Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 581/2020-T
Data da decisão: 2021-09-09  IRS  
Valor do pedido: € 157.665,11
Tema: IRS – Categoria G (mais-valias). Código do IRS – Artigo 51.º, n.º 1, alínea a). Comissão de mediação imobiliária. Despesas de valorização.
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SUMÁRIO:

 

I.             O vício de forma de um contrato de mediação imobiliária, devido à falta de redução a escrito, não determina, sem mais, a sua desconsideração para efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

II.            Um contrato de mediação imobiliária não documentado externamente - porque não reduzido a escrito -, pode, ainda assim, assumir relevo fiscal se o sujeito passivo provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade, quer da relação contratual, quer da operação, e o montante da despesa.

III.          No âmbito da categoria G - Mais-valias, de IRS, não é exigível a um sujeito passivo, pessoa singular não comerciante, que se organize e estruture como se de uma actividade empresarial se tratasse e fosse tributado na categoria B de IRS, quando a lei não o exige e distingue claramente entre a actividade empresarial de compra e venda e uma casual venda de património, daqui decorrendo que, neste último caso, a exigência de certeza na quantificação dos custos tem de ser inferior àquela que se teria no caso de se tratar de uma empresa comercial e com contabilidade organizada.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros  (Presidente), Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães e Dr. Martins Alfaro (Relator), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19-01-2021, acordam no seguinte:

 

A - RELATÓRIO

 

A.1 - Requerentes da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro: A... e B..., casados, com os NIFS ... e ..., ambos no ... - ...-..., n.° ...- ...- ...-... ..., Loures;

 

A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A.3 - Objecto da pronúncia arbitral: Liquidação adicional de IRS n.º 2019..., no valor de € 229.436,23, referente ao ano de 2018 e respectiva liquidação de juros compensatórios, no valor de € 2.019,52, também referente ao ano de 2018, resultantes da correcção, pela AT, de determinadas despesas e encargos em sede da categoria G de rendimentos - mais-valias imobiliárias.

 

A.4 - Pedido: Apreciação da legalidade do acto tributário objecto da requerida pronúncia arbitral, devendo, em consequência:

 

Ser considerada como acrescendo ao valor de aquisição do imóvel, fracção autónoma designada pela letra "L", do prédio sito na Rua ..., n.º ..., ..., Loures, para efeitos de IRS, categoria G, a despesa apresentada pelos Requerentes, referente ao pagamento da comissão de mediação imobiliária à sociedade C... Lda., no valor de € 4.920,00;

 

Serem consideradas como acrescendo ao valor de aquisição para efeitos de IRS, categoria G, as despesas de remodelação apresentadas pelos Requerentes quanto aos prédios constantes da declaração modelo 3 de IRS, no valor de € 220.991,00;

 

Ser considerado como acrescendo ao valor de aquisição para efeitos de IRS, categoria G, o valor de € 14.000,00, suportado pelos Requerentes a título de indemnizações pagas aos arrendatários de fracções autónomas do prédio sito na Rua ..., n.º..., ..., Loures, com quem os Requerentes celebraram acordos de revogação dos contratos de arrendamento;

 

Ser anulada a liquidação adicional de IRS em causa no presente processo e determinado o reembolso do imposto correspondente, já pago pelos Requerentes;

 

Ser anulada a liquidação de juros compensatórios e determinado o reembolso do valor correspondente, já pago pelos Requerentes;

 

Ser a Requerida condenada ao pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes, calculados nos termos constantes do n.º 4 do artigo 43.º da LGT.

 

A.5 - Fundamentação do pedido:

 

Em sede de declaração de rendimentos, os Requerentes apresentaram despesas com imóveis alienados no montante de € 331.054,69.

 

Os encargos em causa - e que não foram aceites pela AT - respeitam a três grupos, a saber:

O primeiro grupo respeita a uma comissão de intermediação imobiliária à sociedade C...- Unipessoal, Lda.

 

Relativamente a este grupo, os Requerentes fundam a sua pretensão anulatória, resumidamente, no seguinte:

 

Apesar de inexistir contrato escrito de mediação imobiliária, estão provadas quer a mediação, quer a respectiva despesa;

 

A nulidade cominada pelo artigo 16.°, da Lei n.° 15/2013, de 8 de Fevereiro, para a falta de celebração por escrito do contrato de mediação imobiliária, constitui nulidade atípica que visa proteger o consumidor contra esquemas fraudulentos orquestrados por empresas de mediação imobiliária e que apenas pode ser invocada pelo próprio consumidor, não sendo igualmente de conhecimento oficioso.

 

O segundo grupo respeita às despesas de remodelação relativas ao prédio constituído em propriedade horizontal, sito em ..., Rua..., n°..., freguesia de ..., Loures e às fracções autónomas designadas pelas letras B, E ,F, G, H, I, J e L.

 

Relativamente a este grupo, os Requerentes fundam a sua pretensão anulatória, resumidamente, no seguinte:

 

O orçamento e aditamento que apresentaram em sede de instrução do procedimento de reclamação graciosa, referem-se ao edifício sito em Rua ..., n°..., freguesia de ..., Loures;

 

As facturas por si apresentadas identificam expressamente o edifício a intervencionar, não tendo obrigatoriamente de aludir ao orçamento, até porque as partes não tinham de solicitar ao empreiteiro orçamento prévio;

 

As facturas foram emitidas por este à ordem dos Requerentes, com indicação dos respectivos NIFS, encontrando-se devidamente comunicadas no e-factura;

 

Atendendo à extensão, tipo de obras e bens utilizados na remodelação dos apartamentos, é natural (e prática habitual) que nas facturas não venham discriminados todos os serviços e bens utilizados, pois que seria algo insustentável e materialmente irrelevante;

As despesas incorridas pelos Requerentes e desconsideradas pela AT são despesas efectivas e essenciais à valorização das respectivas fracções autónomas.

 

O terceiro grupo respeita ao valor de € 14.000,00, suportado pelos Requerentes a título de indemnizações aos arrendatários de fracções autónomas do prédio sito na Rua ..., n.º..., ..., Loures, com quem os Requerentes celebraram acordos de revogação dos contratos de arrendamento.

 

Concluem no sentido de que a liquidação adicional de IRS e a liquidação de juros compensatórios deverão ser anuladas.

 

A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:

 

Quanto à despesa relativa à comissão de intermediação imobiliária:

 

Os Requerentes não apresentaram o contrato escrito de mediação imobiliária e do qual teria de constar, nos termos da lei, designadamente, a identificação e características do imóvel objecto do contrato;

 

A não apresentação de contrato de mediação deixa dúvidas sobre se a factura em causa é o único pagamento devido pela intermediação ou, até, se respeita àquela alienação da fracção autónoma designada pela letra “L”;

 

A factura em causa não se reporta à venda concreta da fracção autónoma designada pela letra “L”, contendo um descritivo genérico do qual não se extrai que o valor facturado respeita à intermediação pela venda da fracção “L”;

 

A inexistência de título que documente o contrato de mediação, não permite a comprovação desta despesa, para os fins em causa, porquanto não fica demonstrada a indissociabilidade entre a despesa apresentada e a concreta venda (no caso da fracção “L”).

Quanto às despesas de remodelação:

 

A cópia do orçamento apresentado pelos Requerentes não identifica a que imóvel se refere, sendo que, mesmo que se tratasse de um orçamento para a remodelação do prédio sito na ..., n°..., ..., Sacavém, tão pouco tal orçamento está dirigido aos Requerentes;

 

As facturas em causa não identificam/discriminam quaisquer serviços, matéria-prima/mercadorias e/ou custos de mão de obra, bastando-se, em todas elas, por um idêntico descritivo genérico “Remodelação do apartamento”;

 

Tal não permite apurar se as operações abrangidas pelas mesmas concorreram, todas elas, ou apenas parte delas, ou, até, alguma delas, para a “valorização” dos bens, sendo certo que “obras de remodelação” não são ou, podem não ser, sinónimo de obras de valorização;

 

Não se consegue, em consequência, extrair das facturas apresentadas qual a natureza da obra ou da intervenção cujo encargo foi facturado;

 

O valor facturado é, na maioria das facturas, idêntico, não sendo verosímil que, independentemente da área de cada fracção autónoma e do grau de intervenção em cada uma delas, o valor da remodelação seja exactamente o mesmo;

 

Os Requerentes não fizeram prova de que procederam ao pagamento das aludidas facturas;

 

As facturas são endereçadas para a morada 'Rua ... n°..., ..., ...-... ', sendo também essa morada a que ali consta como “Local de Descarga”.

 

Quanto aos encargos relativos a indemnizações aos arrendatários, a Requerida escreveu na sua Resposta - artigo 10.º - que «no decurso do prazo previsto no art. 13° do RJAT foi proferida decisão de revogação parcial, restando apenas como matéria controvertida as alegadas (i) despesas com a intermediação imobiliária e as (ii)despesas com a remodelação das fracções que integram o artigo ...».

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

A.7 - Instrução probatória:

 

No seguimento do processo, foi realizada a inquirição das testemunhas arroladas pelos Requerentes, sendo que apenas uma compareceu e prestou depoimento.

 

Requerente e Requerida juntaram aos autos diversos documentos pertinentes.

 

A.8 - Alegações:

 

Requerentes e Requerida apresentaram alegações escritas, nas quais mantiveram e reiteraram essencialmente as suas posições

 

B - SANEAMENTO:

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19-01-2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, , atenta a conformação do objecto do processo e à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAMT).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Não existem quaisquer excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

Uma vez que, no decurso do prazo previsto no artigo 13.°, do RJAMT, a Requerida proferiu decisão de revogação parcial da liquidação, apenas quanto relativamente às despesas incorridas pelos Requerentes com o pagamento de indemnizações aos arrendatários, pela cessação dos respectivos arrendamentos, o pedido de pronúncia arbitral perdeu, nesta parte, o seu objecto.

 

Deste modo, o pedido dos Requerentes considera-se reduzido, quedando restrito ao IRS e respectivos juros compensatórios apurados com base nas correcções advindas da desconsideração das despesas apresentadas pelos Requerentes quanto a uma comissão paga a uma empresa de intermediação imobiliária e da desconsideração das despesas de remodelação relativas ao prédio constituído em propriedade horizontal, sito em ..., Rua..., n° ..., freguesia de ..., Loures e às fracções autónomas designadas pelas letras B, E ,F, G, H, I, J e L e prosseguirá para apreciação do bem fundado de tais correcções.

 

Cumpre assim apreciar e decidir, o que se fará de seguida.

 

C - FUNDAMENTAÇÃO:

 

C.1 - Matéria de facto - Factos provados:

 

Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

Os Requerentes, casados em regime de comunhão de adquiridos, apresentaram a declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018 (n° ...-2018-...) tendo declarado, no que se refere ao imóvel e fracções autónomas visados no pedido de pronúncia arbitral, as seguintes despesas e encargos:

Freg. Tipo Artigo              V. Aquis.              V. Realiz.             V.Desp./Encargos           Ano/Mês

...            U            ...            €590.000,00        €1.020.000,00    €49.105,04          2018/03

...            U            ...D         €80.000,00          €80.000,00          €1.632,88             2018/10

...            U            ...            €75.000,00          €170.000,00        €17.005,78          2018/03

...            U            ...B         €13.414,90          €5.000,00            €3.540,00             2018/09

...            U            ... E         €48.090,52          €135.000,00        €43.163,00          2018/05

...            U            ... F         €37.168,96          €118.000,00        €37.163,00          2018/04

...            U            ...G         €43.985,12          €145.000,00        €35.889,00          2018/04

...            U            ... H        €55.604,22          €108.000,00        €35.889,00          2018/09

...            U            ... I          €46.126,66          €105.000,00        €35.889,00          2018/02

...            U            ... J         €55.132,50          €121.000,00        €35.889,00          2018/02

...            U            ... L         €56.008,54          €160.000,00        €35.889,00          2018/09

Total €331.054,69

 

Tal declaração gerou a liquidação de IRS n.º 2019..., na qual foi apurado imposto (IRS) a pagar, no montante de 73.790,64€.

 

Em 30-07-2019, os Requerentes foram notificados pela AT relativamente a um processo de divergências pelos seguintes motivos: Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afectação a actividade profissional - Documento n.º 5.1, apresentado por requerimento atravessado pela Requerida em 01-06-2021 e não impugnado.

 

Embora notificados, os Requerentes nada disseram.

 

Por ofício datado de 30-09-2019, o Senhor chefe do Serviço de Finanças de Loures - 3, notificou os Requerentes nos seguintes termos:

 

Da análise efetuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2018, com a identificação J... /..., constatou-se a existência da(s) seguinte(s) incorreção(ões):

Comprovar os elementos declarados, nomeadamente anexo G apresentando para o efeito escrituras de compra e venda bem como despesas e encargos. Findo o prazo será elaborado documento oficioso de correcção. Relativamente ao reinvestimento o mesmo não é de considerar, à data da venda residia na Suíça. - Documentos nrs. 2 e 5.1, apresentados por requerimento atravessado pela Requerida em 01-06-2021 e não impugnados.

 

Pelo mesmo ofício foram os Requerentes notificados para exercer o respectivo direito de audição prévia - Documentos nrs. 2 e 5.1, apresentados por requerimento atravessado pela Requerida em 01-06-2021 e não impugnados.

 

Os Requerentes não se pronunciaram, não tendo exercido o seu direito de audição prévia - Por confissão - Processo administrativo tributário, fls. 4, artigos 7.º e 9.º, do requerimento inicial do procedimento de reclamação graciosa.

 

Por ofício datado de 24-10-2019 e recebido pelos Requerentes em 25-10-2021, o Senhor chefe do Serviço de Finanças de Loures - ..., notificou os Requerentes nos seguintes termos:

Da análise efectuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergência(s) identificada(s) na declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2018 com a identificação .../15, não foram comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 2019-10-24 foi determinada a efectivação da(s) seguinte(s) correcção(oes):

Corrigir os elementos declarados, nomeadamente anexo G valores de aquisição e despesas não documentadas e comprovadas. - Documentos nrs. 3 e 5.1, apresentados por requerimento atravessado pela Requerida em 01-06-2021 e não impugnados.

 

Na sequência do despacho referido no ponto anterior, foi emitida a declaração oficiosa n° ...-2018-..., que alterou o campo 4 do Anexo G quanto aos valores de aquisição de todas as fracções autónomas relativas ao imóvel a que se referem os presentes autos e quanto aos montantes referentes a despesas e encargos desses imóveis declarados pelos Requerentes na declaração modelo 3 de IRS por si apresentada, nos seguintes termos:

 

Freg.     Tipo       Artigo    V. Aquis.              Desp./Enc.         Ano/Mês

                                              

...            U            ...            €40.105,04                          2015/02

...            U            ...D         €1.440,00                            2018/09

...            U            ...            €5.475,00                            2018/03

...            U            ...B         €0,00     €0,00     2017/10

...            U            ...E          €45.941,02          €3.780,38            2017/10

...            U            ...F          €49.708,44          €3.780,38            2017/10

...            U            ...G         €48.201,46          €3.780,38            2017/10

...            U            ...H         €57.958,12          €3.780,38            2017/10

...            U            ...I           €48.201,46          €3.780,38            2017/10

...            U            ...J          €51.958,12          €3.780,38            2017/10

...            U            ...L          €51.958,12          €3.780,38            2017/10

Total €73.4782,70

 

Na sequência dessa alteração, foram emitidas a liquidação adicional de IRS e a liquidação de juros compensatórios, que constituem objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

As referidas liquidações, objecto dos presentes autos, resultaram directamente da desconsideração dos factos invocados pelos Requerentes na sua declaração de rendimentos, que estes não comprovaram perante a AT, quer em sede de processo de divergência, quer em sede de audição prévia, já que, embora regularmente notificados em ambos os casos, sempre se remeteram ao silêncio, omitindo-se de pronúncia - Processo Administrativo, fls. 147ss.

 

A liquidação adicional objecto dos presentes autos foi validamente notificada aos Requerentes.

 

O prazo para pagamento voluntário terminou em 16-12-19.

 

Em 23-04-2020, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra o referido acto de liquidação adicional.

 

Em 28-07-2020, foi proferida decisão final no procedimento de reclamação graciosa, a qual determinou a anulação parcial da liquidação objecto dos presentes autos - PAT - fls. 219.

 

A decisão final do procedimento de reclamação graciosa foi notificada aos Requerentes em 04-08-2020 - PAT - fls. 225.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 29-10-2020.

 

Os Requerentes celebraram contrato de mediação imobiliária com a sociedade “C...”, com o NIF..., à qual se refere o encargo de € 4.920, de comissão de mediação.

 

O referido contrato de mediação imobiliária não revestiu a forma escrita.

 

Na escritura pública de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra "L", correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinada a habitação, que faz parte do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.°..., ..., freguesia de ... e ..., concelho de Loures, celebrada em 10-09-2018, os Requerentes, na qualidade de vendedores, e também a compradora, declararam conjuntamente que «neste contrato de aquisição interveio a mediadora " C...- Unipessoal, Lda., com a licença da AMI número -...» - Documento n.º 8, junto ao pedido de pronúncia arbitral.

 

A sociedade "C... - Unipessoal, Lda." emitiu, em nome dos Requerentes e em 14-09-2018, a factura n.º FT2018/57, no valor de € 4.000, acrescidos de IVA, com a seguinte descrição: «Comissão referente à venda do seu imóvel sito na Rua ..., n.º..., ..., Sacavém» - Documento n.º 9, junto ao pedido de pronúncia arbitral.

 

A referida factura n.º FT2018/57, no valor de € 4.000, acrescidos de IVA, foi paga - Documento n.º 10, junto ao pedido de pronúncia arbitral.

 

D..., legal representante da sociedade "C... - Unipessoal, Lda." apresentou nos autos declaração sob compromisso de honra atestando que, além da intervenção na mediação da compra e venda da mencionada fracção autónoma designada pela letra "L", não mediou nenhuma outra compra e venda no prédio onde se situa aquela - Declaração junta aos autos pelos Requerentes no acto de inquirição de testemunhas.

 

Os Requerentes compraram o prédio sito na Rua..., n.º..., em 15-09-2017, pelo preço de € 360,000,00 - Documento n.º 1, junto ao pedido de pronúncia arbitral.

 

Na data da aquisição pelos Requerentes, o edifício encontrava-se muito degradado e carecido de obras - depoimento da testemunha E... .

 

Durante o ano de 2018, os Requerentes executaram obras de remodelação nas zonas comuns do edifício - pintura da fachada, renovação do hall de entrada e escadas interiores, substituição do telhado de cobertura, substituição dos sistemas de canalizações e instalações eléctricas - depoimento da testemunha E... e orçamento junto aos autos de reclamação graciosa.

 

Estes trabalhos melhoraram e valorizaram o aspecto geral do edifício -  Documentos 18 e 19 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, não impugnados, e depoimento da testemunha E... .

 

Os trabalhos tiveram como objecto a reabilitação do exterior do edifício, das partes comuns bem como a remodelação interior de parte das fracções autónomas do edifício - depoimento da testemunha E... .

 

Os trabalhos que constam do orçamento apresentado pela sociedade F...- Unipessoal, Lda.  e que posteriormente executou aqueles, são compatíveis com obras de remodelação, exteriores e interiores.

 

O orçamento referiu-se à intervenção no prédio dos Requerentes, aqui em causa - depoimento da testemunha E....

 

As facturas em causa, emitidas pela sociedade empreiteira F...- Unipessoal, Lda., contêm a descrição «Remodelação de apartamento na rua ..., n.º... […]» e a referência, conforme as facturas às seguintes fracções autónomas: rc/esq, rc/dto. 1.º Direito, 1.º Esquerdo, 2.º Direito, 2.º Esquerdo e 3.º Esquerdo - Documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral sob o n.º 16, não impugnados, e depoimento da testemunha E... .

 

A sociedade empreiteira inscreveu em cada factura um valor que reflectiu a divisão do valor global dos trabalhos realizados no exterior, nas partes comuns e nos interiores pelas várias fracções autónomas objecto de remodelação interior - depoimento da testemunha E... .

 

Os trabalhos desenvolvidos em todas as fracções autónomas foram idênticos - depoimento da testemunha E... .

 

As facturas foram sendo emitidas pela empreiteira à medida que as obras iam sendo concluídas no interior de cada uma das fracções autónomas - depoimento da testemunha E... .

 

As facturas em causa nos presentes autos encontram-se pagas.

 

C.2 - Matéria de facto - Factos não provados:

 

Não se encontra provado nos autos que o imposto e os respectivos juros compensatórios, objecto do pedido de pronúncia arbitral, foram pagos, sendo certo que a prova do pagamento é necessariamente documental.

 

Para além deste facto, não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelos Requerentes - incluindo fotografias - e pela Requerida, no processo administrativo e/ou com base, no depoimento da testemunha ouvida, nos pontos indicados.

 

A convicção do Tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não se entende posta em causa, e no acervo probatório carreado para os autos, o qual foi objecto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.

No tocante à prova testemunhal produzida, há que salientar que a testemunha inquirida é sócio e gerente da sociedade empreiteira (que, de resto, ostenta o seu nome) e que teve intervenção directa nos factos em causa neste processo, negociou o orçamento, esteve no referido imóvel antes do início das obras, no decurso destas e após a respectiva conclusão. Depôs de forma objectiva, isenta e revelando conhecimento directo dos factos aos quais foi inquirido, pelo que o seu depoimento é merecedor de total credibilidade.

 

Para a convicção do Tribunal contribuiu igualmente a declaração escrita apresentada sob compromisso de honra pela Senhora D..., legal representante da sociedade "C... - Unipessoal, Lda."

 

Sendo certo que tal declaração não tem valor de prova testemunhal, também é certo que, nos termos do artigo 16.º, do RJAMT, «constituem princípios do processo arbitral: […] e) A livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros».

 

A isto acresce que tal declaração, não sendo decisiva para a formação da convicção do Tribunal, reforçou tal convicção, adquirida com fonte nos restantes elementos probatórios apreciados.

 

C.4 - MATÉRIA DE DIREITO:

 

C.4.1 - Questões a decidir:

 

1.ª - A despesa incorrida pelos Requerentes com a comissão de mediação imobiliária a que se refere a factura n.º 2018/57, emitida pela sociedade C... Unipessoal, Lda. deve acrescer ao valor de aquisição da fracção autónoma designada pela letra "L", do prédio sito na Rua ..., n.º..., ..., Sacavém e, em consequência, ser anulada, quanto a essa parte a liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral?

 

2.ª - As despesas incorridas pelos Requerentes com as obras a que se referem as facturas juntas pelos Recorrentes, no montante total de € 220.991,00, devem acrescer ao valor de aquisição das fracções autónomas a que respeitam, do prédio sito na Rua ..., n.º ..., ..., Sacavém e, em consequência, ser anulada, quanto a essa parte a liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral?

 

3.ª - Deve ser anulada a liquidação de juros compensatórios?

 

4.ª - Deve ser determinado o reembolso do imposto e juros compensatórios pagos pelos Requerentes?

 

5.ª - Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?

 

Vejamos:

 

C.4.2 - Apreciação das questões suscitadas:

 

Previamente à análise e à decisão quanto às questões a decidir, importa sublinhar que, tal como decorre do probatório, a liquidação adicional de IRS, objecto dos presentes autos, resultou directamente da desconsideração dos factos invocados pelos Requerentes na sua declaração de rendimentos, que estes não comprovaram perante a AT, em sede de processo de divergência e, em seguida, de audição prévia, já que, embora regularmente notificados, nada disseram em ambas as ocasiões.

 

Significa isto que, em face da falta de comprovação dos factos invocados pelos Requerentes na sua declaração de rendimentos, a AT limitou-se a cumprir a lei, ou seja, a desconsiderar tais factos e a proceder à revisão da liquidação original.

 

Daí que nenhuma censura possa ser feita à referida liquidação adicional, na sua configuração original.

Confrontados com a liquidação adicional, os Requerentes enveredaram então pela reclamação graciosa e pela arbitragem tributária, tentando fazer valer nestas sedes aquilo que, devido ao seu silêncio, não haviam feito valer em sede preparatória da liquidação.

 

Mas agora em plano diferente, uma vez que lhes cabe demonstrar cabalmente que, face aos elementos na sua posse, a liquidação deveria ser outra.

 

Daí que, encontrando-se correcta a liquidação em causa nestes autos, será aos Requerentes que compete o ónus da prova dos factos que poderão conduzir à revisão daquela liquidação.

 

Factos esse que terão sempre que ser reportados ao acto de liquidação controvertido e não à reclamação graciosa, visto que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do RJAMT, a competência deste Tribunal dirige-se à apreciação da declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de tributos e não à apreciação da decisão final do procedimento administrativo de reclamação graciosa.

 

Dito de outro modo, a questão não consiste em saber-se quais as razões da Requerida para decidir o indeferimento do pedido no procedimento de reclamação graciosa, mas sim em saber-se se os factos e os fundamentos invocados pelos Requerentes em sede arbitral são ou não susceptíveis de levar à correcção da liquidação adicional de IRS.

 

E, por isso, o Tribunal irá apreciar as questões suscitadas, não tal como configuradas pela AT no procedimento administrativo de reclamação graciosa, mas sim tal como configuradas pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral - e sempre reportadas ao acto de liquidação adicional, o qual constitui o objecto incontornável do pedido de pronúncia arbitral.

 

Dito isto, comecemos pela primeira questão a decidir nos presentes autos:

 

C.4.3 - Primeira questão a decidir: A despesa incorrida pelos Requerentes com a comissão de mediação imobiliária a que se refere a factura n.º 2018/57, emitida pela sociedade C...- Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda. deve acrescer ao valor de aquisição da fracção autónoma designada pela letra "L", do prédio sito na Rua ..., n.º ..., ..., Sacavém?

 

Decorre da factualidade dada como provada que a já referida sociedade C... e os Requerentes celebraram um contrato de mediação que não revestiu a forma escrita e que aquela emitiu a estes uma factura relativa a uma comissão imobiliária, referente à venda do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., ..., Sacavém, sendo que tal factura foi por eles paga.

 

Decorre igualmente da factualidade dada como provada que, na escritura pública de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra "L", correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinada a habitação, que faz parte do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.° ..., ..., freguesia de ... e..., concelho de Loures, celebrada em 10-09-2018, os Requerentes, na qualidade de vendedores, e também a compradora, declararam conjuntamente «que neste contrato de aquisição interveio a mediadora " C...- Unipessoal, Lda., com a licença da AMI número ...»

 

Por fim, consta nos autos documento no qual a legal representante da sociedade "C...- Unipessoal, Lda." declarou por escrito, sob compromisso de honra, que, além da intervenção na mediação da compra e venda da mencionada fracção autónoma designada pela letra "L", aquela sociedade não mediou nenhuma outra compra e venda no prédio onde se situa a mencionada fracção autónoma.

 

De todos estes factos, resulta demonstrada a existência de uma comissão de mediação da sociedade "C... - Unipessoal, Lda.", no valor de € 4.000, acrescidos de IVA, com fundamento na intervenção desta na compra e venda da mencionada fracção autónoma designada pela letra "L".

 

Com efeito, o Tribunal considera não ser crível que, relativamente a um valor relativamente diminuto, de € 4.920, todos os intervenientes, ou seja, os Requerentes mais a compradora da mencionada fracção autónoma designada pela letra "L" mais a sociedade de mediação imobiliária, enunciem, todos, a existência de uma comissão de mediação imobiliária que não corresponderia à realidade.

 

Bem pelo contrário, em tal situação, o que é crível é que, em boa verdade, os Requerentes tenham suportado a comissão de mediação imobiliária em causa, com base num contrato de mediação imobiliária que não revestiu a forma escrita.

 

Determinada a celebração de contrato de mediação imobiliária que não revestiu a forma escrita e que os Requerentes suportaram a comissão de mediação imobiliária em causa, haverá agora que indagar se a falta de forma escrita é susceptível de comprometer o respectivo acréscimo ao valor de aquisição, para efeitos da categoria G, de IRS.

 

Quanto a esta indagação, a Requerida entende ser imperativa a apresentação do contrato de mediação imobiliária, já que só este permitiria estabelecer a conexão entre o pagamento da comissão e a alienação da mencionada fracção "L", além de ser obrigatório nos termos do artigo 16.º, da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro - o qual, no seu n.º 5, fulmina com a nulidade o incumprimento da redução do contrato a escrito, «não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação».

 

Vimos já que, socorrendo-se da prova constante dos autos, o Tribunal determinou a existência de contrato de mediação imobiliária, celebrado entre os Requerentes e a sociedade "C... - Unipessoal, Lda.", tendo como objecto a mediação da venda da já mencionada fracção autónoma denominada pela letra "L".

 

Com efeito, entende o Tribunal que a prova da existência do contrato de mediação imobiliária pode ser efectuada através de outros documentos, coadjuvados por qualquer outro meio de prova (por exemplo, testemunhas ou documentos auxiliares).

Deste modo, um contrato de mediação não documentado externamente - porque não reduzido a escrito, de acordo com a lei -, pode, ainda assim, assumir relevo fiscal se o sujeito passivo provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade, quer da relação contratual, quer da operação, e o montante da despesa, o que foi o caso.

 

Resta, assim, por resolver, nesta parte, a questão atinente à falta de redução a escrito do contrato de mediação imobiliária e indagar qual o alcance do artigo 16.º, n.º 5, da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro, no que se refere à relevância fiscal da comissão de mediação imobiliária.

 

Como se referiu já, o contrato de mediação imobiliária encontra-se sujeito obrigatoriamente à forma escrita. Trata-se de requisito ad substantiam.

 

A ausência da forma escrita fulmina o contrato com a nulidade.

 

Esta nulidade não pode, contudo, «ser invocada pela empresa de mediação» - artigo 16.º, n.º 5, da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro -, pelo que constitui uma nulidade atípica, já que não é aplicável o regime previsto nos artigos 286.º e 289.º a 293.º, todos do Código Civil.

 

A jurisprudência sobre esta questão é numerosa e quase unânime. Assim:

 

A inobservância da forma escrita ou a não inserção dessas menções fere de nulidade o contrato - uma nulidade atípica, que só pode ser invocada pelo cliente da entidade mediadora, não o podendo ser por esta nem conhecida oficiosamente - Ac. STJ, de 03-04-2008, proferido no processo n.º 07B4498 –

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/63692f2ba97275c680257428002a9af9?OpenDocument .

 

Trata-se de uma nulidade atípica, uma vez que apenas o comitente a pode invocar e não é de conhecimento oficioso - Ac. TRP, de 07.09.2010, proferido no processo n.º 8/07.5TBABF.P1 - http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/90ef8787583cf656802577d80042c6a5?OpenDocument .

 

Está em causa uma invalidade de carácter misto, não podendo ser conhecida oficiosamente, e apenas invocável pela pessoa singular ou colectiva que celebra o contrato de mediação com a empresa imobiliária - Ac. TRC, de 10-07-2007, Proferido no processo n.º 3631/05.9TBAVR.C1 -

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/F3845E4C2126FFCC8025731B0032451E

 

Porém, a nulidade, por falta de forma, do contrato de mediação imobiliária é atípica, visto só ser arguível pelo comitente - Ac. TRC, de 16-10-2007, proferido no processo n.º 408/05.5TBCTB.C1 - http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/1696ad15387c665b8025737c00372238

 

Deste modo, ainda que numa interpretação literal possa parecer, à primeira vista, que qualquer pessoa - excepção feita ao mediador - poderia invocar a nulidade com fundamento na falta de forma, a verdade é que a doutrina e a jurisprudência vêm recusando tal interpretação, vedando a eventual invocação da nulidade, quer ao mediador, quer a terceiros - seria o caso da Autoridade Tributária -, quer mesmo recusando a possibilidade de conhecimento oficioso da referida nulidade.

 

I - O contrato de mediação imobiliária tem de ser reduzido à forma escrita, sem o que enferma de nulidade.

II - Esta não pode ser invocada pelo mediador nem conhecida oficiosamente, pelo que, se o comitente também não a invocar, o contrato, embora meramente verbal, permanece válido -  Ac. STJ, de 31-03-2004, proferido no processo n.º 04A647 - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/4A7B7A1FAB8115C180256E8500464DD8

 

Ou seja, o contrato de mediação imobiliária produz todos os seus efeitos e deve ser tomado pelo intérprete na plenitude dos respectivos elementos negociais.

 

Pelo que a nulidade atípica atribuível ao contrato de mediação imobiliária celebrado pelos Requerentes não conduz à sua desconsideração jurídica e muito menos à desconsideração dos seus efeitos na esfera jurídica dos contraentes - incluindo a fiscal.

 

Aqui chegados, fácil se torna concluir que, encontrando-se determinado que os Requerentes suportaram o pagamento de uma comissão de mediação imobiliária, no âmbito de um contrato de mediação imobiliária, na venda da referida fracção autónoma denominada como letra "L", o valor desta comissão deverá acrescer ao valor de aquisição daquela fracção, nos termos estatuídos no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS,

 

Termos em que, quanto a esta parte, a liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral deverá ser anulada.

 

C.4.4 - Segunda questão a decidir: As despesas incorridas pelos Recorrentes com as obras a que se referem as facturas juntas por estes, no montante total de € 220.991,00, devem acrescer ao valor de aquisição das fracções autónomas a que respeitam, do prédio sito na Rua ..., n.º..., ..., Sacavém e, em consequência, ser anulada, quanto a essa parte a liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral?

 

Do probatório resulta que, tendo os Requerentes comprado o prédio sito na Rua..., n.º..., em 15-09-2017, este encontrava-se muito degradado e carecido de obras.

 

E que, por isso mesmo, durante o ano de 2018, os Requerentes executaram obras de remodelação nas zonas comuns do edifício - pintura da fachada, renovação do hall de entrada e escadas interiores, substituição do telhado de cobertura, substituição dos sistemas de canalizações e instalações eléctricas.

 

Tais trabalhos tiveram como objecto, numa parte, a reabilitação do exterior do edifício - melhorando e valorizando o aspecto geral do edifício e, noutra parte, a remodelação do interior de parte das fracções autónomas.

 

O orçamento referiu-se à intervenção no prédio dos Requerentes, aqui em causa, sendo que os trabalhos que constam daquele documento são compatíveis com obras de remodelação exteriores e interiores.

 

A descrição das facturas emitidas pela empreiteira e juntas pelos Requerentes aos autos remetem para a «Remodelação de apartamento na rua..., n.º... […]» e, conforme as facturas, para as fracções autónomas objecto das obras de intervenção.

 

Os trabalhos desenvolvidos em todas as fracções autónomas foram idênticos e as facturas foram sendo emitidas pela empreiteira à medida que as obras iam sendo concluídas no interior de cada uma das fracções autónomas.

 

O Tribunal considera, assim, que as obras em questão foram efectivamente realizadas e que consistiram em obras de remodelação, quer no edifício, quer nas zonas comuns interiores, quer nas fracções autónomas a que se referem as facturas em causa e que o custo das referidas obras se encontra regularmente documentado por facturas emitidas pela empreiteira/prestadora de serviços, que executou as referidas obras.

 

É verdade que a empreiteira inscreveu em cada factura um valor que reflectiu a divisão do valor global dos trabalhos realizados no exterior, nas partes comuns e nos interiores pelas várias fracções autónomas objecto de remodelação interior, não parecendo certo que o referido valor haja sido apurado nos termos em que seria apurado caso se tratasse de uma empresa dedicada à reabilitação e venda de imóveis, com a imputação a eventuais centros de custos.

 

Mas a verdade é que não só resultou provado que os trabalhos desenvolvidos nas referidas fracções autónomas foram idênticos,

Como não deveremos olvidar que nos encontramos em sede de determinação do rendimento líquido da categoria G - Mais -valias e não da categoria B - rendimentos provindos de actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária ou, ainda rendimentos profissionais.

 

E, por essa razão, não podem ser as mesmas as exigências de forma quanto a um sujeito passivo particular que vendeu ocasionalmente património imobiliário - é essa a essência da tributação em mais-valias - e quanto a um sujeito passivo empresário que faz dessa venda actividade empresarial e é obrigado a possuir contabilidade - simplificada ou organizada.

 

No primeiro caso - onde cabem os Requerentes -, a prova produzida terá necessariamente que ser avaliada pelo Tribunal com uma menor severidade formal, diversamente do que seria, porventura, o caso quanto a um sujeito passivo empresarial com contabilidade organizada.

 

Pois não pode exigir-se a um sujeito passivo, pessoa singular não comerciante, que mantenha centros de imputação de custos como uma qualquer empresa com contabilidade organizada.

 

Entende o Tribunal que, no âmbito da categoria G - Mais-valias, de IRS, não é exigível a um sujeito passivo, pessoa singular não comerciante, que se organize e estruture como se de uma actividade empresarial se tratasse e fosse tributado na categoria B de IRS, quando a lei não o exige e distingue claramente entre actividade empresarial de compra e venda e uma casual venda de património.

 

Daqui decorrendo certamente que, neste último caso, a exigência de certeza na quantificação dos custos tem de ser inferior àquela que se teria no caso de se tratar de uma empresa comercial e com contabilidade organizada.

 

O que se traduz na aceitação da repartição de custos realizada pelos Requerentes.

 

Aqui chegados, resta verificar se as despesas com as obras de remodelação preenchem os requisitos enunciados no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, isto é, se é possível qualificar tais despesas como encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos.

 

Como refere PAULA ROSADO PEREIRA (Manual de IRS, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 219 ss.):

 

«Nas situações previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, a dedução de despesas e encargos, para efeitos do cálculo das mais-valias tributáveis, é efectuada mediante uma técnica de acréscimo, ao valor de aquisição do bem imóvel objecto de alienação onerosa […].

Uma situação bastante comum de encargos com a valorização de bens imóveis alienados prende-se com a realização de obras pelo proprietário do imóvel, nos últimos 12 anos, relativamente às quais se encontre devidamente comprovado o encargo.

Desde que as aludidas obras originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.

Importa notar que é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efectivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efectiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado».

 

Descendo então ao caso concreto destes autos, de tudo isto resulta que as despesas em causa:

 

Devem mostrar-se devidamente comprovadas;

Devem ter sido comprovadamente suportadas pelos Requerentes;

Devem corresponder à execução de obras no imóvel em causa e não em outro e

Devem ter sido efectivamente incorridas na execução de obras de valorização.

 

Todos os requisitos atrás enunciados se verificaram no caso dos presentes autos.

Com efeito - e tal como consta do probatório - as despesas:

 

Estão documentalmente comprovadas por facturas que identificam o prédio e a qual fracção autónoma respeitam, bem como contêm no respectivo descritivo a referência a obras de remodelação;

 

Foram comprovadamente suportadas pelos Requerentes;

 

Corresponderam à execução de obras no imóvel em causa e

 

Foram efectivamente incorridas na execução de obras de valorização, já que, na data da aquisição pelos Requerentes, o edifício encontrava-se muito degradado e carecido de obras e estes procederam, durante o ano de 2018, à execução de obras de remodelação nas zonas comuns do edifício - pintura da fachada, renovação do hall de entrada e escadas interiores, substituição do telhado de cobertura, substituição dos sistemas de canalizações e instalações eléctricas, as quais melhoraram e valorizaram o aspecto geral do edifício e os interiores.

 

Pelo que, concluindo nesta parte, as referidas despesas se encontram abrangidas pelo artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS e deverão acrescer ao valor de aquisição de cada uma das fracções autónomas alienadas pelos Requerentes.

 

Termos em que, quanto a esta parte, a liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral deverá ser anulada.

 

C.4.5 - Terceira  questão a decidir: Deve ser anulada a liquidação de juros compensatórios?

 

Os Requerentes peticionam a anulação da liquidação de juros compensatórios.

 

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT, estatui que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

 

Nos presentes autos, concluiu-se já que a liquidação adicional de IRS, objecto do pedido de pronúncia arbitral é de anular na parte que radica nas correcções a que se referem os pontos C.4.3 e C.4.4 da presente Decisão Arbitral.

 

Constituiu pressuposto da liquidação de juros compensatórios o retardamento da liquidação adicional de IRS.

 

Ora, anulada a liquidação adicional de IRS, a liquidação de juros compensatórios, a que estes se referem, perdeu objecto na parte do imposto anulado, já que, quanto a esta parte da liquidação, deixou de existir liquidação à qual possa ser imputado retardamento.

 

De resto, a liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação adicional de IRS, pelo que enferma dos mesmos vícios,

 

Pelo que a liquidação de juros compensatórios deverá ser anulada, na parte que radica no IRS liquidado por força das correcções a que se referem os pontos C.4.3 e C.4.4 da presente Decisão Arbitral.

 

C.4.6 - Quarta questão a decidir: Deve ser determinado o reembolso do imposto e juros compensatórios pagos pelos Requerentes?

 

Não se encontra provado nos autos que o imposto e os respectivos juros compensatórios, objecto do pedido de pronúncia arbitral, foram pagos, sendo certo que a prova do pagamento é necessariamente documental.

 

Assim sendo, na falta de prova adequada e bastante do pagamento, não haverá que decretar o reembolso, sendo certo que, em caso desse pagamento ter ocorrido, a anulação do IRS e dos respectivos juros compensatórios sempre criará, na esfera jurídica da AT, o dever de proceder ao respectivo reembolso.

 

C.4.7 - Quinta questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?

 

Peticionam os Requerentes que a Requerida AT seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos constantes do n.º 4 do artigo 43.º da LGT.

 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, estatui que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

Contudo, não se encontra provado nos autos que o imposto e os respectivos juros compensatórios, objecto do pedido de pronúncia arbitral, foram pagos.

 

Na falta de tal prova, não é possível a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Diga-se, ainda, que, mesmo que se encontrasse efectuada a prova de pagamento das prestações tributárias, a resposta a esta questão não seria diferente.

 

Com efeito, a ocorrência de «erro imputável aos serviços» constitui pressuposto da condenação da Requerida em juros indemnizatórios.

 

Ora, no caso concreto, verifica-se que a declaração de ilegalidade e a consequente anulação, quer da liquidação adicional de IRS, quer da liquidação de juros compensatórios controvertidas, nos termos e com os limites acima enunciados, não se fundam em erro, de facto ou de Direito, imputável aos serviços da AT.

 

Com efeito - e tal como consta do probatório supra -, «as referidas liquidações, objecto dos presentes autos resultaram directamente da desconsideração dos factos invocados pelos Requerentes na sua declaração de rendimentos, que estes não comprovaram perante a AT, quer em sede de processo de divergência, quer em sede de audição prévia, já que, embora regularmente notificados em ambos os casos, sempre se remeteram ao silêncio, omitindo-se de pronúncia».

 

Reiterando o que já atrás se escreveu, na falta de comprovação dos factos invocados pelos Requerentes na sua declaração de rendimentos, a AT limitou-se a cumprir a lei, ou seja, a desconsiderar tais factos e a proceder à revisão da liquidação original.

 

Daí que nenhuma censura possa ser feita à referida liquidação adicional, nos termos em que foi emitida.

 

E, por isso, confrontados com a liquidação adicional, os Requerentes enveredaram pela revisão da liquidação - primeiro em sede de reclamação graciosa e, depois, em sede arbitral -, tentando fazer valer nestas sedes aquilo que não haviam feito valer em sede preparatória da liquidação, porque sempre remetidos ao silêncio.

 

Nestes termos, o Tribunal não concederá provimento ao pedido dos Requerentes, quanto à condenação da Requerida em juros indemnizatórios.

 

 

D - DECISÃO:

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral no seguinte:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade das liquidações de IRS e de juros compensatórios controvertidas, sendo tal declaração de ilegalidade limitada, quanto a ambos os actos, à parte que radica nas correcções a que se referem os pontos C.4.3 e C.4.4 da presente Decisão Arbitral;

 

b)           Em consequência, anular a liquidação adicional de IRS, objecto do pedido de pronúncia arbitral, relativa ao ano de 2018, com o n.º 2019..., e a respectiva liquidação de juros compensatórios, também referente ao ano de 2018, anulações estas restritas à parte das liquidações que radica nas correcções a que se referem os pontos C.4.3 e C.4.4 da presente Decisão Arbitral;

 

c)            Não determinar nesta instância o reembolso, aos Requerentes, do IRS e dos juros compensatórios, resultantes da anulação a que se refere a alínea anterior, dado que não se encontra demonstrado nestes autos que o pagamento tenha ocorrido, sempre com a ressalva de que a anulação do IRS e dos respectivos juros compensatórios, agora decidida, cria, na esfera jurídica da AT, o dever de proceder ao respectivo reembolso, caso tenha ocorrido pagamento;

 

d)           Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida AT no pagamento de juros indemnizatórios e absolver esta do pedido.

 

 

E - VALOR DA CAUSA:

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 157.665,11, correspondente à liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios, valor este que foi posteriormente impugnado pela Requerida.

 

Com efeito, o objecto do pedido arbitral inicial era mais amplo, tendo posteriormente sido reduzido, em resultado da revogação parcial da liquidação, por parte da AT, no decurso do prazo previsto no artigo 13.°, do RJAMT.

               

O valor da causa representa a utilidade económica do pedido.

 

Assim sendo, de harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e ainda 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao presente ao processo o valor de € 152.500, correspondente ao valor estimado de imposto e de juros compensatórios a que os Requerentes pretenderam obstar.

 

F - CUSTAS:

 

O artigo 527.º, n.º 1, do CPC, estabelece, como regra geral em matéria de custas, que «a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito».

 

Com efeito, «o Código de Processo Civil consagra no seu artigo 527.º, em matéria de custas, como trave-mestra, o princípio da causalidade, segundo o qual a incumbência do respectivo pagamento recairá sobre a parte que lhes der causa, ou na ausência de vencimento, sobre quem do processo retirou proveito» - Ac. STJ, proferido em 24-02-2015, no processo n.º 116/14.6YLSB - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/17b3a1760de0df9280257df600607859

 

Vimos já que as liquidações de IRS e de juros compensatórios, objecto dos presentes autos, resultaram, directa e exclusivamente, da desconsideração dos factos invocados pelos Requerentes na sua declaração de rendimentos, que estes não comprovaram perante a AT, em sede de processo de divergência e, em seguida, em sede de audição prévia, já que, embora regularmente notificados em ambos os casos, sempre se remeteram ao silêncio,

 

O que determinou a AT à prática dos actos tributários aqui controvertidos, os quais são objecto de pedido de pronúncia arbitral.

 

O mesmo é dizer que foram os Requerentes -  e não a Requerida AT - quem deu causa à presente acção arbitral.

 

Assim sendo, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, indo os Requerentes condenados nas custas do processo.

 

Notifique.

Lisboa, 09 de Setembro de 2021.

 

Os Árbitros,

 

(Manuel Luís Macaísta Malheiros)

(Vasco António Branco Guimarães)

(Martins Alfaro)

 

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 01 de Maio) o Relator atesta o voto de conformidade do Árbitro Presidente, Senhor Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, e do Árbitro Adjunto, Senhor Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães.