Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 595/2019-T
Data da decisão: 2020-06-18  IMT  
Valor do pedido: € 18.180,50
Tema: IMT - Isenção por atribuição de utilidade turística - Direito de ação - Direito de audição prévia - Caducidade do direito à liquidação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.Relatório

1. A... e B..., contribuintes fiscais n.º ... e n.º ..., respetivamente (doravante designados, em conjunto, por “Requerentes”), residentes no Reino Unido, apresentaram, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o pedido de constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos dois atos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), no valor de € 9.090,25 cada, no montante total de € 18.180,50, emitidos pelo Serviço de Finanças de ... e, bem assim, dos atos de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º ...2018... e do Recurso Hierárquico n.º ...2019..., apresentados sobre as referidas liquidações de IMT, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A)           Constituição do Tribunal Arbitral

 

2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 28 de outubro de 2019.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 27 de novembro de 2019.

B)           História Processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes vieram deduzir impugnação dos dois atos de liquidação de IMT, no valor de € 9.090,25 cada, no montante total de € 18.180,50, emitidos pelo Serviço de Finanças de ... e notificadas aos Requerentes pelos Ofícios n.º ... e n.º..., ambos de 05 de novembro de 2017, enviados a cada um dos Requerentes por cartas registadas a 07 de dezembro de 2017 e, bem assim, dos atos de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º ...2018... e do Recurso Hierárquico n.º ...2019..., apresentados sobre as referidas liquidações de IMT.

5. Os Requerentes pedem ainda o reembolso da quantia de € 18.180,50 e o pagamento de juros indemnizatórios.

6. A AT veio apresentar Resposta, peticionando, por sua vez, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral em virtude da caducidade de direito de ação ou, assim não se entendendo,  por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando a respetiva absolvição do pedido e, consequentemente, que os atos tributários em análise, por não violarem qualquer preceito legal ou constitucional, sejam mantido na ordem jurídica.

7. Por despacho de 5 de maio de 2020, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

8. Decidiu o presente Tribunal Arbitral convidar as partes, querendo, a produzir alegações finais, no prazo de 10 dias, e em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou como prazo limite para a decisão arbitral o final do mês de Maio de 2020.

9. Na sequência do aludido despacho, os Requerentes optaram por não produzir alegações orais ou escritas, mantendo-se os argumentos já mobilizados no processo.

10. A Requerida, por sua vez, optou igualmente por não produzir alegações finais mantendo-se integralmente o já aduzido na Resposta.

11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

12. A coligação de autores é admissível uma vez que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, nos termos do artigo 3.º do RJAT.

13. Tendo sido invocada, pela Requerida, a exceção da caducidade do direito de ação dos Requerentes, cumprirá ao Tribunal, antes de mais, pronunciar-se sobre o mérito da mesma. 

II. Da exceção invocada quanto à caducidade do direito de ação dos Requerentes

14. Os Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral no dia 09 de setembro de 2019.

15. No referido pedido, afirmaram os Requerentes a tempestividade do mesmo, alegando que o prazo para a sua apresentação terminaria no próprio dia 09 de Setembro de 2019, nos termos do disposto nos artigos 97.º e 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo em consideração que a notificação da decisão de indeferimento ocorreu a 11 de Junho de 2019.

16. Na Resposta, a AT vem alegar a caducidade do direito de ação dos Requerentes, referindo que, no pedido de pronúncia arbitral, é pedida “a anulação das liquidações de IMT, pelo que, o objeto dos presentes autos é a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de IMT do ano de 2017, e não os atos de indeferimento das reclamações graciosas, nem de recurso hierárquico, que consubstanciam atos diferentes no conteúdo, na forma e nos requisitos legais.”

17. Os referidos atos de liquidação foram notificados aos Requerentes a 5 de novembro de 2017, com um prazo para pagamento estipulado em 30 dias.

18. De acordo com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, o pedido de constituição do tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

19. A Requerida, por entender que o objeto do pedido de pronúncia arbitral se cinge aos atos de liquidação de IMT notificados aos Requerentes, entende estar há muito caducado o direito de ação dos mesmos.

20. Com efeito, caso o objeto do pedido de pronúncia arbitral fosse única e exclusivamente a ilegalidade dos atos de liquidação de IMT sub judice, não se poderia chegar a outra conclusão que não a da intempestividade do pedido.

21. No entanto, cumpre referir, desde já, que não se perfilha o entendimento da AT, pelas razões que se passam a expor.

22. Em primeiro lugar, e muito embora os Requerentes tenham apenas incluído no pedido, a final, a “anulação das liquidações de IMT, constantes dos ofícios 995 e 996, de 5 de Dezembro de 2017, com fundamento na violação do Direito de Audição Prévia”, a verdade é que no articulado do pedido de pronúncia arbitral existe referência expressa à impugnação das decisões proferidas no âmbito da Reclamação Graciosa n.º ...2018... e do Recurso Hierárquico n.º ...2019... .

23. Com efeito, logo no ponto 3.º do pedido de pronúncia arbitral, inserido no 2.º subtítulo do articulado (“Objeto da Impugnação”), os Requerentes referem que as referidas liquidações “foram objeto de decisão de indeferimento no processo de reclamação graciosa ...2018..., confirmada no processo de Recurso Hierárquico n.º ...2019..., as quais também se impugnam.”

 

24. Na verdade, a própria Requerida reconheceu esta realidade ao deduzir Resposta, referindo no respetivo ponto 5.º que os Requerentes “também impugnam a decisão de indeferimento da Reclamação graciosa n.º ...2018..., confirmada no processo de Recurso Hierárquico n.º ...2019...”, referindo embora que se abstiveram de as incluir no pedido. 

 

25. Neste sentido, e tendo em vista solucionar a presente questão, passará a citar-se, por merecer a concordância deste Tribunal Singular, a douta argumentação aduzida pela Presidente do Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 343/2019-T que, na respetiva decisão, publicada a 08 de janeiro de 2020, referiu, em sede de voto de vencida:

“ (…)

3. Resulta do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, que o prazo para impugnar, nas situações em que houve reclamação graciosa ou recurso hierárquico seguidos de decisão expressa, se conta da notificação desta última decisão e não do termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação.

4. É, pois, da data da notificação do ato decisório de segundo grau – in casu o despacho de indeferimento da reclamação graciosa – que, de acordo com a lei, se conta o prazo para a propositura da ação arbitral.

5. Solução idêntica é afirmada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.05.2017, processo n.º 01609/13, em relação ao processo de impugnação judicial, no qual se suscita a mesma questão. Conclui este aresto que “Sempre que o contribuinte opte por deduzir reclamação graciosa contra o ato de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento EXPRESSO ou silente dessa reclamação.”

(…)

7. A posição que fez vencimento considera que o facto de a Requerente não ter requerido de forma expressa a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, implica que está apenas em causa um pedido de anulação do ato de liquidação de IMT e não do ato de segundo grau que o confirmou (o citado despacho de indeferimento) e que, por essa razão, o prazo se há-de contar com referência a esse ato de liquidação, ou dito de outro modo, com referência ao termo do prazo para pagamento voluntário do imposto, que, a ser assim, teria expirado, sendo a ação extemporânea, como foi decidido.

8. Porém, tal solução desatende as diversas referências expressas que a Requerente sucessivamente faz no seu articulado inicial à decisão de indeferimento da reclamação graciosa que juntou aos autos e que inclusivamente delimita ex professo como objeto da ação, permitindo inferir com razoável segurança que não se conforma com a mesma e que está implicada no pedido anulatório do ato de liquidação a invalidade do ato de segundo grau que o confirmou. Por outro lado, na dúvida sobre se o pedido abrangeria a invalidação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, sempre a mesma se poderia dissipar com um convite ao aperfeiçoamento, conforme previsto pelo artigo 18.º do RJAT e pela generalidade dos códigos de direito adjetivo (a título de exemplo, referem-se os artigos 87.º do CPTA e 590.º do CPC).

9. Acresce que este entendimento é o que melhor se coordena com princípio constitucional da plenitude da tutela judicial efetiva, subjacente ao artigo 7.º do CPTA, que privilegia uma interpretação favorável ao acesso ao Direito – pro actione – e postula a condução da lide processual em ordem à obtenção de uma pronúncia sobre o mérito das questões, não enredada em formalismos procedimentais e processuais (artigo 268.º, n.º 4 da CRP), como declarado pelo Acórdão do STA de 29 de janeiro de 2014, no processo n.º 01233/13.

10. Importa precisar que tal entendimento não comporta qualquer adição de uma nova causa de pedir, que continua concentrada nos vícios do ato de liquidação, ou de um pedido com consequências distintas da anulação do ato primário.

11. Como fundamenta a decisão arbitral no processo do CAAD n.º 336/2018-T, de 25.06.2019, que decidiu em sentido oposto idêntica questão, o objeto da reclamação graciosa reporta-se à liquidação impugnada. Assim, a reação à decisão de indeferimento da reclamação toma esta decisão por objeto imediato, mas o objeto mediato é, necessariamente, a própria liquidação.

12. Na conceção que preconizo, sem prejuízo de poderem ser expressamente impugnados, em simultâneo, ambos os atos, o de liquidação (mediatamente) e o de indeferimento (imediatamente), não se afigura sequer que isso seja indispensável.

13. Com efeito, de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, a jurisdição arbitral só tem competência material para apreciar a ilegalidade da liquidação, não os vícios do indeferimento de reclamações e recursos.

14. Neste sentido, CARLA CASTELO TRINDADE explica que “não são arbitráveis os vícios próprios dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do ato tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses atos de indeferimento só poderão ser «trazidos» para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do ato tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efetivamente, pretende impugnar pela via arbitral.” Ou seja, “O objeto do pedido de pronúncia arbitral será, então, a (i)legalidade do ato tributário de primeiro grau, independentemente de o sujeito passivo apontar como objeto da sua ação arbitral este (o ato de primeiro grau), ou o de segundo, isto sempre, desde que o de segundo aprecie a (i)legalidade do ato de primeiro grau.»” – in Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Almedina, 2014, p. 70.

15. São múltiplas as decisões arbitrais dos tribunais constituídos no CAAD que adotam este entendimento. Sem preocupações de exaustividade podem ver-se as proferidas nos seguintes processos: 282/2013-T, 272/2014-T, 419/2014-T, 664/2014-T, 124/2015-T, 161/2015-T, 652/2015-T, 117/2016-T, 140/2016-T, 592/2016-T, 713/2016-T, 57/2017-T, 336-2018-T e 359/2018-T.

16. Neste enquadramento, ao apreciar o indeferimento de uma reclamação graciosa que manteve uma liquidação cuja legalidade se contesta, o que materialmente se aprecia são os vícios da liquidação, em relação à qual aquele indeferimento se apresenta como ato de segundo grau. Por isso, mesmo a reação ao ato de segundo grau implica que é o ato primário que se pretende impugnar ainda – quando isso não seja, porventura, explicitado na própria reação (decisão arbitral n.º 336/2018-T).

17. E, inversamente, a reação ao ato primário, na sequência de um ato de segundo grau, implica que este é igualmente visado e deve ser removido da ordem jurídica porque os vícios do ato primário, por ele confirmado, o "contamina" - mesmo quando isso não seja porventura explicitado naquela reação (decisão arbitral n.º 336/2018-T).

18. Que a ação impugnatória tem por objeto o ato de liquidação tem sido, aliás, afirmado de forma reiterada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta, a título de exemplo, do recente Acórdão de 03.07.2019, no processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18, segundo o qual “o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação graciosa, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise”.

19. Entendimento que é de transpor para a ação arbitral, criada como alternativa ao processo de impugnação judicial, conforme manifestado ab initio na lei de autorização legislativa do regime da arbitragem em matéria tributária e concretizado na delimitação do seu domínio de competência material.

20. Em síntese, o artigo 10.º do RJAT não confere aos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD a competência para apreciação direta dos atos de segundo grau; é uma norma que, referindo embora esses atos, respeita exclusivamente ao termo inicial do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. A tempestividade afere-se, portanto, em relação a esses atos de segundo grau, mas a materialidade do litígio reporta-se a uma liquidação que aqueles atos se limitaram a confirmar, não consubstanciando pedidos distintos ou causas de pedir diferenciadas.

21. Logo, em bom rigor, e como acima referido, a Requerente não tem sequer de impugnar separadamente o indeferimento da reclamação graciosa no caso de não encontrar nele vícios próprios (já que como mero ato confirmativo ele é irrecorrível) – bastando porventura tornar explícita a sua reação a esse ato para mero efeito da tempestividade da reação ao ato de primeiro grau, a liquidação (decisão arbitral n.º 336/2018-T).

22. Tendo a Requerente referido, expressamente, que o objeto do pedido de pronúncia arbitral abrangia a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (introito e artigo 1.º do ppa), conclui-se, por direta aplicação do artigo 10.º, n.º 1, a) do RJAT, que o prazo para deduzir a ação arbitral não havia terminado quando foi apresentado o pedido, em 15.05.2019, pelo que este é tempestivo.” (sublinhado nosso)

26. À luz do exposto, e regressando ao caso sub judice, é entendimento deste Tribunal ser absolutamente clara a intenção dos Requerentes em impugnar, no presente processo, não apenas os atos de liquidação de IMT em causa, como também, e em paralelo, a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2019..., confirmatória da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2018... .

Pelo que,

27. Em respeito pelo princípio da economia processual, não se vislumbra necessidade de convidar os Requerentes a aperfeiçoar o pedido.

28. A decisão impugnada foi proferida a 04 de junho de 2019 e notificada aos Requerentes em 11 de junho de 2019, pelo que o último dia do prazo de 90 dias (artigo 102.º, n.º 1, alína a) do CPPT, por remissão do o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT) para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral foi o dia 09 de setembro de 2019, data em que veio efetivamente a ocorrer.

29. Em face do exposto, não procede a invocada exceção da caducidade do direito de ação dos Requerentes, sendo o pedido de pronúncia arbitral tempestivo.

 

30. Assim, encontra-se o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

III. Questão a decidir

31. A questão fulcral a apreciar e decidir, relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais apresentadas pelas partes, prende-se com saber se as liquidações de IMT supracitadas padecem do vício de ilegalidade que os Requerentes lhes apontam por violação do direito de audição prévia, isto é, se o indeferimento do requerimento de prorrogação do prazo para os Requerentes exercerem o seu direito de audição prévia padeceu de alguma ilegalidade, comprometendo, deste modo, a legalidade das liquidações de IMT subjacentes.

IV. Decisão da matéria de facto e sua motivação

A) Prova Documental

32. Examinada a prova documental produzida pelas partes, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

a)            Os Requerentes foram notificados, pelos ofícios n.º ... e n.º ... de 5 de novembro de 2017, para procederem ao pagamento do IMT devido pela aquisição do lote de terreno para construção inscrito sob o artigo matricial ... da Freguesia do ..., Concelho de Óbidos, correspondente a € 9.090,25 (nove mil e noventa euros e vinte e cinco cêntimos) cada, no prazo de 30 dias contados da data da assinatura do aviso de recepção.

 

b)           Em conjunto com os referidos ofícios, foram enviados aos Requerentes os documentos únicos de cobrança (“DUC”) n.º ... e n.º ..., válidos até 6 de dezembro de 2017.

 

c)            Em seguida, através dos ofícios n.º... e n.º ... de 14 de novembro de 2017, os Reclamantes foram notificados para, no âmbito dos referidos atos de liquidação do IMT, exercerem, querendo, o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias.

 

d)           Em 30 de novembro de 2017, os Requerentes apresentaram um requerimento solicitando, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 60.º da LGT, a prorrogação do prazo para apresentação de audição prévia até aos 25 dias, alegando residirem no Reino Unido e não ser a língua portuguesa a sua língua materna, e apenas nessa data lhes ter sido possível constituir mandatário em Portugal para os representar, não se encontrando, ao momento, “em condições para exercer condignamente o seu direito de participação”.

 

e)           Em 5 de dezembro de 2017, foram os Requerentes notificados do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo, com o fundamento de que o prazo concedido de 15 dias seria suficiente para ser exercido o respetivo direito de audição prévia.

 

f)            Na sequência do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo para exercerem o direito de audição prévia, os Requerentes foram notificados novamente para procederem ao pagamento das liquidações de IMT, utilizando os mesmos números de ofício n.º 995 e n.º 996, e a mesma data referida na alínea a) supra.

 

g)            Os ofícios reemitidos vinham acompanhados dos mesmos DUC referidos em b) supra, e por isso válidos até ao dia seguinte, 6 de dezembro de 2017, que os Requerentes alegaram ter recebido após a caducidade dos mesmos.

 

h)           Inconformados, os Requerentes apresentaram, em 26 de março de 2018, Reclamação Graciosa, alegando: (i) a preterição do direito de audição prévia, em face do indeferimento com fundamentação insuficiente do pedido de prorrogação do prazo, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 60.º da LGT; e também (ii) a irregularidade da notificação das liquidações, por falta de concessão de prazo para pagamento, uma vez que os referidos ofícios foram acompanhados das guias de pagamento do IMT anteriormente expedidas sem que, na prática, fosse concedido um prazo para pagamento.

 

i)             Em 30 de janeiro de 2019, os Requerentes foram notificados do despacho emitido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... –..., que indeferiu a Reclamação Graciosa.

 

j)             O referido despacho de indeferimento teve como fundamento: (i) a inexistência de qualquer violação do direito de audição, considerado-se o prazo inicialmente concedido de 15 dias como suficiente para exercer o direito de audição; (ii) terem os Requerentes sido notificados do projecto de liquidação e das liquidações de IMT efectuadas, constando das mesmas “as disposições legalmente aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, bem como o prazo para pagamento do imposto e os meios de defesa ao dispor do reclamante”; e (iii) a notificação mencionar o prazo de 30 dias para pagamento, não podendo os Recorrentes alegar que o prazo para pagamento tinha já expirado.

 

k)            Novamente inconformados, os Requerentes apresentaram Recurso Hierárquico com fundamento no incumprimento do dever de fundamentação por parte da AT, alegando também que esta incumpriu no seu dever de apreciar as questões colocadas.

 

l)             Em seguida, foram os Requerentes notificados do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, o qual manteve o sentido da decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa.

 

m)          Em face do exposto, vieram os Requerentes peticionar a constituição do presente tribunal arbitral, pedindo a condenação da Requerida com a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação e o correspondente reconhecimento ao direito à restituição dos valores já pagos e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

33. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

V.  Do Direito

A)           Quadro Jurídico

 

34. O princípio constitucional da democracia participativa manifesta-se no campo do direito tributário através do princípio da participação, consagrado no artigo 60.º da LGT, que dispõe que os contribuintes devem participar ativamente na formação das decisões que lhes digam respeito, nomeadamente, através do exercício do direito de audição.

35. Dispõe o n.º 1 do referido artigo da LGT:

“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a)            Direito de audição antes da liquidação;

b)           Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c)            Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d)           Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e)           Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.”

36. Ganha particular relevância, no contexto do caso concreto, o disposto na alínea a) desta norma.

37. No n.º 2 da mesma disposição estão previstos os casos em que há lugar a dispensa da audição prévia, a saber, no caso de a liquidação se efectuar com base em declaração do contribuinte ou em decisão de pedido, reclamação, recurso ou petição que lhe tenha sido favorável, ou no caso de liquidação oficiosa, baseada em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

 

38. Importa ainda mencionar, por ser relevante para o caso concreto, que o n.º 6 do mesmo artigo dispõe que o prazo para o exercício do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até um máximo de 25 dias, em função da complexidade da matéria.

39. Em face do exposto, o direito de audição prévia constitui uma formalidade essencial do procedimento de liquidação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, pelo que, sendo preterido fora das exceções previstas na lei, a liquidação será nula.

40. Aqui chegados, importa analisar os argumentos mobilizados pelas partes e, em seguida, apreciar e decidir. 

B)           Argumentos das Partes

 

41. Os Requerentes alegaram, em suma, quer em sede administrativa, quer em sede arbitral, que viram o seu direito de audição prévia negado, em virtude do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo para o respectivo exercício, de 15 dias para 25 dias, nos termos e para os efeitos do n.º 6 do artigo 60.º da LGT.

42. Neste sentido, os Requerentes começaram por alegar a não verificação de nenhum dos critérios de dispensa da audição prévia previstos no n.º 2 do artigo 60.º da LGT, uma vez que as liquidações sub judice não tiveram por base qualquer declaração dos contribuintes ou decisão de pedido, reclamação, recurso ou petição a eles favorável, nem se tratando de liquidação oficiosa, baseada em valores objetivos previstos na lei.

43. Ademais, os Requerentes referiram que o pedido de prorrogação do prazo apenas poderia ser indeferido se a simplicidade da matéria o permitisse.

44. Com efeito, os Requerentes consideraram que a matéria em causa era de complexidade elevada, tendo em conta serem cidadãos britânicos, residentes no Reino Unido, que não falam nem compreendem português, referindo ainda o hiato temporal decorrido desde a aquisição do imóvel que esteve na base das liquidações de IMT em causa, que ocorreu em 2009.

45. Por todo o exposto, consideraram os Requerentes que o indeferimento do referido pedido de prorrogação do prazo correspondeu a uma violação do seu direito de audição prévia, pelo que deveria ser determinada a anulação das liquidações de IMT em causa.

46. Em sentido divergente, a argumentação desenvolvida pela Requerida, ao deduzir Resposta, assentou essencialmente nos seguintes aspetos:

a)            Os Requerentes foram efetivamente notificados para exercerem o direito de audição antes da liquidação, tendo sido enviado, juntamente com as notificações, o projeto de liquidação devidamente fundamentado com as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação do facto tributário e as operações de apuramento da matéria tributável;

 

b)           O referido pedido foi indeferido através de despacho proferido em 05/12/2017, por ter sido considerado suficiente o prazo concedido de 15 dias, atendendo à alegada simplicidade da matéria em causa;

 

c)            É competência da entidade que dirige o procedimento definir o prazo que considera suficiente para o exercício do direito de audição;

 

d)           Os Requerentes alegaram, no requerimento de prorrogação, apenas o desconhecimento da língua portuguesa, vindo apenas alegar a complexidade da matéria em causa em sede arbitral;

 

e)           As notificações tendentes a exercer o direito de audição foram enviados para quem se encontrava designado como representante dos Requerentes em Portugal, pelo que o argumento de que não conheciam a língua Portuguesa não era suficiente para requerer um prazo mais alargado; e

 

f)            Não haveria qualquer fundamento legal para a prorrogação, para além do facto dessa decisão se encontrar no âmbito dos poderes de direção do chefe do Serviço de Finanças, pelo que os actos de liquidação em causa não padecem de nenhuma das ilegalidades que lhes foi apontada.

 

47. Em face do exposto, conclui a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado

improcedente, devendo ser mantidas na ordem jurídica as liquidações de IMT sub judice.

 

C)           Apreciação

 

48. Os Requerentes pedem a declaração de ilegalidade das decisões administrativas antecedentes ao pedido de constituição de tribunal arbitral, assim como a anulação das liquidações de IMT sub judice, com fundamento na alegada violação do seu direito de audição prévia, em função do indeferimento, por parte da Requerida, do requerimento de prorrogação do prazo para o respectivo exercício, submetido a 30 de novembro de 2017.

 

49. A Requerida, apesar dos argumentos mobilizados pelos Requerentes, entendeu não se verificarem os requisitos necessários à prorrogação, de 15 dias para 25 dias, do prazo para exercício do direito de audição prévia.

 

50. Tendo em consideração a matéria de facto controvertida e os argumentos de direito esgrimidos pelas partes, cumpre referir, desde já, que este Tribunal Singular não subscreve a motivação que a Requerida alega ter estado na base do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo efetuado pelos Requerentes.

 

51. Com efeito, os Requerentes são cidadãos britânicos, não residem em Portugal e a língua portuguesa não é a sua língua materna, razões que se deveriam ter por suficientes para justificar a mera prorrogação do prazo de exercício do direito de audição prévia de 15 para 25 dias, conferindo assim aos Requerentes a janela temporal necessária para exercerem o seu direito ao contraditório em pleno, evitando que o mesmo pudesse ser posto em causa.

 

52. Assim, não se vislumbra que, para o efeito, seja razoável recusar, a contribuintes residentes no Reino Unido, ou em qualquer outro país estrangeiro, a concessão de um prazo (ligeiramente) superior ao prazo que é concedido a cidadãos residentes em território nacional.

 

53. Sem prejuízo do que se acabou de afirmar, importa referir que, conforme referido pela Requerida na Resposta, a decisão quanto à prorrogação, ou não, do prazo para exercício do direito de audição cabe à entidade que dirige o procedimento, por muito que esta decisão possa merecer, no caso concreto, a censura deste Tribunal Singular.

 

54. Ademais, os Requerentes foram efetivamente notificados, e de forma atempada, do prazo para pagamento das liquidações de IMT sub judice, devendo estar cientes da real possibilidade do requerimento para prorrogação do prazo para exercício do direito de audição ser indeferido pela entidade competente.

 

Pelo que,

 

55. Não assiste razão aos Requerentes quanto à ilegalidade do indeferimento do referido requerimento.

 

Contudo,

 

56. Dos factos dados como provados no presente processo chegou ao conhecimento deste Tribunal Singular uma questão que, embora não invocada pelas partes, é de conhecimento oficioso e não poderá deixar de ser apreciada, tendo em conta a sua relevância para a solução da causa decidenda.

 

D)           Da caducidade do direito à liquidação

 

57. Os projectos de liquidação de IMT em causa nos presentes autos dizem respeito à aquisição, pelos Requerentes, do lote de terreno para construção inscrito sob o artigo matricial ... da Freguesia do ..., Concelho de Óbidos, ocorrida a 18 de dezembro de 2009.

 

58. Por ocasião da referida aquisição foi liquidado, em 14 de dezembro de 2009, o DUC..., com isenção total de IMT, tendo beneficiado da isenção prevista no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05 de dezembro.

 

59. Em 05 de novembro de 2017, os Reclamantes foram notificados para proceder ao pagamento do IMT devido pela aquisição do referido lote, tendo os serviços da Requerida entendido, a esta data, que a referida isenção, concedida em 2009, havia sido indevidamente aplicada.

 

60. Ora, nos termos do artigo 35.º do Código do IMT, conjugado com o n.º 1 do artigo 45.º da LGT, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT é de 8 anos a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.

 

61. Esta regra é, porém, contrariada pela disposição especial constante do n.º 3 do artigo 31.º, que dispõe que, no caso de liquidação adicional, esse prazo será de 4 anos, contados da liquidação a corrigir.

 

62. Neste sentido, importa saber se as liquidações em causa nos presentes autos configuram verdadeiras liquidações adicionais ou se, pelo contrário, não assumem essa natureza, uma vez que, à data das notificações expedidas aos Requerentes para pagamento de IMT, a 05 de novembro de 2017, já haviam passado mais 4 anos, e menos de 8 anos, sobre a liquidação de IMT referida no ponto 58 supra.

 

63. Assim, importa notar que os serviços da Requerida, na própria fundamentação que acompanhou as liquidações notificadas aos Requerentes, a 05 de novembro de 2017, referem o seguinte:

 

“Conforme DUC ... (declaração de IMT), emitido em 2009/12/14, beneficiou o SP, no ato de aquisição do Imóvel, da isenção a 100%, da totalidade do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), de acordo com o previsto no Artigo 20.º do DL n.º 423/83 de 05/12, que legisla a atribuição da “utilidade turística” e os benefícios inerentes e essa qualidade.”

 

64. Deste modo, é a própria Requerida que reconhece, sem margem para dúvidas, a existência de um acto de liquidação de IMT com coleta zero.

 

65. Cumpre mencionar que esta questão foi analisada em detalhe no âmbito da decisão do processo arbitral que correu termos junto do CAAD com o n.º 379/2015-T, proferida a 27 de fevereiro de 2016, e cujo douto raciocínio, por merecer a concordância deste Tribunal Singular, se passa a reproduzir:

 

“Como se pode verificar, a situação dos autos nada tem que ver com aquelas em que nunca houve qualquer liquidação de imposto, tendo o reconhecimento da isenção fiscal sido feito pelo notário interveniente na respectiva escritura pública e pelo conservador que procedeu ao competente registo. Na verdade, não parece defensável atribuir a esse reconhecimento notarial ou registral a natureza de acto tributário, muito menos a vocação dum acto de liquidação em sentido próprio. Nessas situações, portanto, tem sido considerado que a liquidação motivada pela constatação do erro em que se traduz o reconhecimento de um benefício que se julga afinal inaplicável não é uma liquidação adicional em sentido próprio, por não haver nenhuma liquidação anterior a que ela possa acrescer. E, se assim é, não pode aplicar-se o prazo de caducidade do direito à liquidação constante do n.º 3 do art.º 31.º do CIMT.

 

Ora, é diferente, como se disse, a situação a que se reportam os presentes autos. Nela é clara a existência de um prévio acto de liquidação, promovido por quem tem competência para a sua prática. Nesse acto de liquidação, praticado no dia 23.02.2010, entendeu a Requerida que a transacção era beneficiária de uma isenção que veio a considerar depois não ser afinal aplicável. Contudo, é forçoso reconhecer que entre o dia 23.02.2010 e o dia 07.01.2015 nada de relevante ocorreu quanto ao conhecimento que da situação fazia a Requerida. O mesmo é dizer que a Requerente, por sua iniciativa, levou à presença da Requerida todos os elementos de que ela precisava para fazer uma correcta interpretação da lei, fazendo-a aplicar adequadamente.

 

Como é evidente, os actos tributários uma vez praticados não ganham a aura da eternidade. Estão desde logo, como é sabido, sujeitos a revisão. Contudo esta evidência não infirma outra: a de que o decurso do tempo condiciona o exercício de direitos, sendo esse condicionamento uma das manifestações do princípio da segurança jurídica.

 

No caso vertente, não estamos perante uma isenção que, sem mais, ficou “sem efeito”, como se lê no n.º 1 do art.º 35.º do CIMT. Estamos antes diante de uma tentativa por parte da Requerida de corrigir um erro que ela própria cometeu aquando da prática do acto de liquidação que agora pretende ver substituído por outro que faça uma correcta aplicação da lei. Ou seja, a Requerida entende que laborou em erro quando, ao proceder à liquidação de IMT em 2010, considerou a transmissão em causa isenta do imposto. É justamente a situações como esta que se aplica o n.º 3 do art.º 31.º do CIMT.

 

Parece pois a este tribunal arbitral que, no caso em apreço, o prazo de caducidade do direito à liquidação de IMT é de 4 anos, contados da prática do acto de liquidação a corrigir, razão por que a liquidação adicional promovida pela Requerida no dia 17.03.2015 não pode subsistir na ordem jurídica, por extemporânea.”

 

66. Tomando em consideração o raciocínio que se acabou de expôr, fica claro que, no caso em análise, existiu um ato prévio de liquidação, promovido em 2009 por quem teve a competência para a sua prática.

 

Pelo que,

 

67. Também nos presentes autos estamos perante uma tentativa de correção, da parte da Requerida, de um erro por esta cometido aquando da prática do ato de liquidação original, tendo assim aplicação o prazo de 4 anos previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT.

 

68. Com efeito, cumpre salientar, apesar de notório, que a 05 de novembro de 2017 estava já há muito ultrapassado o referido prazo de 4 anos.

 

69. Por todo o exposto, torna-se evidente que os atos de liquidação sub judice não poderão subsistir na ordem jurídica, em função da caducidade do respetivo direito.

 

VI. Decisão

70. Nestes termos, decide este Tribunal Singular:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade dos dois atos de liquidação de IMT sub judice, no valor de € 9.090,25 cada e no montante total de € 18.180,50, emitidos pelo Serviço de Finanças de ... e, bem assim, dos atos de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º ...2018... e do Recurso Hierárquico n.º ...2019..., apresentados sobre as referidas liquidações;

 

b)           Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente pelo montante por esta pago, porque indevidamente exigido; e

 

c)            Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso.

71. Mais se entende, em virtude do teor da presente decisão, ser de dispensar a produção da prova testemunhal solicitada pelos Requerentes, ao abrigo do princípio da livre apreciação de prova plasmado no n.º 1 do artigo 19.º do RJAT e no artigo 50.º do CPPT.

VII. Valor do processo

72. De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do Código do Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 18.180,50 (dezoito mil cento e oitenta euros e cinquenta cêntimos).

VIII. Custas

73. Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 18 de junho de 2020

 

O Árbitro

 

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(Sérgio Santos Pereira)