Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 603/2020-T
Data da decisão: 2021-04-20  IRS  
Valor do pedido: € 10.192,00
Tema: IRS – Categoria F – Dedução de Prejuízos.
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Sumário: O artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, que estabelece o regime da dedução de perdas da categoria F (rendimentos prediais), não exige o englobamento dos rendimentos prediais como condição para o reporte de perdas.

 

Decisão Arbitral

 

I. RELATÓRIO

I.1

1.            Em 05 de novembro de 2020 os contribuintes A... e B... (doravante designados por “Contribuintes” ou “Requerentes”), contribuinte nº ... e contribuinte nº ..., respetivamente, casados, residentes na Rua ..., nº..., Porto, requereram, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou “Requerida”) no dia 06 de novembro de 2020.

3.            Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 29.01.2021.

5.            A AT apresentou a sua resposta em  02 de março de 2021.

6.            Por despacho de 03.03.2021, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.

7.            Os Requerentes apresentaram as suas alegações em 25.03.2021.

8.            A AT apresentou as suas alegações em 29.03.2021

9.            Pretendem os Requerentes que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e consequente anulação parcial do ato de liquidação IRS nº 2019..., de 24.07.2019, relativa ao ano de 2018 da qual resultou € 86.168,24 a pagar e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com todas as consequências legais, nomeadamente a restituição do montante pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

II.A. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1. No decorrer de 2018, os Requerentes obtiveram rendimentos prediais, declarados no Anexo F da declaração de rendimentos.

2. No que concerne aos rendimentos prediais, os Requerentes não optaram pelo englobamento.

3. Nos termos do artigo 55º nº 1 b) do CIRS, aquele resultado líquido negativo da categoria F (rendimentos prediais) de 2017 podia ser deduzido aos resultados líquidos positivos da mesma categoria nos seis anos seguintes a 2017 – ou seja, entre 2018 e 2023, inclusive.

4. Todavia, a liquidação de IRS aqui impugnada não respeitou o disposto naquele preceito legal – ou seja, o resultado líquido negativo dos rendimentos prediais de 2017 não foi deduzido ao resultado líquido positivo da mesma categoria de rendimentos apurado em 2018.

5. Pelo que os Requerentes foram indevidamente tributados no âmbito da categoria F. 

6. Veja-se, por um lado, o estabelecido quanto às mais-valias, na alínea d) do n.º 1 do referido artigo 55.º, no qual se determina que a perda apurada, no âmbito daqueles rendimentos, apenas é dedutível quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.

7. No caso específico das mais-valias/incrementos patrimoniais (categoria G), o legislador consagrou a necessidade de opção pelo englobamento para a dedutibilidade das perdas de anos anteriores.

8. Não é o que sucede, todavia, quanto aos rendimentos prediais - justamente os rendimentos aqui em causa.

9. O artigo 55.º do CIRS não consagrou qualquer obrigatoriedade de englobamento para a dedução de perdas no caso específico dos rendimentos prediais.

10. Na verdade, o n.º 1 do artigo 55.º do CIRS, no que se refere aos rendimentos prediais, apenas impõe uma limitação temporal para o reporte/dedução das perdas de anos anteriores, determinando que o seu reporte se faça nos seis anos seguintes ao ano a que as perdas respeitam. 

11. Estando em causa uma taxa especial - e não uma taxa liberatória (cfr. artigo 71º do CIRS), aquela taxa especial aplica-se a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos,

12. Pelo que o contribuinte pode fazer as deduções específicas que a lei prevê e mantém o direito ao reporte/dedução de prejuízos que tenha tido na mesma categoria.

13. Para além da restituição do imposto indevidamente pago, € 10.192,31, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 94º do CIRS, 43º nº 1 e 100º da LGT, contados desde a data do pagamento da liquidação, por erro de Direito da AT na emissão da liquidação aqui impugnada.

 

 

II.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.            Ressaltam, duas ideias: a primeira de que a tributação segundo taxas especiais contrapõe-se à noção de unicidade e progressividade e, a segunda, a natureza excecional desse modelo de tributação.

2.            Prescreve o Art.º 22.º n.º 1 do CIRS que: “o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.

3.            O rendimento coletável corresponde a um montante adstrito à aplicação de uma taxa progressiva.

4.            Ora, como aos rendimentos prediais controvertidos foi aposta uma taxa especial, porquanto foi afastada a opção de englobamento, todo o método definido encontra-se prejudicado.

5.            Esta situação de opção pelos Requerentes pelo não englobamento redunda na impossibilidade de dedução, ao rendimento coletável do período de tributação de 2018, das perdas da categoria F calculadas em 2017.

6.            Quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva, no sentido de que alínea b) do nº 1 do artigo 55º do CIRS deverá ser interpretada como requisito o englobamento dos rendimentos, apenas se dirá que o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artº.13, da CRP. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2 da CRP.

7.            Tomado enquanto manifestação do princípio da igualdade, que exprime igualmente, a possibilidade de diferenciação da tributação, em função da correspondente capacidade económica, não se vislumbrando a relação entre a “idoneidade económica para suportar o tributo” ou a “capacidade económica” do Requerente, com a tributação de rendimentos, cuja incidência não merece reparo.

8.            O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais.

9.            Uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT

 

III. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

 

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pelos Requerentes, está em saber se a opção pela tributação pelo englobamento dos rendimentos da categoria F (IRS) de 2018, impede, ou não, a dedução do saldo líquido negativo do exercício anterior (2017).

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1. Os Requerentes, residentes em território nacional, casados, optaram pela tributação conjunta dos rendimentos no ano de 2017 e 2018.

2. Na declaração de rendimentos referente ao ano de 2017, mais concretamente no anexo F, os Requerentes declararam um total de rendimentos ilíquidos de € 42.222,90; um total de gastos suportados e pagos de € 107.449,04 e optaram pelo não englobamento dos rendimentos prediais.

3. Considerando os rendimentos prediais brutos auferidos pelos Requerentes no ano de 2017, deduzidos dos gastos suportados no mesmo ano com os prédios em questão, verifica-se que os Requerentes, no ano de 2017, tiveram um resultado líquido negativo de € 65.226,14.

4. Os requerentes entregaram em 26.06.2019 a correspondente Declaração de Rendimentos – IRS Modelo 3, do ano de 2018.

5. No ano de 2018, os Requerentes obtiveram os seguintes rendimentos prediais, declarados no Anexo F da declaração de rendimentos:

 

Rendimentos Prediais

                                                                                                             

4             Rendimentos obtidos

Identificação matricial dos prédios          Rendas Retenções na fonte

                Freguesia            Tipo       Artigo   Fração/Secção  Titular                  

4001      ...            U             ...                           A             12,24     3,06

4002      ...            U             ...            W12       A             2.925,00               731,25

4003      ...            U             ...                           A             19.500,00             0

4004      ...            U             ...                           B             12,24     3,06

4005      ...            U             ...                           B             19.500,00             0

4006      ...            U             ...            W12       B             2.925,00               731,25

Total      44.874,48             1.468,62

                                                                                                             

                                                                                                             

5             Gastos suportados e pagos

A             Após o início do arrendamento

Campo Q4           Conservação e manutenção       Condomínio       IMI         Imposto do selo               Taxas autárquicas                Outros

4006                     116,76   122,39                                   

4002      190,25                  122,39   97,5                       

4005      62,18                    847,17                                   

4003      5.979,10                              847,17                  88,53    

                6.231,53               116,76   1.939,12               97,50     88,53     0,00

 

6. No que concerne aos rendimentos prediais, os Requerentes não optaram pelo englobamento.

7. Em resultado dos rendimentos declarados, foi emitida a liquidação de IRS do exercício de 2018, nº 2019..., de 24.07.2019.

8. A liquidação n.º2019..., no que diz respeito aos rendimentos da categoria F (rendimentos prediais), não considerada/deduz as perdas verificadas no exercício de 2017, na mesma categoria F (rendimentos prediais).

9. A liquidação foi integralmente paga em 30.08.2019.

10.Não se conformando com a liquidação, os Requerentes, em 07.01.2020, apresentaram uma Reclamação Graciosa.

11. Essa Reclamação tramitou na UGC sob o processo de reclamação graciosa nº ...2020... .

12. A Reclamação Graciosa foi indeferida por meio do despacho datado de 21.07.2021.

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 12 são dados como assentes pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 7 do pedido de constituição do Tribunal), pelos documentos do procedimento administrativo e pela posição assumida pelas partes nos autos.

 

V. O Direito

 

                i) Dedução de Perdas

 

Importa começar por fazer o necessário enquadramento jurídico. Nos termos do art. 8º, n.º1 do CIRS:

 “1 - Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B.”

 

Prossegue o n.º2 do art. 8º do CIRS estatuindo o seguinte:

“2 - São havidas como rendas:

a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela”

 

Deste modo, os rendimentos em análise dos contribuintes enquadram-se na categoria F do CIRS.

Quanto à taxa aplicável a estes rendimentos, o art. 72º, n.º1, al. e) do CIRS, aplicável com a redação em vigor à data dos factos, tinha o seguinte conteúdo:

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

(…)

e) Os rendimentos prediais.

 

O factor de dissenso entre as partes prende-se com a dedução de perdas, cuja previsão legal está no art. 55º, n.º1, al. b) do CIRS:

 

1 - Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:

(…)

b) O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita;

 

Para nos auxiliar na melhor interpretação das normas, no que diz respeito ao conceito de rendimento adoptado pelo legislador, recorrendo ao preâmbulo do CIRS verificamos que o legislador optou pelo conceito de rendimento acréscimo:

“5- Na construção do conceito de rendimento tributável, contrapõe-se a concepção da fonte, que leva a tributar o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional (rendimento-produto) à concepção de acréscimo patrimonial, que alarga a base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento-acréscimo).

(…)

Acolheu-se, assim, com maior nitidez do que na anterior reforma (na qual as mais-valias, objecto de uma categoria fiscal autónoma, eram excluídas do âmbito da incidência do imposto complementar) uma concepção tendencialmente ampla de rendimento, incluindo, à semelhança do que sucede na maioria dos países da CEE, os aumentos inesperados no valor dos bens no quadro das categorias de rendimentos abrangidas pelo imposto único - sem embargo de se lhes conferir um tratamento específico e particularmente benévolo, em atenção à sua não recorrência e à circunstância de constituir novidade a sua inclusão na globalização.”

 

Contudo, o próprio legislador, quanto aos rendimentos da categoria F, refere que não pretende tributar quaisquer acréscimos, mas apenas o acréscimo líquido:

 “11- No domínio dos rendimentos prediais (categoria F), incluem-se na base de incidência apenas os rendimentos efectivamente percebidos dos prédios arrendados, tanto urbanos como rústicos, e não já, como acontecia no sistema de contribuição predial, o valor locativo ou a renda fundiária dos prédios não arrendados, pois se visa tributar apenas os rendimentos realmente auferidos.

(…)

Concomitantemente, é criada uma contribuição autárquica sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, devida pelos seus proprietários, sendo a colecta desta deduzida à colecta do IRS, na parte proporcional aos rendimentos englobados dos prédios e até ao montante desta.

Para além desta dedução, também se prevê nesta categoria de rendimentos a dedução de todas as despesas referentes aos prédios e não apenas os encargos presumidos previstos no actual regime da contribuição predial.”

 

Em cumprimento das intenções exaradas no preâmbulo (tributação do rendimento líquido) é admitida a dedução de perdas, ocorridas em anos anteriores, aos resultados líquidos positivos da categoria F (art. 55º, n.º1, al. b) do CIRS). Para a correta interpretação desta norma devemos recorrer, por remissão do art. 11º, n. º1 da LGT, ao previsto no Código Civil. O art. 9º, n. º1 do C.C. estabelece o seguinte:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder “ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espirito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso””  Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”

Entende a AT que aos rendimentos da categoria F não são dedutíveis perdas da mesma categoria do ano anterior se o contribuinte é tributado pela taxa especial do art. 72º, n.º1, al. e) do CIRS, não optando assim pelo englobamento destes rendimentos.

Contudo, esta interpretação não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei, que nada refere quanto a esta suposta limitação. Aliás esta limitação é feita pelo legislador quanto aos rendimentos da categoria G (art. 55º, n.º1, al. d) do CIRS). Não tendo o legislador feito essa limitação aos rendimentos da categoria F (art. 55º, n.º1, al. b) do CIS), concluímos que se trata de uma opção legislativa: na categoria G exige-se o englobamento e na categoria F não se exige o englobamento para a dedução de perdas.

O art. 55º, n.º1, al. b) do CIRS não admite a comunicabilidade de perdas entre rendimentos das diversas categorias e no que diz respeito aos rendimentos da categoria F impõe apenas um limite temporal de dedução de perdas aos seis anos seguintes àquele a que respeita.

No caso em apreço as perdas são de 2017, sendo por isso dedutíveis no exercício de 2018.        

A taxa prevista no art. 72º, n.º1, al. e) do CIRS não é uma taxa liberatória, mas sim especial. Citando o Prof. Rui Morais estando em causa uma taxa especial (e não uma taxa liberatória), esta aplica-se a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o sujeito passivo é admitido a fazer as deduções específicas que a lei prevê, como manterá, também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.  

Acresce que aos rendimentos brutos são dedutíveis as despesas indicadas no art. 41º do CIRS e isso não impede a subsequente aplicação da taxa de 28% prevista no art. 72º do CIRS. A norma (art. 41º do CIRS) permite a dedução de despesas aos rendimentos brutos e não aos rendimentos englobados.

Invocando os ensinamentos da Profª. Paula Rosado Pereira: “O direito à dedução dos gastos relacionados com o imóvel objecto de arrendamento não dependem, pois, do exercício pelo sujeito passivo da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais e da sujeição dos mesmos ás taxas progressivas de IRS previstas no artigo 68º do CIRS. 

No sentido de que aos rendimentos da categoria F podem ser deduzidos prejuízos de anos anteriores da mesma categoria, mesmo que o contribuinte não opte pelo englobamento, há abundante jurisprudência do CAAD, cintando-se sem carácter exaustivo: proc. n.º 338/2016 de 10.03.2017, proc. n.º 481/2017 de 15.05.2018, proc. n.º534/2018 de 01.03.2019, proc. n.º 538/2019 de 26.04.2019, proc. n.º 860/2019 de 23.06.2020, proc. n.º 180/2019 de 26.08.2019, proc. n.º 122/2020 de 25.09.2020 e proc. n.º 190/2020 de 02.10.2020.

O STA também já se pronunciou no mesmo sentido:

“A dedução de perdas aos rendimentos líquidos positivos da categoria F, prevista no art. 55º, nº 2 CIRS (na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), não depende de opção pelo englobamento a que alude o 72º, nº 8 do mesmo diploma legal.”

Ac. de 20.03.2019, 0968/14.0BELLE 01411/15

Destarte, o facto de a liquidação impugnada de 2018, nos rendimentos da categoria F, não refletir o resultado negativo dos contribuintes apurado em 2017 da mesma categoria de rendimentos, viola o disposto no art. 55º, n.º1, al. b) do CIRS, ilegalidade que aqui se reconhece.           

 

ii) Juros Indemnizatórios

 

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43, nº1, da LGT, são os seguintes:

1-Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

2-Que o erro seja imputável aos serviços;

3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.530).

A anulação da liquidação do IRS objeto do pedido de pronúncia arbitral ficou a dever-se a uma incorreta aplicação da Lei. A incorreta aplicação da Lei conduz à consequente anulação do ato tributário que o tenha por base.

A incorreta aplicação da Lei enquadra-se no erro sobre os pressupostos de direito, que funciona como requisito do direito a juros indemnizatórios consagrado no examinado artº.43, nº.1, da LGT. O erro é imputável aos serviços da AT, tendo originado um pagamento superior ao devido.

Nestes termos, deve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes, em virtude da anulação da liquidação, dado estarem reunidos todos os pressupostos previstos no artº43, nº1, da LGT.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre o dia 30/08/2019 – data do pagamento - até à data da emissão da correspondente nota de crédito.  

 

V) DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação IRS nº 2019..., de 24.07.2019, relativa ao ano de 2018 e em consequência anular parcialmente aquela liquidação, no que diz respeito aos rendimentos da categoria F (rendimentos prediais), na parte que não deduz as perdas verificadas no exercício de 2017, na mesma categoria F (rendimentos prediais), bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e em consequência anulando-a;

b) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios desde 30.08.2019 até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado;

c) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €10.192,00 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de abril de 2021  

 

O Árbitro

André Festas da Silva