Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 60/2020-T
Data da decisão: 2020-10-17  IRS  
Valor do pedido: € 13.583,09
Tema: IRS – Tributação de mais-valias; residente em Estado Membro da União Europeia.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

Sumário:

É incompatível com o art. 63.º do TFUE a norma do n.º 2 do art. 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, apenas para os residentes em Portugal não extensível aos não-residentes, mas residentes num Estado Membro da União Europeia.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 5 de agosto de 2020, decide:

 

I.             Relatório

 

A..., contribuinte fiscal n.º..., casado, de nacionalidade portuguesa, residente na ..., ... ...–..., França, (adiante apenas Requerente) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de tribunal arbitral,  em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada apenas por Requerida ou AT).

 

O Requerente pretende que o Tribunal declare a ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2019..., de 8 de novembro de 2019 e a consequente anulação parcial desta liquidação.

 

Considera o Requerente que a liquidação em causa, está ferida de ilegalidade, por vício de violação de lei, pois tem a sua origem na aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, do qual resultou, no caso concreto, a não aplicação da taxa de IRS, em causa, a metade da mais-valia, já que o Requerente, no ano de 2018, era residente, com a sua mulher [de nacionalidade francesa], noutro Estado Membro da União Europeia, in casu, França.

Conclui o Requerente, no Pedido de Pronúncia Arbitral, que a Liquidação que foi efetuada é, assim, (parcialmente) ilegal, e como tal deve ser anulada.

 

Em 3 de fevereiro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral, a aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 6 de julho de 2020, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 5 de agosto de 2020.

 

Em 25 de agosto de 2020, a Requerida apresentou Resposta na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido. Não foi junto processo administrativo aos autos por inexistência deste suporte documental.

 

Por despacho de 18 de setembro de 2020, foi dispensada a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, e determinou-se o prosseguimento do processo para alegações escritas facultativas simultâneas, fixando-se o prazo de 10 dias.

A Requerida apresentou as suas alegações 2 de outubro de 2020, e a Requerente apresentou-as 9 de outubro de 2020, peças processuais em que as partes mantiveram, no essencial, as doutas posições assumidas nos seus articulados iniciais. Sendo que a Requerente, para além do já assumido, pronunciou-se ainda quanto à questão de facto suscitada pela Requerida em sede de Resposta (e posteriormente em sede de alegações), quanto ao preenchimento do quadro 8 do rosto da declaração.

 

Designou-se o dia 18 de outubro de 2020 para o efeito de prolação da decisão arbitral.

 

II.            Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

III.          Fundamentação

 

III.I. Matéria de facto

 

A.           Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

1.            O Requerente, português, e a mulher, francesa, são residentes – e também o eram no ano de 2018 –noutro Estado Membro da União Europeia, concretamente em França, na ..., ...–... .

2.            Em 28 de janeiro de 2018, o Requerente e a mulher alienaram um prédio rústico, do qual eram proprietários, sito no ..., União de freguesias de ..., ..., ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 14,37.

3.            Em 7 de março de 2018, o Requerente e a mulher alienaram um prédio urbano, do qual eram proprietários, sito na Rua ..., n.º..., freguesia de ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 54.220,00.

4.            O imóvel identificado no ponto 2. foi vendido pelo preço de € 337,50.

5.            O imóvel identificado no ponto 3. foi vendido pelo preço de € 160.000,00.

6.            A venda do imóvel identificado em 3. teve intervenção de mediador imobiliário tendo este recebido o valor de € 4.920,00 pelo respetivo serviço prestado de mediação na venda do prédio urbano.

7.            O Requerente e a mulher não apresentaram no prazo legal a declaração modelo 3 de IRS com referência ao rendimento de mais-valias obtidas pela venda do prédio urbano, omissão para a qual foram notificados pelo Serviço de Finanças da Feira –... .

8.            O Requerente e a mulher apresentaram em 6 de novembro de 2019 a declaração modelo 3 de IRS em falta, nos quais se declararam como não-residentes em Portugal:

 

9.            No Quadro 8 do Rosto foi assinalado o campo 4 (não residente) e não foi assinalado mais nenhum campo.

10.          No anexo G - mais-valias – o Requerente e a mulher declararam o seguinte:

 

11.          A liquidação incidiu sobre a totalidade da mais-valia obtida pelo Requerente e a mulher, no valor de € 95.669,69 ([337,50+160.000,00]-[(635,30 x 1,02)+(54.220,00 x 1,09) + € 4.920,00])

12.          A AT determinou como rendimento coletável da Requerente o valor de € 95.669,69 respeitante ao rendimento coletável decorrente da mais valia, ao qual aplicou a taxa de 28% prevista no artigo 72.º n.º 1 do CIRS, o que deu uma coleta de € 26.787,51 (€ 95.669,69 x 28%).

13.          E juros compensatórios, incluídos na liquidação do imposto, no valor de € 378,68.

14.          O Requerente e a mulher foram notificados, relativamente ao ano de 2018, da liquidação de IRS n.º 2019..., para pagar até 02/01/2020, o IRS liquidado no valor total de 27.166,19 €.

15.          O Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral a 31 de janeiro de 2020.

 

B.            Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

C.            Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais apresentadas e nos documentos juntos pelas Partes ao presente Processo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo Requerente, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

III.II Matéria de Direito (fundamentação)

 

Defende o Requerente, que o valor de imposto contém um erro, porquanto não foi tida em conta a consideração de apenas 50% das mais-valias para o cálculo do imposto devido. Posição oposta à sufragada pela Requerida que, entende que a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, veio adequar plenamente a legislação nacional ao direito comunitário, isto porque os n.º 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, em consonância com o ponto 40 do Acórdão Hollmann, passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não apenas para os residentes em Portugal, mas também para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

Razão pela qual, a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão, conforme artigo 61 do decisório, a saber: «61 - Face às considerações expostas, importa responder à questão colocada que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

Motivo pelo qual, a Requerida entende que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (Acórdão Hollmann), tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12. Pelo que, da alteração operada por via da introdução dos atuais n.os 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.

Conclui a Requerida, na Resposta, assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código de IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

 

Considera este Tribunal Arbitral Singular que o thema decidenduum reporta-se, por um lado, como diz a Requerida, à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal, mas residente num Estado Membro da União Europeia violar o Direito Comunitário.

 

Cumpre apreciar:

 

O artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece o seguinte:

1.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 Quanto a esta matéria aderimos à posição que conta do acórdão 600/2018-T (in www.caad.org.pt):

“O TJUE considerou incompatível o  com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2018, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.

Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».         

Esta jurisprudência foi recentemente reafirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C 184/18, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais valias realizadas por um residente naquele Estado Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

No entanto, esta última decisão foi também proferida tendo como pressuposto a redação do artigo 72.º introduzida pela Lei n.º 109 B/2001, de 27 de dezembro, anterior à Lei n.º 67-A/2007”.

De facto, como sufraga a AT não há jurisprudência específica do TJUE sobre a compatibilidade do regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, nos n.ºs 7 e 8 do CIRS com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 Mas, seguindo a posição do acórdão 600/2018-T, “(...) o TJUE entendeu naquele acórdão do processo C-443/06, que o essencial da incompatibilidade do regime do artigo 71.º, n.º 1, com o direito de União resulta de instituir «um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objetivamente comparável» (§ 54).

Na mesma linha, decidiu o TJUE no acórdão de 19-11-2015, processo C-632/13 (Skatteverket contra Hilkka Hirvonen) que «a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21.º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeitos a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhes são assimiladas, cuja situação seja comparável à sua»”.

Assim, o que é essencial para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação ao Requerente do regime que lhes foi aplicado.

Na esteira da decisão que aqui seguimos e aderimos “[...] o regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo”.

Assim, concluímos que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2018, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.

Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado na liquidação impugnada.

 O facto de atualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.

Para além disso, tal como é suscitado no acórdão 600/2018-T “[...] na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação».

No mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:

Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta, contudo, da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.º 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.

Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:

42. Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C 168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida)”.

Perante isto e nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático» concluímos que a pretensão da AT de reenvio prejudicial (ou a suspensão dos autos) é desnecessária.

Como é defendido na decisão cuja fundamentação temos vindo a seguir “[...] tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia. E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do ato aclarado) e quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do ato claro) (idem, n.º 14).

O acórdão 600/2018-T suscita, aliás, [...] o Supremo Tribunal Administrativo, no recente acórdão de 20-02-2019, processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, sem aventar a necessidade de reenvio, concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na vigência do recurso da Lei n.º 67-A/2007”.

No caso em apreço, conclui-se com segurança da reiterada jurisprudência do TJUE que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanda pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial.

Com a mesma argumentação, e pelos fundamentos que lhe estão subjacentes, não podemos aderir à interpretação da AT.

Acrescenta-se, nesta matéria, a posição assumida na Decisão Arbitral n.º 687/2018-T, chamando à colação a decisão 583/2018-T (ambos in www.caad.org.pt), à qual também aderimos, “É certo que, posteriormente ao acórdão proferido pelo TJUE em 11/10/2007, processo número C-443/06, conhecido por acórdão Hollmann, o legislador nacional, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida neste acórdão , introduziu , através da Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, a possibilidade de os residentes noutro Estado membro da União Europeia optarem , relativamente aos rendimentos referidos nos números 1 e 2 do artigo 72º do CIRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. Sobre esta alteração legislativa, já se pronunciou igualmente a jurisprudência, concretamente a decisão arbitral proferida no processo n.º 748/2015-T, à qual se adere, “Desde logo, há que registar que a solução introduzida pelo legislador para contornar a discriminação contida na supra mencionada norma nacional, fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes. A isto acresce um outro reparo que resulta da complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao princípio da territorialidade previsto artigo 15.º do CIRS, às condições de pessoalização do imposto e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro estado membro, no estado atual do direito comunitário.”. […] “Alega a AT que a solução adotada no artigo 72.º, n.ºs 8 a 10 bastante, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.”. Pelo que, muito embora o legislador nacional tenha consagrado a possibilidade de o sujeito passivo não residente optar pela tributação aplicável aos residentes, a verdade é que tal não retira o efeito discriminatório essencial da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes, que é assim violadora dos artigos 63.º e 18º. do TFUE. Em face do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência do TJUE, em sede de direito comunitário, vincula os tribunais nacionais, pelo que não pode este Tribunal decidir de forma diferente da já decidida, no âmbito na mesma questão de direito e da mesma legislação, pelo TJUE. Nestes termos, dúvidas não restam de que a liquidação impugnada, na parte que considera como base de tributação das mais-valias realizadas pelo Requerente mais de 50% do seu valor, carece de fundamento legal, concluindo-se pela incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, com o artigo 63.º, do TFUE, o que determina a ilegalidade das liquidações ora impugnadas, e como procedente o pedido de pronúncia arbitral”.

Posição que, seguindo a argumentação descrita, sufragamos.

Mas, para além disso, há outra questão que a AT suscita e que não é despicienda:

Na sua Resposta e alegações, veio a Requerida suscitar que a liquidação não padece de ilegalidade também porque é o Requerente não preencheu os campos da declaração modelo 3 de IRS destinados a declarar a opção pelo regime de tributação. Isto é um facto, na realidade – e como é dado como provado – o Requerente e a mulher, no Quadro 8 do Rosto preenchem o campo 4 (não residente) e não assinalam nenhum outro campo, mormente para efeitos os campos 9, opção pelas taxas do artigo 68.º do CIRS, e 11, total dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

Qual a relevância in casu desta omissão?

Entendemos que tal omissão é, quanto à situação em apreço no caso concreto, insuscetível de alterar a fundamentação que temos vindo a assumir. Se por um lado é verdade que a AT validou a declaração modelo 3 de IRS em apreço nos autos; por outro lado, temos que concluir que a Requerida fundamenta a sua posição numa premissa que, face à argumentação que defende, é insuscetível de extrair a conclusão a que chega. Já que, o que está em causa, é a posição da AT quanto à não verificação dos pressupostos para a opção pela Requerente, ora, se em causa estava – nesta matéria defendida pela Requerida – a omissão pelo regime de tributação isso implicaria que a AT, em algum momento reconhecesse o reconhecimento da legalidade aludida opção. Posição que a AT nunca assume, nem quando suscita a omissão de preenchimento de campos do Quadro 8.

Desta forma, não é concebível extrair qualquer conclusão, muito menos de omissão de qualquer obrigação da Requerente que seja relevante para a decisão da causa e que possa alterar o sentido da mesma. A AT, de facto, nunca configura qualquer possibilidade de um exercício de subsunção que sufrague a posição do Requerente mas que, por facto que lhe é imputável (ao Requerente), não consegue extrair estatuição por este sufragada.

Se assim é, não podemos conceber que a Requerida suscite uma omissão do Requerente para a não aplicação de uma solução legal que, de qualquer forma, nunca admite que seja aplicável ao caso sub judice.

Pelo exposto, é de concluir que é ilegal a tributação nos termos em que foi efetuada na liquidação impugnada, o que justifica sua anulação parcial, conforme peticionado pelo Requerente.

Assim, julga este Tribunal Arbitral Singular procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente, anulando parcialmente, a liquidação de IRS impugnada, relativa ao ano de 2018.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, este Tribunal Arbitral Singular não está obrigado a apreciar todos os argumentos das Partes, quando a decisão esteja prejudicada pela solução dada, o que no presente processo se traduz na decisão proferida de ilegalidade da liquidação, ficando, assim, prejudicado o conhecimento de outras questões carreadas para os autos.

 

IV.          Decisão         

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade, e anular parcialmente, a liquidação de IRS n.º 2019..., relativamente ao ano de 2018.

 

V.           Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 13.583,09.

 

VI.          Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa e CAAD, 17 de outubro de 2020

 

A Árbitro

(Marisa Almeida Araújo)