Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 6/2021-T
Data da decisão: 2021-10-12  IRS  
Valor do pedido: € 25.000,00
Tema: IRS - Tributação das mais-valias imobiliárias por não residentes europeus.
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SUMÁRIO:

1.            Tributação direta. Incompatibilidade entre princípio europeu e norma nacional.

2.            Tributação das mais valias imobiliárias obtidas por não-residentes.

3.            Violação do artigo 63.º do TFUE. Norma nacional incompatível com princípio do mercado interno europeu.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

                O árbitro Vasco António Branco Guimarães árbitro singular designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, decide o seguinte:

               

1. Relatório

 

A... e B..., ids. nos autos, NIF ..., e ..., respetivamente, residentes na Holanda em ..., (doravante designados por “Requerentes”), apresentaram, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a: 1.º declaração de ilegalidade da liquidação  do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2017 identificada sob o n.º 2019... no montante de 49.709,98 Euro;  2.º Reembolso do imposto pago em excesso pelo Reclamante, no montante que vier a ser apurado, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-01-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03-05-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21-05-2021.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou resposta nem o processo administrativo.

 

Por despacho de 15-07-2021, foram as partes convidadas a apresentar alegações com vista a garantir o pleno contraditório neste processo. As partes não apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

A)           Os Requerentes são nacionais e residentes na Holanda.

B)           Em 6 de fevereiro de 2017 os Requerentes alienaram dois imóveis de sua propriedade sitos em ... que estão devidamente identificados nos autos.

C)           Em 22.10.2019 apresentaram a sua declaração Modelo 3 de rendimentos onde incluíram os ganhos recebidos nesta alienação.

D)           A declaração referida deu origem à liquidação de IRS n.º 2019... no montante de 49.709,98 Euro, referente a 2017 que foi pago pelos Requerentes em 13.12.2019.

E)            Os Requerentes reclamaram graciosamente em 14.05.2020 não tendo obtido resposta até à impugnação arbitral.

F)            Face á não resposta à reclamação graciosa impugnaram a liquidação no Tribunal Arbitral tributário.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do RI.

Não se retiram outros factos relevantes do articulado por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.

 

3. Matéria de direito

 

As questões de mérito que são objeto deste processo são:

 

1.            Saber se a AT podia ter liquidado o imposto nos termos em que o fez.

2.            Saber se são devidos juros aos requerentes.

 

3.1. Posições das Partes

 

O Requerente defende o seguinte, em suma:

- Que a declaração apresentada não podia ter sido liquidada pela totalidade da mais-valia por violar o artigo 63.º do TFUE.

               

                A AT defende não apresentou qualquer posição.

 

3.2. Apreciação da questão

 

3.2.1. Objeto do processo no caso de impugnação de autoliquidação.

 

Em princípio, a fundamentação dos actos tributários a atender nos processos arbitrais é a que consta desses actos, pois está-se perante um contencioso de mera anulação com fundamento em ilegalidade (artigos 99.º e 124.º do CPPT), em que se visa apreciar a legalidade da actuação da Administração Tributária tal como ela ocorreu, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. Ora, a AT não explicou a decisão que tomou nem o critério que aplicou o que inviabiliza uma defesa coerente da sua posição que, no caso, inexiste.

 

Para todos os efeitos, a situação fáctica presente nos autos foi já objeto de decisão no TJUE que declarou como ilegal o tratamento discriminatório dos não residentes na tributação das mais-valias imobiliárias sendo a legislação portuguesa incompatível com os princípios fundamentais da criação do mercado único europeu– cfr. Acórdão dado no processo C-388/19 do TJUE.

 

Decisão:

 

Pelo exposto e sem necessidade de maiores desenvolvimentos julgo o pedido arbitral procedente e, em consequência:

a.            Anulo a liquidação n.º 2019... no montante de 49.709,98 Euro (quarenta e nove mil, setecentos e nove Euro e noventa e oito cêntimos) por violação do artigo 63.º do TFUE;

b.            Condeno a AT no pagamento dos juros indemnizatórios desde a data de 22.10.2019 até efetivo pagamento.

c.            Condeno a AT nas custas processuais por ter dado origem à causa e nela ter decaído.

 

Valor do processo: 49.709,98 Euro (quarenta e nove mil, setecentos e nove Euro e noventa e oito cêntimos).

 

Custas processuais no valor de 2142,00 Euro (dois mil cento e quarenta e dois).

 

Lisboa, 12 de outubro de 2021.

 

O Árbitro singular

(Vasco Branco Guimarães)