Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 585/2019-T
Data da decisão: 2021-01-04  IRS  
Valor do pedido: € 85.964,72
Tema: IRS - Revogação parcial; Erro de escrita; Objecto do processo arbitral e poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral.
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SUMÁRIO:

I.             Nos procedimentos de segundo e terceiro grau, a AT apenas se pode pronunciar pela improcedência ou procedência, total ou parcial, dos respectivos pedidos, devendo quaisquer outras correcções que entenda serem devidas ser efectuadas através de um procedimento autónomo devidamente fundamentado e notificado aos sujeitos passivos, conforme artigos 65.º e 66.º, ambos do CIRS;

II.            Os poderes dos tribunais arbitrais em matéria tributária são de mera anulação dos actos tributários que integram o seu objecto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 03 de Setembro de 2019,  A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., Cascais, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS n.º 2017 ..., referente ao ano de 2016, no valor de €85.964,72, assim como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º .../2017, que teve aquele acto como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, o seguinte:

i.             o valor de € 5.372,32 que a AT classifica como rendimentos sob a forma de juros, corresponde ao rendimento apurado em fundos de investimento, distribuído dentro do próprio fundo e integrado no património do fundo, pelo que a declaração de substituição apresentada pelo Requerente respeitante ao anexo J está correcta;

ii.            caso não seja possível demonstrar os valores de aquisição das participações sociais cujo valor de aquisição está a ser colocado em crise pela AT, impõe-se que se recorra ao artigo 48.º, n.º 1, alínea a) do CIRS sendo considerado o valor da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, pelo que, em circunstância alguma, se poderá admitir o acréscimo ao rendimento tributável em IRS de uma importância igual ao valor de realização.

 

3.            No dia 04-09-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Dr. Nuno Pinto Fernandes, nos termos do artigo 11.º n.º 2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Dr. Jesuíno Alcântara Martins.

 

5.            Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

6.            Na sequência da indicação pelos Árbitros designados pelo Requerente e pela Requerida, como árbitro presidente do tribunal arbitral colectivo a constituir, foi designado árbitro-presidente nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e do artigo 5.º do Regulamento de Selecção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, o relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

7.            Em 11-11-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

8.            Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 11-12-2019.

 

9.            No dia 22-01-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

10.          Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

11.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelo Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as suas posições jurídicas.

 

12.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

13.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

1-            Em 11-04-2017, o Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2016.

2-            O Requerente preencheu o anexo J, onde declarou como rendimentos de capitais:

a)            Código de rendimento E24 – País de Fonte 826 – Rendimento bruto €218.973,93;

b)           Código de rendimento E99 – País de Fonte 136 – Rendimento bruto €9.540,31;

c)            Código de rendimento E22 – País de Fonte 840 – Rendimento bruto €3.784,90 – Imposto pago no país de fonte - €567,83.

3-            Na sequência da entrega da referida declaração de rendimentos, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2017..., no montante de € 85.964,72.

4-            Por lapso, o Requerente inseriu no quadro 8-A, o valor de €218.973,93 tendo como país de fonte o Reino Unido (826) quando deveria ter inserido o valor de €118.973,93.

5-            Em 12-07-2017, o Requerente entregou declaração de substituição, declarando no quadro 8-A o valor de €118.973,93.

6-            A declaração de substituição foi convolada em reclamação graciosa.

7-            A AT indeferiu a reclamação graciosa e manteve a liquidação de IRS 2017..., relativa ao de 2016, na qual se apurou imposto a pagar no montante de €85.964,72.

8-            O Requerente procedeu ao pagamento do referido montante.

9-            O Requerente apresentou recurso hierárquico, dirigido ao Sr. Ministro das Finanças, tendo por objeto, de forma imediata, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, de forma mediata, a liquidação de IRS n.º 2017... .

10-         Através do ofício n.º..., de 2019-06-03 da Direcção de Serviços de Relações internacionais, foi o Requerente notificado da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.

11-         Tendo sido notificada da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, a AT revogou parcialmente o acto de liquidação n.º 2017... na parte relativa ao valor dos juros auferidos pelo Requerente no ano de 2016, considerando que estes foram no valor de €133.887,06 e não de €218.973,93. 

12-         No despacho de revogação parcial do acto de liquidação, proferido pela Exm.ª Sr.ª Subdiretora-Geral da AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, refere-se, além do mais o seguinte:

“No tocante ao alegado erro declarativo relativo aos juros inscritos no campo 801 do quadro 8-A do anexo J, confirma-se que tal se consubstanciou, de facto, num lapso, devendo ser considerado não o valor inicialmente declarado (€218.973,93), mas sim o montante de €118.973,93, como aliás, já se havia concluído no recurso hierárquico.

5. Aos quais devem ser acrescidos €9.540,81 (conforme resulta dos elementos probatórios apresentados, se concluiu em sede de recurso, e é reconhecido pelo requerente, nomeadamente no artº29º do pedido de pronúncia arbitral).

(...)

Assim, o valor total de juros a considerar como tendo sido auferidos pelo requerente no ano de 2016, deve ascender não aos €218.973,93 inicialmente declarados, mas sim a €133.887,06 (€9.540,81+€118.973,93+€5.372,32), conforme se concluiu em sede de recurso. (...)

Deste modo, após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deve ser mantida a decisão do recurso hierárquico no tocante aos valores de juros e dividendos a considerar, devendo ser revogada a liquidação 2017..., referente ao ano de 2016, no valor de €85.964,72, e ser emitida uma nova, considerando, em termos práticos, na declaração que lhe estará na génese, as conclusões acima indicadas, em concreto as constantes nos pontos 10 e 11 da presente informação”.

13-         Na sequência da revogação parcial do acto de liquidação, foi emitida a liquidação correctiva nº 2020..., que implicou o reembolso nº 2020... no montante de €23 824,33, pago ao Requerente através de cheque emitido em 17-02-2020.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                As questões que se apresentam a decidir no presente processo arbitral são as seguintes:

a)            Da revogação parcial do acto tributário objecto da presente acção arbitral;

b)           Da ilegalidade, ou não, da manutenção do remanescente do montante contestado;

c)            Das questões relativas à existência, ou não, de mais valias a tributar.

Vejamos cada uma delas.

 

***

a)

                O objecto dos presentes autos é constituído pelo acto de liquidação de IRS n.º 2017 ..., referente ao ano de 2016, no valor de €85.964,72.

                Conforme resulta dos factos dados como provados, por despacho da Exm.ª Sr.ª Subdiretora-Geral da AT - Autoridade Tributária e Aduaneira com competências delegadas na área dos Impostos sobre o Rendimento, foi revogado parcialmente o acto tributário referido.

                Face ao ocorrido, torna-se parcialmente inútil o prosseguimento da presente lide, na medida em que, do prosseguimento da mesma, não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídica material controvertida, na parte oficiosamente revogada pela AT.

Com efeito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância (cfr. artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil). Como referem LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO , a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.

Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi, total ou parcialmente, atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, a correspondente inutilidade superveniente da lide.

                Decorre da actuação administrativa dada como provada que a pretensão formulada pela Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal do acto sindicado, ficou em parte prejudicada porquanto a supressão parcial desse acto e seus efeitos da ordem jurídica foi conseguida por outra via, depois de iniciada a instância. Na verdade, a prática posterior do acto expresso de revogação parcial da liquidação impugnada (cfr. art. 79.º, n.º 1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessa parte da liquidação se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória parcial, perde utilidade a apreciação, em relação a tal parte da liquidação, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto nessa parte a pretensão impugnatória contra elas deduzida.

Nestes termos, este Tribunal julga verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que concerne à parte do pedido de anulação do acto tributário objecto do presente processo oficiosamente revogada pela AT, o que implica a extinção da correspondente parte da instância nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

***

b)

                Conforme resulta dos factos dados como provados, o Requerente pretendia a anulação do acto de liquidação de IRS de 2016, na parte em que teve por base o montante de € 218.973,93, relativo a juros a considerar como tendo sido auferidos pelo Requerente no ano de 2016, inscrito por lapso, já reconhecido pela própria AT, na sua declaração de rendimentos Modelo 3, em lugar do montante de € 118.973,93 que era o que pretendia ali fazer constar.

                A AT aceitou expressamente a ocorrência do referido lapso, correspondente a uma diferença de €100.000,00, tendo, no entanto, mantido a sujeição a tributação de um montante total de € 14.913,13 (€ 9.540,81 + € 5.372,32), perfazendo um total relativo a juros a considerar como tendo sido auferidos pelo Requerente no ano de 2016, sujeito a imposto, de € 133.887,06, em lugar do montante de € 118.973,93, pelo qual o Requerente pugna.

                Das parcelas que compõem o referido montante de € 14.913,13, € 9.540,81 correspondem, como a AT nota, a valores que o Requerente até reconhece (cfr. ponto 29 do pedido de pronúncia arbitral).

                O restante (€ 5.372,32) corresponde a um montante disputado pelas partes, entendendo o Requerente que corresponde a rendimento distribuído dentro do próprio fundo imobiliário, que deverá ser unicamente tributado aquando da realização de eventuais mais-valias, enquanto que a AT sustenta que “os rendimentos em causa são rendimentos distribuídos das unidades de participação num fundo de investimento, e foram colocados à disposição do requerente no ano de 2016 (facto que o próprio reconhece), e constam no relatório anual emitido pela entidade bancária B... como rendimentos derivados de juros, os mesmos devem ser tributados em Portugal”.

                Ora, ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, julga-se não ser admissível a manutenção pela AT do acto objecto do presente processo arbitral, nos termos em que o fez.

                Senão vejamos.

                Antes de mais, convém ter presente que como explica Carla Castelo Trindade , “Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação (...)”.

Daí que, em primeira linha, se esteja no processo arbitral tributário a sindicar a legalidade dos actos elencados no referido n.º 1 do art.º 2.º do RJAT (objecto directo da competência dos tribunais arbitrais), sendo a (i)legalidade doa actos tributários de segundo e terceiro graus – cuja função principal no processo arbitral tributário é a de garantir a tempestividade da impugnação arbitral do acto primário – meramente reflexa ou derivada da (i)legalidade daquele.

No caso, como se apontou já, o acto objecto da presente acção arbitral é o acto de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2016.

Conforme resulta dos factos dados como provados, a declaração de rendimentos em que se fundou aquela liquidação, foi objecto de substituição, tendo tal declaração substitutiva sido convolada em reclamação graciosa, sendo que, a única alteração da declaração original para a declaração de substituição foi a alteração do montante de €218.973,93, inscrito no quadro 8-A do Anexo J da Declaração Modelo 3, pelo montante de € 118.973,93, porquanto a primeira inscrição decorreria de lapso de escrita (troca do número “1” nas centenas de milhar, pelo número “2”).

Daí que na reclamação graciosa, em que foi convolada a declaração de substituição, e recurso hierárquico que se lhe seguiu, à AT incumbisse apenas pronunciar-se sobre a questão suscitada nos mesmos, ou seja sobre a ocorrência ou não do lapso de escrita que o Requerente pretendia ver corrigido. Quaisquer outras correcções, conforme a própria AT reconhece no despacho constante do ponto 12 dos factos dados como provados, teria de ser efectuada através de um procedimento autónomo devidamente fundamentado e notificado aos sujeitos passivos, conforme artigos 65.º e 66.º, ambos do CIRS.

Esta linha de raciocínio é válida não só para a parte reconhecida pela própria AT, como, igualmente nesta matéria, já que não se trata de um mero reconhecimento parcial da pretensão do Requerente.

Na realidade, o que se verifica que a AT acaba por reconhecer, na íntegra, a pretensão do Requerente, alterando o valor de €218.973,93, inscrito no quadro 8-A do Anexo J da Declaração Modelo 3, para o valor de € 118.973,93, e, depois, procede a uma correcção – a ora em apreço no montante de € 14.913,13 (€ 9.540,81 + € 5.372,32), sem que, para fundamentar e quantificar esta correcção siga o procedimento decorrente dos artigos 65.º e 66.º do CIRS.

Daí que deva nesta parte ser anulado, igualmente, o acto tributário objecto da presenta acção arbitral, procedendo o pedido formulado.

 

***

c)

                No que concerne às questões relativas à existência, ou não, de mais valias a tributar, colocadas pelo Requerente, as mesmas não contendem, por qualquer forma, com a existência ou validade do acto tributário sub iudice.

                Na verdade, como facilmente se constata, sobretudo tendo presente o previamente exposto quanto ao objecto do processo arbitral tributário, bem como a consensual natureza do respectivo contencioso, enquanto contencioso de mera anulação, a este Tribunal apenas incumbe conhecer das questões das quais decorra a inexistência, nulidade, ou anulabilidade do acto tributário a sindicar.

                Como bem se refere no despacho constante do ponto 12 da matéria de facto, “quanto às alegadas mais valias obtidas no estrangeiro referidas no recurso hierárquico, que tal questão não se revela passível de análise nesta sede (nem, assim, de um eventual acréscimo para efeitos de tributação), na medida em que esses valores não foram declarados pelo requerente, nem foram, por conseguinte, objeto do pedido formulado por via de reclamação graciosa e do recurso hierárquico que estão na base do presente pedido de pronúncia arbitral.”.

                O Requerente, em sede de alegações, veio alegar que, entretanto, foi notificado, em procedimento autónomo, para o propósito de a AT vir a liquidar imposto sobre eventuais mais-valias, e que, no seu pedido, para além da anulação parcial do acto de liquidação, peticiona que seja efectuada nova liquidação de IRS do ano de 2016, de acordo com o valor corrigido, constante da declaração de substituição – Anexo J.

                Sucede que, como é bom de ver, a competência dos tribunais arbitrais é, de forma consensual quer na doutrina quer na jurisprudência, meramente anulatória (com excepção de um restrito número de pedidos acessórios, como o reconhecimento dos direitos à restituição do imposto indevidamente pago, a juros indemnizatórios ou a pagamento de compensação pela prestação de garantia indevida), cabendo à AT a competência para executar o julgado, respeitando os seus termos, e sendo tal execução susceptível de controlo jurisdicional por intermédio do processo de execução de julgado.

                Deste modo, não contendendo as questões ora em análise com a validade ou existência do acto de liquidação ora em crise, não poderá proceder, nesta parte o pedido arbitral.

 

***

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, estamos perante uma declaração de substituição convolada em reclamação graciosa, motivo pelo qual o erro passa a ser imputável aos serviços a partir do momento em que o contribuinte deduz impugnação administrativa desses actos e a AT se pronuncia pelo seu indeferimento. Como refere o Acórdão do STA, processo n.º 0926/17, de 19-09-2018, o erro “passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão”.

Tem, portanto, o Requerente direito a ser reembolsado da quantia que indevidamente pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através da atribuição de juros indemnizatórios, desde a data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa até ao reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

***

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Declarar a inutilidade superveniente da lide no que concerne à parte do pedido de anulação do acto tributário objecto do presente processo oficiosamente revogada pela AT, o que implica a extinção da correspondente parte da instância nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT;

b)           Anular o acto de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2016, na parte remanescente e até ao valor de €85.964,72, assim como, na mesma parte, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º .../2017, que teve aquele acto como objecto;

c)            Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €85.964,72, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Janeiro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Nuno Pinto Fernandes)

 

O Árbitro Vogal

(Jesuíno Alcântara Martins)