Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 583/2020-T
Data da decisão: 2021-11-15  IRC  
Valor do pedido: € 120.082,01
Tema: IRC/2016 – Crédito de imposto por dupla tributação internacional - Artigo 23º, da CDT entre Portugal e Brasil – Artigo 91.º - 1 e 2, do CIRC.
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SUMÁRIO: I – O princípio da prevalência das normas das Convenções Internacionais deve prevalecer face ao direito interno. II – Daí a não aplicação do disposto no artigo 91º, 1 e 2, do CIRC mas antes o artigo 23º, da CDT (Convenção para Evitar a Dupla Tributação) “Portugal Brasil” no cálculo do valor do crédito de imposto respeitante ao imposto sobre o rendimento retido no Brasil, cuja dedução, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 90º do CIRC, foi solicitada pela ora Requerente na liquidação do IRC do exercício de 2016.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)


Os árbitros José Poças Falcão (árbitro presidente), Maria Isabel Guerreiro e António Pragal Colaço (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 19 de Janeiro de 2021, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

A..., S.A., titular do número único de pessoa colectiva, e registo na Conservatória do Registo Comercial ..., com sede na ..., n.º..., ...- ... Lisboa, com o capital social de € 3.656.537.715 (três mil seiscentos e cinquenta e seis milhões, quinhentos e trinta e sete mil, setecentos e quinze euros), abrangida territorialmente pela competência do Serviço de Finanças de Lisboa ... e objecto de acompanhamento permanente pela Unidade dos Grandes Contribuintes (adiante “Requerente”),  apresentou, em 30 de Outubro de 2020, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 6, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1 alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento parcial da reclamação graciosa, emitido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes ao abrigo de subdelegação de competências, e o acto de autoliquidação de IRC de 2016, na parte em que não foi considerada a dedução a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional,  do valor de € 133.975,80 de dedução à colecta, do Grupo de sociedades do qual a Requerente é a sociedade dominante.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 30 de Outubro de 2020 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 2 de Novembro de 2020.

 

Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes, notificadas dessa designação em 17 de Dezembro de 2020, não manifestaram vontade de a recusar, atento o preceituado nos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 19 de Janeiro de 2021.

 

Em 5 de Maio de 2021, a Requerente apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo também junto o processo administrativo (“PA”).

 

Por requerimento impetrado em 12 de Maio de 2021 a Requerente alertou para a junção do PAT de outro contribuinte, que não o seu e após notificação para o efeito a Requerida procedeu à correcção juntando o PAT correcto em 18 de Maio de 2021.

 

Por despacho de 25 de Agosto de 2021, à luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, foi dispensada a reunião do Tribunal com as partes prevista no art.º 18.º do RJAT, foram notificadas ambas as partes para apresentarem no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias, alegações finais escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito.

Ainda no mesmo despacho foi fixada a data de 30 de Setembro de 2021, como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final. Foi ainda a Requerente notificada para dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária [pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral]. Por fim foram as partes notificadas para apresentarem os articulados em formato “word”, à luz do princípio da cooperação [cfr artigo 7º, do CPC].

 

Em 16 de Setembro de 2021, Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações e reiteraram o já por si alegado no pedido arbitral.

 

Por despacho de 29 de Setembro de 2021, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual e da interposição de períodos de férias judiciais.

 

POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega que, em 2016, prestou um conjunto de serviços de consultoria e apoio à gestão às suas afiliadas, entre as quais à B..., S.A. (adiante “B...”) e com referência a tais serviços prestados em 2016, a Requerente procedeu, em 04.01.2017, à facturação do valor de € 893.172,00, através da fatura nº 1000403795

                Mais alega que os mesmos foram objecto de retenção na fonte à taxa de 15% no Brasil, que foi efectuada sobre o valor bruto facturado e que é admitida pelo artigo da 12.º da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e Protocolo anexo (adiante “Convenção PT-BR”) que permite a tributação dos royalties quer pelo Estado da fonte, quer pelo Estado da residência.

                Assim, a Requerente alega que a Requerida não lhe aceitou a dedução integral do imposto pago no Brasil, optando por fazer prevalecer a norma vertente do artigo 91.º do Código do IRC sobre aquela constante do aludido artigo 23.º da Convenção PT-BR, limitando a dedução a € 13.893,79.

 

POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Segundo a Requerida, as regras de aplicação do artigo 23.º, n.º 1 da CDT entre Portugal e Brasil devem ser articuladas com as previstas no artigo 91.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IRC, e desta conjugação resulta que o crédito de imposto por dupla tributação internacional que pode ser exercido pela Requerente, por via da dedução à coleta do IRC do período de tributação de 2016, tem como limite máximo a importância de €13.893,79.

Mais alega, que relativamente a 2016 foram prestados serviços de natureza técnica pela Requerente à B..., donde resultou um rendimento no valor de 893,172,00€, tendo sido suportado imposto no Brasil no montante de 133.975,80€, que corresponde à retenção na fonte à taxa de 15%. Face a essa constatação importa aferir se este valor pago no estrangeiro é inferior à fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção, conforme estipula o art,º 91.º, número 1, alínea a) e b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.

Procedeu então a Requerida à determinação dos gastos, directos ou indirectos, tendo a Requerida comunicado o seguinte para esse efeito: a metodologia de pricing subjacente a esta prestação de serviços é o custo majorado. Está em causa a prestação de serviços de gestão diversos para o que concorre o trabalho de várias direcções da A... S.A. Em termos gerais, a determinação do valor a cobrar a cada sociedade beneficária do serviço é efectuada tendo por base os custos de cada direcção e o tempo, ou outro driver mais adequado, identificado no mapa de alocação de tempo. Acresce ao custo que cabe ao beneficiário do serviço, apurado nos termos antes descritos, uma margem de 8%, a qual se encontra conforme com o princípio da plena concorrência.”

                Perante estes dados, para efeitos de cálculo da fracção do IRC, indicado no n.º 1 do art.º 91.º do CIRC, é possível alcançar os resultados indicados no quadro seguinte:

 

                Conclui assim que, o valor da fracção do IRC é inferior ao valor do imposto suportado no Brasil (em conformidade com a CDT), é aquele que deverá, no caso, relevar, para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional.

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a

à declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento parcial da reclamação graciosa, emitido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes ao abrigo de subdelegação de competências, e o acto de autoliquidação de IRC de 2016, na parte em que não foi considerada a dedução a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, do valor de € 133.975,80 de dedução à colecta, do Grupo de sociedades do qual a Requerente é a sociedade dominante, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS

 

1.1          FACTOS PROVADOS

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 A.           A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, sujeito passivo de

IRC, sendo a sociedade dominante do Grupo D..., grupo tributado de acordo com o  Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), e de cujo perímetro, no exercício de 2016, para além da Requerente a título individual, faziam ainda parte as seguintes 30 sociedades:

− E..., S.A.;

− F..., Lda.;

− G..., S.A.;

− H..., S.A.;

− I..., S.A.;

− J..., S.A.;

− K..., S.A.;

− L..., S.A.;

− M..., S.A.;

− N..., S.A.;

− O... SGPS, S.A.;

− P...- Sociedade Unipessoal, Lda.;

−Q..., S.A.;

− R..., S.A.;

− S..., S.A.;

− T..., S.A.;

− U..., S.A.;

− V..., S.A.;

− W..., S.A.;

− X..., S.A.;

− Y..., S.A.;

− Z..., Lda.;

− AA...- SGPS, S.A.;

− BB…, SGPS, S.A.;

− CC... S.A.;

− DD..., S.A.;

−EE..., S.A.;

− FF..., SA;

− GG..., Lda;

− HH... Unipessoal, Lda.

B.            Em 29 de Maio de 2017 e posteriormente em 30 de Maio de 2018, a Requerente submeteu a sua declaração Modelo 22 de IRC individual e declaração Modelo 22 de IRC de substituição (cf. declarações Modelo 22 de IRC, cfr. doc. 4 junto pela Requerente.

C.            Na qualidade de sociedade dominante do Grupo D..., a Requerente procedeu, em 30 de Maio de 2017, à autoliquidação do IRC nos termos das disposições do RETGS e mediante a submissão de declaração Modelo 22 de IRC do Grupo D..., cfr. documento número 2 junto pela Requerente.

D.           Em 30 de Maio de 2018 a Requerente, quer a título individual, quer como sociedade dominante do Grupo D..., procedeu à submissão das declarações Modelo 22 de IRC de substituição, cfr. declaração Modelo 22 de IRC da Requerente e declaração Modelo 22 de IRC do Grupo D..., cfr. documentos números 5 e 6 juntos pela Requerente.

E.            Em nenhuma destas declarações, inicial e de substituição, foi considerado o valor do crédito  de imposto por dupla tributação internacional, cuja dedução solicitou na reclamação graciosa  indeferida , cfr   facto não controvertido e admitido por acordo  

F.            A Requerente e a B... celebraram um contrato de prestação de serviços em 9 de Junho de 2015, onde na sua clausula 1.1. ficou estipulado que “ (...)Pelo presente Contrato e nos termos dele constantes, a A..., assume a obrigação de prestar à B... os serviços de consultoria que se encontram elencados no ANEXO I ao presente Contrato ("Serviços"), de que a B...  venha efectivamente a necessitar (...)”, cfr. PAT. Fls. 18 e segs.

G.           Na clausula 5ª do contrato mencionado na alínea anterior ficou estipulado que:  “Pela prestação dos Serviços, a B... remunerará, anualmente, a A... num montante igual ao valor dos custos incorridos pela A... na prestação dos Serviços, acrescidos de uma margem apropriada, a calcular nos termos estabelecidos nos números seguintes da presente Clausula. 5.1. Por "valor dos custos Incorridos pela A..." designa-se o total dos custos diretos e indiretos, despesas e encargos, suportados no desenvolvimento dos Serviços, nomeadamente os custos dos departamentos envolvidos. 5.2 Na determinação do montante concreto do valor dos custos incorridos pela A... na prestação dos Serviços, a A... adotará, por princípio, o método direto de imputação à B... . Não sendo possível a adopção do método direto de imputação (por não serem os referidos custos passiveis de individualização uma vez que a A... presta serviços de consultoria a varias sociedades por si participadas), a A... adoptará o método indireto de imputação, mediante a alocação a B... dos custos globais incorridos com os Serviços efectivamente prestados, com base numa chave de repartição apropriada por tipo de Serviço prestado (nomeadamente, o número de colaboradores, o volume de negócios ou o tempo efectivamente despendido pelos colaboradores envolvidos)

H.           Aos custos resultantes da prestação dos Serviços será adicionada uma margem (a "MARGEM"), a qual corresponderá a 8% durante o primeiro ano de vigência do Contrato, tendo este valor sido determinado pelas Partes com base num estudo de mercado realizado por um perito independente. 5.5. No caso de renovação, expressa ou automática, da vigência do presente Contrato, a A..., caso entenda ser necessário rever a MARGEM, obriga-se a notificar a B..., ate 30 de Junho de cada ano de vigência, com vista a revisão da MARGEM, a qual devera ocorrer tendo por base os resultados de estudos de mercados efectuados por uma entidade independente.

I.             No cálculo da remuneração, a A... não aplicara qualquer margem sobre as despesas suportadas com a subcontratação de serviços a terceiros por conta da B... e relativamente às quais a A... desempenha o papel de uma mera intermediária.

J.             Eventuais despesas de deslocação e estadia serão reembolsadas pela B..., após a apresentação dos recibos/comprovativos das despesas, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data do recebimento dos documentos que comprovam despesas.

Cfr. PAT. Fls. 20 e segs.

K.            Em 2016, a Requerente prestou um conjunto de serviços de consultoria e apoio à gestão às suas afiliadas, entre as quais à B..., S.A. (adiante “B...”), (por acordo e cfr. PAT);

L.            Por esses serviços a Requerente facturou na totalidade à B... o montante de 893.172,00€, conforme factura, com data de vencimento em 30/01/2017, reproduzida infra (por acordo e cfr. PAT):

 

M.          Esta fatura, apesar de emitida em 04.01.2017, respeita  à estimativa dos serviços de consultoria e apoio à gestão  prestados pela A..., SA, em 2016

N.           Em termos de contabilização, a respetiva estimativa do proveito contabilístico foi reconhecido no exercício de 2016, conforme declaração que se transcreve a seguir:

 

O.           O valor da fatura em questão (nº 1000403795) foi recebido pela Requerente   juntamente com outras faturas, conforme reconciliação no quadro resumo que se reproduz a seguir, bem como os respetivos documentos bancários, comprovativos do recebimento dos rendimentos líquidos da retenção na fonte sofrida:

 

P.            Em 24/10/2019 foi pago por B... ao Ministério da Fazenda Brasileiro como Receita Federal IRRF Rendimentos Trabalho, Resid Exterior, o valor de 1.443.904,38 reais, conforme documento que se reproduz:

 

Q.           Este valor, em reais, incluía o valor da retenção na fonte relativo à fatura nº 1000403795, conforme mencionado no documento reproduzido a seguir:

 

R.            O valor total bruto das faturas identificadas neste documento (€2.115.053) para efeitos do pagamento da retenção na fonte no Brasil, corresponde ao valor bruto das mesmas faturas identificadas para efeitos da reconciliação dos valores recebidos (excluindo as duas notas de crédito), reproduzido em N.

 

S.            Em 21 de Fevereiro de 2020, a Requerente impetrou reclamação graciosa do acto tributário de autoliquidação de IRC do ano de 2016, que tomou o número ..., por forma a que nesta fosse considerada a dedução, a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, do montante do imposto sobre o rendimento que foi retido na fonte, no Brasil, relacionado com o pagamento da fatura nº 1000403795, ou seja, € 133.975,80; 

T.            Com base na informação 104-AIR2/2020, datada de 28 de Maio de 2020, lavrada por Inspector Tributário da Unidade dos Grandes Contribuintes e validada pelo Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, datada de 2 de Junho de 2020, foi notificada a Requerente do projecto de deferimento parcial da reclamação graciosa, fundamentado essencialmente no seguinte quadro-síntese, o apuramento do valor  do crédito de imposto por dupla tributação internacional, relacionado com a fatura em questão ( nº 1000403795), conforme  o nº 1 do artº 87º do Código do IRC (CIRC)

 

U.           Com base na informação 104-AIR2/2020, lavrada agora, a 24 de Julho de 2020,    por Inspector Tributário da Unidade dos Grandes Contribuintes e validada pelo Chefe de Divisão em 28 de Julho de 2020, da Unidade dos Grandes Contribuintes, foi tornado definitivo o projecto de decisão de deferimento parcial, mantendo-se integralmente os mesmos fundamentos;

 

1.2          FACTOS NÃO PROVADOS

                Não há outros factos provados ou não provados, relevantes para a apreciação do objeto do pedido.

 

2.            FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E FACTOS NÃO PROVADOS

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

IV.          DO DIREITO

 

1.            Questão em análise:

 

                A questão objeto do litígio centra-se no  apuramento do valor do crédito de imposto por dupla tributação internacional respeitante ao imposto sobre o rendimento retido no Brasil, cuja dedução, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 90º do CIRC, foi solicitada pela ora Requerente  na liquidação do IRC do exercício de 2016.

 

                Revelam os autos e o quadro factual apurado e descrito supra que as partes estão de acordo relativamente: 

                - À  qualificação   do rendimento objeto de retenção na fonte pela B...,  derivado das  prestações de serviços  de consultoria e apoio à gestão, em que,  quer a Requerente quer a Requerida,  consideram  que tais rendimentos estão incluídos no conceito de «royalties» constante do artigo 12º, nº3 da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Brasil,  por força do estipulado no ponto 5 do Protocolo Anexo à Convenção;

- À retenção na fonte no montante de €133.975,80, em como  respeita à fatura nº  1000403795, de 04.01.2017,

                - À referida fatura em como respeita à estimativa dos serviços de consultoria e apoio à gestão prestados pela A..., SA, em 2016;

                - Ao reconhecimento do proveito contabilístico relativo à estimativa dos referidos serviços no exercício de 2016, como fazendo parte da matéria coletável deste exercício;

                - À autoliquidação do IRC de 2016, com base nas declarações de rendimento mod 22, entregue inicialmente em 30 de maio de 2017 e de substituição entregue em 30 de maio de 2018, em como as mesmas não incluíam qualquer dedução, a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional relacionado com a fatura nº 1000403795.

 

                Subsiste apenas em litígio a forma como deve ser determinado o valor do crédito de imposto, a deduzir à coleta do IRC do exercício de 2016,  tendo por  base as disposições internas do Código do IRC, previstas no  artigo 91º, e as disposições previstas na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Brasil, para eliminar as duplas tributações previstas no artº 23º, do CIRC.

 

                Concretamente, está o Tribunal confrontado com a questão de saber se o valor do crédito de imposto por dupla tributação internacional  deve corresponder ao valor do imposto retido na fonte, à taxa de 15%, (€ 133.975,80) por não exceder a fração do IRC sobre o rendimento bruto, conforme determina a Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Brasil, e pretende a Requerente, ou, pelo contrário, deve corresponder à fração do IRC sobre o rendimento líquido dos gastos diretos ou indiretos suportados para a sua obtenção  (€13.893,79), conforme sustenta  a Requerida, com base no artigo 91º do CIRC?

 

Vejamos as disposições legais:

 

CÓDIGO DO IRC:

 

Artigo 91.º - Crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional

Actualizado em: Sexta, 24 de Janeiro, 2014

[Artigo republicado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, aplicável aos períodos que se iniciem em, ou após, 1 de Janeiro de 2010]

1 -    A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:

a)   Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b)   Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção. [Redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro]

2 -    Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efectuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.

3 -    A dedução prevista no n.º 1 determina-se por país considerando a totalidade dos rendimentos provenientes de cada país, com exceção dos rendimentos imputáveis a estabelecimento estável de entidades residentes situados fora do território português cuja dedução é calculada isoladamente. [Aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro]

4 -    Sem prejuízo da limitação prevista no número anterior, sempre que não seja possível efetuar a dedução a que se refere o n.º 1, por insuficiência de coleta no período de tributação em que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram incluídos na matéria coletável, o remanescente pode ser deduzido à coleta dos cinco períodos de tributação seguintes, com o limite previsto na alínea b) do n.º 1 que corresponder aos rendimentos obtidos no país em causa incluídos na matéria coletável e depois da dedução prevista nos números anteriores. [Aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro]

 

CONVENÇÃO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DESTINADA A EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO E A PREVENIR A EVASÃO FISCAL EM MATÉRIA DE IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO.

 

CAPÍTULO IV - Disposições para eliminar as duplas tributações

 

Artigo 23.º - Método

Actualizado em: Quarta, 03 de Setembro, 2014

1 -    Quando um residente de um Estado Contratante obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados no outro Estado Contratante, o primeiro Estado mencionado deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado.

A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre os rendimentos, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado.

2 -    No caso de Portugal, quando uma sociedade residente de Portugal receber dividendos de uma sociedade residente do Brasil sujeita ao imposto federal sobre a renda e não abrangida por qualquer isenção, em que a primeira detenha directamente uma participação não inferior a 25%, Portugal permitirá a dedução de 95% desses dividendos incluídos na sua base tributável, desde que a referida participação tenha sido detida durante os dois anos precedentes, ou desde a data da constituição da sociedade brasileira, se tiver ocorrido posteriormente, mas em qualquer dos casos unicamente se a participação tiver sido detida ininterruptamente durante esse período.

3 -    No caso do Brasil, quando uma sociedade residente do Brasil receber dividendos de uma sociedade residente de Portugal sujeita ao imposto português conforme definido na alínea b)do n.º 1 do artigo 2.º desta Convenção e não abrangida por qualquer isenção, a dedução prevista no n.º 1 acima levará em conta o imposto exigível da sociedade relativo aos rendimentos de que se originaram os dividendos pagos (crédito indirecto), observadas as disposições da legislação brasileira.

4 -    Quando um residente de um Estado Contratante obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, forem isentos de imposto nesse Estado, esse Estado poderá, contudo, ao calcular o quantitativo do imposto sobre os outros rendimentos desse residente, ter em conta os rendimentos isentos.

 

                Pois bem, a resposta para a questão terá de ser necessariamente encontrada trazendo à colação o princípio da prevalência das normas das Convenções internacionais, sobre a legislação interna na medida em que o artº 23 da Convenção em causa não faz qualquer referência à legislação interna, não podendo/devendo  considerar-se  as regras de aplicação do artigo 23.º, n.º 1 da CDT entre Portugal e Brasil, ser articuladas com as previstas no artigo 91.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IRC.

 

                São diversas e no sentido apontado, as decisões dos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, não tendo este Tribunal razões para não aderir, no essencial, à fundamentação que as sustentam (Cfr, v. g., os Acórdãos proferidos nos processos nºs 389/2019-T (Tribunal Coletivo presidido pelo árbitro que preside também ao presente colégio arbitral),  processo  nº 565/2016-T e nº 369/2015-T, todas publicadas no site do CAAD (www.caad.org.pt). 

 

                De tais decisões resulta assim que, estando em análise nos citados processos,   Convenções com outros Países, com idênticas disposições para a eliminação da dupla tributação, a  conclusão é a de  que não deve haver lugar à aplicação do disposto no artigo 91º, nº1, al.b), do CIRC,  porquanto e desde logo a sua aplicação frustraria parcialmente o objetivo de total eliminação da dupla tributação, que constitui o óbvio objetivo principal prosseguido pelas  Convenções. 

 

                Ou, dito doutro modo, havendo divergência no montante do valor a deduzir dependendo da norma aplicável (a CDT ou o CIRC), deve aplicar-se o valor a deduzir que resulta da aplicação da CDT.

 

                Aplicando o assim sumaria mas suficientemente exposto ao caso sub juditio, conclui este Tribunal que assiste razão à Requerente quanto ao valor do crédito de imposto por dupla tributação internacional que pode ser deduzido à coleta do IRC do período de tributação de 2016, o qual tem como limite máximo a importância de € 133.975,80.

 

Juros indemnizatórios

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Autoridade Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação dos atos tributários, há assim lugar à restituição do imposto indevidamente pago.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas respetivamente, implicando, no caso,  o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 DECISÃO

 

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em, julgando totalmente procedente pedido:

a)            Declarar a ilegalidade do ato de autoliquidação de IRC de 2016 objeto do pedido, na parte que não relevou o valor de €133.975,80 a título de crédito por dupla tributação internacional dedutível;

b)           Anular por ilegalidade o ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada decorrente da autoliquidação assinalada anteriormente;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir o excesso de IRC pago pela Requerente em consequência dos sobreditos atos, sendo esse pagamento acrescido de juros indemnizatórios nos termos expostos supra e

d)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo atento o seu total decaimento.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 120 082,01 indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VII.         CUSTAS

               

                Custas no montante de € 3 060,00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

             Notifique-se.

 

     Lisboa, 15-11-2021

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Árbitro-Presidente)

 

Maria Isabel Guerreiro

(Árbitra-Adjunta)

 

António Pragal Colaço

(Árbitro-Adjunto)