Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 593/2018-T
Data da decisão: 2019-10-02  IVA  
Valor do pedido: € 1.027.327,65
Tema: IVA - Faturas falsas – Artigo 19.º CIVA
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros, Conselheiro Carlos Cadilha (Presidente), Professor Doutor Rui Duarte Morais e Dr.ª Carla Castelo Trindade, designados para formar este Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A sociedade A..., LDA (adiante designada por “Requerente”), NIPC n.º..., com sede na Rua ..., ...-... ..., apresentou, nos termos legais, um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

a)            Objeto do processo

 

1- A Requerente pretende:

- a anulação dos atos de liquidação (e de outros destas consequentes) abaixo identificados, relativos aos exercícios de 2013 e 2014, no valor global de € 1.019.030,41;

- a anulação dos atos de indeferimento tácito das reclamações graciosas apresentadas contra tais atos de liquidação;

-  a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

2- São os seguintes os atos de liquidação, e operações deles consequentes, impugnados:

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de janeiro de 2013, documento n.º 2018..., no valor de € 12.183,38 (doze mil cento e oitenta e três euros e trinta e oito cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 2.323,18 (dois mil trezentos e vinte e três euros e dezoito cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de fevereiro de 2013, documento n.º 2018..., no valor de € 13.297,49 € (treze mil duzentos e noventa e sete euros e quarenta e nove cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 2.491,91 (dois mil quatrocentos e noventa e um euros e noventa e um cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de março de 2013, documento n.º 2018..., no valor de € 12.664,58 (doze mil seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 2.331,67 (dois mil trezentos e trinta e um euros e sessenta e sete cêntimos);

 

­              Liquidação IVA n.º 2018..., referente ao período abril de 2013 documento n.º 2018... no valor de € 21.537,40 (vinte e um mil quinhentos e trinta e sete euros e quarenta cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 3.889,71 (três mil oitocentos e oitenta e nove euros e setenta e um sentimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período de maio de 2013 documento n.º 2018... no valor de € 34.016,03 (trinta e quatro mil e dezasseis euros e três cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 6.035,28 (seis mil e trinta e cinco euros e vinte e oito cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período de junho 2013 documento n.º 2018... no valor de € 22.344,35 (vinte e dois mil trezentos e quarenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 3.883,63 (três mil oitocentos e oitenta e três euros e sessenta e três cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período de julho 2013 documento n.º 2018... no valor de € 78.574,42 (setenta e oito mil quinhentos e setenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 13.407,16 (treze mil quatrocentos e sete euros e dezasseis cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período de agosto 2013, documento n.º 2018... no valor de € 15.455,15 (quinze mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e quinze cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 2.586,30 (dois mil quinhentos e oitenta e seis euros e trinta cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período de setembro 2013, documento n.º 2018... n.º valor de € 3.524,87 (três mil quinhentos e vinte e quatro euros e oitenta e sete cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 577,49 (quinhentos e setenta e sete euros e quarenta e nove cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período de outubro 2013, documento n.º 2018... no valor de € 39.803,07 (trinta e nove mil oitocentos e três euros e sete cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 6.394,66 (seis mil trezentos e noventa e quatro euros e sessenta e seis cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período de novembro 2013, documento n.º 2018..., no valor de € 8.051,23 (oito mil cinquenta e um euros e vinte e três cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 1.266,13 (mil duzentos e sessenta e seis euros e treze cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018..., referente ao período de dezembro 2013, documento n.º 2018..., no valor de € 10.285,59 (dez mil duzentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 1.582,57 (mil quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de janeiro 2014, documento n.º 2018..., no valor de € 9.166,18 (nove mil cento e sessenta e seis euros e dezoito cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 1.382,20 (mil trezentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de fevereiro 2014, documento n.º 2018... no valor de € 6.206,52 (seis mil duzentos e seis euros e cinquenta e dois cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 914,82 (novecentos e catorze euros e oitenta e dois cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de março 2014 documento n.º 2018... no valor de € 10.895,58€(dez mil oitocentos e noventa e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 1.567,76 (mil quinhentos e sessenta e sete euros e setenta e seis cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de abril 2014, documento n.º 2018..., no valor de € 15.121,46 (quinze mil cento e vinte e um euros e quarenta e seis cêntimos), a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 2.126,11 (dois mil cento e vinte e seis euros e onze cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de maio 2014, documento no 2018... no valor de € 13.094,14 (treze mil e noventa e quatro euros e catorze cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018... no valor de € 1.799,45 (mil setecentos e noventa e nove euros e quarenta e cinco cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de junho 2014, documento n.º 2018... no valor de € 8.629,92 € (oito mil seiscentos e vinte e nove euros e noventa e dois cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 1.155,69 (mil cento e cinquenta e cinco euros e sessenta e nove cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de julho 2014, documento n.º 2018... no valor de € 71,82 (setenta e um euros e oitenta e dois cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de agosto 2014, documento no 2018..., no valor de € 1.830,96 (mil oitocentos e trinta euros e noventa e seis cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 233,15 (duzentos e trinta e três euros e quinze cêntimos);

 

­              Liquidação de IVA n.º 2018... referente ao período de setembro 2014, documento no 2018... no valor de € 24.230,78 (vinte e quatro mil duzentos e trinta euros e setenta e oito cêntimos) a que acrescem juros compensatórios respeitantes ao mesmo período, documento n.º 2018..., no valor de € 3.003,28 (três mil e três euros e vinte e oito cêntimos).

 

­              Acerto na liquidação de IRC de 2013 e respetivos juros indemnizatórios, no valor de € 345.951,67 (trezentos e quarenta e cinco mil novecentos e cinquenta e um euros e sessenta e sete cêntimos), como consta no documento de compensação n.º 2018... resultantes das seguintes operações:

 

i.             Estorno da liquidação de 2013: Liquidação n.º 2016... no valor de € 4.890,29 (quatro mil oitocentos e noventa euros e vinte e nove cêntimos);

 

ii.            Acerto liquidação de 2013: Liquidação n.º 2018... no valor de € 298.504,61 (duzentos e noventa e oito mil quinhentos e quinhentos e quatro euros e sessenta e um cêntimos);

 

­              Juros compensatórios: Liquidação n.º 2018... no valor de € 42330,40 (quarenta e dois mil trezentos e trinta euros e quarenta cêntimos);

 

­              Juros compensatórios por pagamento por conta: Liquidação n.º 2018... no valor de € 10,40 (dez euros e quarenta cêntimos);

 

­              Juros compensatórios por recebimento indevido: Liquidação n.º 2018... no valor de € 215,97 (duzentos e quinze euros e noventa e sete cêntimos);

 

­              Acerto na liquidação de IRC de 2014 e respetivos juros indemnizatórios, no valor de € 253.141,66 (duzentos e cinquenta e três mil cento e quarenta e um euros e sessenta e seis cêntimos) como consta no documento de compensação n.º 2018... resultantes das seguintes operações:

 

i.             Estorno da liquidação de 2014, liquidação n.º 2016..., no valor de € 3.406,95 (três mil quatrocentos e seis euros e noventa e cinco cêntimos), a abater à soma das restantes liquidações;

 

ii.            Acerto de liquidação de 2014, liquidação n.º 2018..., no valor de € 233.248,20 (duzentos e trinta e três mil duzentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos);

 

­              Juros de mora, liquidação n.º 2018... no valor de € 835,64 (oitocentos e trinta e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos);

 

­              Juros compensatórios, liquidação n.º 2018..., no valor de € 22.464,77 (vinte e dois mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos).

 

 

b)           Posições das partes

 

As liquidações adicionais impugnadas resultam da consideração, pela Requerida AT, que faturas (discriminadas no ponto II.3.4.3.3.2 do RIT - pág. 19 e ss), relativas a aquisições de madeira pela Requerente, titulam operações simuladas, ou seja, são “faturas falsas”.

As liquidações adicionais impugnadas, no tocante ao IRC, resultaram da não-aceitação como gasto fiscalmente dedutível dos montantes titulados por tais faturas.

                A Requerente, no seu requerimento inicial, alega a realidade das operações (vendas de madeira) subjacentes à emissão de tais faturas, tendo junto um Parecer de Direito da autoria do Sr. Prof. Doutor Gustavo Lopes Courinha.

 

 

 

c)            Tramitação processual

 

                O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 28 de novembro de 2018.

                A Requerente procedeu à designação de Árbitro, nos termos legais, tendo indicado para o efeito o Professor Doutor Rui Duarte Morais. 

                A Requerida procedeu igualmente à designação de Árbitro apontando a Sra. Dr.ª Carla Castelo Trindade.

                Foi designado, de comum acordo entre os Árbitros auxiliares, o Senhor Conselheiro Carlos Cadilha para presidir ao coletivo arbitral.  

                O tribunal arbitral ficou constituído em 11 de fevereiro de 2019.

                Em 18 de março de 2019, a Requerida respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

                Em 26 de abril de 2019, a Requerida apresentou um requerimento, tendo o tribunal arbitral decidido que se pronunciaria sobre o mesmo aquando da reunião do artigo 18.º do RJAT.

Em 3 de maio de 2019, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. 

Em virtude do requerimento apresentado pela Requerida, no qual esta solicitou a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no artigo 272.º do Código de Processo Civil, até que fosse proferida decisão final em processo-crime, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “A regra no direito português é a regra do primado do direito penal. O artigo 47.º do RGIT consagra uma exceção a tal regra e impõe ao tribunal tributário e ao tribunal penal que haja suspensão do processo penal até que haja decisão do processo impugnatório. Na portaria de vinculação, quer o Ministério das Finanças, quer o Ministério da Justiça vinculam-se a todo o RJAT, com exceção das matérias especificamente aí previstas. Assim sendo, o Tribunal não pode suspender o processo, tendo sim que ser aplicado o artigo 47.º do RGIT. Refere-se, por fim, que a diferença de meios referida pelo representante da Autoridade Tributária e Aduaneira foi devidamente acautelada pelo legislador português ao admitir a suspensão da caducidade da liquidação quando esteja a correr um processo crime.”.

                Seguiram-se a prestação de declarações de parte e audição de testemunhas, conforme consta das atas das sessões em que aconteceram.

                Em alegações, as partes pronunciaram-se sobre os factos que devem ser tidos como provados e reiteraram as suas anteriores posições quanto às questões de direito. 

               

 

II - SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

A ação é tempestiva.

O processo não enferma de nulidades.

Não existem outras exceções de que cumpra, agora, conhecer.

 

 

II.            DE FACTO

 

a) Factos provados

 

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

               

a)            A Requerente foi alvo de uma inspeção externa relativa aos exercícios de 2013 e 2014.

b)           Os prazos dos procedimentos de inspeção foram prorrogados por dois períodos de três meses, por despachos do Diretor de Finanças Adjunto, por delegação do Diretor de Finanças de Lisboa, os quais não foram comunicados à Requerente.

c)            A Requerente foi notificada, em 16 de novembro, do projeto do relatório da inspeção tributária

d)           A Requerente entregou a sua pronúncia em sede de audição prévia. 

e)           A Direção de Finanças de Lisboa, em 18-01-02, notificou a Requerente, através da sua mandatária, do relatório final da inspeção tributária, contendo as correções resultantes da ação de inspeção, relativa aos exercícios de 2013 e 2014, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC.

f)            Nos termos do referido relatório, a Direção de Finanças de Lisboa corrigiu o rendimento coletável da Requerente, em sede de IRC, em € 1.183.424,25, relativamente a 2013, e em € 900.644,00, relativamente a 2014

g)            Ainda nos termos do mesmo relatório, foi julgado em falta, em sede de IVA, € 272.187,53, relativamente a 2013; e € 104.380,24, relativamente a 2014.

h)           A Requerente procedeu ao pagamento dos valores resultantes das liquidações impugnadas no dia 26 de fevereiro de 2018.

i)             Em 21 de maio de 2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa dos atos de liquidação de IVA e dos atos de liquidação de IRC, referentes a 2013 e 2014.

j)             As correções efetuadas, em sede de IVA e de IRC, resultaram da não-aceitação da realidade das operações subjacentes às faturas, titulando vendas de madeira à Requerente, emitidas por B... – Unipessoal, Lda, C...– Unipessoal, Lda e D..., constantes dos documentos n.º 1 a 222 juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

k)            A Requerente vende madeiras, sendo o seu principal cliente a E... – Abastecimento de Madeira ACE, de quem a Requerente é fornecedora, designadamente, de rolaria de eucalipto.

l)             A madeira comercializada pela Requerente tem como origem: (i) compra a produtores de madeira – pessoas singulares e coletivas – podendo estar incluído, ou não, o corte de madeira no terreno; (ii) cortes de madeira em terrenos próprios; (iii) cortes de madeira em terrenos arrendados; (iv) direitos de corte de árvores em terrenos alheios; (v) compra a outros comerciantes que compram e vendem madeiras.

m)          A Requerente estava obrigada contratualmente, nos anos em causa, ao fornecimento à E... de determinadas quantidades mínimas de metros cúbicos de madeira.

n)           Quando a Requerente adquire madeira a outros comerciantes (fornecedores), para revenda à E..., ainda que não assegure a mesma margem que tem quando adquire a um particular ou quando faz o corte de um terreno seu ou arrendado ou em que tenha direito de corte, beneficia de tais aquisições pois, por um lado, assegura a continuidade enquanto fornecedora da E..., e por outro, assegura o recebimento de um prémio.

o)           A E... apenas faz contratos com 3 ou 4 players no mercado, incentivando ao maior volume possível de fornecimento de madeira por cada um deles.

p)           Cada madeireiro com quem a E... tem contrato tem assim interesse em que o maior número de madeira possível seja entregue, por si ou por sua conta, na E..., pois, além do cumprimento das suas obrigações contratuais, o prémio pago por esta varia consoante a quantidade total de madeira entregue.

q)           Os fornecedores da Requerente têm interesse neste negócio pois, além de assim conseguirem vender a sua madeira, recebem da Requerente o respetivo preço a pronto, sendo que a E... paga à Requerente e demais empresas com quem tem contrato num prazo de cerca de 90 dias.

r)            Os preços constantes das faturas em causa neste processo correspondem aos praticados pela E... com a Requerente nas correspondentes datas.

s)            Normalmente, estes negócios acontecem “à porta” dos parques de receção da E...: o transportador entrega a madeira em nome da Requerente, utilizando “guias” que antes lhe foram por esta disponibilizadas para o efeito, e, depois, o fornecedor fatura o correspondente valor à Requerente.

t)            Os pagamentos correspondentes às faturas em causa nos presentes autos foram feitos através de cheque ou transferência bancária, após conferência pela Requerente de tais faturas e das correspondentes guias de entrada da madeira nos parques da E... .

u)           O fornecedor D... era conhecido, na sua zona, por ser um dos principais empregadores no sector da extração de madeiras e ter uma numerosa frota de camiões e tratores.

v)            A B..., Ldª e a C..., Lda exerciam a atividade de extração e comércio de madeiras, dispondo, ambas, de, pelo menos, frotas de veículos adequados a tais fins.

w)          Foi entregue madeira nas quantidades referidas nas faturas em causa neste processo à E..., que procedeu ao respetivo recebimento nos seus parques.

x)            A E... não consegue identificar o local de extração da madeira em causa por se tratar de madeira não certificada.

y)            A Requerida tentou, sem sucesso, entrar em contacto com os fornecedores em causa, B..., C... e D... .

z)            Estas empresas estavam, à data, em situação de incumprimento generalizado das suas obrigações, contabilísticas, declarativas e de pagamento, o que não permitiu aferir, documentalmente, da realidade das operações correspondentes às faturas, por elas emitidas, em causa neste processo.

 

A convicção do Tribunal Arbitral assentou na documentação junta ao processo e nas declarações de parte e testemunhos, os quais foram, no essencial, convincentes e coincidentes – sendo diferente a “razão de ciência” das testemunhas - nomeadamente quanto ao modo como se processam os negócios em causa, os quais correspondem a uma prática corrente no sector, bem como ao modo como foram efetuados os pagamentos aos fornecedores da Requerente da madeira em causa.

A testemunha, arrolada pela Requerida, F..., inspetor tributário, confirmou que foi a ausência de documentação relativa à estrutura e funcionamento das empresas fornecedoras – as três empresas cuja veracidade das faturas que emitiram foi questionada – e, também, o apurado quanto a algumas outras empresas, fornecedoras daquelas, que levou a que fosse colocada em causa a realidade das operações  subjacentes é missão das faturas em causa.

As duas testemunhas arroladas pela Requerida confirmaram que esta, quer no processo-crime, quer no procedimento administrativo, não tentou investigar se o dinheiro correspondente ao preço titulado por tais faturas “retornou” aos gerentes, administradores ou pessoas relacionadas com a Requerente, não tendo, nomeadamente, procedido a levantamentos do sigilo bancário.

 

 

 

b)           Factos não provados

 

 

a)            A Requerida não provou quaisquer factos suscetíveis de indiciar que a madeira correspondente às faturas cuja realidade não aceitou proveio de outras origens que não os fornecedores B..., Lda, C..., Lda e D... .

b)           Não foi feita qualquer prova, mesmo que indiciária, de terem existido posteriores recebimentos de dinheiro pelos administradores ou gerentes da Requerente ou por terceiros com esta relacionados, cuja origem pudesse ser associada ao “retorno”, total ou parcial, do preço pago.

c)            Não foi feita qualquer prova, mesmo que indiciária, para além da inexistência de documentação que deveriam possuir, de que a Requerida não dispusesse de estrutura que lhe permitisse realizar – directa ou indirectamente - as operações que a AT considera simuladas.

d)           Não foi feita qualquer prova, mesmo que indiciária, de simulação de preço.

 

 

                III- O Direito

 

1 –  Liquidações impugnadas

A AT fundamenta as liquidações de IVA no disposto no n.º 3 do art.º 19.º do CIVA, segundo o qual não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.

                Importa começar por precisar que o ónus da prova de factos indiciadores da invocada simulação recai sobre a AT, uma vez que estão em causa factos constitutivos do direito ao imposto que invoca.

                Como é jurisprudência pacífica (p. ex., Ac. STA n.º 0591/15, de 17/02/2016), atento o disposto no art.º 74.º da LGT, a AT tem, numa primeira fase, que provar factos que constituam indício sério de que as operações alegadamente simuladas não existiram (não tem que fazer prova direta do acordo simulatório); feita tal prova indiciária, cabe ao sujeito passivo o ónus de provar a veracidade das operações.

                Está em causa prova indiciária, é certo, mas necessariamente “sólida”, pois a recusa do direito à dedução do IVA é absolutamente excecional, apenas sendo admissível quando se provar, perante elementos objetivos, que esse direito foi invocado fraudulenta ou abusivamente (neste sentido existe vasta jurisprudência do TJUE, como, p. ex., o proc. C-277/14, de 22/10/2015).

                No caso concreto, a AT não fez prova de quaisquer factos que permitam indiciar a simulação das operações subjacentes à emissão das faturas em causa, pelo que não cumpriu com o ónus de prova a que estava adstrita.

                Apenas ficou provado, com relevo: que madeira correspondente ao faturado foi vendida, em nome da Requerente à E...; que tal madeira foi entregue, normalmente por terceiros (transportadores), nas instalações da E...; que foram emitidos e entregues aos fornecedores da Requerente em causa (B..., Ldª , C..., Ldª e D...) cheques correspondentes aos preços constantes das faturas. Mais, ficou provado que os fornecedores da Requerente em causa se dedicavam, com carater de regularidade, ao comércio de madeiras e, ao tempo em que as vendas aconteceram, tinham a sua situação cadastral regularizada enquanto sujeitos passivos de IVA.

Nada foi apurado quanto à origem da madeira entregue na E..., sendo certo que o eventual caráter fiscalmente fraudulento de algumas das aquisições de madeira pelos fornecedores da Requerente ora em causa (factos constantes do RIT) nunca permitiria, mesmo se provado (o que não aconteceu), concluir, sem mais, pela simulação das aquisições feitas pela Ré, por estarem em causa diferentes contratos de compra e venda, envolvendo partes distintas.

 

Assim sendo, há que concluir, atenta a prova produzia neste processo (eventualmente diferente da que venha a ser lograda noutros, nomeadamente em processos-crime), que não ficaram provados quaisquer factos indiciadores da invocada simulação, pelo que não pode ser aplicado, in casu, o disposto no n.º 3 do art.º 19.º do CIVA.

Pela mesma razão, há que concluir que, não tendo sido feita prova da simulação, o valor correspondente ao preço pago pela Requerente é um gasto fiscalmente dedutível, para efeitos de IRC, uma vez que a compra de bens para revenda tem subjacente um escopo empresarial.

               

Perante o acima exposto, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas.

 

2 - Juros indemnizatórios

 

A Requerente peticionou, ainda, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até efetiva e integral restituição.

Como ficou provado, a Requerente pagou, em 26 de fevereiro de 2018,o valor decorrente das liquidações que impugnou, o qual foi no montante global de 1.019.030,41€ (um milhão e dezanove mil e trinta euros e quarenta e um cêntimos), sendo 419.937,07€ (quatrocentos e dezanove mil, novecentos e trinta e sete euros e sete cêntimos) relativos a IVA e 599.093,33€ (quinhentos e noventa e nove mil, noventa e três cêntimos e trinta e três cêntimos) relativos a IRC.

Verifica-se, pois, o previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT (pagamento indevido da prestação tributária), sendo que o “erro” é imputável aos serviços, uma vez que tal pagamento decorreu de liquidações por estes oficiosamente promovidas.

 

 

IV- Decisão

a)            Anulam-se, por ilegais, na sua totalidade, as liquidações impugnadas, com todas as demais consequências legais, nomeadamente no tocante às reclamações graciosas apresentadas.

b)           Condena-se a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

 

 

Valor: € 1.019.030,41.

 

 

Lisboa, 2 de Outubro de 2019

 

 

Carlos Cadilha

Rui Duarte Morais

Carla Castelo Trindade