Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 597/2018-T
Data da decisão: 2019-12-20  IRS  
Valor do pedido: € 139.257,56
Tema: IRS – Mais-Valias – Art. 43.º, n.ºs 3 e 4 do CIRS – Transmissão de partes sociais de sociedade com sede noutro Estado-Membro.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa e Dr. João Taborda da Gama, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

Em 29 de novembro de 2018, A..., doravante designado por “Requerente”, contribuinte número ..., residente na Rua ..., ... a ..., ..., ..., ...-... Cascais, notificado do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2017..., referente ao ano 2016, no montante de € 139.257,56, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

O Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS e da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que sobre o mesmo recaiu, bem como o reembolso do imposto que considera ter sido pago em montante superior ao legalmente devido, acrescido de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

Como fundamento da sua pretensão o Requerente alega, em síntese, que a mais-valia realizada na transmissão da participação social de 50% que detinha na sociedade de direito francês, B... SARL deve ser tributada de acordo com o regime aplicável a micro e pequenas empresas e, portanto, considerada apenas em metade do seu valor, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS. 

 

Segundo o Requerente, não pode ser acolhido o entendimento da AT de que este regime se aplica somente a partes de capital de sociedades com sede e direção efetiva em Portugal, desde logo porque a norma em apreço não contém qualquer restrição de cariz geográfico, tendo feito prova de que a sociedade (cujas partes sociais foram alienadas) se enquadra no conceito de pequena empresa, conforme definido no anexo ao Decreto-lei n.º 372/2007, de 6 de novembro e previsto na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio.

 

Sustenta que a solução por si preconizada é a que deriva de uma interpretação conforme ao direito da União. Invoca, neste âmbito, o artigo 26.º, n.º 2 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), que postula um mercado interno sem fronteiras internas “no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada”; o artigo 63.º do TFUE, que proíbe restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros; e ainda o artigo 110.º do TFUE, que não permite que os Estados-Membros façam incidir imposições superiores àquelas que se verificam sobre ativos nacionais de idêntica natureza.

 

Na perspetiva do Requerente, a liquidação de IRS impugnada viola as citadas normas do TFUE, aplicáveis em Portugal nos termos do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

 

Por fim, o Requerente suscita o vício de falta de fundamentação da decisão da Reclamação Graciosa, ao abrigo do artigo 77.º da LGT e dos artigos 103.º, n.º 2 e 268.º, n.º 3 da CRP. Juntou 9 documentos e não requereu prova testemunhal.

 

Em 30 de novembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT em 6 de dezembro de 2018.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 22 de janeiro de 2019, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 11 de fevereiro de 2019.

 

                Em 18 de março de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual impugna especificadamente os artigos 25.º a 27.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa), por não considerar assente que as partes de capital alienadas provenham de uma pequena empresa, para efeitos do disposto no Decreto-lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, e defende que este diploma se aplica de forma exclusiva às sociedades com sede e direção efetiva em Portugal, atento o princípio da soberania territorial do Estado português.

 

                Segundo a Requerida, o Estado português não pode determinar os requisitos legais para que “uma sociedade com sede ou estabelecimento estável sita em França seja considerada PME” e, se tal fosse admissível, caberia perguntar se seria reconhecida à luz do regime jurídico português ou francês.  Considera que o facto de o artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS não condicionar de modo expresso o seu campo de aplicação a sociedades com sede ou direção efetiva em Portugal não significa que se aplique a sociedades de direito estrangeiro, restrição que propugna decorrer logicamente do campo de aplicação territorial do citado Decreto-lei n.º 372/2007.

                Acrescenta que impendia sobre o Requerente o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, e que a prova junta na Reclamação Graciosa e na ação arbitral, por se encontrar redigida em língua francesa, não pode ser atendida pelo Tribunal.

 

                Para a Requerida, também não se verifica qualquer violação do direito europeu, pois a interpretação defendida não contende com a liberdade de circulação de capitais, dado o disposto no artigo 65.º, alínea a) do TFUE, que reconhece aos Estados-Membros o direito de aplicarem disposições fiscais que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

 

                Por fim, entende que, quer o ato de liquidação, quer a decisão da Reclamação Graciosa estão fundamentados, pois externam os motivos da correção, as operações e as normas legais aplicáveis, em sintonia com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”).

 

                A Requerida conclui pela improcedência do pedido arbitral e pela absolvição de todos os pedidos, com as legais consequências. Juntou, na mesma data, o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 3 de abril de 2019, o Tribunal Arbitral dispensou, por desnecessária, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e convidou o Requerente a juntar a tradução dos documentos, na parte relevante, em língua portuguesa.

 

Em 30 de abril de 2019, o Tribunal determinou a notificação das Partes para apresentação de alegações facultativas e sucessivas e fixou como prazo para prolação da decisão arbitral o previsto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.

 

Em 21 de maio de junho de 2019, o Requerente produziu as suas alegações finais, nas quais mantém a posição antes assumida e procede à junção da tradução parcial dos documentos apresentados e constantes dos autos.

A Requerida optou por não apresentar alegações.

 

Por despachos de 18 de julho, 7 de outubro e 6 de dezembro de 2019 foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IRS impugnado, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, tendo em conta que a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa foi notificada por carta registada com aviso de receção assinado em 31 de agosto de 2018 e que o pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 29 de novembro de 2018.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

A.           A..., aqui Requerente, é um cidadão reformado, de nacionalidade francesa, que desde 2014 está enquadrado como residente fiscal em Portugal no regime dos residentes não habituais, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 8 do Código do IRS, encontrando-se registado como tal no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, sob o código 888 “sem atividade elevado valor acrescentado”  – cf. PA e provado por acordo.

 

B.            Em 2016, o Requerente alienou uma participação social de que era titular, correspondente a 50% do capital social da sociedade de direito francês denominada B... SARL, e registou nesta operação uma mais-valia no valor de € 519.256,80. Incorreu em encargos associados a esta transmissão da participação social no montante de € 3.203,00 – cf. documento 3 junto com o ppa e provado por acordo.

 

C.            De acordo com as contas anuais encerradas a 30 de junho de 2016, reportadas ao exercício fiscal (12 meses) de 2016, não coincidente com o ano civil, a B... SARL empregava 6 funcionários, tendo realizado o volume de negócios (anual) de € 4.828.229,19 e registado o valor de € 6.087.916,80 no balanço total – cf. documentos constantes do PA e traduzidos em fase de alegações pela Requerente: Anexo às contas anuais, Relatório de gestão (ou “Relatório de trabalhos”), e Balanço e contas anuais.

 

D.           Em 31 de maio de 2017, o Requerente apresentou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano 2016 conjuntamente com a sua esposa, sem dependentes, e optou pela tributação conjunta. Nesta declaração foram juntos os Anexos E, G, H, J (2) e L (2) – cf. documento 3 junto com o ppa e provado por acordo.

 

E.            Na mencionada declaração de rendimentos relativa ao ano 2016, o Requerente reportou no Anexo J a mais-valia de € 519.256,80, resultante da venda da participação social da B... SARL e os encargos inerentes incorridos de € 3.203,00 [Quadro 9.2, Sub-quadro A, campo “951”] – cf. documento 3 junto com o ppa e provado por acordo.

 

F.            Em agosto de 2017, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS referente ao ano de 2016, emitida sob o número 2017..., de que resultou o valor a pagar de € 139.257,56, dos quais € 139.051,64 correspondem a tributação autónoma que supôs relacionada com a mais-valia acima referida – cf. documento 2 junto com o ppa e provado por acordo.

 

G.           Em 5 de setembro de 2017, o Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS identificada no ponto anterior no valor de € 139.257,56 – cf. documento 9 junto com o ppa.

 

H.           Por não se conformar com o ato de liquidação de IRS vertente, em 4 de janeiro de 2018, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa a qual, após exercício do direito de audição em relação ao respetivo projeto, veio a ser indeferida em 10 de agosto de 2018, por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de subdelegação de competências. O despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa foi notificado por via postal (carta registada com aviso de receção), através de ofício da Direção de Finanças de Lisboa datado de 28 de agosto de 2018 e rececionado pelo Requerente em 31 de agosto de 2018 – cf. documento 1 junto com o ppa e PA.

 

I.             Como fundamento da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, refere a Informação produzida pela Direção de Finanças de Lisboa o seguinte (cf. documento 1 junto com o ppa e PA):

“II. ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

[…]

A Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à liquidação de imposto, resultando a liquidação n.º 2017... efetuada em 03/08/2017, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação, verifica-se que as alegações do reclamante, não têm fundamento, dado que:

Do enquadramento dos SP's

O SP (A) NIF –...–A... e o SP (B) – NIF ... –C..., estão registados no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, como residentes não habitual, sendo o período de vigência de 2014 a 2023.

Da modelo 3 de IRS do ano de 2016

A declaração modelo 3 de IRS (...) respeitante aos rendimentos do ano de 2016, foi entregue a 31-05-2017, e encontra-se na situação de vigente.

Os SP's optaram pela tributação conjunta dos rendimentos, assinalaram a opção de residentes no Continente, apresentaram um anexo E, G e H e dois anexos J e L.

Assim estando em causa o anexo J do SP (A) – NIF..., Q 9.2-A, no que diz respeito à tributação de incrementos patrimoniais de opção de englobamento (alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários art.º 10.º n.º 1, al. b) do CIRS), verifica-se que no preenchimento do anexo L, o SP, no Q 6B – Rendimentos obtidos no estrangeiro – eliminação da dupla tributação internacional, assinalou o campo 05 – Método de isenção.

Pelo que a opção pela aplicação do método da isenção verifica-se relativamente aos rendimentos obtidos no estrangeiro das categorias E, F, G e da categoria B auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com caráter científico, artístico ou técnico, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, desde que em qualquer uma das seguintes condições (Art.º 81.º, n.º 5 do CIRS):

a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

b) Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, com exceção dos que constem da lista relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favorável, e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º do Código do IRS, não sejam de considerar obtidos em território português;

No caso da aplicação do Método de Isenção, conforme o n.º 7 do artigo 81.º do CIRS, os rendimentos isentos são obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos (exceto os rendimentos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 e nos n.ºs 3 e 6 do artigo 72.º do CIRS.

[…]

Por sua vez de acordo com o artigo 72.º do CIRS, o saldo positivo entre as mais-valias e as menos valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º1 do artigo 10.º do CIRS, são tributadas à taxa autónoma de 28%.

Descrição…SP (A) ………………………………………Vr……………Va…………Despesas………Resultado

Anexo G……………………………49.309,21………50.000,00……………………………-690,79

Anexo J incrementos patrimoniais...706.756,80…(206.250,00*1,1)…3.203,00……...497.303,80

Rendimentos sujeito a tributação autónoma ……………………………………………….496.613,01

Imposto relativo a tributação autónoma…………….496.613,01 X 28%.......................139.051,64

Ora, o que o SP, pretendia era a consideração em 50% do saldo resultante da mais-valia, de acordo com o nº 3 do artigo 43.º do CIRS, contudo essa situação só é contemplada no anexo G, no que diz respeito a rendimentos obtidos em território nacional na alienação onerosa de partes sociais de micro ou pequenas empresas, definidas nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, e certificadas como tal pelo D..., I.P., não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores. Estas empresas são identificadas através do NIF, sendo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias considerado em 50% do seu valor.

Por sua vez esta situação não é contemplada no anexo J que destina-se a declarar os rendimentos obtidos fora do território português, e cujas entidades emitentes se situem fora do território português, verificando-se que se trata da alienação de ações de uma sociedade Francesa B..., SARL, conforme referido pelo SP, pelo que não assiste razão ao reclamante.

[…]

Após audição prévia do requerente, verifica-se que o reclamante não apresenta nada de novo ao anteriormente declarado pelo que, no meu entender, é de manter o despacho de indeferimento […]”.

 

J.             Em discordância com a liquidação de IRS acima identificada e com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que a confirmou, o Requerente apresentou no CAAD, em 29 de novembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais e na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.

 

O facto de a Requerida referir no seu articulado (artigo 10.º) que impugna os artigos 25.º a 27.º do ppa, por não ter dado por assente que as mais-valias eram provenientes de uma pequena empresa, não contraria a força probatória dos documentos carreados ao processo, traduzidos para língua portuguesa a convite do Tribunal, cuja autenticidade e genuinidade não foram postas em causa e que manifestam indicadores financeiros correspondentes aos alegados pelo Requerente. 

 

 

IV.          FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

1.            QUESTÕES DECIDENDAS

 

                A principal questão suscitada respeita à interpretação do artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS e reside em saber se o tratamento fiscal mais favorável previsto para as mais-valias provenientes da alienação onerosa de partes sociais de pequenas empresas não cotadas, que são tributadas em apenas 50% do respetivo saldo, é aplicável à alienação de participações sociais de sociedades com estas características que não têm sede e direção efetiva em Portugal, mas noutro Estado-Membro da União Europeia, no caso concreto, em França.

 

2.            QUADRO LEGAL

 

                Discute-se a aplicação do regime tributário aprovado pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, que consagrou uma disciplina desagravada de tributação das mais-valias mobiliárias para pequenos investidores, passando o Código do IRS a prever a consideração do saldo das mais-valias resultantes da transmissão de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas em apenas 50% do seu valor.

 

                Neste âmbito, importa compulsar os artigos 10.º e 43.º do Código do IRS que, com relevância para a apreciação da situação vertente, dispõem o seguinte:

 

“Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)            […]

b)           Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários […]

 

Artigo 43.º

Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - […]

3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.

4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.”

 

                A qualificação de micro e pequenas empresas é, desta forma, remetida pelo compêndio do IRS para o anexo ao diploma que criou a certificação por via eletrónica de micro, pequenas e médias empresas e que delimita os respetivos pressupostos de harmonia com os critérios da Recomendação 2003/361/CE da Comissão, de 6 de maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas utilizada nas políticas aplicadas no interior do território da União Europeia e do Espaço Económico Europeu. Interessam, em particular, os artigos 1.º e 2.º do anexo ao Decreto-lei n.º 372/2007, com a seguinte formulação:

 

“Artigo 1.º

Empresa

Entende-se por empresa qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma atividade económica. São, nomeadamente, consideradas como tal as entidades que exercem uma atividade artesanal ou outras atividades a título individual ou familiar, as sociedades de pessoas ou as associações que exercem regularmente uma atividade económica.

 

Artigo 2.º

Efetivos e limiares financeiros que definem as categorias de empresas

1 - A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.

2 - Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.

3 - Na categoria das PME, uma micro empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.”

                O anexo ao citado Decreto-lei n.º 372/2007 esclarece ainda que os dados a considerar são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual (artigo 4.º), e que os efetivos (assalariados e proprietários-gestores) e correspondem ao número de unidades trabalho-ano, isto é, ao número de pessoas que tenham trabalhado na empresa a tempo inteiro durante o ano considerado (artigo 5.º). O trabalho das pessoas que não tenham trabalhado todo o ano, ou que tenham trabalhado a tempo parcial, é contabilizado em frações da unidade de trabalho-ano.

 

3.            MAIS-VALIAS DE PARTES SOCIAIS DE PEQUENAS EMPRESAS RESIDENTES NOUTRO ESTADO-MEMBRO DA UNIÃO EUROPEIA. APLICABILIDADE DO ARTIGO 43.º, N.º 3 DO CÓDIGO DO IRS

 

                Segundo o Requerente, o entendimento sufragado pela AT de que a disciplina prevista no artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS somente é aplicável a partes de capital de sociedades com sede e direção efetiva em Portugal, enferma de erro de direito, porquanto introduz uma restrição ao campo de aplicação da norma que esta não prevê.

 

                Afigura-se que o Requerente tem razão, pois da análise do texto legal constata-se que o confinamento a partes sociais de entidades com sede em território nacional que a AT preconiza no âmbito do mencionado preceito é desprovida de suporte na hipótese da norma, que não reclama que as pequenas empresas cujas participações foram alienadas sejam portuguesas.

 

Com efeito, o artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS não contém qualquer restrição territorial ao seu âmbito de aplicação e, tratando-se de matéria de incidência tributária, o seu recorte não dispensa a intervenção do legislador, a quem cabe estabelecer as condições positivas e negativas da respetiva aplicação, não podendo a AT introduzir limitações substantivas sem amparo na lei.

 

                Acresce salientar que a remissão operada pelo artigo 43.º, n.º 4 do Código do IRS não é dirigida ao regime da certificação, por via eletrónica, de micro, pequenas e médias empresas (“PME”) instituído pelo Decreto-lei n.º 372/2007, que atribui a competência para o efeito ao D..., I.P.. A citada norma do Código do IRS apela de forma específica (apenas) ao anexo do Decreto-lei, que se limita a definir os requisitos quantitativos necessários para que as empresas (incluindo sociedades) sejam consideradas PME, em termos idênticos aos da Recomendação 2003/361/CE da Comissão, de 6 de maio de 2003, sem qualquer referência à sua conexão territorial, sede ou direção efetiva.

 

Não se identifica, assim, qualquer elemento interpretativo que possa sustentar que a remissão do artigo 43.º, n.º 4 do Código do IRS foi efetuada, em exclusivo, para as sociedades – micro e pequenas empresas – “certificadas como tal pelo D..., I.P.” com sede em Portugal. O regime das empresas PME certificadas pelo D..., I.P. consta do corpo do Decreto-lei n.º 372/2007, para o qual o Código do IRS não remete, fazendo-o de forma expressa e específica tão-só para o anexo do diploma que, como acima dito, determina os requisitos quantitativos exigíveis para que a entidade beneficie da qualificação de PME, seja ou não certificada e independentemente do (sem qualquer referência ao) local da sua sede ou direção efetiva.

 

Acresce assinalar que o benefício fiscal consagrado na mencionada norma (de desagravamento em 50% da base de incidência do imposto) é aplicável a pessoas residentes e não à pequena empresa propriamente dita, no caso uma sociedade de direito francês.

 

Por outro lado, não se vê que o princípio da soberania territorial do Estado português sirva de alicerce à posição da AT, conforme por esta invocado. Com efeito, é atributo da soberania, o poder de conformação do legislador nacional em relação aos pressupostos e critérios de conexão espacial dos factos tributários. Neste âmbito, está consolidado o princípio de tributação dos residentes (pessoas físicas) numa base mundial, i.e., sobre a totalidade dos rendimentos, incluindo os obtidos fora de Portugal, de acordo com o preceituado no artigo 15.º do Código do IRS. É, pois, inevitável que da sobreposição dos critérios da residência e da fonte dos rendimentos aos factos tributários surjam inúmeras situações pontuadas de elementos de estraneidade, sem prejuízo da sua conexão com o território português por via do critério legalmente selecionado, desde logo o da residência do titular dos rendimentos.

 

Sendo os rendimentos dos residentes em Portugal tributáveis em território nacional, atento o critério de conexão preferencial [residência] acolhido pelo regime fiscal, independentemente de serem de fonte portuguesa ou de fonte estrangeira, nada impede que o legislador português decida pela atribuição de benefícios ou desagravamentos fiscais em relação aos mesmos e que a qualificação das entidades e dos critérios de elegibilidade sejam realizados pela lei portuguesa, no âmbito do seu campo de aplicação, i.e., aos residentes. Nem se vê como poderia ser de outra forma, pelo que não se vê qualquer dificuldade neste raciocínio que, como se disse atrás, pressupõe que a tributação está a ser efetuada na esfera da pessoa (física) residente, o Requerente, e não na da sociedade (de direito francês e com sede e direção efetiva em França) cujas partes sociais este alienou.

 

À face do exposto, conclui-se que o artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS deve ser interpretado no sentido de que não restringe a sua hipótese normativa às partes sociais de sociedades com sede e direção efetiva em Portugal, como preconizado pelo Requerente.

 

                Por outro lado, considera a AT que o Requerente não demonstrou, como lhe competia ao abrigo do preceituado no artigo 74.º da LGT, os factos constitutivos do direito invocado, dito de outro modo, não provou que a participação social alienada era proveniente de uma “pequena empresa” elegível de acordo com o número de efetivos e os indicadores financeiros constantes do anexo ao Decreto-lei n.º 372/2007.

 

                Tal conclusão não se pode igualmente acompanhar. Na verdade, resulta do quadro fático adquirido nos presentes autos que os indicadores financeiros que definem a categoria de “pequena empresa” se encontram observados na situação concreta, porquanto, à data dos factos (com referência ao apuramento efetuado no último exercício), a sociedade de direito francês em causa tinha 6 funcionários, pelo que empregava menos de 50 pessoas, o seu volume de negócios anual era de € 4.828.229,19 e o balanço total anual cifrava-se em € 6.087.916,80, não excedendo, por conseguinte, quanto a estes últimos, o limiar anual de 10 milhões de euros.

 

                A este respeito a AT refere que os documentos carreados pelo Requerente na fase procedimental e juntos com o pedido arbitral, em francês, não foram traduzidos para a língua portuguesa. No entanto, o Requerente apresentou a tradução dos documentos mediante convite do Tribunal, não existindo evidência de que a AT tenha feito qualquer solicitação ao Requerente tendo em vista a tradução dos documentos, designadamente ao abrigo do princípio da colaboração (artigos 59.º da LGT e 48.ºdo CPPT).

 

                Interessa ainda assinalar que a interpretação que o Requerente advoga – de que o artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS não abrange apenas as partes sociais de sociedades com sede e direção efetiva em Portugal – é aquela que se revela conforme ao direito europeu, representando o entendimento contrário uma situação de discriminação direta vedada pelo artigo 63.º, n.º 1 do TFUE , como afirmado de forma reiterada pelo Tribunal de Justiça (“TJ”) nas situações em que as legislações nacionais condicionaram o regime fiscal (vg. deduções, reduções de taxa ou de matéria coletável) à localização da sede das sociedades.

 

                Com efeito, constitui jurisprudência constante do TJ que embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercê-la no respeito do direito da União  que proíbe nomeadamente que uma disposição legislativa de um Estado-Membro faça depender a concessão às pessoas singulares de uma dedução ao rendimento tributável para a aquisição de ações ou de participações sociais representativas de entradas em numerário em sociedades de capitais, da condição de estas últimas terem a sua sede no referido Estado, por consubstanciar uma restrição aos movimentos de capitais incompatível, na aceção do artigo 63.º do TFUE.

 

                Segundo o TJ, disposições deste tipo têm por efeito dissuadir os contribuintes residentes num Estado-Membro de investirem os respetivos capitais em sociedades com sede noutro Estado-Membro e promovem o investimento dos particulares em sociedades com sede no primeiro. Têm também um efeito restritivo quanto às sociedades com sede noutros Estados-Membros, na medida em que constituem em relação a estas um obstáculo à recolha de capitais, visto que a aquisição de ações ou de participações sociais destas é menos atrativa do que a de ações ou de participações sociais de sociedades com sede no primeiro Estado-Membro [de residência dos contribuintes] – acórdão do TJ de 15 de julho de 2004, Weidert e Paulus, C-242/03, n.ºs 12 a 15.

 

                Em acórdão subsequente, de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, respeitante a mais-valias imobiliárias, o TJ reitera a proibição de restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros, enfatizando que é restritiva e não admitida à luz do direito primário da União uma diferenciação da tributação das mais-valias alicerçada apenas na qualidade de residente versus não residente, em que este último seja colocado numa situação menos favorável.

 

                Retomando a interpretação da Requerida, a tributação das mais-valias realizadas (in casu, mobiliárias) não seria a mesma para partes sociais de sociedades com sede ou direção em Portugal e para as de sociedades não residentes (sem sede em território nacional). Assim, a venda de uma participação social detida numa pequena empresa não sedeada em Portugal seria sujeita a uma “carga fiscal superior” àquela que seria aplicada à alienação de uma participação social numa pequena empresa com sede em território nacional , encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que esta última.

 

                Fica, desta forma, estabelecida uma desigualdade de tratamento fiscal entre pequenas empresas residentes e não residentes. Em consequência, tal interpretação resultaria numa transferência de capitais menos atrativa relativa a participações sociais de sociedades não residentes.

                Tendo em conta a jurisprudência do TJ citada, o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para as partes sociais de pequenas empresas com sede em Portugal e não para as pequenas empresas com sede noutro Estado-Membro, deve ser considerado como uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE, correspondente ao atual artigo 63.º do TFUE – cf. a título de exemplo o acórdão Weidert e Paulus, C-242/03, n.º 18.

 

                Em relação a saber se uma medida restritiva da livre circulação de capitais desta natureza é suscetível de se justificar à luz da exceção prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE, segundo a qual os Estados-Membros têm o direito de aplicar “as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, o TJ refere que a mesma não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes, em função do lugar onde residam ou do Estado Membro onde invistam os seus capitais, é automaticamente compatível com o Tratado , como flui da argumentação da Requerida – acórdãos do TJ de 15 de julho de 2004, Lenz, C-315/02, n.º 26; e de 7 de novembro de 2013, K, C-322/11, n.ºs 34 a 39.

 

                Para o TJ, as diferenças têm de ser “objetivamente justificadas ou suscetíveis de o ser por razões imperativas de interesse geral, nomeadamente pela coerência do sistema fiscal” e as medidas em causa não podem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais – acórdão Hollmann, C-443/06, n.ºs 43 a 45. Diferenciação que a Requerida nem sequer cuidou de alegar.

 

                Acresce que o TJ considera “evidente a discriminação efetuada entre os contribuintes consoante a sede das sociedades em questão se situe num ou noutro dos dois Estados-Membros em questão” e que a exceção à regra fundamental da livre circulação de capitais deve ser interpretada em sentido estrito e nos limites da proporcionalidade – acórdãos do TJ, Weidert e Paulus, C-242/03, supra citado, n.ºs 16, 18 e 20; Lenz, C-315/02, n.º 26; e K, C-322/11, n.º 34 .

 

                À face do exposto, o ato tributário de liquidação de IRS supra identificado, referente ao ano 2016 é anulável por vício de violação de lei por erro de direito, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT. Ilegal é também o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o mencionado ato tributário na medida em que o confirmou. 

 

4.            DO VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO DO INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

 

                O Requerente argui o vício formal de fundamentação da decisão da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de IRS impugnado, por entender que aquela se limita a juízos conclusivos, sem explicar os factos em que se alicerça a decisão e sem fazer referência expressa às disposições aplicáveis, em violação do disposto nos artigos 77.º LGT, 103.º, n.º 2 e 268.º, n.º 3 da Constituição.

 

                No entanto, a referida fundamentação, reproduzida no probatório (ponto I.), contém as normas do Código do IRS consideradas aplicáveis pela AT – o artigo 43.º, n.º 3 na interpretação de que apenas é aplicável a partes sociais de empresas certificadas pelo D..., I.P. – e é perfeitamente explícita e compreensível em relação aos argumentos, que são de direito, nos quais a AT alicerçou a sua decisão, pelo que improcede o vício de falta de fundamentação invocado pelo Requerente.

 

Questão distinta é a de saber se o Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados ou demonstrados os pressupostos de tributação nela retratados. Neste caso não se trata de aferir o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, que acima se apreciou concluindo-se pela anulabilidade do mesmo. 

 

5.            JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

O artigo 43.º da LGT dispõe que o contribuinte terá direito a ser ressarcido, através de juros indemnizatórios, sempre que o pagamento indevido de imposto seja imputável a erro dos serviços.

 

“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro ter por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou).” (CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM SILVA, SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.º Ed. 2012 Encontro da Escrita, Lisboa, pág. 342).

 

No caso em apreço, o ato de liquidação de IRS é ilegal, porque foi praticado com erro de direito, sendo que tal erro não emerge de qualquer conduta do Requerente, que declarou corretamente os rendimentos auferidos, pelo que é imputável aos Serviços.

 

Em face do exposto, procede o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor indevidamente pago, nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, a liquidar em execução da presente decisão.

 

* * *

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

V.           DECISÃO

 

                De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação de IRS impugnada, relativa ao ano 2016, e bem assim o despacho de indeferimento da reclamação graciosa que a confirmou, com as legais consequências.

 

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 139.257,56 correspondente ao valor da liquidação de IRS impugnada – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão expressa do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

 

VII.         CUSTAS

 

                Custas no montante de € 3.060,00, a cargo da Requerida, em razão do decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de dezembro de 2019

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Alexandra Coelho Martins

Paulo Jorge Nogueira da Costa

João Taborda da Gama