Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 590/2019-T
Data da decisão: 2020-05-18  IVA  
Valor do pedido: € 39.685,19
Tema: IVA – Duplicação de coleta.
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DECISÃO ARBITRAL 

 

I-RELATÓRIO

 

1. A..., com sede na Suíça, pessoa colectiva nº ... (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo) apresentou em 2019-09-06 pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, 5º, nº 1, alínea a), 6º, nº 1, 10º nºs 1 e 2 todos do Decreto Lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de Março, bem assim como ao abrigo do artigo 11º do Decreto Lei nº81/2018, de 15 de Outubro, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à  declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA números 111 378 63, no montante de 9.111,08 €, 111 378 65, no montante de 25.556,89 € bem como dos juros compensatórios no valor de 3.607,37 € e 1.409,85 €, consubstanciadas, respectivamente, nas notas de liquidação nºs ... e ..., todas referentes ao ano de 2007,  totalizando um  montante a pagar de 39.685,19 €.

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2019-09-09.

3.Nos termos e para ao efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. Em 2019-10-28, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº1, alíneas a) e b), na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2019-11-27, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho preferido em 2019-11-27, a Requerida apresentou em 2020-01-14 a sua resposta, bem assim como o processo administrativo.

7. Por despacho datado de 2020-01-14, foi a Requerente convidada, ao abrigo do princípio da colaboração (artigo 7º do CPCivil aplicável) a repetir a junção aos autos da totalidade dos documentos junto com o pedido de pronuncia arbitral devida e sequentemente numerados, a Requerida notificada para proceder à junção aos autos do Relatório Final, e ambas as partes notificadas pelo proceder à remessa dos seus articulados ao CAAD em formato “word”.

 8. Por despacho preferido em 2020-01-16, devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a apresentar alegações escritas, e indicada como prazo limite para a prolação da decisão e sua notificação às partes, o termo do prazo  fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT.

9. As partes não procederam à apresentação de alegações escritas.

10. A fundamentar o seu pedido a Requerente, invoca em síntese e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

10.1. Suportado na Ordem de Serviço nº 0I 2009..., datada de 23.3.2009, foi desencadeado procedimento externo de inspecção ao exercício de 2007 (cfr, artigo 1º do pedido de pronúncia arbitral),

10.2. Na sequência daquela acção inspectiva externa vinham propostas correcções meramente aritméticas resultantes da imposição legal em sede de IVA. Interpelado no sentido de, querendo, poder apresentar declarações de substituição do IVA para os períodos de tributação de Agosto, Setembro e Dezembro, acedeu (…) a concretizar tal entrega (cfr. artigo 2º do pedido de pronúncia arbitral),

10.3. Fundamentavam as correcções meramente aritméticas à matéria tributável em conformidade com os argumentos esgrimidos no ponto II.5 do Relatório de Inspecção a fls 8 e seguintes (cfr. artigo 5º do pedido de pronúncia abitral),

10.4. [aí se referindo no quadro de fls. 8] que os valores declarados de IVA nos meses de Agosto, Setembro e Dezembro de 2007, eram divergentes dos valores registados (cfr. artigo 6º do pedido de pronúncia arbitral),

10.5. No período de tributação 2007.08 foi entregue a menos IVA liquidado de 9.111,08 €; ao passo que, relativamente ao período de tributação 2007.09, foi entregue a mais IVA liquidado de montante que se cifrava em 9.111,11 € (…)  (cfr. artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral);

10.6. (…) Se é certo que a aqui A não procedeu à liquidação no período de tributação a que se reporta a transmissão titulada pela factura mº 08/00303 (2007.12), fê-lo subsequentemente e logo que detectado o lapso, ou seja, se no período de tributação 2007.12 foi entregue a menos IVA liquidado de 25.556,89 €; no período de tributação 2008.01, foi entregue a mais IVA liquidado de montante que se cifrava em 25.556,89 € (cfr. artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral);

10.7.(…) em 10.10.2007, apresentou a aqui A, a declaração periódica respeitante ao período de tributação de 2007.08 (cfr. artigo 11º do pedido de pronúncia arbitral e documentos nºs 3 e 4 ao o mesmo juntos);

10.8. (…) a nota de crédito nº 00501, de 12.9.2007 está a influenciar negativamente e de forma indevida (atenta a data da sua emissão), as operações de Agosto de 2007 (…) [cfr. artigo 12º do pedido de pronúncia arbitral];

10.9. Corrigindo o erro, no período de tributação correspondente a 2007.09, por sua iniciativa, fez a A, influenciar a declaração periódica que vai junta com Doc. nº 5 todas as facturas e notas de crédito que aqui juntamos como Doc. 6. Além disso e atendendo a que a nota de crédito nº 00501 (Doc.nº 4) havia erradamente influenciado a DP de Agosto de 2007 (Doc. º 3), deduzindo-se BT de 43.386,22 € e retirando-se IVA liquidado de 9.111.11 € na declaração periódica de 09.2007 (Doc, nº 5) em sentido inverso, se acresceu BT de 43.386,22 € e liquidou 9.111,11 €, daí resultando um valor de Base Tributável de 87.386,22 € e imposto liquidado de 18.448,41 €. O que vem de ser dito resulta igualmente do Quadro de fls. 8 do Relatório, concatenado com o Anexo 2 folha, donde se extrai que o valor real das operações de 2007.09, em termos de Base Tributável, se cifrava am 44.463,40 € e, em termos de IVA liquidado, em 9.337,31 €; sendo que, foi declarado pelo aqui A: BT de 87.849,62 € e IVA liquidado, em 18.448,41 € (Doc. nº 5 e Doc. nº 5-A (cfr. artigo 13º do pedido de pronúncia arbitral).

Afirma ainda a Requerente,

10.10. que fica assim demonstrado que o IVA que não foi liquidado em 2007.08 foi, no acto declarativo periódico do período subsequente (2007.09), prontamente liquidado, na medida em que o valor de 9.111,11 € influenciou (em excesso, que compensava o IVA do mês de Agosto que por defeito foi liquidado) o campo 4 da declaração periódica (cfr, artigo 14º do pedido de pronúncia arbitral):

10.11. Em conformidade com o estatuído no artº 41º do CIVA, em 11.2.2008, apresentou a aqui A a declaração periódica respeitante ao período de tributação de 2007.12. Vai junta como Doc. nº 7 fotocópia da respectiva declaração: Quadro-Resumo com as facturas e notas de crédito que deveriam ter influenciado o preenchimento da referida declaração. Vão ainda juntas como Doc. nº 7 todas as facturas e notas de crédito que estão a titular operações que influenciaram o acto declarativo de 2007.12. Vai igualmente junta como Doc. nº 8 fotocópia da factura nº 08/00303, de 19.12.2007 (cfr. artigo 15º do pedido de pronúncia arbitral);

10.12. Da análise do acervo informático junto se extrai uma divergência entre o valor declarado das operações activas realizadas pela aqui A, e o valor real. Essa mesma divergência foi levada ao Relatório e está ínsita no Quadro de fls. 8, radicando no circunstancialismo de não haver sido considerada como operação a influenciar o acto declarativo de 2007.12 a que é titulada pela factura nº 08/00303, de 19.12.2007 (Cfr. Doc.8). O que vem de ser dito está igualmente plasmado nos Quadros de fls, 11 e 12 do anexo 2 do Relatório. (cfr. artigo 16º do pedido de pronúncia arbitral);

10.13. A diferença em termos de Base Tributável é de 121.699,60 € e, em termos de IVA liquidado, de 25.556,86 €, ou seja, valores exactamente coincidentes com os valores da factura nº 08/00303 (Cfr. documentonº 8) [cfr. artigo 17º do pedido de pronuncia arbitral];

10.14. Donde resulta que por erro material ou de registo (omissivo) a declaração periódica do mês de Dezembro não foi influenciada (como deveria ter sido!) pela operação activa que é titulada pela factura nº 08/00303. (cfr. artigo 18º do pedido de pronúncia arbitral);

10.15. Sucede, porém, que no período de tributação correspondente ao mês de Janeiro de 2008, corrigindo o erro, por sua própria iniciativa, fez a A, influenciar a declaração periódica (que vai junto como Doc. nº 9) de todas as facturas que aqui juntamos como Doc. nº 10. Além disso e atendendo a que a factura nº 08/00303 (cfr. Doc. nº 8) não havia (erradamente) influenciado a DP de Dezembro de 2007 (Doc. nº 7), acresceu-se, em termos de BT, no período de tributação 2008-01, 121.699,60€ e, em termos de IVA liquidado, de 25.556,86 €. (cfr. artigo 19º do pedido de pronúncia arbitral);

(…)

10.16. Entende ainda a Requerente que as regularizações de IVA previstas no nº 6 do artº 71º do CIVA (redação ao tempo) jamais são empreendidas por substituição dos actos declarativos periódicos do período  de tributação a que se reporta o erro, sujeitando-se ainda às sanções contra - ordenacionais e à liquidação de juros compensatórios que ao caso couberem (cfr. artigo 25º do pedido de pronúncia arbitral);

10.17.  Argumenta ainda a Requerente- sob o artigo 27º do seu requerimento- que “a exigir-se novamente o imposto que vem adicionalmente liquidado nas liquidações que aqui se sindicam, tal configuraria uma situação de verdadeira duplicação de colecta que vicia, senão in totum, pelo menos em parte, as liquidações produzidas (…)”.

10.18. Expende ainda a Requerente (fundamentalmente sob os artigos 29º e seguintes, do seu petitório) sobre os requisitos da duplicação de colecta e sua verificação in casu, para concluir pela ilegalidade dos actos de liquidação controvertidos.

10.19. Procede ainda a considerações a respeito da liquidação dos juros compensatórios, pugnando pela inverificação do elemento “culpa” do sujeito passivo na intempestividade do pagamento do imposto devido.

10.20. Pugna ainda a Requerente pela restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

10.21. Culminando o seu pedido de pronúncia arbitral no sentido da anulação senão in totum, pelo menos em parte, dos actos tributários de liquidação controvertidos, considerando ilegais as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, de 08.2007 e de 12.2007, a que adiciona o pedido de restituição do que a título de IVA e juros compensatórios de 2007.08 e 2007.12 foi indevidamente pago a não restituído e ainda a liquidação dos correspondentes juros indemnizatórios, tomando como base o valor de 39.685,19 €.

11. Como referido, em 2020-01-14, a Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou a sua resposta, que se reconduz, fundamentalmente,  à transcrição do  Relatório Final da Inspecção Tributária na parte que para aqui interessa, tecendo ainda considerações que designa de impugnação especificada e que,  em breve síntese se recorta como segue, que de igual modo se menciona maioritariamente por transcrição:

11.1 Quanto à nota de crédito nº 00501 de 13/09/2007 a Requerente invoca que o IVA no montante de € 9.111.11 já tinha sido declarado na DP de 0709, antes da substituição da DP de 0708, razão pela qual entende que a liquidação adicional referente a 0708 é ilegal por duplicação da colecta (cfr. artigo 12 da resposta);

11.2.(…) o Relatório Final da inspecção tributária não ignora que a substituição da DP de 0708 e de 0907 se destina a regularizar apenas o período a que o imposto respeita e que o imposto já havia sido entregue (cfr. artigo 13 da resposta);

11.3. Sucede todavia, que o mecanismo de acertos inerentes ao funcionamento da conta corrente de IVA determina a emissão de uma nova liquidação de imposto como consequência da entrega da DP referente a 0708 e, em simultâneo, a emissão de uma nota de crédito relativamente à importância de imposto declarada a mais na DP de 0709 (cfr. artigos 14 e 15 da resposta);

11.4. Sendo que a liquidação adicional e a nota de crédito têm a virtualidade de se anularem entre si, cabendo ao contribuinte gerir a sua própria conta corrente de IVA, designadamente reflectindo a nota de crédito, recebida pelo excesso de imposto entregue, em DPs a entregar posteriormente ou pedindo o seu reembolso (cfr. artigo 16 da resposta);

11.5. Quanto à factura nº 08/00303, de 19/12/2007, a Requerente invoca que o IVA no montante de € 25,556,86, foi declarado na DP de 0801, razão porque também aqui entende existir duplicação de colecta (cfr, artigo 18 da resposta);

11.6. Compulsado o Relatório Final em causa, não consta do mesmo, quanto aos esclarecimentos prestados pela Requerente, que a mesma tenha informado os serviços sobre a a referida entrega de imposto na DP de 0801 (cfr. artigo 19 da resposta);

11.7. (…) as regularizações voluntárias efectuadas no âmbito da acção inspectiva, mediante a entrega das declarações de substituição em causa, são as adequadas às situações de imposto  apuradas em colaboração com o contribuinte e que este voluntariamente regularizou (cfr. artigo 24 da resposta);

11.8. Conclui a AT a sua resposta pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral  subjacente com as consequências legais.

12. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

13. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devidas e legalmente representadas (artigo 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).

14. Não foram suscitadas excepções de que deva conhecer-se.

15. O processo não enferma de nulidades.

16. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

Com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como provados e assentes os seguintes factos:

1. Requerente é uma empresa sediada na Suíça, sendo em Portugal uma sociedade não residente, sem estabelecimento estável, registada unicamente para efeitos de IVA, encontrando-se colectada no Serviço de Finanças de Loures- ...,

2. Não possui contabilidade organizada e a representante em sede de IVA é a sociedade denominada B..., LDA., com o NIPC..., representada por C...,

3.Em sede de IVA encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal,

4. No âmbito de Ordem de Serviço nº OI 2009... de 23.03.2009 emitida pelo Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, foi alvo de um procedimento inspectivo de natureza externa iniciado em 03/03/2011 e concluído em 25/08/2011, com incidência sobre os meses de Agosto e Dezembro do ano de 2007 respeitante ao IVA,

5. No Relatório de Inspecção Tributária (RIT), pode ler-se, para além do mais o seguinte:

 

 I – CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA

No decurso da acção inspectiva ao sujeito passivo, foram verificadas irregularidades descritas no ponto II tendo sido efectuadas regularizações voluntárias de acordo com o quadro seguinte:

 

                             IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

 

Período            Declaração          Correcção

                Declaração          Substituição             voluntária

07.12     115 388,15          140 945,04          25.556,87

 

 

I – OBJECTIVO, AMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA

 

II.1 – Credencial e período em que decorreu a acção inspectiva

 

Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2009... datada de 23/03/2009, emitida pelo Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, foi o sujeito passivo A..., NIPC..., com sede no ..., lote ..., ...-... ..., sujeito a análise externa da sua situação tributária.

 Os actos inspectivos foram iniciados em 03/03/2011 e concluídos em 25/08/2011

 

II.2 – Motivo, âmbito e incidência temporal

 

A Ordem de Serviço teve origem em proposta efectuada na sequência de elementos recolhidos pela Administração Fiscal, onde se constatou a existência de indícios de falsificação de declaração periódica de IVA, modelo B referente ao período de 08.03, com confirmação por parte do representante da empresa, através de carta entregue na Repartição de Finanças ..., em 17/10/2008, conforme oficio .../08, EG.../08

 

Por este motivo foi aberta a ordem de serviço atrás referida, com o código PNAIT ... de âmbito parcial, em sede de IVA e incidente sobre o exercício de 2007.

 

II.3 - Caracterização Geral do Sujeito Passivo

3.1 – Descrição da actividade

A empresa em análise, iniciou a actividade em 11-06-2007, exerce a actividade de “comércio por grosso não especificado” – CAE 046900

A actividade do sujeito passivo consiste na importação de chapas de aço em bobines para posterior venda no mercado nacional. Na sua grande maioria, estas chapas aço são transformadas mediante determinadas especificações, nomeadamente espessura ou tamanho, transformações essas prestadas por empresas denominadas “Centros de Serviços.”

Após a transformação a mercadoria é entregue por estes centros de serviço aos clientes da A... .

3.2 – Enquadramento Fiscal

A A... é uma empresa sediada na Suíça, sendo consequentemente em Portugal  uma sociedade  não residente sem estabelecimento estável, registada  somente para efeitos de IVA, estando colectada no Serviço de Finanças Loures  ... – código ... .

Não tem contabilidade organizada e a representante em sede de IVA é a B..., LDA, NIPC ... representada pelo Sr. C..., com o NIF... .(Anexo 1, 8 fls)

 Em sede de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal

II.4– OUTRAS SITUAÇÕES

 

II.4.1. Informação do Serviço de Finanças Loures ...

1- Segundo informação proveniente do Serviço de Finanças, foi o representante da firma A..., senhor C..., NIF..., administrador da empresa B..., sido alertado da existência de processo contra ordenacional, associado à entrega intempestiva da obrigação declarativa de IVA, reportada ao período de Março 2008 (08.03).

Confrontado o técnico responsável pelo cumprimento das obrigações declarativas, Senhor D..., este afirmou que a declaração tinha sido entregue atempadamente, tendo a Administração da A... remetido cópia da mesma ao Serviço de Finanças. Após várias tentativas de apurar a verdade, constatou-se que a cópia da Declaração Periódica de IVA enviada pela A... era falsa. Confrontado com várias provas de falsificação que lhe foram exibidas, o Técnico Oficial de Contas assumiu a falsidade declarativa de tal declaração, dizendo ser da sua inteira responsabilidade tal facto.

Por este motivo pôs termo à relação laboral que o ligava até ali à sua entidade empregadora

 2-Em 17-10-2008, de acordo com o mencionado no ponto  II.2, deste relatório, o representante da firma,  perante os factos expostos no ponto II.4.1, entregou carta na Repartição de Finanças de ..., em que apresenta fundamento para a falta de entrega da declaração e que assumem estarem na ignorância em relação a tal facto, tendo sido também efectuado o imediato pagamento da dívida exigida em processo executivo

II.4.2. Diligências no âmbito desta Acção inspectiva

No início da acção inspectiva constatou-se a inexistência de registos contabilísticos elaborados pelo anterior técnico, para as declarações periódicas de IVA enviadas em 2007 pelo que foi solicitado à Drª E..., NIF..., designada como representante nas relações com a Administração Tributária a apresentação dos elementos conducentes ao controlo dos valores evidenciados nas Declarações Periódicas de IVA, conforme determina o artº 44º do Código do IVA, tendo em consideração que a sociedade somente se encontra registada para efeitos de IVA.

II.5 – Análise de documentos

1-Em relação à contabilidade da empresa constatou-se que o sujeito passivo não possuía Balancetes mensais e anual, bem como registos contabilísticos nos extractos de contas correntes do Plano Oficial de Contabilidade, dos documentos referentes a compras e vendas.

2-Para suporte do IVA incluído nas declarações periódicas, foram exibidos mapas discriminativos referentes às facturas emitidas, (base tributável e IVA liquidado), e das facturas de fornecedores (IVA dedutível) (Anexo 2, 12 fls)

 

3- Da análise efectuada aos mapas e documentos contabilísticos constatou-se o seguinte:

             As facturas emitidas, não têem sequência numérica, sendo informado pelo Dr.  C... representante da A..., em Portugal, que a numeração é atribuída pela empresa sediada na Suíça, a nível mundial;

 

             Conforme se pode constatar pelo quadro seguinte os valores declarados de IVA nos meses de Agosto, Setembro e Dezembro de 2007, eram divergentes dos valores registados nesses mapas,

 

                Base Tributável IVA

Período Declarado           Real       Diferença            Declarado           Liquidado            Diferença

07-Ago 248.644,19          292.030,41          43.386,22            52.215,31             61.326,39            9.111,08

07-Set   87.849,62             44.463,40            -43.386,22           18.448,41             9.337,31               -9.111,10

07-Out  62.220,00             62.220,00            0,00       13.066,20             13.066,20            0,00

07-Nov 375.622,88          375.622,88          0,00       78.880,82             78.880,80            -0,02

07-Dez  549.467,26          671.166,86          121.699,60          115.388,15          140.945,04          25.556,89

                1.323.803,95       1.445.503,55      121.699,60          277.998,89          303.555,75          25.556,86

 

 

             Após análise dos elementos entregues, verificou-se que existia no mês de Dezembro uma diferença do IVA liquidado e não entregue  no valor de  € 25 556,86. Esta diferença é resultante da factura nº 08/00303 datada de 19/12/2007 cujo IVA não foi evidenciado nas Declarações Periódicas. (Anexo 3, 2 fls)

 

Nº Factura          Data       Base      IVA        Total da

                Factura Tributável           Liquidado            Factura

08/00303             19-12-2007          121.699,60          25.556,92             147.256,52

 

(…)

                                                                                                                                                                                                                         

VI -REGULARIZAÇÕES VOLUNTÁRIAS EFECTUADAS PELO SUJEITO PASSIVO

Após analise dos registos contabilísticos e documentos de suporte respectivos, o sujeito passivo foi informado que poderia proceder a entrega de novas declarações periódicas de IVA referentes aos períodos de Agosto, Setembro e Dezembro, o que efectuou voluntariamente, tendo entregue novas declarações, de acordo com prints informáticos (Anexo 4, 3 fls)

O valor da regularização voluntária, referente a IVA liquidado não entregue, do período de Dezembro 2007 ascendeu A € 25 556,87.

 

6. Na sequência da inspecção a AT emitiu as liquidações adicionais de IVA nºs ... e ... e de juros compensatórios nºs... e ..., no valor de 39.685,19 €,

7. A Requerente foi citada no âmbito de execução fiscal contra si movida, constando da respectiva nota de citação a identificação a proveniência das quantias exequendas e valores,

8. A Requerente procedeu ao pagamento correspondente às liquidações aqui controvertidas (cfr. requerimento da AT de 2020-05-12 e documentos com o mesmo juntos),

9. Em 2019-09-06 a Requerente apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 11º de Lei 81/2018 de 15 de Outubro, pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada  da não provado (cfr.,artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão (ões) de Direito (cfr., artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal  baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame  e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 670º, nº 3 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida na lei (vg, força probatória dos documentos autênticos) (cfr., artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio de livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110, nº 7 do CPPT, e a prova documental carreada para os autos consideram-se com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Em particular quanto  ao pagamento dos valores constantes das liquidações impugnadas, ponto 6 do probatório, é de assinalar, que em 12/05/2020 na sequência de despacho arbitral de 11/05/2020 a Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à junção de requerimento, acompanhado de dois documentos onde pode ler-se: “com referência às liquidações controvertidas, foram efectuados dois pagamentos pela Requerente, tendo o segundo pagamento provocado a extinção do PEF  ...2011....”

Não se deram como provadas nem como não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis  de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consodidada.

 

B.DO DIREITO

Se bem entendemos, a questão dirimenda subjacente aos presentes autos, reconduzir-se-á em determinar se houve ou não duplicação de colecta, uma vez que parecem não subsistir dúvidas que a Requerente, e independentemente da fórmula a que tenha recorrido, regularizou (pelo menos parcialmente) as liquidações adicionais provindas do relatório de inspecção tributária e aqui em controvérsia.

Vejamos pois:

- da duplicação de colecta

 

A duplicação de colecta com previsão normativa nos artigos 204º e 205º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante designado por CPPT) constitui fundamento de oposição à execução (alínea g) do nº 1 do artigo 204º), verificando-se de acordo com o nº 1 do artigo 205º “quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo período de tempo”, devendo a mesma ser conhecida oficiosamente, face à previsão do artigo 175º do CPPT.

Não obstante a sua eleição como fundamento opositivo à execução fiscal, é posição consolidada, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que nada haverá a obstar ao facto de a mesma constituir vício conducente à sua ilegalidade e, por consequência, ver o seu âmbito “alargado” em sede impugnatória.

No sentido do acabado de afirmar veja-se o disposto no artigo 99º do CPPT ao erigir como fundamento impugnatório “qualquer ilegalidade”.

Naturalmente, face à previsão do artigo 205º do CPPT, fica a sua verificação dependente dos seguintes requisitos cumulativos:

- unicidade dos factos tributários,

- identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige,

- coincidência temporal do tributo pago e que de novo se pretende cobrar.  

 

“O conceito de duplicação de colecta é fornecido pelo nº 1 do artigo 205º.

Trata-se de um fundamento que pode ser invocado também em impugnação judicial (…) quando afectar a legalidade do acto de liquidação, o que sucede nos casos em que o acto praticado já depois de paga a quantia, com base numa anterior liquidação relativa ao mesmo tributo e período de tempo.”

(…)

“Que a duplicação de colecta, além de fundamento de oposição à execução fiscal constitui uma ilegalidade que afecta a validade do acto tributário está  ínsito no nº do art.78º da LGT em que se prevê a possibilidade de revisão do acto tributário com esse fundamento.” 

 

- da liquidação de IVA nº 11137865 no montante de 25.556,87 €.

Consta do parecer emitido pelo Chefe emitido pelo Chefe de Equipa da Inspecção Tributária que “o sujeito passivo procedeu a regularização voluntária da situação com a entrega das respectivas Declarações de IVA de Substituição” e  que “o imposto regularizado voluntariamente ascendeu a € 25.556,87€, parecer esse sancionado por despacho proferido por delegação, da Chefe de Divisão da Inspecção Tributária – Departamento C – Divisão V, datado de 30 de Agosto de 2011. onde pode ler-se; “o sujeito passivo regularizou voluntariamente a sua situação contributiva, pelo que será de arquivar o presente processo”.

Ora,

Independente da metodologia utilizada pela Requerente para proceder às regularizações, através da entrega das declarações de substituição a que procedeu, o pagamento do imposto foi efectuado.

Como se retira do processo nº 28/2018-T, de 08/06/2018, proferido sob a égide do CAAD, “o regime da duplicação de colecta pressupõe que o primeiro pagamento está consolidado, pois o que justifica a não exigência do novo imposto é o facto de com a dupla aplicação da mesma norma jurídica a uma situação concreta se gerar uma situação de enriquecimento do erário público”.

A regularização/pagamento da liquidação em análise – 25.556,87 €, que a Requerente levou a cabo, desde logo aceite pela AT, tornará, no nosso entender, desnecessárias outras quaisquer considerações, que não seja a coincidência com a liquidação adicional aqui em apreciação, para se concluir estar-se perante duplicação de colecta.

De resto, em requerimento junto pela Requerida em 12 de Maio pp., que fez acompanhar de dois documentos, constata-se que a Requerente procedeu ao pagamento, em sede executiva, das liquidações aqui sob censura.

 

- da liquidação de IVA nº..., no montante de 9.111.08  €.

Quanto a esta liquidação adicional  nº..., no montante de 9.111,08 €, a que corresponde o documento de cobrança nº..., com data limite para pagamento em 2011-11-30  junto pela Requerente sob o documento nº 1-A, será de aceitar, no nosso entendimento, que a mesma, igualmente se encontra regularizada pelo facto de tal montante ter sido já declarado na declaração periódica de 07/09, antes da substituição da declaração periódica de 07/08, a que a Requerente procedeu.

Adicionando-se ainda, naturalmente, a circunstância supra referida, relativa aos pagamentos efectuados pela Requerente em sede executiva.

Acresce para finalizar, que não pode deixar de concordar-se com a Requerente no segmento em que esta afirma ser irrelevante a divergência de 0,03 € entre o valor da liquidação aqui controvertia- 9.111,08€ (documento nº 1 -A junto com o pedido de pronúncia arbitral) com o valor determinado na declaração de 09.2007-9.111.11 €. (documentos nºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

- da liquidação dos juros compensatórios

A par das liquidações adicionais de IVA, estão aqui em causa, duas notas de liquidação de juros compensatórios, àquelas associadas, melhor identificadas como segue:

- liquidação nº ..., no montante de 3.607,37 €, correspondente ao documento de cobrança nº..., com data limite para pagamento em 2011-11-30 e,

- liquidação nº..., no montante de 1.409,85 €, correspondente ao documento de cobrança nº..., com data limite de pagamento em 2011-11-30.

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Vejamos sinopticamente, a disciplina jurídica dos juros compensatórios para o que aqui importa.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 35º da Lei Geral Tributária (LGT) “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido (…)”

Redação similar decorrendo do disposto no nº 1 do artigo 96º (ex 89º) do CIVA:

“1. Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária”.

Preceituando o nº 2 do mesmo normativo: “sempre que o imposto liquidado pelos serviços ou pelo sujeito passivo não seja pago até ao termo dos prazos estabelecidos, são devidos juros de mora nos termos do artigo 44º da lei geral tributária”.

Não obstante a natureza dos juros compensatórios resultar hoje, como componente da dívida global do imposto, face ao que vem consignado no nº 8 do artigo 35º da LGT, “os juros compensatórios integram-se na própria divida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados”, serão os mesmos devidos pelo retardamento do pagamento do tributo a que respeitam.

Os juros compensatórios têm por escopo a compensação ao credor tributário pelo atraso na liquidação do imposto, na circunstância de tal facto ser imputável ao sujeito passivo.

Conforme se afirma na acórdão de 2012-11-27 tirado no Tribunal Central Administrativo Sul,  (processo nº 05908/12); “no âmbito do direito tributário, os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem  compensação para o credor,  por utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim compensando o prejudicado ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito”.

Como tal, e de acordo com o ensinamento do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa   “A exigência de juros compensatórios, depende do retardamento da liquidação ou o reembolso excessivo serem imputáveis ao contribuinte”.

“Para existir esta responsabilidade por juros compensatórios é necessário que exista nexo de causalidade adequada entre a actuação do contribuinte e o retardamento da liquidação (…)”.

“ A responsabilidade só abrange os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º, nº 1 do Código Civil).

Por isso, a actuação do contribuinte terá de ser condição do retardamento, do não recebimento ou do reembolso indevido (sem a actuação não se verifica este resultado) e não ser indiferente para a sua ocorrência (ele não ter ocorrido só devido a circunstâncias excepcionais ou anómalas).

Assim, sendo a responsabilidade por juros compensatórios baseada no tempo durante o qual a Administração Tributária esteve privada de uma quantia pecuniária que deveria estar na sua disponibilidade e dependendo de uma actuação do sujeito passivo, ela é limitada ao período de privação daquela que é imputável a tal actuação, deixando de existir a partir do momento em que haja uma actuação ou omissão da Administração Tributária que possa considerar-se como causa de um prolongamento dessa privação.”

(…)

“Não basta porém, uma conexão objectiva entre o atraso e a actuação do contribuinte.

Com efeito, a responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (artº 483º, nº 2, do Código Civil) e, por isso deverá entender-se a imputabilidade a que alude o artº 35º, nº 1, da Lei Geral Tributária como exigindo que possa formular-se um juízo de censura ao sujeito passivo.

Assim, é necessário que a sua conduta seja censurável, a título de dolo ou negligência.

A culpa, na falta de outro critério, deverá ser aferida “pela diligência de um pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” (art. 487º, nº 2, do Código Civil”.

A doutrina que vimos de citar, e que subscrevemos sem quaisquer reservas, é coincidente com a posição perfilhada na jurisprudência de que é exemplo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22-01-2014, relatado pelo Conselheiro Casimiro Gonçalves, no âmbito do processo nº 01490/13: “Nos termos do disposto no artº 35º da LGT e no actual art. 96º (correspondente ao anterior art. 89º) do CIVA, são requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.

A responsabilidade por juros compensatórios depende, portanto, de nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência”.

Concluindo-se, que a exigibilidade do direito a juros compensatórios, por banda do credor tributário, fica dependente do preenchimento cumulativo de dois pressupostos a saber; (i) o retardamento da liquidação de imposto, (ou um reembolso superior ao devido) e (ii) a imputabilidade desses factos ao sujeito passivo.

Antecipa-se que ambos os referidos pressupostos estão presentes nos autos subjacentes.

Deste modo e descendo ao caso concreto, referindo-se que a Requerente não pôs em causa nem impugnou  o teor do Relatório Inspectivo, neste segmento, não poderá deixar de considerar-se que a sua actuação e omissão  no âmbito das liquidações aqui em causa,   resultaram, de comportamento ou omissão censurável por parte da Requerente, desde logo evidenciado pela verificação de divergências entre as declarações periódicas entregues e os mapas que suportam o apuramento do imposto a entregar mensalmente.

Salvo o devido respeito por contrária opinião, as divergência assinadas e que se adiciona a falta de entrega   do IVA liquidado na factura nº  08/00303 de 19 Dezembro de 2007 são de molde a considerar neste conspecto as suas actuação e omissão como culposas e a si unicamente imputáveis, a legitimar a liquidação de juros compensatórios, de conformidade ao preconizado no nº 1 do artigo 35º da LGT; “facto imputável ao sujeito passivo”.

De resto, a própria Requerente concede, ainda que parcialmente, quanto às liquidações dos juros compensatórios, parecendo não discordar em absoluto das mesmas, divergindo unicamente quanto ao início temporal da sua contagem.

 Não restarão sérias dúvidas que as regularizações de imposto levados a cabo pela Requerente foram por esta realizadas voluntariamente e, para o que aqui importa, pela circunstância de, na sequência de procedimento inspectivo os respectivos serviços terem detectado diversas irregularidades.

Irregularidades sanadas pela Requerente através das declarações de substituição realizadas pela forma já supra descritas.

Realçando-se que, as declarações de substituição pela sua própria natureza foram obviamente efectuadas para além do prazo previsto no artigo 41º do CIVA, tendo gerado a liquidação de juros compensatórios.

Conforme já realçado, não obstante a Requerente tivesse visto a sua situação tributária regularizada por via das declarações de substituição, a verdade é que tal situação de reportou a imposto até então em dívida.

Face ao que vem dito, a liquidação dos juros compensatórios, face ao enquadramento temporal em que a Requerente procedeu à regularização/pagamento do IVA aqui em causa, são de molde a torná-los exigíveis e legais, face ao disposto no nº 2 do artigo 43º da LGT, improcedendo neste segmento o pedido da Requerente no sentido da sua anulação por ilegalidade.

Poder-se-á sintetizar, e citando António Lima Guerreiro,  que “o direito a juros compensatórios depende, assim, da conjugação de um elemento objectivo, o atraso na liquidação ou entrega do imposto retido ou a reter ou a pagar por conta, e de outro subjectivo, a culpa do contribuinte”, para se concluir, face ao que vem de expor-se, pela verificação dos elementos em causa.

 

III- JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Requerente peticiona ainda juros indemnizatórios em conformidade ao disposto do artigo 43º da LGT, pela circunstância de a liquidação de IVA e juros compensatórios ter ficado a dever-se a “erro imputável aos serviços”.

Vejamos;           

Face à estatuição da alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJTA, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para  o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utiliza a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tribuário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

O nº 5 do artigo 24º do RJAT ao afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo tributário.

Ora,

O direito à percepção de juros indemnizatórios por parte do sujeito passivo, fica, desde logo, dependente da verificação dos seguintes requisitos:

“ - que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;

- que ele seja imputável aos serviços,

- que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial,

- que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” 

Como já supra exposto, a intempestividade/retardamento  do pagamento imposto, e juros associados,  em resultado da acção inspectiva, desde logo ficou a dever-se a uma diferença de IVA liquidado e não entregue ao Estado, no montante de 25.556,86 € respeitante à factura nº 08/00303 não evidenciada na correspondente declaração periódica, e o IVA liquidado de 9.111,08 € inicialmente entregue na declaração  periódica de 0709,  e que foi posteriormente corrigido  com a entrega de novas declarações de substituição para 0708, período a que respeita o imposto, e para 0709, substituindo o imposto declarado a mais, constituíram-se como  actos e/ou omissões da própria Requerente, (cfr.,  Relatório Inspectivo), e a si imputáveis.

Na verdade dúvidas parecem não subsistir que as regularizações tardias a que a Requerente procedeu a esta devem ser imputadas não se verificando, neste segmento qualquer “erro imputável aos serviços”, que contenha a virtualidade de conferir à Requerente quaisquer juros indemnizatórios.

 

IV-DECISÃO

Face ao exposto, decide o Tribunal Arbitral Singular em;

1-Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral,

2-Anulando-se em consequência por ilegais, as liquidações respeitantes ao IVA, nº... no montante de 25.556,89 €, a que corresponde o documento de cobrança nº..., e nº ...  no montante de 9.111,08 €, a que corresponde o documento de cobrança nº ..., com as legais consequências,

2-Manter na ordem jurídica interna as liquidações, respeitantes a juros compensatórios, nº..., no montante de 3.607,37 €, a que corresponde o documento de cobrança nº..., e nº ... no montante de 1.409,85 €, a que corresponde o documento de cobrança nº...,

3- Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do mesmo,

4- Condenar Requerente e Requerida no pagamento das custas tributárias na proporção dos respectivos decaimentos, na proporção de 87, 35 % para a AT e 12,65% para o sujeito passivo.

 

V- VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 39.685,19 € (trinta e nove mil, seiscentos oitenta e cinco euros, e dezanove cêntimos)

 

VI- CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 1.836,00 € (mil oitocentos e trinta e seis euros).

 

NOTIFIQUE-SE.

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas].

 

Dezoito de Maio de dois mil e vinte

 

O árbitro

(J. Coutinho Pires)