Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 603/2019-T
Data da decisão: 2020-07-22   Outros 
Valor do pedido: € 110.487,22
Tema: Tributação autónoma; Ajudas de custo.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

                                           

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., SA, pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 110.487,22, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso das quantias indevidamente pagas acrescidas de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente desenvolve a atividade de instalações elétricas – CAE 043210 –, realizando obras em Portugal e no estrangeiro.

 

Os trabalhadores da Requerente, quando deslocados, auferem ajudas de custo por cada dia de deslocação, nos termos do contrato colectivo de trabalho, sendo que o pagamento das ajudas de custo é controlado pela empresa através dos mapas de apuramento de resultados e dos mapas de apuramento de ajudas de custo discriminados por funcionário, que permitem determinar o número de dias que cada trabalhador esteve na obra, o montante diário atribuído e o valor das ajudas de custo pagas.

A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva que determinou a correcção em sede de IRC, ao abrigo do disposto no n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, mediante a tributação autónoma de ajudas de custo pagas aos trabalhadores, que não foram tributadas como rendimento em IRS, por alegadamente essas ajudas de custo não terem sido facturadas aos clientes.

Ora, a referida norma legal não cotém qualquer exigência quanto à indicação individualizada das ajudas de custo nas facturas emitidas aos clientes, e, por outro lado, a documentação constante do Relatório de Inspecção Tributária e os documentos juntos com o pedido -permitem demonstrar que o preço final das obras facturado ao cliente contempla os valores relativos a despesas com ajudas de custo.

 

Entende, nesse sentido, que as correcções efectuadas violam do disposto nos artigos 58.º, 74.º, n.º 1, do LGT, e 88.º, n.º 9, do CIRC.

 

Na sua resposta, a Autoridade Tributária sustenta que os  mapas justificativos da atribuição das ajudas de custo, embora contenham a indicação do dia, da obra e do serviço prestado com direito a ajudas de custo, do montante diário atribuído e do valor total a pagar, e esse valor se encontre discriminado no recibo de remuneração dos trabalhadores, não fazem  qualquer referência às facturas em que essas despesas tenham sido debitadas aos clientes.

 

                Tendo concluído os serviços de inspecção que as ajudas de custo que tenham sido efetivamente pagas aos trabalhadores e contabilizadas como gasto, não foram facturadas em separado ou discriminadamente aos seus clientes, em ordem a que pudesse ser afastada cabalmente a tributação autónoma de tais encargos dedutíveis.

 

                Nos termos do artigo 88.º, n.º 9, do CIRC, na redacção vigente à data dos factos, os encargos dedutíveis com as ajudas de custo não facturados a clientes estão sujeitos a tributação autónoma, excepto quando sejam passíveis de tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.

 

Desse modo, o legislador pretendeu abranger na tributação autónoma os valores pagos aos trabalhadores a título de ajudas de custo quando não seja possível saber se as despesas foram efectivamente suportadas pelos clientes e não constituem antes uma forma encapotada de remunerar os trabalhadores da Requerente.

 

                 Assim, a exigência da menção dos encargos nas facturas, para efeito da não sujeição a tributação autónoma, encontra fundamento no facto de os mesmos serem de difícil comprovação quanto à sua efectividade e conexão com a actividade empresarial desenvolvida pela Requerente.

 

                No caso, verificou-se que os encargos não se encontram discriminados em separado na facturação e que nos mapas justificativos das ajudas de custo disponibilizados pela Requerente não surge qualquer referência às facturas em que esses montantes tivessem sido debitados. Por outro lado, as declarações dos clientes constituem meros documentos particulares que não fazem prova bastante dos factos nelas compreendidos.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido.

 

2. No seguimento do processo, a Requerente veio prescindir da produção de prova testemunhal indicada no pedido, e, para completar a instrução do processo, o tribunal arbitral, por despacho de 5 de fevereiro de 2020, determinou a notificação da Autoridade Tributária  para juntar o Relatório de Inspecção Tributária, elaborado no âmbito do procedimento inspectivo, que não constava do processo administrativo.

 

Tendo sido junta essa documentação, o tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e remeteu o processo para alegações escritas, por prazo sucessivo.

 

Em alegações, a Requerente reiterou a sua anterior posição. A Autoridade Tributária não contra-alegou. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo o Conselho Deontológico designado o árbitro presidente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 6 de Dezembro de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

 

Encontrando-se o processo ainda pendente da apresentação das alegações pela Autoridade Tributária ou do decurso do respetivo prazo no momento do termo inicial do prazo para a decisão arbitral, foi determinado a prorrogação do prazo, por dois meses, nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A Requerente desenvolve a actividade de instalações elétricas (CAE 043210), realizando obras em Portugal e no estrangeiro.

B)           No ano de 2014, a Requerente exerceu a sua atividade em Portugal e, especialmente, em França, Uruguai, Chile, Angola e Moçambique;

C)           A Requerente tem clientes institucionais que representam 70% do valor total de faturação: B..., S.A.; C...; D...;

D)           Os trabalhadores da Requerente, quando deslocados, auferem ajudas de custo por cada dia de deslocação, nos termos do contrato colectivo de trabalho;

E)            A Requerente elabora mapas justificativos da atribuição das ajudas de custo, por funcionário, com a indicação do dia, obra, serviço prestado com direito a ajudas de custo, montante diário atribuído e valor total a pagar.

F)            Os mapas estão assinados pelos trabalhadores;

G)           O valor pago de ajudas de custo é individualizado no respetivo recibo de vencimento;

H)           Relativamente às obras sujeitas a concurso de adjudicação ou que são objecto de contrato de empreitada, a Requerente elabora orçamentos internos com indicação da matriz de preços, quantidades e serviços, regime de preços e condições de pagamento/faturação;

I)             A Requerente orçamenta o preço-custo, com quantificação do custo mão-de-obra, com e sem ajudas de custo, equipamentos, materiais, fornecimento de terceiros, margem de lucro e preço de venda/facturação;

J)            O valor a faturar ao cliente, em regra, tem por base o contrato de empreitada;

K)           Nas facturas emitidas aos clientes não é indicado o valor referente a ajudas de custo que tenham sido debitadas;

L)            Os clientes B..., S.A., D..., E..., F... e G..., EP emitiram declarações, que constituem os documentos n.ºs 11, 13, 14, 15, 16 e 17, em que reconhecem a inclusão de ajudas de custo no valor global das facturas emitidas pela Requerente;

M)          A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito geral, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2017..., que determinou a sujeição a tributação autónoma, nos termos do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, de encargos dedutíveis com ajudas de custo, no valor de € 1.970.846,43, com um montante de imposto em falta de € 124.153,00;

N)           O Relatório de Inspecção Tributária fundamentou a correcção aritmética em sede de IRC nos seguintes termos:

 

III.3. Tributações autónomas – ajudas de custo

No ano em análise, o sujeito passivo contabilizou como gasto do período de tributação ajudas de custo s/IRS, referentes aos órgãos sociais e ao pessoal, no montante total de € 2.029.006,43, distribuído da seguinte forma – em fl.1 a 2 do Anexo I:

               2014

Órgãos sociais: conta 63116- ajudas custo           17.710,00

Pessoal: conta 6326- ajudas custo            2.011.296,43

--Total   2.029.006,43

 

O sujeito passivo possui mapas justificativos da atribuição das ajudas de custo, elaborados por funcionário, com a indicação do dia, da obra - serviço prestado com direito a ajudas de custo, do montante diário atribuído e do valor total a pagar. Os mapas estão assinados pelos trabalhadores. E, o valor pago de ajudas de custo é individualizado no respetivo recibo de vencimento (processamento com o código

salarial 003, para ajudas custo nacionais, com o código salarial 004, para ajudas de custo exterior) - em fls.2 a 6 do Anexo I folhas do processamento das ajudas de custo.

 Da análise à declaração de rendimentos Mod.22, do período de tributação de 2014, constatamos que os encargos dedutíveis com ajudas de custo pagas ao pessoal não foram sujeitas a tributação autónoma (apenas os encargos dedutíveis com ajudas de custo pagas aos órgãos sociais, os encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas e os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação foram sujeitos a tributação autónoma). 

Ora, o n.º 9 do art. 88.º do CIRC estabelece que são tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea h) do n.º1 do art.23.º-A do CIRC suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitem. 

 Para o contribuinte, e de acordo com a administradora P..., a não sujeição à tributação autónoma das ajudas de custo deve-se ao facto das mesmas se encontrarem faturadas aos clientes, uma vez que fazem parte do preço praticado nas empreitadas adjudicadas. 

 A tributação autónoma dos encargos dedutíveis com ajudas de custo é afastada se estes forem efetivamente faturados aos clientes, pelo que importa que tal facto se verifique. Considera-se que estes encargos são faturados a clientes quando são debitados separadamente na respetiva fatura. Existe uma obrigatoriedade de fazer constar nas faturas o montante correspondente a ajudas de custo de uma forma visível, para que possa permitir uma aferição acessível e inequívoca da sua efetiva contabilização como rendimentos. Neste sentido, a contabilização dos valores faturados deve ser efetuado em conta autónoma, ou seja, numa subconta da 72- prestações de serviços, ajudas de custo, de forma a evidenciar, de forma clara, que se trata de ajudas de custo faturadas a clientes. O que não se verifica no caso em análise – em fls.1 a 2 do Anexo II, balancete analítico da conta 7. Vejamos, então.

 Da análise efetuada à escrita, verificamos que nas faturas emitidas ao cliente não é indicado qualquer valor referente a ajudas de custo que lhe estejam a ser debitadas. Assim, a inexistência da menção expressa do valor das ajudas de custo, não permite concluir que as mesmas estão a ser faturadas ao cliente. Como já foi mencionado, a fatura emitida ao cliente deve mencionar expressamente o valor das ajudas de custo, valor que acresce ao valor do contrato, pois só assim é possível aferir a não sujeição desse valor a tributação autónoma. O que não acontece.

De igual forma, os mapas justificativos das ajudas de custo não evidenciam as ajudas de custo faturadas, não existindo qualquer referência à fatura em que as mesmas estão a ser debitadas ao cliente – a título de exemplo, ver mapas justificativos apresentados em fls. 1 a 9 do Anexo III.

 O valor a faturar ao cliente, em regra, tem por base o contrato de empreitada, celebrado com o cliente. A empresa A... S.A. tem clientes institucionais, nacionais e estrangeiros, tais como a B..., SA (cliente nacional, conta 211111640, com faturação que ascende a € 20.287.409,37), a C... (cliente francês, conta 211121282) e a D... (cliente moçambicano, conta 211132140), que no seu conjunto representam mais de 70% do valor da faturação total (vendas e prestações de serviços, contabilizados nas contas 71 e 72).  Nos clientes institucionais, a adjudicação das obras é realizada no âmbito de um caderno de encargos, em que a empresa concorre sabendo qual o valor que vai receber para os trabalhos que se compromete executar. O que se conclui que o preço dos serviços realizados é definido pelo cliente (veja-se o caso dos clientes B... e C..., em que é acordado um conjunto de tarefas a executar, com valor pré-definido, que depois de confirmado pelo cliente dá lugar à faturação dos trabalhos realizados. Nesta situação não existe um orçamento base, mas sim os pedidos de compra, receção dos trabalhos/auto-medição, em que os trabalhos a executar são tipificados por códigos, pelo cliente, que realiza a medição do trabalho executado) – em anexo VII e VIII, a título de exemplo).

A faturação tem por base o contrato celebrado, bem como os autos de medição e, por exemplo, no caso da B..., SA, os pedidos de compra (que possuem a descrição do serviço a executar, a quantidade, o preço unitário- relação com o K do ano e não com o K da adjudicação- e o valor liquido de iva) – em anexo V, fatura FT 001/005672, de 2014-01-20, emitida à B..., SA e pedido de compra ou fatura FT 001/000257, de 2014-06-25, emitida à H... SA e pedido de compra. 

Nas faturas emitidas é mencionada a obra, o auto de medição, pedido de compra, conforme o caso, e o valor das prestações de serviços, sendo este valor o contratualizado com o cliente (valor estabelecido nos cadernos de encargos ou o definido no contrato empreitada ou na proposta apresentada ao cliente). No decurso dos trabalhos pode existir uma revisão de preços, a qual é acordada com o cliente. Ora, sendo o valor faturado ao cliente o contratualizado, temos que concluir que as ajudas de custo contabilizadas como gasto não foram faturadas ao cliente - em Anexo VI, a título de exemplo, orçamento, proposta enviada ao cliente, contrato de empreitada, auto de medição, fatura emitida, mapa de ajudas de custo, referente à obra 2013-1402, do cliente E..., SA. 

A adjudicação de obras tem subjacente um trabalho de orçamentação, sendo feito uma estimativa dos custos a incorrer na obra e que após aplicação de uma margem de lucro permite obter o valor da obra a adjudicar com o cliente. O orçamento não é enviado ao cliente, tendo a contratualização dos trabalhos subjacente uma proposta de trabalho, contratos de empreitada ou pedidos de compra (também já foi mencionado que existem obras em que o valor adjudicado da obra tem por base um caderno de encargos com as condições pré-estabelecidas pelo cliente, sendo este o valor faturado) – a título de exemplo, em Anexo VI, orçamento, proposta apresentada ao cliente, autos e contrato. Também em fl.27 e fl28 do anexo XIV proposta enviada ao cliente I... SA e orçamento elaborado com indicação da margem que não é enviado ao cliente). Sendo, portanto, este o valor a faturar ao cliente, que poderá ter uma divergência a final, no caso de existirem trabalhos a mais ou revisões de preço. Ora, a execução das obras tem subjacente a realização de custos efetivos, incluindo gastos com o pessoal, nos quais se incluem as ajudas de custo pagas ao pessoal (em Portugal e no estrangeiro), que podem divergir do valor considerado na orçamentação, para mais ou para menos. Porém, das referidas faturas emitidas não consta o valor debitado das ajudas de custo efetivamente pagas ao pessoal. Neste sentido, as ajudas de custo pagas ao pessoal, (gastos efetivos do sujeito passivo) estariam faturadas ao cliente se as mesmas constassem nas faturas emitidas- em anexos V a XVII, a título de exemplo faturas emitidas. 

 É sempre de referir que, no caso do cliente B..., existe o procedimento da autofacturação, sendo os réditos contabilizados com base no ficheiro da autofacturação enviado pelo cliente (diário de vendas eletrónico-1640, conta 7215-iva autoliquidado) – em anexo VII, triplicado da fatura emitida pela B... em nome da A..., SA, impressa na pré-visualização, referente à obra 2010-1017. Também, no caso do cliente C..., a faturação não tem por base autos de medição elaborados, mas antes a confirmação do cliente de que o serviço foi executado, tendo por base o pedido de compra do cliente (marché n.º), no qual é descrito e valorizado o trabalho a executar através de códigos tipificados pelo cliente – a titulo de exemplo, em Anexo VIII. O que reforça o que já foi mencionado anteriormente quanto à não faturação das ajudas de custo a clientes- A título de exemplo, em anexo III- mapas de ajudas de custo com a identificação da obra 2013-441, cujo cliente é a B... e em anexo VIII, a título de exemplo, fatura A FR001698, de 2014-01-31, emitida ao cliente C... e documento de compra Marché n.ºE3RBC1R140, bem como mapa de ajuda de custo com identificação da obra 2011-410.

 Para além das prestações de serviços mencionadas, o sujeito passivo registou na sua contabilidade prestações de serviço de cedência de mão-de-obra, efetuada a outras empresas, no valor total de € 406.734,86, contabilizados na conta 721601 – ced mão-de-obra/equipa/iva autoliquidação, no valor de € 440.874,10, contabilizado na conta 78864-recuperação de gastos/não sujeito, e no valor de € 13.413,73, de despesas administrativas, na conta 7887-despesas administrativas iva liquidado – em anexo XVIII. Nesta situação, a cedência de mão-de-obra implica o débito dos encargos com vencimentos, subsidio alimentação, taxa social única, seguros e o débito autónomo dos custos administrativos, não estando aqui em causa débitos de ajudas de custo – em Anexo XVII, fatura n.ºFO 02/11 e FO 02/12, contabilizadas na conta 7887, e faturas n.º FO 02/33 e n.ºFO 02/34, contabilizadas na conta 721601, todas de 2014/07/15, e emitidas ao cliente J..., Lda.

Situação diferente é o que se verifica na fatura n.º FT 002/000227, de 2014/10/30, no valor total de €

296.137,02, emitida ao cliente K..., SA (empresa cujo capital social é detido em 100% pelo sujeito passivo), referente ao débito de encargos com mão-de-obra e serviços diversos no projeto de ... (obra 201-0770), em que o valor discriminado em anexo inclui uma rúbrica de ajudas de custo, por trabalhador e mês, no valor total de € 40.450,00 – em anexo XIX.

 Ainda, da análise a algumas obras, verificamos que nos orçamentos elaborados que foram apresentados pelo sujeito passivo consta uma referência a ajudas de custo. Contudo, os orçamentos são detalhados e permitem ter uma estimativa dos custos a incorrer com a obra em causa, como já foi referido anteriormente. Com base nesta orçamentação de custos, a empresa define uma taxa de majoração, que corresponde à taxa de lucro, permitindo assim ter o valor a faturar ao cliente. Os orçamentos detalhados não são entregues ao cliente – em anexo VI, diversos elementos referentes à obra 2013-1402 da E..., SA, nomeadamente orçamento, proposta apresentada ao cliente, auto de medição, fatura, contrato empreitada e a título de exemplo mapas de ajudas de custo, com referência à obra. 

À data da celebração do contrato o sujeito passivo desconhece o valor das ajudas de custo que irá suportar para a obra em questão, o que conhece é uma estimativa do lucro que irá ter com tal contrato

(o que inclui a estimativa total dos gastos e a respetiva margem de lucro praticada pela empresa). 

Se o sujeito passivo debitasse as ajudas de custo ao cliente o respetivo valor teria que estar individualizado na fatura, com a designação de ajudas de custo e o respetivo valor de forma expressa, sendo sempre este valor a acrescer ao valor faturado referente aos trabalhos contratualizados (cujo suporte é o contrato de empreitada celebrado ou o valor adjudicado no caderno de encargos). Pois só desta forma se pode concluir que as ajudas de custo, efetivamente pagas aos trabalhadores e contabilizadas como gasto, foram faturadas a clientes.

 Na sequência do descrito, juntamos, a título de exemplo, em anexo X, temos as faturas FT 001/000007, de 2014-07-09 e FT001/000025, de 2014-12-18, emitidas ao cliente moçambicano G... EP, pelo estabelecimento estável, referente à obra 2013-0925 e mapas de ajudas de custo com referência à obra. De acordo com o mapa em anexo IV, as ajudas de custa nesta obra totalizam € 57.420,00. Em anexo V, FT B FT005672, de 2014-01-20, emitida à B... SA, pedido de compra, referente à sub-obra 2010-1045, que de acordo com o mapa em anexo IV, teve ajudas de custo pagas no total de € 61.651,60. Em anexo XI, FT 001/000273, de 2014-06-30, emitida a Q..., auto de medição, orçamento n.º1224/13PF, referente à obra 2013-0653, que teve ajudas pagas € 137,50, de acordo com o mapa em anexo IV. Em anexo XII, FT 02/89, de 2014-08-12, emitida a L..., referente ao encerramento do contrato, obra 212-0770 e que teve ajudas de custo pagas no valor de € 41.350,00, de acordo com mapa em anexo IV. Em anexo XIII, FT 001/000267, de 2014-06-27, emitida a Município M..., auro de medição, orçamento e com ajudas de custo de € 67,19 de acordo com mapa em anexo IV. Em anexo XIV, cliente I... SA, faturas, autos de medição, orçamento com valores previsionais (não enviado ao cliente), da obra 2014-0172, mapas ajudas de custo, que de acordo com o mapa em anexo IV totalizam € 4.550,01. Em anexo XV, fatura A FT001731, de 2014-01-31, emitida à N..., obra 2011-0460, pedido de compra emitido pelo cliente e mapas de ajudas de custo, que de acordo com o mapa em anexo IV, totalizam € 112.200,51. Em anexo XIV, FT 001/000015, de 2014-1103, emitida a D..., auto de medição, obra 2010-0908, e mapas de ajudas de custo, que de acordo com o mapa em anexo III, totaliza € 59.565,00. Em anexo XVII, fatura FT02/321, de 2014-12-09, emitida a O..., obra 2011-0024 e cujo mapa em anexo IV indica ajudas de custo pagas no total de € 2.021,88. Ainda, foi apresentado em Anexo VII, a impressão da pré-visualização do triplicado da fatura AF04022877, de 2014-12-31, emitida pela B... em nome da A..., SA (serviços sujeitos à autofaturação) e constante no ficheiro enviado pela B..., pedido de compra e mapas de ajudas de custo, que de acordo com mapa em anexo IV, totalizam-se € 20.158,34.    

 É de referir que, a obrigação legal da discriminação do produto/serviço “ajudas de custo” e da sua valorização na fatura, para além do próprio n.º 9 do art.º 88.º do CIRC o estabelecer, decorre da formalidade da fatura, conforme estipula o n.º 5 do art.º 36.º do CIVA. Define o n.º 5 do art. 36.º do CIVA que as faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter diversos elementos, entre eles:

•             A quantidade e a denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável;

•             O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

•             As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

•             O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso.  

Como se depreende, a faturação das ajudas de custo a clientes obriga a que o valor faturado seja expressamente evidenciado do valor restante, antes de mais em cumprimento do n.º 5 do art. 36.º do CIVA. Pois, só assim é possível concluir que as ajudas de custo são faturadas ao cliente e afastar a tributação autónoma de tais encargos dedutíveis.

 Ainda, os mapas justificativos das ajudas de custo mencionam o código da obra, pelo que, no decurso do procedimento inspetivo, foi solicitado ao sujeito passivo uma lista com a designação das obras iniciadas, em curso e finalizadas em 2014, bem como o cliente. Foi entregue a lista que consta em fls.1 a 15 do anexo IV e, da sua análise, verificamos que existem obras em que no cliente associado é designada a própria empresa A... S.A - a título de exemplo as obras 2011-0400, 211-0406, 2011-0917 e mapas de ajudas em anexo III. Nesta situação estão por exemplo os trabalhos de orçamentação, para os quais é atribuído um número de obra, a fim de imputação dos encargos suportados. Ora, se as faturas não descriminam as ajudas de custo faturadas a clientes, não é possível validar que tais encargos tenham sido faturados a clientes. E, desde logo, seria sempre necessário que a obra tivesse sido adjudicada, o que pode não acontecer. 

Com base nesses mapas foi elaborado o mapa em anexo IV-A, que evidencia o referido (na sua maioria, as ajudas de custo são imputadas a obras com designação do cliente a própria A... SA, como já referido e a B... SA e a C...).  

 De acordo com o descrito, concluímos que os encargos dedutíveis com ajudas de custo, pagas ao pessoal, não sujeitas a IRS, no valor total de € 2.011.296,43, não foram faturados a clientes, excepto o valor de € 40.450,00, dado que:

             As faturas emitidas não discriminam o valor das ajudas de custo. As ajudas de custo apenas são contabilizadas como gasto do período (não estão sujeitas a IRS a esfera do beneficiário), não se verificando o seu registo como rendimento do período. De facto, se as ajudas de custo fossem faturadas aos clientes, seriam de igual forma registadas como rendimento, e evidenciado como tal na contabilidade;

             Existem obras com imputação de ajudas de custo e em que é a própria empresa  A... S.A identificada como cliente;

             O valor faturado tem por base o valor do contrato acordado com o cliente ou o valor do caderno de encargos do concurso de adjudicação da obra (cujos valores a pagar são definidos pelo cliente de acordo com o tipo de serviço adjudicado) e que não menciona o valor das ajudas de custo a faturar (nem poderia mencionar pois as ajudas de custo decorrem da execução do contrato e o preço do serviço é definido previamente). Os contratos mencionam o tipo de serviço a realizar e o valor da empreitada;

             Apenas o valor de € 40.450,00, incluído na fatura emitida à K... SA pode ser considerado faturado, apesar de não descriminado na fatura (FT 02/000227, de 2014/10/30). Esta fatura diz respeito a débito de encargos com a mão-de-obra (de diversos trabalhadores), sendo remuneração base, descontos segurança social, ajudas de custos e outros encargos, constando a sua discriminação em anexo à fatura. Trata-se, portanto, de encargos a suportar pela K... SA e não pela A..., SA.

 Neste sentido, nos termos do n.º 9 do art.º 88.º do CIRC, os encargos dedutíveis com ajudas de custo, no valor de € 1.970.846,43 (sendo € 2.011.296,43 - € 40.450,00), estão sujeito a tributação autónoma, à taxa de 5%. Temos, então, imposto em falta, no montante de:

                          

Quadro 10 da Mod.22- Tributações autónomas 2014      Total TA em falta

1. tributações autónomas declaradas     25.611,58           

2. Total de correcções propostas de imposto TA (2.1*2.2)            98.542,32            98.542,32

2.1 Ajudas de custo ao pessoal  1.970.846,43     

2.2 taxa de tributação autónoma n.º5 e n.º14 do art.88.º CIRC   5%         

3. Tributações autónomas corrigidas (1+2)          124.153,90         

O)           Na sequência, a Requerente foi notificada do acto de liquidação em IRC, de liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas que constituem os documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o pedido arbitral;

P)           Em 26 de Março de 2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação, que foi indeferida por despacho do director de finanças de Coimbra, de 12 de junho de 2019.   

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo e no relatório de inspecção tributária juntos pela Autoridade Tributária com a resposta e em factos não questionados.

 

                Matéria de direito

 

                5.  A única questão em debate traduz-se em saber se se encontram sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 9, do CIRC, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo quando, tendo embora sido debitados aos adquirentes dos serviços, não tenham sido incluídas discriminadamente nas correspondentes facturas.

 

                A Requerente alega que a referida norma do artigo 88.º, n.º 9, não torna exigível que as ajudas de custo sejam mencionadas individualizadamente nas facturas, bastando que seja feita a prova de que esses encargos foram incorridos no interesse empresarial e incluídos nos valores facturados aos adquirentes dos serviços.

 

A Autoridade Tributária entende que, para efeito de obviar à tributação autónoma, as facturas devem mencionar expressamente os valores correspondentes aos encargos com ajudas de custo por se tratar de despesas de difícil comprovação quanto à sua relação com o interesse empresarial.

 

A norma em causa, sob a epígrafe “Taxas de tributação autónoma”, dispõe nos seguintes termos:

 

São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.

 

Em idênticos termos, o artigo 45.º, n.º 1, alínea f), do CIRC, a que agora corresponde o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), considera como “não dedutíveis para efeitos fiscais as ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objectivo, e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário”.

 

Como tem sido frequentemente assinalado, a introdução do mecanismo de tributação autónoma, que começou por se reportar a despesas confidenciais e não documentadas e se estendeu progressivamente a diversos outros tipos de despesas, como os encargos com ajudas de custo ou despesas de deslocação, é justificada por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição. Coimbra, pág. 407).

 

Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal.

 

Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objectivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

No caso das ajudas de custo, como se referiu, esses encargos também não são dedutíveis como custo fiscal, nos termos da referida disposição do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), quando, não tendo sido facturadas aos clientes, a entidade empregadora não tenha cumprido a formalidade do registo das ajudas de custo por forma a permitir o controlo das deslocações.

 

O pressuposto da não dedutibilidade dos encargos consiste na não facturação aos clientes e, cumulativamente, na ausência de registo contabilístico que permita comprovar a realização da despesa.

 

No entanto, como se observou no acórdão do TCA Norte de 12 de Março de 2015 (Processo n.º 00005/04), o inciso “não facturados a clientes”, não pretende significar que só são fiscalmente aceites na sua totalidade as ajudas de custo e deslocações desde que os respetivos montantes estejam discriminados na facturação. O que releva é que esses encargos tenham sido debitados aos clientes, a esse título, e incluídos no valor global da factura. Além de que o sujeito passivo carece de fazer a demonstração contabilística das despesas realizadas, mediante a elaboração de um mapa que contenha os elementos de informação mencionados na referida alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A, incluindo o local, tempo de permanência e objectivo da deslocação.

 

Sem dúvida que, estando em causa a tributação do rendimento real, o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito, na medida em que a não-aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe e não tem reflexo na capacidade contributiva. Mas exigindo a lei requisitos formais acrescidos para a prova da existência de um determinado custo, a falta do cumprimento de tais exigências acarretará, normalmente, a sua não aceitação para efeitos fiscais (cfr. RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, pág. 80).

 

Será este último o caso do mapa de controlo das deslocações a que se reporta o referido artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do CIRC de que a lei faz depender especialmente a dedutibilidade das ajudas de custo, em que o que está em causa não é o ónus da prova de que as deslocações ocorreram e tiveram um objectivo empresarial mas antes o próprio preenchimento pelo sujeito passivo dos requisitos de ordem contabilística que permitem qualificar os gastos para efeitos fiscais (cfr., neste sentido, o acórdão proferido no Processo n.º 591/2017-T).

 

Esses mesmos princípios aplicam-se à tributação autónoma das ajudas de custo.

 

Como se deixou exposto, a tributação autónoma visa encargos suportados ou despesas efectuadas pelas empresas que possam não ter relação com a actividade empresarial ou ter na sua base uma componente remuneratória que se pretende eximir ao imposto e encontra o seu fundamento na circunstância de se tratar de custos de difícil comprovação quanto à sua efectividade ou conexão com a obtenção dos rendimentos sujeitos a IRC.

 

A norma do artigo 88.º, n.º 9, ao sujeitar a tributação autónoma as ajudas de custo escrituradas mas não facturadas aos clientes, não exige que esses encargos sejam discriminados separadamente na factura, mas apenas que se trate de custos que não tenham sido debitados aos adquirentes dos serviços, sendo esse um indício de que não foram realizados para compensar os trabalhadores pelas despesas acrescidas com a deslocação e não têm, por conseguinte, a verdadeira natureza de ajuda de custo.

 

O que interessa demonstrar para afastar a tributação autónoma é que esses custos tenham sido efectivamente realizados no interesse da empresa e não visam uma finalidade elisiva.

 

No caso em análise, a Autoridade Tributária não questiona que as ajudas de custo foram facturadas aos clientes e reconhece que o contribuinte elaborou os mapas de apuramento das ajudas de custo com todas as menções que se tornam exigíveis para efeito da dedução dos gastos para efeitos fiscais, sendo que a Requerente apresentou ainda prova complementar do débito desses encargos aos adquirentes dos serviços.   

               

Neste circunstancialismo, não há nenhum motivo para desconsiderar os gastos e sujeitá-los a tributação autónoma quando eles preenchem todos os requisitos de dedutibilidade fiscal, e, por isso, se reconhece estarem associados à actividade empresarial.

 

O único argumento da Administração é o de que o valor das ajudas de custo deve ser mencionado expressamente nas facturas.

 

Mas essa exigência formal não consta especificamente do artigo 88.º, n.º 9, que apenas refere que a tributação autónoma é aplicável aos encargos “não facturados a clientes”,  e não aos encargos que não tenham sido discriminados na factura. E, por outro lado, tendo em atenção que essa norma tem uma finalidade extra-fiscal, que visa dissuadir certos comportamentos concretos das empresas por razões de protecção do erário público, não faz sentido penalizar o contribuinte com base na inobservância de uma mera formalidade – caso se tornasse exigível – quando se possa concluir que as despesas foram efectivamente realizadas no interesse da empresa e não possuem o carácter anti-sistémico que está na base da tributação autónoma.

 

O relatório de inspecção tributária refere ainda que a obrigação legal da discriminação das ajudas de custo decorre ainda dos requisitos formais da factura, conforme prevê o artigo 36.º, n.º 5, do CIVA, de onde resulta que o documento deverá conter diversos elementos obrigatórios, incluindo a quantidade e a denominação usual dos serviços prestados e o preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável, daí se depreendendo que o valor facturado deve ser discriminado em relação ao valor restante.

 

Não há fundamento, no entanto, para subordinar o regime de comprovação documental dos gastos às formalidades específicas previstas no CIVA. No caso do IVA, a factura funciona como um título de crédito que permite deduzir ao IVA a entregar ao Estado o IVA incorrido a montante em operações tributadas, assim se justificando que existam especiais exigências quanto aos elementos que devem constar da factura, ao passo que, quanto ao IRC, não se verifica o mesmo grau de exigência, apenas se justificando que os gastos constem de documento escrito que contenha os elementos bastantes de identificação da operação ou transacção realizada (cfr., neste sentido, GUSTAVO COURINHA, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Coimbra, 2019, pág. 105).

 

Como é de concluir, e se decidiu em situação similar no acórdão proferido no Processo n.º 266/2017-T, a sujeição das ajudas de custo a tributação autónoma com fundamento na discriminação do seu montante na facturação emitida pela Requerente não tem base legal e viola o disposto no artigo 88.º, n.º 9, do CIRC.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

6. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação de IRC n.º 2018 ... e a correspondente liquidação de juros compensatórios, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ela deduzida;

b)           Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 110.487,22, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique.

 

Lisboa, 22 de Julho de 2020,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

José Pedro Carvalho

(voto favoravelmente o sentido da decisão final, pelos fundamentos que constam da decisão do processo arbitral 266/2017T, essencialmente no que diz respeito à teleologia e natureza jurídica das tributações autónomas).

 

O Árbitro vogal

Jorge Carita

(com declaração de voto anexa)

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Voto favoravelmente a presente decisão pelas razões que passo a expor.

Admito que o nº. 9 do artº. 88º. do CIRC não possa ser interpretado no sentido de impor que o valor das ajudas de custo seja discriminado na fatura enviada ao cliente (dono da obra), para que se evite a incidência da tributação autónoma (Vd. Decisões tiradas nos seguintes Processos:  Procº. nº. 85/2012-T, Procº. nº. 733/2014-T, Procº. nº. 735/2014-T, Procº. nº. 448/2018-T e Procº. nº. 478/2019-T).

Admito, contudo, que a separação da faturação das ajudas de custo ou a sua discriminação no seu redébito, fosse o sistema mais seguro e transparente, que evitaria muita conflitualidade presente nos nossos tribunais, mas realmente não posso concluir que a sua inclusão na fatura para o cliente seja o elemento indispensável para evitar a tributação autónoma.

Não temos dúvidas de que pelo lado dos trabalhadores e das empresas de construção, com especial foco nos expatriados, o grande incentivo  para que se mantenham deslocados, não é o salário base, mas as ajudas de custo, que são na sua maior parte das vezes, verdadeiros acréscimos remuneratórios, que não terão IRS se as empresas invocarem que as mesmas foram debitadas aos donos das obras.

Pegando no texto da Decisão, transcrevo:

“O pressuposto da não dedutibilidade dos encargos consiste na não facturação aos clientes e, cumulativamente, na ausência de registo contabilístico que permita comprovar a realização da despesa.” (Pag 12).

Como o nº. 9 do artº. 88º. do CIRC refere “…escrituradas a qualquer título…”, torna obrigatória a existência de um registo contabilístico das despesas efetuada pela empresa com o pagamento das ajudas de custo aos seus trabalhadores e com a transferência desse encargo para o dono da obra.

O que no caso concreto e salvo o devido respeito, entendo que não existe.

Mas prossegue o presente Acórdão:

“No entanto, como se observou no acórdão do TCA Norte de 12 de Março de 2015 (Processo n.º 00005/04), o inciso “não facturados a clientes”, não pretende significar que só são fiscalmente aceites na sua totalidade as ajudas de custo e deslocações desde que os respetivos montantes estejam discriminados na facturação. O que releva é que esses encargos tenham sido debitados aos clientes, a esse título, e incluídos no valor global da factura. (sublinhado meu).

E, com o devido respeito, no caso dos autos essa prova não está feita, nem a mesma consta dos factos aqui dados como provados, já que para assim ser teríamos que fazer a ligação entre cada uma das obras, as ajudas de custo pagas, a sua inclusão no preço da empreitada e a sua inclusão no valor da fatura. E sinceramente, não vejo que essa prova possa ser feita por declarações das empresas adjudicatárias, confirmando que no preço que pagou estão incluídas as despesas em que esta incorreu com a deslocação dos seus trabalhadores para executarem os trabalhos adjudicados.

Com todo o respeito, não vislumbro os documentos com base nos quais se pode concluir, como se faz no probatório que:

I). A Requerente orçamenta o preço-custo, com quantificação do custo mão-de-obra, com e sem ajudas de custo, equipamentos, materiais, fornecimento de terceiros, margem de lucro e preço de venda/facturação;

Ou seja, teria que se dizer que as ajudas de custo pagas aos trabalhadores, por exemplo, na Obra da B..., em tal parte, estavam incluídas no preço do contrato de empreitada (e não no orçamento, que é uma mera previsão) e foram sendo debitadas à cliente à medida que a obra ia sendo executada ou na medida dos pagamentos que iam sendo efetuados.

E isso a Requerente não provou.

Mas tal não me impede de concordar com o Prof Rui Morais, quando ele escreve e a Decisão transcreve:

“Sem dúvida que, estando em causa a tributação do rendimento real, o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito, na medida em que a não-aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe e não tem reflexo na capacidade contributiva. Mas exigindo a lei requisitos formais acrescidos para a prova da existência de um determinado custo, a falta do cumprimento de tais exigências acarretará, normalmente, a sua não aceitação para efeitos fiscais (cfr. Rui Morais, Apontamentos ao IRC, Coimbra, pág. 80).

E, renovo a minha opinião, a Requerente não fez essa prova e não há dúvidas de que sobre ela incide o ónus da prova.

E é a própria Requerente que invoca que essa prova tem que ser feita:

“A Requerente alega que a referida norma do artigo 88.º, n.º 9, não torna exigível que as ajudas de custo sejam mencionadas individualizadamente nas facturas, bastando que seja feita a prova de que esses encargos foram incorridos no interesse empresarial e incluídos nos valores facturados aos adquirentes dos serviços.” (Este Acórdão, pág. 10).

Ou seja, o que a Requerente diz que se exige de si própria é que diga que numa fatura de 500 mil euros para o dono da obra, 25 mil correspondem a ajudas de custo pagas aos trabalhadores em funções nessa obra.

Mas não me parece que o tenha feito no caso dos autos.

É também referido que:

“Além de que o sujeito passivo carece de fazer a demonstração contabilística das despesas realizadas, mediante a elaboração de um mapa que contenha os elementos de informação mencionados na referida alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A, incluindo o local, tempo de permanência e objectivo da deslocação. (Este Acórdão pág 12).

Não negando importância à existência desse mapa, sem o qual aliás as ajudas de custo não poderiam ser pagas, e não poderiam ser consideradas custo da empresa para efeitos fiscais, a existência do mesmo nada acrescenta para  a prova que a Requerente sempre teria de fazer de que essas ajudas de custo por si pagas, e que não foram tributadas na esfera jurídica dos trabalhadores, foram debitadas à dona da obra que foi verdadeiramente quem as suportou.

Não é o facto dos mapas das ajudas de custo estarem preenchido na perfeição que permite concluir que o seu débito foi feito aos clientes da Requerente.

Essa prova, obra a obra, fatura a fatura, por cada mapa das ajudas de custo, não foi feita, nem consta do probatório, para que se pudesse reconhecer a razão da Requerente.

Contabilisticamente, o custo suportado pela Requerente com o pagamento das ajudas de custo aos trabalhadores é anulado com o redébito desse custo, que constitui um proveito da empresa, que assim se “compensam”.

Tudo se passa como se as ajudas de custo tivessem sido suportadas pela empresa dona da obra. O que não pode acontecer dado que os trabalhadores não são seus.

Repare-se que a própria jurisprudência do CAAD alerta e remete para os elementos complementares de prova a que aqui aludimos.

Por isso, no acórdão do processo 266/2017 se escreveu que:

                "De resto, a própria Requerida acaba por reconhecer, na sua Resposta em sede arbitral, que “legislação indica não ser exigível que a facturação das ajudas de custo seja feita de forma expressa e discriminada na facturação a clientes.” , competindo unicamente aos “sujeitos passivos de imposto de possuir elementos aptos à demonstração que, não obstante tal facto, o preço final indicado ao cliente contempla os valores relativos a despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.” , e que “para demonstrar os pressupostos da norma do CIRC aqui em causa, teria a ora Requerente de demonstrar que, embora não facturados ao cliente, esses valores estavam, de facto, incluídos no “preço”.” (sublinhado nosso).

Também no Acórdão arbitral proferido no processo 735/2014-T, citado pela Requerida, se concluiu que:

“Embora não se exigindo que os custos a que se reporta o n° 9 do artigo 88° do CIRC sejam reflectidos/ inscritos de forma expressa nas facturas emitidas aos clientes, tal facto não exclui (...) que a Requerente esteja dispensada de provar que o preço final inscrito nas facturas tenha incorporado os valores relativos a despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.”.

No meu entender, e com todo o respeito pela posição contrária, a prova que a própria jurisprudência do CAAD impõe, não foi produzida nos presentes autos.

Só se essa prova tivesse sido apresentada, é que as consequências daí resultantes poderiam ser as seguintes:

a). Não haveria IRS para os trabalhadores;

b). Não haveria tributação autónoma para a empresa;

c). O pagamento aos trabalhadores seria custo fiscal da empresa;

d). O pagamento das ajudas de custo pelo dono da obra à Requerente seria proveito desta.

Ora aqui chegados, pergunta-se novamente porque razão sendo este o meu entendimento da matéria referente à prova da imputação das despesas com as ajudas de custo aos clientes, voto favoravelmente o presente Acórdão.

Porque a Autoridade Tributária no seu Relatório, que suporta a liquidação adicional efetuada, nada invoca a este respeito.

Ou seja, baseia a sua posição na necessidade imperiosa das despesas com ajudas de custo estarem refletidas nas faturas para os donos das obras.

E com a exigência desse requisito formal não estou de acordo, e é forte, consistente e uniforme a Jurisprudência dos nossos tribunais a esse respeito.

O RIT não diz que a prova de que as despesas com as ajudas de custo não constam do preço faturado ao cliente não está feita.

Diz apenas que a única maneira de evitar a tributação autónomo é individualizar esse encargo na fatura para o cliente: ora a interpretação do nº. 9 do artº. 88º. do CIRC feita nesse sentido é manifestamente ilegal, razão pela qual o ato de liquidação posto em crise não se deve manter e deve ser consequentemente anulado, como aqui decidido.

Nem tão pouco se pode dizer, como o faz a Requerida de que a discriminação das ajudas de custo decorre dos requisitos formais da fatura, nos termos do nº. 5 do artº. 36º. do CIVA, com o que respeitosamente não podemos concordar, já que a aplicação do CIVA não pode aqui ser invocada.

A prova teria que ser outra. Mas apesar de entender que a Requerente não a fez, também a AT não invocou que ela o precisava de ter feito.

Ora acontece que o Tribunal apenas pode basear a formulação do juízo de legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, não podendo valorar razões de facto e de direito que não constem dessa fundamentação (cfr Acórdão do STA de 27 de junho de 2016, tirado no Processo nº. 043/16).

Daí o sentido do meu voto favorável à presente Decisão.

 

Jorge Carita