Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 59/2020-T
Data da decisão: 2021-04-21  IRS  
Valor do pedido: € 4.062,52
Tema: IRS – Mais Valias Imobiliárias - Não Residentes: sujeito passivo residente em país da EU; artigos 15º, 43º e 72º do CIRS; artigo 63º TJUE.
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Sumário:

I – A Requerente é residente num Estado membro da EU, realizou uma mais valia imobiliária, no ano em referência, decorrente da alienação de imóveis situados em Portugal, que declarou para tributação em sede de IRS, tendo cumprido todas as suas obrigações fiscais perante a AT portuguesa.

 

II - A liquidação de IRS impugnada, na parte que considera como base de tributação das mais-valias realizadas pela Requerente mais de 50% do seu valor, carece de fundamento legal, concluindo-se pela incompatibilidade do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) com o artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), o que determina a procedência do pedido arbitral, a declaração ilegalidade da liquidação de IRS impugnada, a sua anulação parcial e o reembolso do imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios.

 

III – O facto de atualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem a opção prevista no artigo 72º do CIRS, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes e cujo cumprimento por não residentes é, na prática, inviável atentas as características próprias do imposto, que é por natureza único, pessoal e progressivo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 31-01-2020, A..., com o NIF..., residente na Av. ..., ..., ..., França, apresentou no CAAD, um pedido de constituição de relações veio apresentar (doravante “'Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante “RJAT”) e do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral para impugnação do indeferimento da Reclamação graciosa e do ato tributário de liquidação de IRS nº..., referente ao ano de 2018. Peticiona a anulação parcial da liquidação de imposto, pelo excesso de imposto liquidado, no valor de €4.062,52, o respetivo reembolso acrescido de juros à taxa legal.

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

3.            No pedido arbitral o Requerente peticiona a anulação desta liquidação, por ilegalidade decorrente da existência de alegado vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, concretamente pela violação do disposto no artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Conclui o seu pedido, pugnando pela declaração de ilegalidade da liquidação impugnada, com a consequente devolução do montante de €4.062,52, correspondente a cinquenta por cento da mais-valia, indevidamente tributada, em sede de IRS, acrescida de juros compensatórios e indemnizatórios, por erro imputável à AT.

 

4.            O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 31-01-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 16-03-2020, como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 06-07-2020. Na mesma data foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

6.            A AT apresentou Resposta em 30-07-2020, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Juntou aos autos Processo Administrativo.

 

7.            Em 06-07-.2020 foi proferido despacho arbitral com o seguinte conteúdo: Considerando os articulados junto aos autos, constata-se que a questão essencial a decidir é exclusivamente de direito. Não há prova testemunhal a inquirir. Na Resposta veio a AT alegar, no artigo 36º da Resposta apresentada, que "estando a posição das partes plenamente definida nos autos, sendo a questão em discussão exclusivamente uma questão de direito, e tomando em consideração os princípios da livre condução do processo consignado no artigo 19.º do RJAT, bem como, o da limitação de atos inúteis previsto no artigo 130.º do CPC, requer-se a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT".

 

Nesta conformidade, constata-se que não se justifica a realização prevista no artigo 18º do RJAT, pelas razões invocadas e supra mencionadas, reforçada pela especial situação imposta pelo combate à pandemia COVID 19.

Assim, sendo, o Tribunal decide dispensar a realização da reunião e fixar o prazo de 10 dias, igual e sucessivo, para Requerente e Requerida apresentarem as suas alegações por escrito. As alegações são facultativas e o prazo para apresentação das alegações da Requerida inicia-se após o termo do prazo fixado para a Requerente.

A decisão arbitral será proferida no prazo previsto no artigo 21º do RJAT, podendo ser proferida antes dessa data.”

 

8.            As partes não juntaram alegações. Em 09-10-2020 o requerente veio aos autos juntar o comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

9.            Em 05-01-2021foi proferido Despacho arbitral de prorrogação do prazo para prolação da decisão arbitral com o seguinte conteúdo: «Nos termos do Despacho arbitral proferido em 23/11/2020, a decisão arbitral seria proferida no prazo previsto no artigo 21º do RJAT, o qual termina em 06-01-2021. Considerando que não é ainda possível disponibilizar a decisão arbitral em preparação e usando da prerrogativa prevista no artigo 21º, nº 2 do RJAT, prorroga-se o prazo para prolação da decisão arbitral por dois meses, não obstante esta possa ser disponibilizada a qualquer momento. De ressaltar que a fundamentação para esta prorrogação decorre da grande concentração de prazos para proferir decisão, com datas limite compreendidas entre outubro de 2020 e janeiro de 2021, por força da suspensão de prazos determinados pela legislação COVID 19.»

 

 

10.          Em 11-03-202, foi proferido despacho arbitral a prestar o seguinte esclarecimento: «Nos termos do Despacho arbitral proferido em 05/01/202, foi prorrogado o prazo para proferir a decisão arbitral por dois meses, nos termos previstos no artigo 21º, nº 2 do RJAT. Por força do disposto da Lei nº 4-B/2021, de 01-02-2021, que procede à nona alteração à Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março, o prazo encontra-se suspenso, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3, do artigo 6º B, desde o dia 22 de janeiro de 2021. Até ao momento não foi possível concluir a Decisão arbitral, devido à acumulação de decisões, singulares e coletivas, para o mesmo período, bem assim como aos constrangimentos decorrentes da situação de pandemia. Assim, por cautela e sem prejuízo de poder ser proferida antes, o Tribunal vem, ao abrigo do disposto no artigo 21º, nº2 do RJAT, prorrogar o prazo para prolação da decisão por mais 30 dias a contar da cessação da suspensão operada nos termos supra expostos.»

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a)            O A impugnante reside habitualmente em França, onde vive e trabalhou, pagando aí a totalidade dos seus impostos e onde aufere pensão por trabalho prestado naquele país.

b)           No ano de 2018 a impugnante alienou dois imóveis sitos em Portugal, de que era proprietária, identificados nos autos e no processo administrativo como fracções “P” e “AI” do prédio urbano identificado matricialmente pelo artigo ..., freguesia ...;

c)            Os valores globais de realização, no montante de 97 500,00 (noventa e sete mil e quinhentos euros), corresponderam a €61 017,02 Euros (sessenta e um mil e dezassete euros e dois cêntimos) a título de aquisição e 6 244,61 Euros (seis mil duzentos e quarenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos) a título de encargos.

d)           A impugnante entregou o modelo 3, anexo G, referente ao ano de 2018, na qual declarou de forma expressa, ser não residente, e pretender que a tributação da mais-valia, fosse realizada pelo regime geral.

e)           Esta mais valia foi o único rendimento obtido pela impugnante em território português.

f)            A Requerente foi notificada para pagar a liquidação de IRS nº..., no montante de €8.125, 04.

g)            O valor do imposto foi apurado sobre 100%, ou seja, a totalidade do valor da mais valia apurada;

h)           A Requerente pagou o valor de €8.125,04, a título de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, conforme documento de cobrança nº..., e como consta do processo administrativo junto aos autos;

i)             Em 11-10-2019 a Requerente apresentou Reclamação graciosa, a qual veio a ser indeferida após direito de audição;

j)             Em 31-01-2020 a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

      Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

12.          A matéria considerada comprovada tem por fundamento os factos reconhecidos como assentes pelas partes, bem assim como o suporte documental junto aos autos pelo Requerente e o constante do processo administrativo (PA) junto aos autos pela AT. Deste consta, concretamente, o processo de Reclamação Graciosa deduzido pela Requerente, no qual resultaram provados os factos supra enunciados.

 

13.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Resulta, aliás, que a controvérsia que opõe as partes nos presentes autos não se reporta à matéria de facto, mas somente em relação à matéria de direito.

 

B. DO DIREITO

B.1. Questão a decidir

 

14.          Considerando tudo o que vem exposto no pedido arbitral constata-se que a única questão de direito a decidir é a de saber se a tributação da mais valia apurada, referente ao ano de 2018, se processou em conformidade com os preceitos legais aplicáveis e, concretamente, se resulta ou não na violação do direito da União Europeia e, concretamente, do disposto no artigo 63º do TFUE. Alega a Requerente que cálculo do imposto sobre a mais valia apurada deveria ter sido levado a efeito, tendo por base a aplicação de uma tributação de cinquenta porcento (50%), conforme previsto no artigo 43º nº2 do CIRS e não a aplicação de uma tributação de cem porcento sobre a mais-valia apurada, tanto mais que a ora impugnante não exerceu a opção de englobamento do mesmo e tendo, no quadro 8 B do supramencionado Modelo 3 assinalado o campo 4 ( não residente) e o campo 7 ( tributação pelo regime geral aplicável a não residentes).

 

15.          Em discussão está a exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal, mas residente num Estado Membro da União Europeia violar o Direito Comunitário.

 

B.2 A posição da AT

 

16.          Sobre questão decidenda a AT considera que a Requerente não tem razão. Considera que, só os residentes poderão ser incluídos na previsão do artigo 43º, nº2 do CIRS. Acrescenta que, se é certo que no Acórdão do TJCE, de 11/10/2007, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72º, n.º 1 e 43.°, n.º 2 do CIRS. Entende, ainda, em síntese, que não subsiste qualquer violação do direito comunitário e que a liquidação deve subsistir por não padecer de qualquer vício.  Sobre a ilegalidade dos juros compensatórios, a respetiva aplicabilidade pressupõe, à luz do preceituado no artigo 35°, nº 1 da LGT, um juízo de censurabilidade ao contribuinte, a título de dolo ou negligência, averiguada através do nexo de causalidade do respetivo comportamento e o atraso na liquidação. Já a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência), o que não se verifica no presente caso. Conclui pugnando pela improcedência do pedido e pela manutenção da liquidação impugnada.

 

B.3 Decidindo

 

17.          Para a decisão releva o disposto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, concretamente, o regime de tributação da categoria dos incrementos patrimoniais decorrentes de mais valias realizadas com a alienação de imóveis e a sua conformidade ou não com o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento do União Europeia (TFUE). Dispõe este normativo comunitário que, «no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».

 

Vejamos agora o que resulta do disposto no CIRS em sede de tributação de mais valias decorrentes da alienação de imóveis.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do, tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.»

Dispõe, ainda, o nº1 do artigo 43.º do CIRS que «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.» O nº2 do mesmo artigo dispõe que o «saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor».

Ainda com relevância para a decisão, importa atender ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, que prevê a tributação à taxa autónoma de 28 por cento (28%): “a) As mais-valias previstas nas alíneas a) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português, que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado.”

 

Por fim, dispõe o n.º 9 e o n.º 10 do artigo 72.º do CIRS o seguinte:

 

«9- Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.»

 

Posto isto, retornando ao caso dos autos, constata-se que:

 

18.          Ficou provado que na liquidação de IRS impugnada a AT tributou a totalidade das mais-valias obtidas e declaradas. Isto porque, como a própria alega na sua Resposta, a AT considera que o disposto no nº2 do artigo 43º se aplica, apenas, a residentes. E, sendo assim, este Tribunal arbitral não pode deixar de concluir que a liquidação de imposto, ao assentar no pressuposto da aplicação de um regime discriminatório para residentes e não residentes, se afigura incompatível com o artigo 63.º do TFUE, na parte em que considerou como base de tributação das mais-valias realizadas pela Requerente mais de 50% do seu valor, devendo, por isso, ser parcialmente anulada. No caso dos autos, o valor da liquidação foi de €8.125,04, por ter incidido sobre 100% do valor da mais valia realizada. Ora, se tivesse sido considerado apenas 50% do valor de realização, o valor apurado de imposto seria de apenas €4.062,52.

Colocada a questão nestes termos, não há dúvida que se verificou um tratamento discriminatório no caso em apreço nos autos, o que configura uma violação do artigo 63º do TFUE, como melhor se demonstrará nas considerações seguintes.

 

19.          Esta questão não é nova e podemos apontar abundante Jurisprudência sobre o assunto, quer dos nossos Tribunais Administrativos superiores, quer dos Tribunais Arbitrais, constituídos no CAAD, alinhados com a Jurisprudência do TJUE. Considera, assim, este Tribunal Arbitral que, tendo em conta a Jurisprudência do TJUE, o regime discriminatório resultante do entendimento da AT em relação à aplicação do artigo 43º do CIRS, resulta em ilegalidade da liquidação impugnada, por violação do direito da União Europeia. No caso dos presentes autos, a questão em discussão é exatamente a que já foi discutida em muitos outros processos decididos, e consiste em saber se o regime de tributação autónoma incidente sobre as mais-valias imobiliárias, auferidas por não residentes em território português mas residentes em território de outro Estado da União Europeia (no caso, na França), decorrente do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, alínea h), 43.º, n.ºs 1 e 2 e 72.º, n.º 1, alínea a), todos do CIRS.

 

20.          Está, concretamente, em causa determinar se, face ao disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, o saldo positivo apurado a título de mais-valias, no ano de 2018, deverá ou não ser considerado em apenas 50% do seu valor, uma vez que a requerente reside na França. Para a Requerente o valor apurado a título de mais valia deve ser considerado em apenas 50% do seu valor, pois entende que o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS é aplicável aos não residentes em Portugal, mas residentes num Estado-membro da União Europeia, sob pena de ilegalidade por violação do artigo 63º do TFUE. Invoca a favor deste entendimento diversa jurisprudência arbitral e junta como exemplo uma decisão proferida no processo nº 55/2019-T.

Na verdade, podemos citar numerosa Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e dos tribunais arbitrais, ambas ancoradas na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente, no processo C-443/06, em 11 de outubro de 2007 (caso «Hollmann»).

Assim, podemos concluir que a questão de direito tem vindo a ser decidida de modo uniforme pelo Supremo Tribunal Administrativo, como resulta, entre outros, dos Acórdãos proferidos nos Processos n.º 0439/06, de 16/01/2008; n.º 01031/10, de 22/03/2011; n.º 01374/12, de 30/04/2013; n.º 01172/14, de 03/02/2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Também a Jurisprudência arbitral tem sido uniforme no entendimento desta questão, como resulta, entre outros, dos seguintes processos: n.º 45/2012-T, de 05/07/2012; n.º 127/2012-T, de 14/05/2013; n.º 748/2015-T, de 27/07/2016; n.º 89/2017-T, de 05/07/2017; n.º 644/2017-T, de 30/05/2018; n.º 520/2017-T, de 04/06/2018; n.º 617/2017-T, de 22/06/2018; nº 55/2019-T, todas disponíveis em www.caad.org.pt. Todas estas decisões arbitrais consideraram, relativamente à mesma questão de direito que se suscita no presente processo arbitral, sendo que se mantém inalterado o regime geral do CIRS que enquadrou e fundou a jurisprudência citada.

Este Tribunal arbitral, seguirá de perto esta jurisprudência, na esteira do já decidido no processo nº 748/2015-T de 21/07/2016 e no processo nº 55/2019, de 04/02/2020, com a qual se concorda em pleno.

 

21.          Como já se referiu, a questão de direito a decidir nos presentes autos, foi objeto de reenvio prejudicial por parte do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no Processo n.º 0439/06, de 28/09/20061. O TJUE tomou posição sobre esta questão no Acórdão proferido no Processo C-443/06, de 11/10/2007 (“Acórdão Hollmann”), segundo o qual o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, a um tratamento discriminatório, a um residente de outro estado membros. Desde então esta jurisprudência tem sido acolhida pelo STA bem assim como pelos Tribunais Centrais Administrativos e Arbitrais.

Nesta conformidade, acompanhamos a Jurisprudência supracitada da qual resulta que o regime de tributação das mais valias, decorrente do disposto nos artigos, 10º e 43º, nº 2 do CIRS, é incompatível com o direito europeu, não sendo de considerar sanada tal incompatibilidade com o aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (atuais números 9 e 10), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008), porquanto persiste uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes, com prejuízo para estes últimos, ainda que residam em país da União Europeia.

 

22.          Do ponto de vista da AT, o quadro legal em vigor já não é o mesmo que existia à data da prolação do mencionado acórdão pelo TJUE, face à alteração legislativa ao artigo 72.º do Código do IRS, já mencionada. Ora, não podemos subscrever tal entendimento.

Por um lado, existe uma vasta jurisprudência nesta matéria, sendo disso exemplo as diversas decisões arbitrais proferidas por tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD, posteriores à alteração legislativa mencionada, sendo unanime o entendimento que a mesma não resolveu o problema pré-existente. Aliás, a propósito de da existência de um regime de opção em tudo idêntico ao introduzido no artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, já se pronunciou o TJUE no Acórdão «Gielen», proferido em 18/03/2010, no processo C-440/08, considerando que a introdução do regime de opção não resolvia o problema e apesar deste Acórdão se referir a uma questão relativa à liberdade de circulação de pessoas e não a liberdade de circulação de capitais, como sucede no caso em apreço nestes autos, a verdade é que o princípio em causa é o mesmo, preservar a liberdade de circulação e a não discriminação entre os regimes aplicáveis com fundamento na residência ou nacionalidade dos sujeitos passivos no seio da UE. Como bem esclareceu o TJUE a esse propósito, a introdução da opção «não resolveu o problema da discriminação entre residentes e não residentes em Portugal, mas em qualquer outro Estado membro da EU.» O TJUE afirma com manifesta clareza que, perante uma vantagem fiscal cujo benefício é recusado aos não residentes, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes pode ser qualificada de discriminação, na acepção do TFUE, quando não haja nenhuma diferença objetiva de situação suscetível de justificar diferenças de tratamento, quanto a este aspeto, entre as referidas categorias de contribuintes.»

Acresce que, também, sobre esta segunda questão, se pronunciou o TJUE no Acórdão proferido no processo C 184/18, afirmando que “não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes (...) que justifique a se pronunciou o TJUE desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais valias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontram os contribuintes não residentes, (...) é comparável à dos contribuintes residentes.”.

 

23.          Chegados aqui, conclui-se que a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43º, nº 2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE. Esta resposta decorre da proibição de discriminação e de qualquer restrição (direta ou indireta) à liberdade de circulação de capitais, sendo que, no caso dos autos, tal discriminação se traduze num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

 

24.          Resulta da matéria de facto provada nos presentes autos que a AT considerou, para efeitos de determinação do rendimento coletável e consequente liquidação do IRS aos Requerentes, não residentes em Portugal mas num outro Estado-Membro da EU a totalidade da mais-valia realizada na alienação das frações identificadas nos autos. A própria AT reconhece expressamente que, no seu entendimento, o preceito contido no n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS só é aplicável a residentes. Isto basta para demonstrar a existência de discriminação incompatível com o TFUE.

 

25.          Ora, dispõe o nº2 do artigo 43º do CIRS que o «saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor”. (sublinhado nosso).

A condição prevista nesta norma («residentes») é em si mesma discriminatória, exceto se interpretada como alcançando os residentes em qualquer Estado membro da EU, sob pena de violação dos princípios básicos de construção do mercado único de livre circulação de pessoas e capitais no seio da EU. E, não se diga que a introdução do regime opcional resolve o problema, porque é fácil de entender que tal opção pressupõe que os sujeitos passivos não residentes se sujeitem às especificidades do regime interno de tributação das pessoas singulares, vigente em Portugal, assente no princípio do englobamento e da progressividade.

Ora, é por demais evidente que no caso de ser exercida a opção nos termos expostos os não residentes perdiam todo um conjunto de deduções e seriam onerados com uma tributação progressiva e sem possibilidade de pessoalização do imposto.

Não se aceita, pois, o argumento da AT. Entende este Tribunal arbitral que a alteração introduzida nesta matéria com a possibilidade de proporcionar uma «opção» ao não residente, é falaciosa e corresponde a uma forma ínvia de atingir o mesmo fim anteriormente alcançado com o regime discriminatório o qual, obviamente, subsiste. Dito de outro modo, proporcionar a sobredita «opção» é mascarar o intuito discriminatório do regime de tributação das mais valias imobiliárias, pois assenta na admissão de uma condição muito mais onerosa para os não residentes, porquanto todos os cidadãos europeus residentes noutro país da EU que não em Portugal, ficariam sujeitos à progressividade do imposto sem possibilidade de beneficiar da pessoalização do mesmo, nos termos previstos no artigo 104º da Constituição da República Portuguesa. A verdade é que os não residentes nunca estariam em condições de se submeter a tal condição em plenitude de igualdade de tratamento face aos residentes. D

De resto, nem se compreende o porquê da «opção» se o legislador poderia ter resolvido a questão em definitivo, introduzindo no nº 2 a expressão «residentes em Estado membro da EU». Teria sido mais simples e resolveria o problema sem margem para qualquer dúvida. A questão é por demais evidente: não foi essa a opção do legislador porque pretendeu manter uma discriminação de tratamento fiscal, mesmo sabendo que a mesma ofende o Direito da União Europeia. Tal desiderato é, em si mesmo, inaceitável.

 

26.          Por último, a discriminação da norma nacional não é justificável pelo objetivo de evitar penalizar os residentes, porque, como acima se referiu, considerando que o imposto é progressivo, a opção pelo englobamento, conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta que não se lhe aplica a redução a 50% do rendimento coletável, como sucede com os residentes que dela beneficiam. Por isso a discriminação subsiste e é inquestionável. Não há dúvida que a solução adotada pelo legislador português não elimina o caráter discriminatório no tratamento de residentes e não residentes, em matéria de mais valias decorrentes de alienação de imóveis.

 

27.          Em conclusão, se apenas os residentes podem, efetivamente, beneficiar do disposto no artigo 43º, nº2 do CIRS., a discriminação subsiste. É, pois, entendimento deste Tribunal arbitral que a solução adotada pelo legislador português não garante a eliminação da discriminação resultante do disposto no nº2, do artigo 43º.

A existência deste regime, meramente opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS ora impugnada e cuja anulação parcial é requerida nos presentes autos.

 

28.          Nesta conformidade, a liquidação impugnada afigura-se ilegal, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a sua consequente anulação parcial e o reembolso à Requerente do valor de €4. 062,52, correspondente ao valor de imposto pago em excesso.

Em face do exposto, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando as liquidações de IRS impugnadas, com o consequente reembolso do valor pago em excesso nos termos expostos.

 

B.4 - Quanto à restituição da quantia paga em excesso acrescida de juros indemnizatórios

 

29.          Por tudo o que vem exposto e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, decorre da anulação parcial da liquidação de imposto as consequências legais de reposição da situação que existiria não fosse a prática do ato ilegal. Ora, assim sendo, se a liquidação tivesse sido processada nos mesmos termos previstos para os residentes, ou seja, com a redução prevista no nº2 do artigo 43º do CIRS, a Requerente teria cumprido a sua obrigação de pagamento do imposto, mas apenas, no valor de €4.062,52 e não no valor que efetivamente pagou, de €8.125,04.

Assim, na medida em que a Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado pela administração tributária deverá ser ressarcida do montante indevidamente pago, em excesso (€4.406,00) acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à luz do preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

Acresce que, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário. O n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Ficou demonstrado que o Requerente pagou o imposto impugnado, como bem resulta do processo administrativo, nomeadamente do procedimento de Reclamação Graciosa, no qual se assume que o imposto foi pago pela Reclamante. Como se deixa demonstrado, o valor pago foi em montante superior ao que seria devido.

Desta forma, por força do disposto nos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem o Requerente direito aos juros indemnizatórios, a contabilizar à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto indevido (excesso anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

Face a todo o exposto e às normas legais supra mencionadas, decide-se pela procedência do pedido do Requerente quanto ao reembolso da quantia paga em excesso acrescida de juros nos termos sobreditos.

 

C. Decisão Arbitral

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular o seguinte:

 

a)            Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, declarando parcialmente ilegal a liquidação de imposto impugnada;

b)           Condenar a Requerida AT a restituir à Requerente o valor de imposto indevidamente pago em excesso, no montante de € 4.062,52, dando, assim, cumprimento à decisão ora proferida.

c)            Condenar a Requerida a pagar à Requerente juros indemnizatórios à taxa legal, relativamente ao valor de imposto indevidamente pago, desde a data em que o Requerente efetuou o pagamento, até ao integral e efetivo pagamento do montante a restituir ao Requerente.

d)           Condenar a Requerida AT nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €4.062,52, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de abril de 2021

 

O Árbitro

(Maria do Rosário Anjos)