicamente impugnado o valor das correcções à matéria colectável, a utilidade económica do pedido, e por consequência, o valor da causa, não equivale ao montante de imposto que o impugnado poderá hipoteticamente deixar de pagar com a procedência da impugnação, porque tal montante apenas representa uma utilidade económica futura e hipotética, dado que a posterior utilização, para efeitos fiscais, dos montantes corrigidos está dependente da produção de factos e circunstâncias contingentes, imprevisíveis e incertas por natureza.

9. A utilidade económica imediata, neste caso, corresponde ao valor das correcções impugnadas, o qual passa a integrar imediatamente a esfera de direitos do contribuinte se este obtiver ganho de causa, sendo este o valor da causa.

10. Nesta situação o valor da causa não corresponde ao montante que o requerente deixará de pagar no futuro a título de IRC, por aplicação de uma taxa de 23%.”

 

Em moldes idênticos se pronuncia a decisão arbitral n.º 579/2018-T, de que se transcreve o seguinte excerto ilustrativo:

 

Como é de concluir, o hipotético montante do imposto que o sujeito passivo deixaria de pagar no futuro não corresponde ao benefício económico que possa imediatamente retirar da anulação da correcção da matéria tributável, em caso de procedência do pedido arbitral, e, pelo contrário, a utilidade económica imediata do pedido só pode ser aferida pelo valor das correcções que tenham sido  impugnadas, na medida em que é a vantagem resultante da declaração de ilegalidade do acto tributário consistente na fixação da matéria tributável que passa a integrar a esfera jurídica do sujeito passivo, e é a essa vantagem a que pode ser atribuído um valor certo (correspondente à matéria colectável impugnada) que pode servir de base para a determinação do valor da causa.”

 

Tendo em consideração o pedido e a causa de pedir formulados nos presentes autos, o valor contestado (referente - como já se aludiu - ao ato de fixação da matéria coletável em sede de IRC), é o montante de € 3.556 827,95, correspondente à importância do acréscimo à matéria coletável efetuado pela AT, deduzido da parcela que foi aceite pela Requerente (€ 3.568.975,13 – € 12.147,18 = € 3.556.827,95).

 

            À face do exposto, determina-se a alteração do valor atribuído à presente ação e fixa-se o valor da causa no montante de € 3.556 827,95, havendo lugar ao pagamento pelo Requerente do valor remanescente da taxa de arbitragem em correspondência com o valor da causa fixado, com as legais consequências.

 

6.         (In)dedutibilidade de Encargos Financeiros

 

            6.1.      Empréstimos não Remunerados a Entidades Relacionadas. Sobre o Conceito de “Atividade Produtiva” Relevante. Artigo 23.º do CIRC

 

  1. A questão a decidir é a de saber se existindo financiamento a terceiros, através de empréstimos não remunerados concedidos a sociedades que integram o Grupo B..., os gastos suportados com os juros de financiamento bancário obtido pela D... devem concorrer para o apuramento do lucro tributável deste sujeito passivo por enquadramento no conceito de gasto previsto no artigo 23.º do Código do IRC (sendo que, em resultado das correções efetuadas ao lucro tributável da D..., a AT corrigiu o montante de € 227.280,46; a Requerente conformou-se com a correção de € 12.147,18, sobrando € 215.133,28, que correspondem à correção ao resultado tributável do Grupo B... aqui sindicada).
  2. Antes de mais diga-se que, neste ponto, seguiremos de perto a decisão arbitral tirada no processo n.º 181/2018-T, consultável in

https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=37&id=3903.

  1. Na redação à data dos factos, na parte que aqui nos interessa, estatuía o artigo 23.º do Código do IRC como segue:

“Artigo 23.º

Gastos e Perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) […];

b) […];

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

[…].”

  1. Infere-se da norma transcrita, de forma incontornável, a verificação de uma conexão necessária entre os gastos e a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto e o princípio geral inerente de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados.
  2. Adequado se mostrando trazer à colação, a tal propósito, o Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2013 –([5]), igualmente referido na decisão arbitral tirada no Processo n.º 181/2018-T, cuja proposta de alteração visava aproximar o texto legal (a alterar) da construção jurisprudencial e doutrinal que vinha fazendo vencimento quanto ao conceito de indispensabilidade que, à data, encontrava respaldo na letra do artigo 23.º do Código do IRC. Aduz o aludido Relatório, a dado passo, como segue: “(…) na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal dos gastos que não se inscrevam no âmbito da atividade das empresas sujeitas a IRC.” – cf. Relatório citado, pp. 97 e 98.
  3. Daqui se retira que o que deve passar a relevar é o estabelecimento de uma ligação entre a incorrência do custo ou gasto e a actividade exercida pelo sujeito passivo.
  4. A jurisprudência do STA tem vindo a considerar como fiscalmente irrelevantes, leia-se como não dedutíveis, os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo Grupo, que não sejam debitados às entidades beneficiárias, abrindo uma excepção, quando estejam em causa empréstimos de SGPS às sociedades por si participadas, atendendo ao seu objeto social específico, como assinala o seguinte excerto do Acórdão do STA n.º 1206/17, de 28.02.2018: “O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, quando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas. O objeto social de gestão de participações sociais significa que uma empresa adquire ou aliena participações sociais de uma outra empresa e exerce atividade comercial, utilizando única e exclusivamente o poder de decisão sobre «a vida da empresa participada» que o valor das ações de que é titular lhe possam conferir. Isto é, se a empresa participada deve adquirir ações de outra sociedade, se deve contrair empréstimos para realizar tais aquisições, a SGPS tem o poder de concordar, votando favoravelmente tais decisões. Isto insere-se no objeto social de uma SGPS.”
  5. Relativamente a outro tipo de sociedades, preconiza-se que “[à] luz do art.º 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.” – Acórdão do STA n.º 107/11, de 30.11.2011 (no mesmo sentido, vide os Acórdãos n.º 171/11, de 30.05.2012; n.º 1077/08, de 20.05.2009, e n.º 1046/05, de 07.02.2007).
  6. Segundo esta jurisprudência, os gastos previstos no artigo 23.º do Código do IRC têm de respeitar à própria sociedade contribuinte e a atividade respetiva tem de ser por esta desenvolvida, que não por outras sociedades. Neste sentido, veja-se o Acórdão n.º 1046/05 supra citado: “A não ser desta forma, como é que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação. As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada. Tais verbas não estão, pois, diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, que é a fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indiretamente, à sua atividade. Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC. A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.”
  7. A conceção segundo a qual a obtenção de fundos por uma sociedade, seguida da sua cedência, sem remuneração, a uma participada, não constitui, sem mais, atividade ou interesse daquela, foi, porém, rejeitada por Tomás de Castro Tavares, no processo do CAAD n.º 12/2013-T, de 08.07.2013, no qual foi árbitro único, conforme se extrai do seguinte parágrafo ilustrativo: “Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e direta – e ainda assim exercer adequadamente a sua atividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efetuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua atividade”. Com interesse para a temática sub studi, diz ainda Tomás de Castro Tavares a dado passo daquela decisão arbitral: “A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta. A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidades das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa. O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa. O art.º 23.º do CIRC intima não apenas uma conexão causal adequada entre o custo e o proveito (nos referidos termos económicos), mas conexiona-se também alternativamente (como indica o vocábulo “ou”) com a manutenção da fonte produtora – no sentido de uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua atividade.”.
  8. Importa agora precisar o conceito da “atividade produtiva” que releva para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC.
  9. A tal propósito, tal como se decidiu no citado processo arbitral n.º 181/2018 – T (que, como dito, aqui estamos a seguir de perto) e, bem assim, no processo arbitral n.º 695/2015- T, de 18.05.2016, o conceito de “atividade produtiva” de harmonia com a posição sufragada pela doutrina de referência não pode ser interpretado de forma restritiva, posição que igualmente acompanha, desde logo, pela bondade dos argumentos em que se alicerça.
  10. Vejamos em que termos: “A atividade de uma empresa, no sentido em que só dela decorreriam custos indispensáveis, nunca poderia ser assimilada à atividade produtiva, no contexto em que esta se traduz no conjunto de operações de transformação ou de produção de bens e serviços. O ciclo de exploração das empresas compõe-se de atividades pré-produtivas: formação legal da entidade, estudos pré investimento, investigação, desenvolvimento, aprovisionamento e outras. E, como é óbvio, também engloba atividades pós produtivas: comerciais, assistência pós venda, etc.. Para mais, inclui também atividades administrativas e financeiras, que são concomitantes a estas fases pré e pós produtivas. Tal é uma evidência económica que não carece, assim o julgamos, de maior fundamentação. A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Julgamos ser este o sentido apropriado da expressão «atividade produtiva», tanto na obra de T. TAVARES, como na aceção fiscal usada pela AT e alguma jurisprudência. Até por que, se assim não fosse, o artigo 23.º não admitiria certamente como custos dedutíveis os gastos administrativos, de financiamento e até menos valias. Estes gastos não têm diretamente que ver com atividades produtivas, tout court, e todavia estão previstos na lei. Também, por exemplo, o abate de existências ou o financiamento de certos ativos que foram retirados da produção (que podem ser designados, em certas condições, por «ativos não correntes detidos para venda») estariam de fora da atividade das empresas, entendida nessa aceção restrita, o que seria inaceitável. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade produtiva só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, e exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos. Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro). O ponto que este Tribunal sublinha é o seguinte: a «atividade» de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de operações produtivas ou operacionais. «Atividade» é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas. A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos ativos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais ativos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos. Ativos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afetas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), ativos financeiros (v.g., participações sociais), ativos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afeta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante. Constituindo este vasto leque de ativos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de ativos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da atividade, tudo isso faz parte do que se consideram atos normais ou apropriados da gestão de uma empresa. O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objetivos e instrumentos de gestão empresarial, porque todas cabem no escopo ou propósito da atividade desenvolvida. A atividade empresarial que tem relação com os custos indispensáveis estende-se a todos os atos de gestão que visem o interesse das empresas. Esse conjunto de operações abarca, no entender deste Tribunal, os atos de gestão dos ativos e passivos que constituem os meios ao dispor das entidades empresariais, desde que tais atos sejam conformes ao escopo, fim ou objetivo desses entes coletivos. Em síntese conclusiva deste ponto, a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e nunca um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.”
  11. A panóplia de ativos relevados no balanço societário é enorme. Vejamos: i) Ativos  fixos  tangíveis  - elementos  que  sejam  detidos  para  uso,  produção  de bens  e  serviços e outras atividades  ou  para  uso  administrativo. A sua composição integra: terrenos e recursos naturais, edifícios e outras construções, equipamento  básico,  equipamento  de transporte, equipamento administrativo, equipamento biológico, outros ativos fixos tangíveis,  investimentos  em  curso,  adiantamentos  por  conta  de  ativos  fixos tangíveis, depreciações acumuladas e perdas por imparidade acumuladas; ii)  Propriedades  de  investimento  –  terrenos  e  edifícios  com  o  intuito  de  obtenção  de rendas e/ou valorização do capital investido, ou seja, não se destinem à produção de bens  ou  a  finalidades  administrativas.  A  sua  composição  integra:  terrenos  e  recursos naturais,  edifícios  e  outras  construções,  outras  propriedades  de  investimento, adiantamentos por conta de propriedades de investimento, depreciações acumuladas e perdas por imparidade acumuladas; iii) Ativos  intangíveis  –  ativo  identificável  (imaterial)  e  elementos  resultantes  de  direitos  contratuais  ou  outros  direitos  legais  (marcas,  patentes,  etc.).  A  sua composição  integra:  programas  de  computador,  projetos  de  desenvolvimento, propriedade industrial, trespasses, outros ativos tangíveis, adiantamentos por conta de ativos tangíveis, depreciações acumuladas e perdas por imparidade acumuladas; iv) Ativos biológicos – animais ou plantas necessários à formação de produtos agrícolas; v) Investimentos financeiros – ativos financeiros detidos com carácter de continuidade, com  o  intuito de  obtenção de  rendimentos  de valorização do capital  investido, ou seja,  que  não  se  destinem  a  ser  vendidos  no  curto  prazo.  A  sua  composição  integra: investimento  em  subsidiárias,  investimento  em  associadas,  investimento  em entidades  conjuntamente  controladas,  investimento  noutras  empresas,  outros investimentos  financeiros,  adiantamentos  por  conta  de  investimentos financeiros e perdas por imparidade acumuladas; vi) Acionistas/sócios – valores a receber de detentores de capital, excluindo o capital subscrito ainda não realizado; vii) Outros  ativos  financeiros  –  valores  a  receber  ou  outros  ativos não contemplados nos restantes itens; viii) Inventários – elementos armazenáveis, detidos pela empresa para venda, quer ainda estejam no processo de produção ou ainda não transformados. A sua composição é constituída por: mercadorias,  produtos  acabados  e  intermédios,  matérias-primas,  produtos  e trabalhos em curso, ativos biológicos, adiantamentos por conta de compras; ix) Clientes – contas a receber afetas  ao crédito  (vendas e  prestações de serviços).  A sua  composição  integra:  clientes  c/c,  clientes  –  títulos  a  receber,  adiantamentos  de clientes, perdas por imparidades acumuladas; x) Adiantamento a fornecedores – valores entregues a fornecedores por conta de bens ou serviços a fornecer num futuro próximo; xi) Estado e outros entes públicos – quantias a recuperar do Estado por conta, v.g., do imposto sobre o rendimento e do imposto sobre o valor acrescentado; xii) Outras contas a receber – contas a receber não integradas nos itens anteriores; xiii) Diferimentos  –  decorrentes  da  periodização  dos  resultados  e que integram  os  ativos  cuja regularização se espera que ocorra no decurso normal do ciclo operacional; xiv) Caixa  e  depósitos  bancários  –  caixa  e  depósitos  bancários  (meios  de  pagamento existentes em contas à vista nas instituições bancárias).  
  12. Resulta do que vem de ser dito que os investimentos financeiros (identificados nos pontos v) e vii)) fazem parte integrante do património do sujeito passivo, relativamente aos quais este tem a legítima expetativa de gerar benefícios económicos futuros, atributo, aliás, essencial para que contabilisticamente possam ser qualificados como ativos, de acordo com a estrutura concetual do sistema contabilístico (§49 a § 58)([6]), donde, a sua gestão e os potenciais rendimentos que deles derivem, nomeadamente dividendos e mais-valias, não podem deixar de estar associados à atividade prosseguida.
  13. Isto dito e continuando a acompanhar a decisão arbitral do processo n.º 181/2018–T, conclui-se no sentido de que uma operação de financiamento de uma sociedade participada é um ato de gestão da sociedade detentora da participação financeira, consubstanciado no reforço do ativo financeiro, e é também realizado no interesse desta com propósito lucrativo.
  14. Dito de outro modo, tanto será “atividade produtiva” ou “exploração” a gestão de um ativo físico, como a de um ativo financeiro ou outro intangível.
  15. Ponto é que se esteja no âmbito da gestão do ativo.
  16. Como assinala a decisão arbitral proferida no processo n.º 695/2015-T, de 18.5.2016, apud a decisão arbitral que aqui estamos a seguir de perto e acima melhor identificada, a própria norma contabilística e de relato financeiro (“NCRF”) 13 expressa o conceito segundo o qual um investimento numa participada se insere no âmbito do interesse da investidora, nos seguintes termos: “Associada: é uma entidade (aqui se incluindo as entidades que não sejam constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) sobre a qual o investidor tenha influência significativa e que não seja nem uma subsidiária nem um interesse num empreendimento conjunto.

Subsidiária: é uma entidade (aqui se incluindo entidades não constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) que é controlada por uma outra entidade (designada por empresa-mãe).

Controlo: é o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma atividade económica a fim de obter benefícios da mesma.

Se o investidor detiver, direta ou indiretamente (por exemplo, através de subsidiárias), 20 % ou mais do poder de voto na investida, presume-se que tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. Se o investidor detiver, direta, ou indiretamente (por exemplo, através de subsidiárias), menos de 20% do poder de voto na investida, presume-se que não tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. A existência de outro investidor, que detenha uma participação maioritária ou substancial, não impede necessariamente que se exerça influência significativa.”

  1. Prosseguindo a decisão tirada no processo n.º 181/2018-T: [C]omo manifestação de influência significativa, o ponto 20, alínea b) da NCRF 13 refere a participação em processos de decisão de políticas, incluindo a participação em decisões sobre dividendos e outras distribuições. Se a detenção de influência significativa implica, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas da participada, “então financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.” “Ora a influência dominante há de conduzir a que a participante influa, atue, decisivamente na gestão da participada, levando em conta, como se julga evidente, o interesse da investidora. Estranho seria se assim não fosse. As operações ou decisões da participante relativamente à participada inscrevem-se no interesse daquela. Essas operações, relativas à prossecução dos fins relativos a ativos corporizados em investimentos financeiros, englobam a respetiva aquisição, o financiamento, a venda, a manutenção do ativo, entre outras.” – cf. Decisão Arbitral n.º 695/2015-T.”
  2. A Decisão Arbitral n.º 585/2014-T, de 13.02.2015, que versa sobre encargos financeiros incorridos para efetuar prestações acessórias numa sociedade (que não é uma SGPS), adota idêntica fundamentação: “A atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.

Nos casos de investimento de uma sociedade numa sua participada, o financiamento provindo da participante será feito no interesse desta caso sirva para que daí decorra uma expetativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes.

A dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto dos financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro).

O facto de decisões tomadas na esfera da participante influenciarem o património da participada não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros. Elas são tomadas a partir do interesse da participante em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento na participada.

A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de atos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.

Nas situações em que a participante detém a totalidade do capital da participada e, por isso, detém total possibilidade de intervir na gestão da participada e assegurar que o investimento é utilizado no seu interesse, o investimento na participada reconduz-se a gestão da participação e consubstancia exercício indireto pela participante da atividade económica que a participada leva a cabo, cujos reflexos positivos ou negativos se acabam por repercutir totalmente na esfera jurídica da participante através da valorização ou desvalorização da sua participação, pelo que os encargos necessários para assegurar o investimento potenciador da obtenção de futuros benefícios enquadram-se no conceito de indispensabilidade económica, com o referido sentido de despesas integralmente efetuadas no interesse da empresa.

Nos casos em que se está perante uma situação de detenção pela participante de parte do capital da participada, só se pode considerar que os custos são «comprovadamente» indispensáveis, como exige o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redação vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, se estiver assegurada a possibilidade de influência da participante na sociedade participada, pois se essa possibilidade não existir, se o investimento for efetuado sem qualquer possibilidade de a participante influenciar o seu destino, não se poderá considerar assegurado (comprovado) que ele irá ser utilizado no seu interesse. […].

Logo, deverá entender-se que há interesse da participante no investimento na participada quando aquela detém influência significativa na gestão da participada, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas operacionais e financeiras da participada.

A comprovar-se esta influência, o financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.”

  1. Concluindo a decisão do processo n.º 181/2018-T que: [À] face do exposto, de acordo com a interpretação que se perfilha, a concessão de financiamentos gratuitos a sociedades participadas deve ser considerada como efetuada no âmbito da “atividade produtiva”, interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, na medida em que seja enquadrável como gestão do ativo financeiro em causa (instrumento de capital próprio ou parte de capital), do qual se estima que fluam benefícios, na forma de rendimentos sujeitos a IRC, como, por exemplo, dividendos e mais-valias. Constitui condição para que se considere verificado o interesse da participante no investimento na participada, a influência significativa na gestão desta, i.e., em regra quando aquela detenha pelo menos 20% do capital social.” Não podendo o presente Tribunal Arbitral deixar de acompanhar tal asserção.

 

            6.2.      Análise Concreta, Acompanhando a Decisão Proferida no Processo n.º 181/2018-T

 

  1. Do total de empréstimos não remunerados concedidos, em 2015, pela D..., no valor de € 10.397.741,95, uma componente, no montante de € 2.680.692,58, foi-o em benefício da sociedade-mãe, sendo o remanescente canalizado para a sociedade K... SGPS, S.A., beneficiária de € 5.550.000,00 e para a I..., Lda., beneficiária de € 2.167.049,37, sociedades cujo capital social era detido na íntegra pela Requerente, ou seja, a entidade financiadora não tinha qualquer participação no capital social das sociedades beneficiárias do financiamento.
  2. Tendo em conta os desenvolvimentos enunciados no ponto anterior, a concessão de empréstimos gratuitos à sociedade-mãe e às acima identificadas sociedades que integram o Grupo B... não se afigura suscetível de ser encarada como atividade de gestão de um ativo financeiro realizada pela D..., pois não é esta que detém participações na sociedade-mãe, mas o inverso; tal como não é aquela que detém participações nas acima identificadas sociedades que integram o Grupo  B... que são detidas a 100% pela Requerente.
  3. Com efeito, não existe qualquer ativo de que a D... seja titular que esteja subjacente às operações de financiamento aqui em causa.
  4. Também não se nos afigura convocável, nestas circunstâncias, o argumento relativo ao exercício de uma influência significativa na gestão, usualmente aferido (na relação com sociedades participadas) por uma percentagem de participação de, pelo menos, 20%.
  5. É que aqui a exercer-se influência significativa é no sentido oposto, sendo a sociedade-mãe titular de 100% do capital da D... .
  6. O interesse social que está implícito na disponibilização gratuita dos meios financeiros em questão é de forma manifesta o da sociedade-mãe e o das sociedades afiliadas e já não o da D... .
  7. Não se olvida que a decisão de gestão que colocou a D... como mutuária junto das respetivas instituições bancárias que disponibilizaram os recursos financeiros que em parte foram beneficiar as empresas do Grupo B..., numa clara e manifesta lógica de grupo, foi claramente condicionada pela circunstância de ser aquela a empresa do grupo que estava em melhor situação para obter aprovação e até condições mais favoráveis (como sejam a taxa de juro aplicável ou até o spread) nos empréstimos bancários que se mostrava necessário outorgar. E assim era pela simples razão de que era aquela a sociedade que dispunha de ativos – bens imóveis – para dar em garantia dos mútuos que vieram a ser contratados, não dispondo a Requerente dessa garantia.
  8. Ainda que se invocasse, conducente à justificação do financiamento, como aliás o faz a Requerente no ppa, o interesse, difuso, do Grupo económico em que se insere a D..., não se afigura a este coletivo que tal fosse passível de ser encarado como atividade da própria D..., porquanto essa é uma responsabilidade da sociedade dominante, no âmbito da gestão dos seus ativos financeiros, e não da D..., a qual configura um sujeito passivo autónomo de IRC dotado de personalidade jurídica tributária própria.
  9. A este propósito diga-se que estando aqui em causa encargos financeiros relacionados com a obtenção de crédito com vista ao financiamento de empresas do Grupo B..., embora a lei não proibisse[7] a assunção de compromissos por parte da D..., em função dos interesses do Grupo B..., estes interesses não são próprios da D..., mas alheios, pertencentes às sociedades destinatárias dos financiamentos e à sociedade-mãe, detentora do capital social destas.
  10. Para satisfação da relação causal exigida pelo artigo 23.º do Código do IRC, o financiamento por parte da D... a outras sociedades do Grupo B... teria de ser passível de gerar rendimentos na esfera daquela, o que implicaria a remuneração da cedência dos fundos através do débito de juros. A D..., porém, não o fez, ficando inviabilizada a dedutibilidade fiscal dos correspondentes encargos incorridos.
  11. Não se afigura que o entendimento expresso consubstancie a violação do princípio da igualdade, na sua manifestação de capacidade contributiva, nem do princípio da tributação do rendimento real. Na realidade, a dedução fiscal de encargos alheios, respeitantes a atividades de outras entidades, que não da D..., aos rendimentos desta é que representaria uma entorse no sistema. Acresce que a Requerente alega genericamente a inconstitucionalidade da norma (artigo 23.º do Código do IRC), na interpretação defendida pela AT e aqui acolhida, por entender que viola os artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2 da Constituição, sem, contudo, explicitar as razões concretas e as dimensões em que são atingidos os parâmetros constitucionais.
  12. Em síntese, não se vislumbra que a D... atuasse no âmbito de uma qualquer gestão de ativos financeiros, relativamente aos quais se pudessem esperar benefícios económicos, i.e., rendimentos que caíssem no âmbito de sujeição do imposto, como sejam juros, dividendos[8] e mais-valias, e que, por essa razão, pudessem ancorar uma conexão válida e relevante entre os encargos financeiros incorridos e a atividade do sujeito passivo. No caso particular de empréstimos à sociedade-mãe (como também às acima identificadas sociedades que integram o Grupo B...) inexiste a suscetibilidade de a relação entre aquelas e a D... gerar rendimentos, como sejam os ditos juros, dividendos e mais-valias, ou o incremento de ganhos tributáveis na esfera desta última.
  13. Deste modo, no tocante aos financiamentos não remunerados concedidos pela D... à sociedade-mãe e às acima identificadas sociedades que integram o Grupo B..., conclui-se que estes não são realizados no âmbito da atividade da primeira e em ordem ao seu interesse social, pelo que, em sintonia com o que defende a Requerida, os encargos financeiros com aqueles incorridos não passam o crivo da necessária relação causal entre os gastos incorridos e a atividade da D..., prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC e, em consequência, não devem ser deduzidos para efeitos de IRC.
  14. Neste âmbito, cabe, por fim, salientar que a Requerida demonstrou os pressupostos da sua atuação, evidenciando a contratação de empréstimos geradores de encargos financeiros na esfera da D... e a concessão, por parte desta sociedade, de empréstimos a outras sociedades relacionadas, pelo que se afigura sem sustentação o argumento da Requerente de que a AT não provou que os financiamentos, na parte aplicável, tiveram como destino custear esses empréstimos. Em qualquer caso, é sobre o sujeito passivo que reivindica a dedução dos gastos que recai a produção do ónus da prova dos factos constitutivos do direito que alega, nos termos previstos no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
  15. A falta de conexão à atividade constata-se não somente no caso dos empréstimos efetuados pela D... à sociedade-mãe; como também às acima identificadas sociedades que integram o Grupo B..., pelo que, por essa razão, a correção dos encargos financeiros da Requerente é válida, não enfermando de qualquer ilegalidade.
  16. Soçobram, deste modo, as alegações da Requerente.

 

            7.         Créditos Incobráveis

 

  1. Discute-se ainda nos presentes autos arbitrais a desconsideração, por parte da Requerida, de gastos respeitantes a créditos incobráveis, por alegado incumprimento dos requisitos de dedução fiscal previstos no artigo 41.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, entendendo a AT que os créditos perdoados por acordos extrajudiciais, mesmo que homologados pelo juiz no âmbito de um PER, não têm aí enquadramento.
  2. Os pressupostos da aceitação fiscal, como gastos ou perdas, dos créditos incobráveis encontravam-se regulados no artigo 41.º do Código do IRC que dispunha, na redação em vigor à data dos factos (Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o Código do IRC), o seguinte:

“Artigo 41.º

Créditos incobráveis

1 - Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação nas seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente: 

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código de Processo Civil; 

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código;

c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; 

d) Nos termos previstos no SIREVE, após celebração do acordo previsto no artigo 12.º desse regime; 

e) No âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais, após decisão arbitral; 

f) Nos termos do regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais, os créditos se encontrem prescritos e o seu valor não ultrapasse o montante de (euro) 750. 

2 – (Revogado).”

  1. Infere-se deste preceito, com relevância para o caso sub judicio, que os créditos incobráveis que relevam para efeitos do aludido artigo 41.º do Código do IRC, têm de resultar, entre outros, de Processo Especial de Revitalização (“PER”), regulado nos artigos 17.º-A a 17.º- I do CIRE, aditados pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril.
  2. Neste âmbito, interessa atender ao regime do PER, vigente à data, tendo a C... recorrido ao mesmo para reestruturar os seus passivos e viabilizar a sua continuidade.
  3. O artigo 17.º-I do CIRE (na sua redação à data dos factos), sob a epígrafe: “Homologação de acordos extrajudiciais de recuperação de devedor”, estatuía:

“1 - O processo previsto no presente capítulo pode igualmente iniciar-se pela apresentação pelo devedor de acordo extrajudicial de recuperação, assinado pelo devedor e por credores que representem pelo menos a maioria de votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, acompanhado dos documentos previstos no n.º 2 do artigo 17.º-A e no n.º 1 do artigo 24.º.

2 - Recebidos os documentos mencionados no número anterior, o juiz nomeia administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as necessárias adaptações, devendo a secretaria:

a) Notificar os credores que no mesmo não intervieram e que constam da lista de créditos relacionados pelo devedor da existência do acordo, ficando este patente na secretaria do tribunal para consulta;

b) Publicar no portal Citius a lista provisória de créditos.

3 - O disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo 17.º-D aplica-se, com as necessárias adaptações, ao previsto no número anterior.

4 - Convertendo-se a lista de créditos em definitiva, o juiz procede, no prazo de 10 dias, à análise do acordo extrajudicial, devendo homologá-lo se respeitar a maioria prevista no n.º 3 do artigo 17.º-F, exceto se subsistir alguma das circunstâncias previstas nos artigos 215.º e 216.º.

5 - Caso o juiz não homologue o acordo, aplica-se com as necessárias adaptações o disposto nos n.ºs 2 a 4 e 7 do artigo 17.º-G.

6 - O disposto no artigo 17.º-E, nos n.ºs 6 e 7 do artigo 17.º-F e no artigo 17.º-H aplica-se com as necessárias adaptações.”

  1. O conjunto dos credores é determinado pela relação junta pelo devedor, elaborada por ordem alfabética, de todos os credores, com indicação dos respetivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, e da eventual existência de relações especiais.
  2. Na sequência do que é nomeado pelo juiz administrador judicial provisório (cf. n.º 2 do artigo 17.º-I do CIRE).
  3. A secretaria notifica os credores constantes da lista de créditos relacionados pelo devedor e cujos credores não intervieram no acordo, ficando tal acordo patente na secretaria do tribunal para consulta (cf. alínea a) do n.º 2 do artigo 17.º - I do CIRE).
  4. A secretaria deve ainda promover a publicação no portal Citius da lista provisória de créditos (cf. alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º - I do CIRE).
  5. A referida lista de créditos pode ser impugnada, mas, não o sendo, converte-se em definitiva por efeito cominatório do n.º 4 do artigo 17.º-D, aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 17.º-I do CIRE e, em consequência, ficam reconhecidos os respetivos créditos.
  6. Em face do que dispõe o n.º 4 do artigo 17.º-I do CIRE: “Convertendo-se a lista de créditos em definitiva, o juiz procede, no prazo de 10 dias, à análise do acordo extrajudicial, devendo homologá-lo se respeitar a maioria prevista no n.º 3 do artigo 17.º-F (...)”.
  7. Convém, de igual modo, notar que, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 17.º-F do CIRE (aplicável por remissão do n.º 6 do artigo 17.º-I do CIRE), a homologação do acordo pelo juiz é vinculativa para os credores que não hajam participado nas negociações, o que inclui também aqueles que nem sequer reclamaram os seus créditos.
  8. Resulta da factualidade provada que a Requerente reconheceu contabilisticamente o montante de € 3.341.694,67 como crédito incobrável numa conta de gastos. Esse montante respeitava a créditos detidos sobre a sociedade C..., que fazia parte integrante do Grupo b... . 
  9. Tal como acima explicitado, o acordo extrajudicial de recuperação uma vez aprovado é submetido a homologação judicial. Como forma de viabilização da pretendida revitalização empresarial (da recuperabilidade do devedor requerente do PER) o acordo (judicial ou extrajudicial) de recuperação pode prever a concessão de moratórias e/ou o perdão total ou meramente parcial das dívidas que colocaram o requerente do PER em situação económica difícil.
  10. Os créditos perdoados, podendo o perdão resultar da vontade e disponibilidade do credor ou ope legis, têm justificação na viabilização da pretendida recuperabilidade do devedor requerente do PER. O perdão é concedido na perspetiva e na condição de serem satisfeitos os créditos subsistentes e integrantes do plano de recuperação em cumprimento do plano de pagamentos acordado.
  11. Os créditos perdoados que, juridicamente, deixam de ser exigíveis, passam a ser, por via da homologação do plano de recuperação, inelutavelmente, incobráveis; bem ao invés dos que integram o plano de recuperação homologado, relativamente aos quais permanecerá uma expectativa de recebimento, ainda que contingente, na medida em que permanecem exigíveis sendo até expectável que o respetivo credor possa lograr obter o seu recebimento, nomeadamente na circunstância de êxito na recuperação empresarial.
  12. Assim sendo, considera-se que os créditos perdoados (por vontade do credor ou ope legis) no âmbito da aprovação e homologação de acordo extrajudicial previsto no artigo 17.º-I do CIRE, podem, em princípio, ser abrangidos pela previsão do artigo 41.º do Código do IRC, na medida em que, incontornavelmente e como visto, são créditos que resultaram incobráveis no âmbito de processo especial de revitalização.
  13. Partindo da circunstância de o montante dos créditos incobráveis aqui em causa respeitar, como visto, a créditos da Requerente sobre a sociedade C..., não pode deixar de se colocar a questão de saber como se qualificam esses créditos para efeitos do CIRE. Relativamente às classes de créditos, o n.º 4 do artigo 47.º do CIRE qualifica-os em três categorias: i) garantidos ou privilegiados; ii) subordinados e iii) comuns. Os créditos subordinados são definidos como aqueles detidos por pessoas “especialmente relacionadas com o devedor”, tais como sócios, associados ou pessoas que tenham estado com a sociedade [devedora] em relação de domínio ou de grupo (por remissão para os artigos 48.º, alínea a) e 49.º, n.º 2, ambos do CIRE).
  14. A consequência fundamental da qualificação de um crédito como subordinado é a sua graduação após todos os demais.
  15. Acresce salientar que na ausência de estatuição expressa em sentido diverso, a aprovação de um plano de insolvência importa o perdão total dos créditos subordinados, de acordo com o disposto no artigo 197.º, alínea b) do CIRE, não existindo razão para que este regime não seja aplicável ao plano de recuperação, atenta a identidade dos interesses que a norma visa tutelar de salvaguarda dos credores independentes.
  16. Resulta também da factualidade assente que a Requerente consta das Listas de credores publicadas no portal Citius no que diz respeito ao Processo PER n.º .../15...T8BJA, que correu termos no Juízo Local Cível de Beja – Juiz -1, contra a C... e que os Acordos Extrajudiciais correspondentes estabeleceram um plano de recuperação daquela, que foi aprovado e objeto de homologação judicial, tendo a sentença homologatória transitado em julgado em 4 de dezembro de 2015.
  17. Em conformidade com o regime previsto no artigo 197.º, alínea b) do CIRE e atendendo a que os créditos da Requerente sobre a C... revestiam a natureza de créditos subordinados, atentas as relações especiais entre aquelas (a Requerente detinha uma participação no capital social da C...), ter-se-ão extinguido na sua totalidade, deixando de ser exigíveis pelos seus titulares na sequência da homologação do acordo extrajudicial aqui em causa.
  18. A extinção da totalidade dos créditos subordinados firmou-se, pois, ope legis.
  19. Sendo extintos na íntegra, os créditos subordinados não carecem de ser listados nos Acordos, deixando pura e simplesmente, em consequência da sua homologação, de fazer parte do passivo dos devedores.
  20. Assim sendo, impõe-se a conclusão de que os créditos que a Requerente detinha sobre a C..., classificados como créditos subordinados, se extinguiram ope legis e deixaram de ser exigíveis em consequência da homologação do plano de recuperação acordado no processo de revitalização que tinha como devedora aquela sociedade do Grupo B..., sendo, portanto, incobráveis e podendo, por isso, em princípio, subsumir-se no disposto no artigo 41.º do Código do IRC.
  21. Não obstante estarmos perante créditos subordinados, o que para este efeito importa é que, ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC, essa circunstância não os desqualifica como créditos incobráveis.
  22. Não obstante, a Requerida defende que os créditos incobráveis (no seu dizer: “créditos estipulados como créditos a não cobrar, i.e., perdoados pelo credor”) ligados a acordos extrajudiciais como os que estão previstos no artigo 17.º-I do CIRE, não cabem no âmbito dos créditos incobráveis a aceitar como gasto fiscal nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.
  23. Já a Requerente tem posição diametralmente oposta.
  24. A verdade é que o n.º 6 do artigo 17.º-I do CIRE aceita a aplicabilidade, com as necessárias adaptações, dos n.ºs 6 e 7 do artigo 17.º-F não dizendo expressamente que se deve aplicar também o n.º 5 que, esse sim, regula a temática da homologação do plano de recuperação resultante de acordo judicial.
  25. O que não podia deixar de ocorrer já que o artigo 17.º-I do CIRE tem uma norma que especificamente regula a homologação do acordo extrajudicial firmado, que é, precisamente, o n.º 4, acima transcrito.
  26. Assim, não pode este Tribunal aceitar a hermenêutica defendida pela Requerente de que relativamente à aprovação e à homologação do acordo alcançado, o PER prevê um regime único, ou seja, igualmente aplicável aos acordos extrajudiciais alcançados ao abrigo do artigo 17.º-I do CIRE, rejeitando-se assim que, por via da verificação do aludido regime único, ocorra a sua homologação sempre nos termos do artigo 17.º-F do CIRE.
  27. Não há, pois, um regime único, aceitando-se que, quando muito, há dois regimes distintos, sendo que o regime de homologação previsto no artigo 17.º-I do CIRE, remete, ainda assim, para os n.ºs 6 e 7 do artigo17.º-F do CIRE. 
  28. Isto dito, conclui-se que a homologação dos acordos extrajudiciais alcançados ao abrigo do artigo 17.º-I do CIRE não é efetivada nos termos do artigo 17.º-F do CIRE, mas sim nos termos do artigo 17.º-I do CIRE que remete, no que diz respeito à maioria, para o n.º 3 do artigo 17.º - F do CIRE.
  29. Defende a Requerente que o PER é também unitário relativamente à tutela das  garantias e da disponibilização do capital para a revitalização; aduz ainda que o PER é igualmente unitário relativamente aos efeitos de vinculação dos outros credores ao acordo. No entanto, e quanto a estas duas temáticas, o artigo 17.º-I do CIRE, refere expressamente que assim será, ex vi o referido no n.º 6 do artigo 17.º-I do CIRE que remete para o artigo 17.º-H do CIRE e ainda para o n.º 6 e 7 do artigo 17.º-F do mesmo diploma.
  30. Não obstante, prosseguindo na exegese, não pode ignorar-se que o n.º 4 do artigo 17.º-I do CIRE, a propósito da homologação dos acordos extrajudiciais, remete de forma expressa para o n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE, no que tange à aprovação pela maioria ali prevista, o que não pode deixar de redundar na circunstância de a homologação do acordo extrajudicial a que se reporta o artigo 17.º-I do CIRE se efetivar ao abrigo de norma própria sobre a homologação do acordo extrajudicial, mas também em cumprimento dos termos e pressupostos previstos no artigo 17.º-F do CIRE.
  31. Sem prejuízo da dualidade de regimes do PER no CIRE, acompanhamos a Requerente quando, a dado passo, afirma que o entendimento sustentado pela AT, de exclusão de um deles do âmbito de aplicação do artigo 41.º do Código do IRC, não pode proceder, porquanto não traduz a ratio subjacente a esta norma.
  32. Ademais e sopesando convenientemente a hermenêutica sustentada pela Requerida na sua Resposta, entende este Tribunal Arbitral que ela se revela demasiado formalista e excessivamente colada à letra da lei sem que se leve na devida conta a sua teleologia. Vejamos,
  33. A interpretação dos textos legais consubstanciados no artigo 41.º do Código do IRC e no artigo 17.º-I do CIRE (acima transcritos) é, naturalmente, imprescindível para a resolução da questão sub judicio.
  34. Afigurando-se necessário apelar ao artigo 11.º, n.º 1, da LGT e, por remissão deste, ainda ao artigo 9.º do Código Civil (CC).
  35. Nos termos do referido artigo 9.º do Código Civil, a interpretação parte da letra da lei e visa, através dela, reconstituir o “pensamento legislativo”. O que equivale a dizer que a análise literal é a base da tarefa interpretativa e os elementos sistemático, histórico ou teleológico são guias de orientação da referida tarefa.
  36. Tal como acima explicitado, da apreensão literal dos textos legais aqui em causa (e acima transcritos) não resulta imediato que os créditos incobráveis ligados a acordos extrajudiciais como os que estão previstos no artigo 17.º-I do CIRE possam caber no âmbito dos que são aceites como gasto fiscal na esfera jurídica do credor, por aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC. 
  37. No entanto, importa notar que o n.º 4 do artigo 17.º-I do CIRE contém uma norma expressa sobre a homologação (que, aliás, remete para a maioria prevista no n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE) e uma vez que, como dito, a análise literal é apenas a base da tarefa interpretativa, afigura-se, naturalmente, imprescindível a avaliação do texto à luz de outros elementos.
  38. Perscrutando o elemento teleológico de interpretação da lei, i.e., a ratio do regime consagrado nas normas em equação, donde, as finalidades que se pretendiam alcançar com a vigência das citadas normas, sempre terá de se admitir que a razão de ser da alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC radica precisamente na circunstância do legislador ter relevado o facto dos créditos emergirem como incobráveis, na sequência da homologação de um plano de recuperação por um juiz, independentemente de estarmos perante acordos judiciais ou extrajudiciais alcançados no âmbito de processos especiais de revitalização.    
  39. Do exposto retira-se a conclusão de que limitar o alcance da alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC, não admitindo que os créditos incobráveis possam ser diretamente considerados gastos, porquanto integrados em PER, e donde resulte a natureza de incobráveis após homologação pelo juiz do plano de recuperação em conformidade com o disposto no artigo 17.º-I do CIRE, constitui restrição que, à luz dos fins daquela norma, não encontra base de sustentação.
  40. E, partindo-se necessariamente da letra da lei, deve atender-se ainda à coerência interna do preceito, ao lugar em que se encontra e às suas relações com outros preceitos (interpretação lógico-sistemática). A interpretação que aqui se preconiza do artigo 41.º do Código do IRC é a única que alicerçada do ponto de vista da coerência interna, já que não há razões atendíveis que justificassem que o legislador houvesse discriminado negativamente os créditos incobráveis decorrentes de acordos extrajudiciais aprovados e homologados por um juiz no âmbito do PER, daqueles aprovados e homologados, também por um juiz, no âmbito de acordos judiciais.
  41. Esta interpretação é também a que sugere e leva em devida conta a ratio do preceito (empreendendo-se aqui uma efetiva interpretação teleológica). 
  42. Ademais, não se encontra constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva, daí que, pelas razões expostas, a mesma seja de admitir em relação à alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC, ficando dessa forma abrangidos, os créditos incobráveis resultantes de acordos extrajudiciais celebrados e homologados em conformidade com o artigo 17.º-I do CIRE.
  43. É que não restam dúvidas de que, na situação sub judicio, a letra da lei se quedou aquém do seu espírito (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cf. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185-186).
  44. O pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit. E a tal respeito reitera-se aqui tudo quanto já foi aduzido por este Tribunal mas ainda o que doravante se enuncia.
  45. Segundo a redação do artigo 41.º do Código do IRC acima transcrito, os créditos incobráveis resultantes de acordo no âmbito de um processo SIREVE (Sistema de Recuperação de Empresas por via Extrajudicial) eram abrangidos naquele preceito, concretamente na sua alínea d) do n.º 1.
  46. O SIREVE foi colocado a vigorar com a publicação do Decreto-lei n.º 178/2012, de 3 de agosto.
  47. Tal diploma foi entretanto revogado.
  48. O SIREVE era um sistema de recuperação de empresas por via extrajudicial onde se promovia um plano de reestruturação financeira tendo em vista a negociação da dívida com os credores ou uma parte dos credores que naquele sistema aceitassem participar e representassem no mínimo 50% do total das dívidas, tendo por objetivo a obtenção e celebração de um acordo extrajudicial entre a requerente do plano e todos ou parte dos seus credores, sendo que o plano teria de ser aceite por dois terços dos credores participantes. Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto, considerava-se aprovado o plano de recuperação que: “[a)] Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total das dívidas apuradas da empresa, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não se considerando as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade das dívidas apuradas da empresa, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, nos termos do CIRE, não se considerando as abstenções.”
  49. O IAPMEI atuava como agente facilitador no processo negocial, contribuindo para a resolução do acordo negocial (cf. artigo 8º do Decreto-lei n.º 178/2012, de 3 de agosto).
  50. Quanto à abrangência do acordo, no SIREVE, o acordo aprovado abrangia apenas os credores que tivessem participado nas negociações (cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 11º do Decreto-lei n.º 178/2012, de 3 de agosto).
  51. O que daqui se intui com meridiana a clareza é que, à data a que reportam os factos em discussão, vigorava norma no artigo 41.º do Código do IRC, concretamente a alínea d) do n.º 1 daquele normativo, que admitia a consideração como gasto de créditos incobráveis resultantes de acordo extrajudicial acompanhado pelo IAPMEI.
  52. Não obstante a revogação do Decreto-Lei n.º 178/2012, continua hoje a vigorar no Código do IRC a possibilidade de serem reconhecidos gastos resultantes de créditos considerados incobráveis emergentes de acordos extrajudiciais sujeitos ao Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) previsto na Lei n.º 8/2018, de 2 de Março. Diz a alínea g) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC (na redação atualmente em vigor) que os créditos incobráveis podem ser considerados gastos ou perdas do período de tributação [Q]uando for celebrado e depositado na Conservatória do Registo Comercial acordo sujeito ao Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) que cumpra com o disposto no n.º 3 do artigo 27.º do RERE e do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito.”
  53. Isto dito, conclui-se com meridiana clareza que se à data dos factos, o Código do IRC, continha preceitos que permitiam o reconhecimento como gasto para efeitos fiscais de créditos considerados incobráveis, cuja incobrabilidade resultasse da celebração de acordo extrajudicial facilitado com a intervenção do IAPMEI. Tal como hoje, o Código do IRC permite o reconhecimento como gasto para efeitos fiscais de créditos considerados incobráveis cuja incobrabilidade resulte da declaração emitida por Revisor Oficial de Contas[9]. Nestes moldes, não se consegue descortinar que razão substancial poderia levar a que o legislador houvesse querido excluir da alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC, os acordos extrajudiciais alcançados e homologados por um juiz, nos termos do artigo 17.º-I do CIRE, no âmbito de um processo jurisdicionalizado, como é o PER.
  54. Adequado se mostra acompanhar as alegações da Requerente no sentido de que não se compreende que razão substancial levaria a que o legislador houvesse pretendido discriminar, enquanto créditos incobráveis, os acordos obtidos no seio do processo daqueles obtidos extrajudicialmente apenas no período que decorreu entre 1 de janeiro de 2014 (data de entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) e 31 de dezembro de 2017 (data anterior à data de entrada em vigor da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), já que, excetuado esse período (ou seja, quer antes, quer depois), todos os PER (independentemente do acordo resultar extrajudicialmente ou judicialmente) estavam previstos de forma expressa como suscetíveis de dar origem a créditos incobráveis dedutíveis nos termos do Código do IRC.
  55. Neste sentido, veja-se a decisão do processo arbitral n.º 388/2018-T, consultável em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxOTA5MDUxMTI0MjMwLlAzODhfMjAxOC1UIC0gMjAxOS0wNy0zMSAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D, donde resulta que para uma redação, anterior à data dos factos, do artigo 41.º do Código do IRC (a factualidade relevante reportava-se, em termos temporais, a período anterior a 1 de janeiro de 2014), da homologação de um plano de recuperação (resultante de acordos extrajudiciais) que extinguiu (nos termos da alínea b) do artigo 197.º do CIRE) créditos subordinados, derivava, dizíamos, a consideração de créditos como incobráveis resultantes de acordos extrajudiciais e a sua subsunção no artigo 41.º do Código do IRC.
  56. Defendendo-se assim que, in casu, a homologação do PER se firmou nos termos e em conformidade com o disposto no artigo 17.º-I do CIRE (e já não como sustenta a Requerente em conformidade com o disposto no artigo 17.º-F do mesmo Código), esta não pode, todavia, deixar de relevar, como incobrável, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.
  57. Julga-se, assim, preenchido o pressuposto previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC, que determina que os créditos incobráveis que resultem de processo de revitalização de empresas podem ser diretamente considerados gastos, relevando, para efeitos de determinação da matéria coletável do sujeito passivo credor que não logrou obter a cobrança do seu crédito.
  58. Este entendimento não viola o princípio da legalidade e da tipicidade tributárias, pois a interpretação preconizada tem suporte no teor do referido artigo 41.º, não sendo estes princípios incompatíveis com a interpretação extensiva.
  59. Procede assim, nesta parte, a alegação de erro nos pressupostos, com a consequente invalidade parcial do ato de fixação da matéria coletável da Requerente no período de tributação de 2015, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            V.        Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedentes as exceções de falta de objeto e de caducidade do direito de ação arguidas pela Requerida;
  2. Fixar o valor da causa em € 3.556.827,95;
  3. Julgar a ação parcialmente procedente, com a consequente anulação, também parcial, do ato tributário de fixação da matéria coletável de IRC do período de 2015, no valor de € 3.341.694,67, subjacente à liquidação supra identificada, por respeitar a um gasto dedutível (crédito incobrável) nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC, e, bem assim, dos atos silentes confirmativos;
  4. Julgar a ação parcialmente improcedente, no valor de 215.133,28, respeitante a encargos financeiros não dedutíveis, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, mantendo-se válido o ato tributário impugnado nessa parte,

tudo com as legais consequências.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 3.556.827,95, correspondente ao acréscimo à matéria coletável de IRC contestado pela Requerente, nos moldes e com as consequências explicitadas na secção 5 supra, conforme dispõe o artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.

 

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de € 45.288,00, a repartir na proporção do decaimento, cabendo € 42.570,72 (94%) a suportar pela Requerida, e € 2.717,29 (6%) pela Requerente, em conformidade com o RCPAT e a Tabela I a este anexa e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de novembro de 2021

 

 

Os árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

 

Jorge Carita

 

Fernando Marques Simões

 



[1] À data dos factos [2015] a Requerente denominava-se E... SGPS, Lda..

[2] Já tendo em conta, como se referiu, a mencionada suspensão do prazo.

[3] O que deve ter lugar na fase decisória (sentença), tendo em conta que não há lugar a despacho saneador no processo arbitral tributário.

[4] In Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, anotado, 2016, Almedina, p. 275.

[5] Acessível em linha no sítio da Ordem dos Contabilistas Certificados

  https://www.occ.pt/fotos/editor2/relatorioirc.pdf

 

[6] Cf. Aviso n.º 8254/2015, de 20 de julho de 2015, da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças: “Pelo Despacho n.º 264/2015 -XIX do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 16 de julho de 2015, foi homologada a seguinte Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho” – publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 146, de 29 de julho de 2015.

[7] Nos termos do que dispõe o n.º 2 do art.º 503.º do CSC, aplicável ex vi do art.º 491.º do mesmo normativo, “[S]e o contrato não dispuser o contrário, podem ser dadas instruções desvantajosas para a sociedade subordinada, se tais instruções servirem os interesses da sociedade directora ou das outras sociedades do mesmo grupo.” Inferindo-.se daqui que num grupo de sociedades podem as sociedades subordinadas ser obrigadas a praticar actos que sejam, para elas, desvantajosos e até causadores de prejuízo, desde que os mesmos visem potenciar os interesses do grupo.

[8] Sem prejuízo do regime de eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 51.º do Código do IRC.

[9] O n.º 3 do art.º 27º do RERE estatui: “Para os efeitos previstos no n.º 1, o acordo de reestruturação é acompanhado de declaração, redigida em língua portuguesa, emitida por revisor oficial de contas a certificar que o acordo de reestruturação compreende a reestruturação de créditos correspondentes a, pelo menos, 30 % do total do passivo não subordinado do devedor e que, em virtude do acordo de reestruturação, a situação financeira da empresa fica mais equilibrada, por aumento da proporção do ativo sobre o passivo, e os capitais próprios do devedor são superiores ao capital social.”