Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 594/2020-T
Data da decisão: 2021-06-07  IRS  
Valor do pedido: € 14.544,17
Tema: IRS: (Mais-valias) – Residente em Estado-Membro da União Europeia; Artigo 43.º, n.º 2 do CIRS vs. Artigo 63.º do TFUE
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DECISÃO ARBITRAL

      

SUMÁRIO:

I - Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no artigo 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.

II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termos do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

1 - Relatório

  1. – A…, de nacionalidade espanhola, contribuinte n.º …, residente em …, …, …, …, Espanha, doravante designada por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

  1. - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 4 de novembro de 2020, tem por objeto a declaração de ilegalidade parcial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020 ..., efetuada pela “AT” com referência ao ano de 2019, no montante 29 106,54€ (vinte e nove mil, cento e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), com data limite de pagamento em 8 de setembro de 2020. 

 

  1. – Com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente juntou seis documentos bem como a respetiva procuração forense.

 

1.4 - A Requerente optou por não designar árbitro.

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 10 de novembro de 2020.

 

1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 12 de agosto de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 27 de janeiro de 2020.

 

1.9 - A AT foi notificada, por despacho arbitral da mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.11 – Em 4 de maio de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência, por não provada, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação, com a consequente absolvição do pedido, optando por não juntar o PA.

 

1.12 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 5 de maio de 2021, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma bem como a apresentação de alegações, uma vez que as questões estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes  

 

1.13 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Os sujeitos passivos não residentes em território português apenas estão sujeitos a tributação em sede de IRS em Portugal relativamente aos rendimentos de fonte portuguesa (artigo 15.º, n.º 2 do Código do IRS).

Para o efeito, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS, consideram-se rendimentos de fonte portuguesa, designadamente, os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.

Relativamente à tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de imóveis, os sujeitos passivos residentes em território português estão sujeitos às taxas gerais progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, enquanto os sujeitos passivos não residentes estão sujeitos a tributação à taxa especial de 28%, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, no caso das transmissões onerosas de direitos sobre bens imóveis efetuadas por residentes, o referido saldo, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

Porém a AT considera que este preceito não se aplica a cidadãos não residentes, pelo que procedeu ao cálculo do imposto através da aplicação da taxa especial de 28% sobre a totalidade do valor da mais-valia obtida.

Este entendimento consagra uma discriminação entre cidadãos residentes e cidadãos não residentes, além de uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Para sustentar a sua posição, a Requerente faz referência, entre outros, aos seguintes acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE):

- de 11-10-2007, processo n.º C-443-06 (Erika Waltraud Ilse Hollmann contra Fazenda Pública), segundo o qual “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”; e

- de16-03-1999, processo C-222/97 (Trummer e Mayer).

Bem como aos seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA):

- de 03-02-2016 (processo n.º 01172/14), segundo o qual “I - As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

II - É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional”;

 

- de 22-03-2011 (Processo n.º 1031/10), segundo o qual “Não pode acolher-se a pretensão da recorrente de, por Acórdão, se aplicar à liquidação sindicada a legislação fiscal prevista para os residentes em Portugal, ao caso em análise, no seu todo, o que implica a utilização da tabela de taxas gerais prevista no art. 68.º do CIRS, atenta a natureza meramente anulatória da impugnação judicial e o carácter de revista do presente recurso jurisdicional, no qual a questão da aplicação das taxas gerais previstas no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS aos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos em Portugal por um não residente surge como questão inteiramente nova”.

E aos acórdãos de 16-01-2008 (processo n.º 439/06); de 30-04-2013 (processo n.º 1374/12); de 18-11-2015 (processo n.º 0699/15); e de 03-02-2016 (processo n.º 1172/14).

Refere ainda as decisões dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), prolatadas em 05-07-2012 (processo n.º 45/2012-T); 14-05-2013 (processo n.º 127/2012-T); 27-07-2016 (748/2015-T); 05-07-2017 (processo n.º 89/2017-T); 30-05-2018 (processo n.º 644/2017); 04-06-2018 (processo n.º 520/2017-T); 22-06-2018 (processo n.º 617/2017-T) e 30-07-2020 (processo n.º 904/2019). 

Quanto ao primado do Direito da União Europeia sobre o Direito interno dos Estados membros refere os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 15-07-1964, processo n.º C-6/64 (Costa c. ENEL) e de 22-06-1989, processo C-103/88 (Fratelli Costanzo).

 

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação parcial do ato de liquidação do IRS relativo ao exercício de 2018, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pelo artigo 43.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, com o aditamento dos n.ºs 7 e 8 (posteriormente renumerados em 9 e 10) veio adequar plenamente a legislação nacional ao direito comunitário, isto porque os referidos preceitos, em consonância com o ponto 40 do acórdão do TJUE de 11-10-2007, processo n.º C-443-06 (Erika Waltraud Ilse Hollmann), que refere “Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE”, passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não apenas para os residentes em Portugal, mas também para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

Razão pela qual, a referida alteração ao artigo 72.º do Código do IRS, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão, conforme artigo 61 do decisório, a saber: «61 - Face às considerações expostas, importa responder à questão colocada que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

Assim a Requerida entende que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão Hollmann, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72.° do Código do IRS pelo artigo 43.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, vindo deste modo permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.

Que a referida alteração legislativa não foi alvo, ainda, de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A Requerente poderia ter optado pelo regime previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º e não o fez. 

Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito ou, a título subsidiário, a suspensão da instância arbitral sujeitando a questão ao TJUE, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE).

 

 

2. Saneamento

2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

                

2.2 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

2.4 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente, de nacionalidade espanhola, no ano de 2019 residia em Espanha, mais precisamente em …, …, …, …, Espanha, cfr. documento n.º 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  2. Em 12 de agosto de 2011, faleceu B..., contribuinte n.º ..., residente que foi em ..., Espanha, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com C..., contribuinte n.º …, tendo-lhe sucedido, além da Requerente, outros três herdeiros, sendo de ¼ o quinhão hereditário de cada, cfr. documento n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  3. Da herança ilíquida e indivisa faz parte um prédio urbano sito na ..., tornejando para a ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., com o valor patrimonial total de 31 685,26€, cfr. documento n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  4. O referido prédio, no regime de propriedade total, era constituído por seis andares ou divisões com utilização independente com os seguintes valores patrimoniais, cfr. documento n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:

Andares ou divisões com utilização independente

Valor patrimonial tributário VPT

R/C Dt.º

7 100,76€

R/C Esq.º

4 933,86€

1.º Dt.º

5 590,63€

1.º Esq.º

3 727,21€

2.º Dt.º

4 933,86€

2.º Esq.º

5 398,94€

TOTAL   ---------------------------------------------      31 685,26€

 

  1. Nos termos da apresentação n.º …, de 05-11-2018, o referido prédio passou ao regime da propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da freguesia de ...e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de 56 670,00€, cfr. documento n.º 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
  2.  No regime da propriedade horizontal, o andar correspondente ao 1.º Dt.º passou a constituir a fração autónoma identificada pela letra “C”, com o valor patrimonial de 56 670,00€, com o registo de aquisição sem determinação de parte ou direito a favor de todos os herdeiros, conforme apresentação n.º ..., de 12-03-2012, cfr. documento n.º 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
  3. Enquanto o andar correspondente ao 2.º Dt.º passou a constituir a fração autónoma identificada pela letra “E”, com o valor patrimonial de 56 670,00€, com o registo de aquisição sem determinação de parte ou direito a favor de todos os herdeiros, conforme apresentação n.º ..., de 12-03-2012, cfr. documento n.º 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
  4. Em 17 de setembro de 2019, a Requerente bem como os restantes herdeiros, venderam a fração autónoma identificada pela letra “E” do prédio supra referido, a D..., contribuinte n.º ..., pelo preço de 220 000,00€, cfr. documento n.º 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
  5. E em 26 de novembro de 2019, os mesmos herdeiros venderam a fração autónoma identificada pela letra “C” do citado prédio a E..., contribuinte n.º ... e R..., contribuinte n.º ..., pelo preço de 235 000,00€, cfr. documento n.º 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
  6.  Em 6 de maio de 2020 a Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019, com a identificação ...-J...-..., bem como dos anexos “F” (relativo a rendimentos prediais” e “G” (relativo a mais-valias e outros incrementos patrimoniais), cfr. documento n.º 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
  7. A declaração foi entregue pela Requerente no estado civil de “solteiro, divorciado ou separado judicialmente” (quadro 4, campo 03), e na condição de não residente em território português (quadro 8-B, campo 04), porque residente em país da EU (União Europeia) ou EEE (Espaço Económico Europeu), ou seja, em Espanha, a que corresponde o código “724” (quadro 8-B, campo 06). Mais declarou pretender ser tributada pelo regime geral (quadro 8-B, campo 07), cfr. declaração supra referida, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  8. No quadro 4 do anexo “G”, destinado a declarar a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS) fez constar o seguinte:
  1. Que o bem imóvel inscrito sob o artigo …-A (1.º Dt.º) na freguesia com o código ..., a que corresponde o distrito de Lisboa, concelho de Lisboa, freguesia de ..., na quota-parte de 25,00%, foi adquirido em novembro de 2011 com o valor patrimonial de 1 397,66€, e alienado em novembro de 2019 pelo valor de 58 750,00€. Foi ainda declarado o montante de 3 613,13€ correspondente a despesas e encargos, cfr. anexo “G” à declaração modelo 3 antes referida, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  2. Que o bem imóvel inscrito sob o artigo …-A (2.º Dt.º) na freguesia com o código ..., a que corresponde o distrito de Lisboa, concelho de Lisboa, freguesia de ..., na quota-parte de 25,00%, foi adquirido em novembro de 2011 com o valor patrimonial de 1 307,47€, e alienado em outubro de 2019 pelo valor de 55 000,00€. Foi ainda declarado o montante de 3 382,50€ correspondente a despesas e encargos, cfr. anexo “G” à declaração modelo 3 antes referida, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação do IRS respeitante à declaração apresentada, relativa ao ano de 2019, no montante de 29 106,54€, com o n.º 2020 ..., cfr. documento n.º 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
  2. A respetiva nota de cobrança foi emitida com data limite para pagamento em 08-09-2020, sendo o pagamento efetuado nessa data, cfr. documento n.º 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
  3. Em 4 de novembro de 2020 a Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a), número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que deu origem ao presente processo, peticionando a anulação parcial da liquidação antes referida, com o consequente reembolso no montante de 14 544,17€, bem como dos competentes juros indemnizatórios à taxa legal de 4%, desde a data do pagamento até à data do efetivo e integral reembolso.

 

3.2 Factos não provados 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que corresponde ao artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia), por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade parcial da liquidação impugnada; e

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

**

4.1 - Da (i)legalidade parcial da liquidação impugnada

No ano de 2019, a Requerente, de nacionalidade espanhola, residia em Espanha, mais precisamente em …, …, …, Málaga.

Em 12 de agosto de 2011, faleceu B..., contribuinte n.º ..., residente que foi em ..., Espanha, tendo-lhe sucedido, além da Requerente, outros três herdeiros, sendo de ¼ o quinhão hereditário de cada.

Da herança ilíquida e indivisa fazia parte um prédio urbano sito na ..., tornejando para a ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., com o valor patrimonial total de 31 685,26€.

O referido prédio, no regime de propriedade total, era constituído por seis andares ou divisões com utilização independente com os seguintes valores patrimoniais.

Andares ou divisões com utilização independente

Valor patrimonial tributário VPT

R/C Dt.º

7 100,76€

R/C Esq.º

4 933,86€

1.º Dt.º

5 590,63€

1.º Esq.º

3 727,21€

2.º Dt.º

4 933,86€

2.º Esq.º

5 398,94€

TOTAL   ---------------------------------------------      31 685,26€

 

Nos termos da apresentação n.º …, de 05-11-2018, o referido prédio passou ao regime da propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da freguesia de ...e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de 56 670,00€.

No regime da propriedade horizontal, o andar correspondente ao 1.º Dt.º passou a constituir a fração autónoma identificada pela letra “C”, com o valor patrimonial de 56 670,00€, com o registo de aquisição sem determinação de parte ou direito a favor de todos os herdeiros, conforme apresentação n.º ..., de 12-03-2012.

Enquanto o andar correspondente ao 2.º Dt.º passou a constituir a fração autónoma identificada pela letra “E”, com o valor patrimonial de 56 670,00€, com o registo de aquisição sem determinação de parte ou direito a favor de todos os herdeiros, conforme apresentação n.º ..., de 12-03-2012.

Em 17 de setembro de 2019, a Requerente bem como os restantes herdeiros, adquirentes por via sucessória, venderam a fração autónoma identificada pela letra “E” do prédio supra referido, a D..., contribuinte n.º ..., pelo preço de 220 000,00€,

E em 26 de novembro de 2019, venderam a fração autónoma identificada pela letra “C” do citado prédio a E..., contribuinte n.º ... e R..., contribuinte n.º ..., pelo preço de 235 000,00€.

No quadro 4 do anexo “G”, destinado a declarar a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS) a Requerente fez constar que o 1.º Dt.º do referido prédio, adquirido por via sucessória em 12 de agosto de 2011, com o valor patrimonial de 1 397,66€, foi alienado onerosamente em novembro de 2019 pelo valor de 58 750,00€, declarando ainda o montante de 3 613,13€ relativo a despesas e encargos, tudo correspondente à respetiva quota-parte de 25%.

Também o 2.º Dt.º do mesmo prédio, com o valor patrimonial de 1 397,66€, foi alienado onerosamente em outubro de 2019 pelo valor de 55 000,00€, tendo sido declarado o montante de 3 613,13€ relativo a despesas e encargos, tudo correspondente à respetiva quota-parte de 25%.

 

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reis sobre bens imóveis.

O ganho sujeito a IRS é constituído, nos termos da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 10.º do referido código, pela diferença entre os valores de realização e o de aquisição, previstos, respetivamente, nos artigos 44.º e 45.º a 49.º do mesmo código, sendo que este valor é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação, conforme n.º 1 do artigo 50.º do CIRS.

A Portaria n.º 362/2019, de 9 de outubro, fixou em 1,06 o coeficiente de desvalorização da moeda a aplicar aos bens e direitos alienados durante o ano de 2019 e adquiridos no ano de 2011.

 Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.

Porém no caso das transmissões onerosas de direitos sobre bens imóveis efetuadas por residentes, o referido saldo, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

No caso de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português, cfr. preceitua o n.º 2 do artigo 15.º do mesmo código, considerando-se rendimentos de fonte portuguesa, nos termos da alínea h), do n.º 1 do artigo 18.º deste código, os respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.

   Os sujeitos passivos residentes em território português estão sujeitos às taxas gerais progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, enquanto os sujeitos passivos não residentes estão sujeitos a tributação à taxa autónoma especial de 28%, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.

Quanto às taxas especiais dos não residentes, ou melhor, dos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, como a Espanha, o artigo 43.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, aditou ao artigo 72.º do Código do IRS os n.ºs 7 e 8, posteriormente renumerados em 9 e 10, com o seguinte teor: 

“N.º 9 – Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia (…) podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) (...), (esta alínea refere-se às mais-valias), pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 – Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.    

 

Assim, considerando a existência de rendimentos de fonte portuguesa (mais-valias resultantes da transmissão de imóveis situados em território português), a Requerente, em 9 de maio de 2020, procedeu à apresentação da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019, com a identificação ...-J...-..., bem como do anexo “G” relativo a mais-valias e outros incrementos patrimoniais (além do anexo “F” referente a rendimentos prediais.

Na declaração modelo 3 fez constar o seu estado civil de solteira, divorciada ou separada judicialmente (quadro 4, campo 03); e não sendo residente em território português (quadro 8-B, campo 04), tinha a residência em país da EU (União Europeia), ou seja, em Espanha, a que corresponde o código “724” (quadro 8-B, campo 06). Mais declarou pretender ser tributada pelo regime geral (quadro 8-B, campo 07).

No quadro 4 do anexo “G”, destinado a declarar a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS), e face ao disposto no artigo 19.º do Código do IRS, respeitante à contitularidade de rendimentos, conjugado com o n.º 1 do artigo 2139.º do Código Civil, segundo o qual, a partilha entre os cônjuges e os filhos faz-se por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros, ressalvado o facto de a quota do cônjuge não poder ser inferior a uma quarta parte da herança, declarou os valores de realização e aquisição e as despesas e encargos pela quota-parte de 25% .

Pelo que fez constar da declaração a alienação das seguintes frações autónomas, na quota-parte de 25%, do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal inscrito na freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo …:

Fração autónoma identificada pela letra “C”, alienada em novembro de 2019, pelo valor de 58 750,00€, adquirida por via sucessória em novembro de 2011, com o valor de 1 397,66€, ascendendo as despesas e encargos previstos no artigo 51.º do Código do IRS, ao montante de 3 613,13€; e

Fração autónoma identificada pela letra “E”, alienada em outubro de 2019, pelo valor de 55 000,00€, adquirida por via sucessória em novembro de 2011, com o valor de 1 307,47€, ascendendo as despesas e encargos previstos no artigo 51.º do Código do IRS, ao montante de 3 382,50€.

 

A liquidação do IRS, no montante de 29 106,54€ (correspondendo 29 088,34€ a mais-valias e 18,20€ a rendimentos prediais), foi efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com o n.º 2020..., nos seguintes termos, considerando apenas a relativa a mais-valias:

 [113 750,00€ «valor de realização» – (2 867,44€ «valor de aquisição atualizado pelo coeficiente de desvalorização da moeda fixado pela Portaria n.º 362/2019, de 09-10, em 1,06» + 6 995,50€ «despesas e encargos») x 28% (taxa prevista na alínea a), n.º 1 do artigo 72.º) = 29 088,34€]

Porém se a Requerente residisse no território português a mais-valia seria considerada para efeitos de tributação em IRS, em 50% (metade) do seu valor, por força do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, ou seja, apenas, em 51 943,47€.

Verifica-se, deste modo, uma indubitável discriminação negativa entre os sujeitos passivos residentes num Estado Membro (no caso Portugal) e os residentes noutro Estado Membro, como a Espanha, proibida pelo Direito Comunitário.

Refira-se que tanto Portugal como Espanha são Estados-Membros da União Europeia desde 1 de janeiro de 1986.  

O artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (ex-artigo 56.º TCE) estabelece o seguinte:

“1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.

 

Por acompanharmos a decisão de 08-04-2019, proferida no Processo Arbitral n.º 600/2018-T do CAAD, respeitante a matéria idêntica à dos presentes autos, passamos a transcrever o seguinte excerto da mesma:

“O TJUE considerou incompatível com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), (e em 2018 também), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.

Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais (…) um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

Esta jurisprudência foi recentemente reafirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

No entanto, esta última decisão foi também proferida tendo como pressuposto a redação do artigo 72.º introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, anterior à Lei n.º 67-A/2007.

Com efeito o TJUE entendeu naquele acórdão do processo C-443/06, que o essencial da incompatibilidade do regime do artigo 71.º, n.º 1, com o direito de União resulta de instituir «um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais-valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável» (§ 54).

 

Na mesma linha, decidiu o TJUE no acórdão de 19-11-2015, processo C-632/13 (Skatteverket contra Hilkka Hirvonen) que «a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21.º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeitos a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhes são assimiladas, cuja situação seja comparável à sua».

Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação à Requerente do regime que lhes foi aplicado.

O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias, mesmo considerando o acréscimo máximo de 5% previsto no artigo 68.º-A a título de taxa adicional de solidariedade), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo”.

Na verdade, ao rendimento coletável da Requerente, no valor de 103 886,93€, correspondeu IRS no valor de 29 088,34€ à taxa de 28%, aplicável aos não residentes, enquanto aplicando as taxas previstas no artigo 68.º do Código do IRS a metade daquele rendimento coletável (51 943,47€), o IR a pagar seria de 17 417,90€ (36 856,00€ x 28,838%) + (15 087,47€ x 45%).

Continuando a transcrição de parte da referida decisão arbitral: (…) Assim, é seguro que o regime de tributação da taxa liberatória prevista no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017 (e em 2019 também), é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.

Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado nas liquidações impugnadas.

O facto de actualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.

Para além disso, na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação».

 

No mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:

“ (…) 62. Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta, contudo, da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.º 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte”.

 

Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:

“ (…) 42. Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C 168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida)”.

Alega a AT que a solução adotada no artigo 72º, nºs 8 a 10 é suficiente, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.

Assim, não temos dúvida que a solução adotada pelo legislador português não elimina o caráter discriminatório no tratamento de residentes e não residentes, em matéria de mais-valias decorrentes de alienação de imóveis.

 

Também por acompanharmos a decisão de 15-04-2019, proferida no Processo Arbitral n.º 583/2018-T do CAAD, respeitante a matéria idêntica à dos presentes autos, passamos a transcrever o seguinte excerto da mesma:

“ (…) 9. É certo que, posteriormente ao acórdão proferido pelo TJUE em 11/10/2007, processo número C-443/06, conhecido por acórdão Hollmann, o legislador nacional, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida neste acórdão, introduziu, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, a possibilidade de os residentes noutro Estado membro da União Europeia optarem, relativamente aos rendimentos referidos nos números 1 e 2 do artigo 72.º do CIRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

40. Sobre esta alteração legislativa, já se pronunciou igualmente a jurisprudência, concretamente a decisão arbitral proferida no processo n.º 748/2015-T, à qual se adere, “Desde logo, há que registar que a solução introduzida pelo legislador para contornar a discriminação contida na supra mencionada norma nacional, fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes. A isto acresce um outro reparo que resulta da complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao princípio da territorialidade previsto artigo 15º do CIRS, às condições de pessoalização do imposto e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro estado membro, no estado atual do direito comunitário.”. (…) Alega a AT que a solução adotada no artigo 72.º, n.ºs 8 a 10 é bastante, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.

41. Pelo que, muito embora o legislador nacional tenha consagrado a possibilidade de o sujeito passivo não residente optar pela tributação aplicável aos residentes, a verdade é que tal não retira o efeito discriminatório essencial da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes, que é assim violadora dos artigos 63º e 18º do TFUE.

42. Em face do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no artigo 8.º, número 4 da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência do TJUE, em sede de direito comunitário, vincula os tribunais nacionais, pelo que não pode este tribunal decidir de forma diferente da já decidida, no âmbito da mesma questão de direito e da mesma legislação, pelo TJUE.

43. Nestes termos, dúvidas não restam de que a liquidação impugnada, na parte que considera como base de tributação das mais-valias realizadas pelo Requerente mais de 50% do seu valor, carece de fundamento legal, concluindo-se pela incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, com o artigo 63.º, do TFUE, o que determina a ilegalidade das liquidações ora impugnadas, e como procedente o pedido de pronúncia arbitral”.

 

Refira-se, finalmente, o acórdão do TJUE (Primeira Secção) de 18-03-2021, Processo C-388/19 (MK contra Autoridade Tributária e Aduaneira), quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes, e que por acompanhamos passamos a transcrever o seguinte excerto da mesma:

 

“ (…) 42. Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72. °, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.

43. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63. ° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08,EU:C:2010:148, n.° 52).

45. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).

46. Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.

Assim, declara o Tribunal de Justiça (Primeira Secção):

O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

 

No mesmo sentido foram proferidas decisões, entre outros, nos processos arbitrais do CAAD n.ºs 6/2020; 04/2020; 904/2019; 846/019; 838/2019; 834/2019; 764/2019; 332/2019-T; 208/2019-T; 111/2019-T; 74/2019-T; 67/2019-T; 65/2019-T; 63/2019-T; 55/2019-T; 687/2018-T; 684/2018-T; 617/2018-T; 613/2018-T; 600/2018-T; 594/2018-T; 590/2018-T; 583/2018-T; 577/2018-T; 562/2018-T; 548/2018-T; 370/2018-T; 307/2018-T; 644/2017-T; 520/2017-T; 89/2017-T; 748/2015-T; 127/2012-T; e 45/2012-T.

 

Bem como, entre outros, nos seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), sumariados como se refere:

- de 09-12-2020 (Proc. n.º 075/20.6BALSB):

 “III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros”.

 

- de 09-12-2020 (Proc. n.º 064/20.0BALSB):

“ I - Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.

II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”.

 

 

 

- de 20-02-2019 (Proc. n.º 0901/11.0BEALM 0691/17), relacionado com mais-valias realizadas no ano de 2010:

“I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo)”.  

 

- de 03-02-2016 (Proc. n.º 01172/14):

“- As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

II - É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional”.

 

- de 30-04-2013 (Proc. n.º 01374/12):

“III – Julgada incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, porquanto prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56. CE, o acto de liquidação que a desaplicou encontra-se ferido de ilegalidade na medida do excesso, devendo ser anulado apenas nessa parte, num caso, como o dos autos, em que a matéria colectável do imposto é constituída exclusivamente pela mais-valia e a taxa aplicável é fixa (25%)”.

 

Pelo exposto, considerando que, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”, é de concluir que é ilegal a tributação nos termos em que foi efetuada na liquidação impugnada, o que justifica a sua anulação parcial, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração da totalidade das mais-valias imobiliárias.

 

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4.2 - Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios -

A Requerente pede ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo provado o pagamento da quantia liquidada.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial).

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado pelo artigo 43.º, n.º 1, da LGT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, nos termos que aqui interessa:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – (…)

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(...)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

Esta alínea d) foi aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º, «a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011».

Neste caso, independentemente de a ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros indemnizatórios nos termos desta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Em qualquer caso, considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA[1], sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T)[2].

Pelo exposto, tendo ficado demonstrada a errada aplicação da norma que justifica a anulação parcial da liquidação impugnada, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do efetivo pagamento do montante indevidamente liquidado (08 de setembro de 2020) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

 

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5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o pedido de anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2020 ..., efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com referência ao ano de 2019, no montante 29 106,54€, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração da totalidade das mais-valias imobiliárias;
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do montante a mais pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios; e
  3. Condenar a Requerida nas custas arbitrais.

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 14 544,17€ (catorze mil, quinhentos e quarenta e quatro euros e dezassete cêntimos).

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00€ (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

Lisboa, CAAD, 07 de junho de 2021.

 

O Árbitro,

(Rui Ferreira Rodrigues)

 



[1] Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09

[2] Disponível em www.caad.org.pt