Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 580/2018-T
Data da decisão: 2019-07-04  IRC  
Valor do pedido: € 1.965.984,35
Tema: IRC - Dedutibilidade de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital. Tributações Autónomas
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DECISÃO ARBITRAL

 

Decisão Arbitral

 

Os Árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Árbitro Presidente), Dr. Olívio Mota Amador (Árbitro Vogal) e Dr. André Festas da Silva (Árbitro Vogal), designados pelo Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral acordam no seguinte:

 

1. - Relatório

 

1.1. A… SGPS S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na …, …-… …, (doravante designada por “Requerente”) apresentou, em 21-11-2018, um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/201, de 22 de março, para declarar a ilegalidade e consequente anulação do ato de autoliquidação de IRC n.º 2016 ..., respeitante ao exercício de 2014, e também do despacho do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”), de 20-09-2017, que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2017..., e do despacho da Subdirectora-Geral da área gestoras Tributária dos Impostos sobre o Rendimento da Autoridade Tributária, de 24-08-2018, que indeferiu o recurso hierárquico n.º ...2017... e a substituição por um novo ato determinando a dedução dos encargos financeiros ao lucro tributável no valor de € 5.469.275,54 (cinco milhões, quatrocentos e sessenta e nove mil duzentos e setenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) e o reembolso no montante de € 708.050,98 (setecentos e oito mil e cinquenta euros e noventa e oito cêntimos).

 

1.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite, em 21-11-2018, e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”, adiante designada por “Requerida”).

 

1.3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro presidente e os árbitros auxiliares do tribunal arbitral coletivo, tendo os signatários comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.4. As partes foram notificadas das designações do árbitro presidente e dos árbitros auxiliares, em 14-01-2019, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

1.5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 04-02-2019.

 

1.6. A Requerida, devidamente notificada para o efeito através do despacho arbitral, de 04-02-2019, apresentou a sua resposta, em 11-03-2019, defendendo-se por exceção e por impugnação e remeteu, em 12-03-2019, o processo administrativo.

 

1.7. O Tribunal Arbitral por despacho, de 13-03-2019, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e determinou o prosseguimento do processo mediante a notificação às partes para apresentação de alegações escritas facultativas, no prazo sucessivo de 15 dias, que podia ser utilizado pela Requerente para exercer o contraditório relativamente à exceção suscitada pela Requerida na Resposta. Foi indicado o dia 04-07-2019 para a prolação da decisão arbitral.

 

1.8. As alegações foram apresentadas pela Requerente, em 22-03-2019, e pela Requerida, em 11-04-2019.

 

1.9. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

1.9.1. Os encargos financeiros devem ser deduzidos com a aquisição de partes de capital cuja transmissão não tenha ocorrido até ao dia 31 de Dezembro de 2013, uma vez que aquele regime não chegou a ser integralmente aplicado em virtude de não ter sido apurada qualquer mais ou menos valia durante a sua vigência.

1.9.2. Caso não se mostrassem verificados os pressupostos para a aplicação do regime previsto no artigo 32.º do EBF, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital seriam sempre dedutíveis à luz da regra geral de dedutibilidade dos gastos (cfr. artigo 23.º, n.º 2, alínea c), do Código do IRC). Tendo em conta os elementos literal e teleológico do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, forçoso será de concluir que, caso uma SGPS não tenha apurado qualquer mais ou menos valia com a transmissão de partes de capital que tenha beneficiado daquele regime, os encargos financeiros com a aquisição daquelas participações deverão concorrer para efeitos do apuramento do lucro tributável.

1.9.3. Ainda que a AT entenda que a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas à data da revogação do artigo 32.º do EBF não encontra fundamento na Circular n.º 7/2004, a aplicação do princípio da não dedutibilidade vertido naquela Circular nunca poderá resultar na produção de efeitos diversos daqueles pretendidos pelo legislador, nomeadamente o “ambiente de neutralidade” que se pretendeu atribuir àquele regime, na medida em que tal Circular não tem força de lei. Com a revogação do regime previsto no artigo 32.º do EBF, o acatamento do entendimento preconizado na Circular n.º 7/2004 acabou por originar uma situação materialmente desigual face às demais SGPS que optaram por se afastar daquele mesmo entendimento.

1.9.4. Neste contexto, além de carecer de qualquer justificação legal, a interpretação de que os encargos financeiros não podem ser deduzidos em virtude de a sua situação fiscal ter ficado irremediavelmente definida no momento em que os mesmos foram acrescidos em resultado da aplicação da Circular n.º 7/2004, seria contrária ao princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º da CRP.

1.9.5. A AT deve proceder à correção da situação fiscal da ora Requerente, permitindo a dedução dos encargos financeiros acrescidos relativos às partes de capital de que ainda era titular à data da revogação do artigo 32.º do EBF. Assim, a Requerente considera que a dedução dos encargos financeiros que foram acrescidos no passado deverá ser efetuada apenas no período de tributação de 2014, na medida em que, até 31 de Dezembro de 2013, inclusive, o regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF se encontrava ainda em vigor.

1.9.6. Os encargos financeiros que tenham sido acrescidos, e que respeitem a partes de capital cuja mais valia associada não tenha beneficiado do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, deverão ser reconhecidos como custo fiscal no exercício em que se conclua pela impossibilidade efetiva de aplicação daquele regime, e não naquele em que, potencialmente, o mesmo não será aplicável. O que, no caso em apreço, corresponde ao período de tributação de 2014. Resulta, pois, inequívoco que a ratio subjacente ao n.º 2 do artigo 32.º do EBF não consiste na limitação da dedutibilidade dos encargos financeiros suportados por SGPS per si, antes na decorrência lógica da neutralidade fiscal pretendida pelo legislador aquando da introdução deste regime.

1.9.7. Em relação ao tema da dedutibilidade dos benefícios fiscais à coleta das tributações autónomas, deve notar-se que a interpretação mais simples e literal do artigo 90.º,  n.º 2, do Código do IRC é aquela que permite que os benefícios fiscais que operem por dedução à coleta o sejam (deduzidos) à totalidade do IRC a pagar pelo sujeito passivo – e, portanto, também à derrama e tributações autónomas – e não apenas à coleta de IRC stricto sensu.  Aliás, já é reconhecido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que apesar de conterem algumas especificidades face ao regime geral, as tributações autónomas são componentes do IRC.

1.9.8. No que se refere às deduções à coleta apuradas na esfera individual de sociedades sujeitas ao RETGS, a regra geral da tributação conjunta tem concretização clara e inequívoca no artigo 90.º, n.º 6, do Código do IRC. Ora, uma vez que o montante de imposto apurado naqueles termos inclui as tributações autónomas, impõe-se concluir que as deduções referentes aos benefícios fiscais devem ter por referência a coleta de imposto apurada no seio pelo Grupo.

1.9.9. A Requerente considera que, sendo as tributações autónomas parte integrante da coleta de IRC, forçoso será concluir que os montantes apurados no âmbito dos benefícios fiscais não deduzidos à coleta do período de tributação de 2013, deveriam tê-lo sido, sem colocar em causa os limites fiscais relevantes no consumo dos mesmos.

1.9.10. Sobre a questão da dedução dos benefícios fiscais às tributações autónomas, importa salientar que o entendimento da Requerente já foi sufragado nas decisões dos processos arbitrais n.ºs 369/2015-T e 370/2015-T.

1.10. Na Resposta a Requerida suscitou a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e conduz à absolvição da instância quanto à pretensão em causa,  com os seguintes fundamentos:

1.10.1. Resulta do pedido final da Requerente “(II) O Reembolso no montante de € 708.050,98 acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.” Quanto a esta última parte do pedido da Requerente importa dizer que não pode ser conhecido no presente processo, porquanto tal pedido (na parte identificada) extravasa a competência do presente Tribunal.

1.10.2. Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

1.10.3. Por fim, caso não se entenda resultar do disposto no artigo 2.º do RJAT, interpretando-o de forma diversa da propugnada pela Requerente, sempre se dirá que tal interpretação será contrária à unidade da ordem jurídica e estará a violar os princípios da certeza e da segurança jurídica, sub princípios concretizadores do princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa. Tal interpretação seria, de igual modo, materialmente inconstitucional por violar o princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efetiva, previstos nos artigos 13.º e 20.º da CRP. Além disso, tal interpretação seria materialmente inconstitucional por violar o princípio da legalidade, o qual enforma toda a atividade administrativa, e o seu corolário da indisponibilidade do crédito tributário.

 

1.10.4. Quanto ao valor dos encargos o Tribunal não pode fixar o seu exato montante, em virtude da pendência de processos judiciais, a correr termos no Tribunal Tributário de …, como indicado no pedido de pronuncia arbitral (nota de rodapé do artigo 18.º) onde os mesmos se encontram a ser discutidos e em que a Requerente peticiona a sua dedução no respetivo exercício.

1.11. Relativamente á exceção suscitada pela Requerida, a Requerente nas alegações exerceu o contraditório, nos seguintes termos:

1.11.1. A AT bem compreende que o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o ato de liquidação de IRC, fundado na ilegalidade das correções de que é concomitante, e cuja anulação, por essa via, se impõe.

1.11.2. A restituição do imposto que, em virtude daquele reconhecimento de ilegalidade, venha a ser julgado indevidamente pago, representa um efeito da revogação necessária e consequente do ato de liquidação aqui impugnado, sendo nessa exata medida também um efeito pretendido com o pedido de constituição e pronúncia arbitral.

1.12. A defesa da Requerida por impugnação, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

1.12.1. Na vigência do artigo 32.º do EBF os encargos financeiros não deduzidos só poderiam concorrer para o lucro tributável do período de tributação em que fossem realizadas mais-valias às quais não fosse aplicado o regime de isenção. Ora,  como não foi reportado o apuramento, em 2014, de quaisquer mais-valias ou menos-valias resultantes da alienação das partes de capital cuja titularidade se mantinha em 31/12/2013, que tivessem influenciado o lucro tributável, não existe base legal que sustente a pretensão da referida dedução dos encargos para efeitos do apuramento do lucro tributável.

1.12.2. O Ponto 6 da Circular n.º 7/2004 não deixava dúvidas que era “no momento da alienação das participações” e não em qualquer outro momento que haveria de concluir-se se estavam verificados todos os requisitos para aplicação daquele regime. Acresce que nem pode argumentar-se que com a revogação do artigo 32.º do EBF as mais-valias e as menos-valias tenham passado a ser objeto de tratamento diferenciado e mais gravoso, já que estão abrangidas pelo artigo 51.º-C do Código do IRC não concorrem para o lucro tributável. O que se verificou foi, portanto, uma sucessão de regimes, no âmbito da qual o denominado regime de participation exemption sucedeu, porque o substituiu, ao regime especial das SGPS, consagrado no artigo 32.º do EBF.

1.12.3. Não tem, assim, sustentação legal a interpretação expendida pela Requerente quer do ponto 6 da Circular n.º 7/2004 quer dos efeitos da revogação do artigo 32.º do EBF, em que possa ser respaldada a dedução dos encargos financeiros com a aquisição de partes de capital cuja transmissão não tenha ocorrido até ao dia 31 de Dezembro de 2013, tanto mais que a Requerente reconhece que “a condição de eficácia constitutiva do facto tributário relativo aos encargos financeiros não chegou a verificar-se”. Assim, efetivamente só a partir do período de tributação de 2014 é que a Requerente poderá verificar, quando as partes de capital forem alienadas, se as mais-valias beneficiarão, ou não, de isenção e não no exercício em que o regime do artigo 32.º do EBF deixou de ter aplicação.

1.12.4. A solução que a Requerente defende de dedução, de uma só vez, da totalidade dos encargos financeiros suportados em exercícios passados acrescidos ao lucro tributável em períodos de tributação anteriores, desligados da incorporação de quaisquer rendimentos ou ganhos associados, isto é, sem a alienação das correspondentes participações sociais, afronta ainda as regras de periodização dos gastos e perdas imputáveis ao lucro tributável, enunciadas no artigo 18.º do Código do IRC.

1.12.5. Não assiste razão à Requerente para proceder à dedução dos encargos financeiros acrescidos ao lucro tributável dos exercícios de 2004 a 2010, que estão associados às partes sociais cuja titularidade era mantida em 31.12.2013, quer por invocação da Circular n.º 7/2004, no seu ponto 6, que expressamente previa que a dedução só teria lugar no momento da alienação das participações. Facto que não ocorreu, quer porque a revogação do artigo 32.º do EBF não foi acompanhada da criação de uma norma transitória a definir um regime de regularização de tais encargos, estando vedado à AT substituir-se ao legislador e criar essa norma transitória, permitindo a dedução integral e de uma só vez, ao lucro tributável do exercício de 2014, dos encargos financeiros não deduzidos no passado.  

1.12.6. A Requerente alega que o Grupo de sociedades abrangido pelo RETGS é titular Fiscal de créditos, a título de benefícios fiscais relativos ao SIFIDE RFAI e CFEI que não podendo ser consumidos pela coleta de IRC, pretende sejam deduzidos às tributações autónomas apuradas pelo Grupo. Só que a coleta de IRC, referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, para a qual remetem o n.º 2 deste artigo e os normativos pertinentes do SIFIDE, RFAI e CFEI, distingue-se das coletas das Tributações Autónomas por resultar, tão-só, da liquidação do imposto sobre matéria coletável calculada com base no lucro (cfr., do artigo 15.º ao artigo 86.º-B do Capítulo III do Código e taxas previstas no artigo 87.º), ao passo que os factos geradores das tributações autónomas são múltiplos e remetem para despesas incorridas pelos sujeitos passivos ou por terceiros que com ele se relacionem, dando origem a diversas liquidações em função das diferentes taxas aplicáveis.

1.12.7. Por as tributações autónomas serem utilizadas como instrumentos fiscais anti-abusivos, esvaziar-se-iam de qualquer conteúdo prático tributário na eventualidade de se acolher a tese defendida pela Requerente. Bastaria lembrar a situação absurda a que se chegaria se as tributações autónomas incidentes sobre despesas não-documentadas fossem absorvidas pelos créditos fiscais correspondentes a benefícios fiscais.

1.12.8. Donde resulta que “o montante apurado nos termos da al. a), do n.º 1, do art.º 90.º” não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo só podem ser efetuadas à parte do apuramento de coleta em IRC com a qual exista uma correspondência direta, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto. Em consequência, não há uma liquidação única de IRC mas, antes, dois apuramentos, dois cálculos distintos que, embora processados nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo Código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada um se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas ou no artigo 87.º ou no artigo 88.º do Código do IRC, às respetivas matérias coletáveis, determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

1.12.9. Quanto à questão que se prende em saber se os benefícios fiscais das sociedades abrangidas pelo RETGS podem ser deduzidos ao montante total das tributações autónomas, desde já a resposta é negativa. A inscrição das tributações autónomas do grupo efetuada pela sociedade dominante circunscreve-se ao somatório das tributações autónomas liquidadas individualmente pelas sociedades que integram o perímetro do grupo, exceto quando na declaração do grupo é apurado prejuízo fiscal, caso em que tem que ser liquidado o adicional de 10% previsto nos números 14 e 20 do artigo 88.º do Código do IRC.

1.12.10. À determinação das tributações autónomas preside, em primeira linha, uma lógica puramente individual e não de grupo, sempre que na declaração periódica de rendimentos do grupo é apurada matéria coletável de IRC, e, assim sendo, seria de todo incoerente que os créditos de imposto por benefícios fiscais relativos ao SIFIDE e ao RFAI fossem deduzidos ao montante total das tributações autónomas. Pelo que, a ser permitido pela lei – que não é, como já se referiu – a dedução de benefícios fiscais às tributações autónomas a dedução, na situação sub judice, só poderia operar se tomasse como referência o montante apurado na declaração individual de cada sociedade do grupo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC.

1.13. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

A exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, suscitada pela Requerida (vd., 1.10. e 1.11. supra), será apreciada prioritariamente no n.º 3 infra.

 

Tudo visto, cumpre proferir decisão

 

2. MATÉRIA DE FACTO

2.1. Factos dados como provados

  1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português com a forma jurídica de Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), que resulta da fusão operada, em 2013, entre a B… – Serviços de Telecomunicações e Multimédia, SGPS, S.A. e a C… SGPS, S.A..

 

  1. A Requerente é a sociedade dominante do denominado Grupo A…, sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, que exerce atividade na área das telecomunicações e do entretenimento em Portugal e ainda na área da distribuição e exibição cinematográfica.

 

  1. A Requerente apresentou, em 30-05-2015, a declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC, relativa ao período de tributação de 2014, identificada com o código ...-C6307-15 (vd., Documento n.º 4, anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

  1. Relativamente ao período de tributação de 2014, a Requerente apresentou, em 30-05-2016, uma declaração de substituição da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, identificada com o código ...-C…-17 (vd., Documento n.º 5, anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

 

  1. Na declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC, identificada na alínea anterior, a Requerente inscreveu no quadro 10 os montantes seguintes: € 840.573,08 Coleta (campo 351); € 916.008,86 Derrama estadual (campo 373); € 708.050,98 Tributações autónomas (campo 365) (vd., Documento n.º 5, anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

  1. No Anexo D da declaração de rendimentos Modelo 22, identificada na alínea D), a Requerente inscreveu, a título de dedução à coleta, os seguintes montantes: (i) SIFIDE – Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial € 1.245.158,86 (quadro 073 Campo 711); (ii) Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) € 439.145,49 (quadro 074 Campo 715); (iii) Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento; €0,00 (quadro 076 Campo 724); (iv) o total das deduções € 1.684.304,35 (quadro 075 Campo 721) (vd., Documento n.º 5 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

  1. A Requerente foi notificada, em 24-08-2016, da demonstração de liquidação de IRC referente ao período de tributação de 2014, efetuada em 01-06-2016, sob o n.º 2016 ..., na qual consta o valor a reembolsar de € 2.071.887,65 (vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

 

  1. A Requerente acresceu ao seu lucro tributável individual, a título de encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes de capital, os seguintes montantes:
  1. € 1.124.476,00 - Exercício de 2004
  2. € 1.105.362,94 - Exercício de 2005
  3. € 1.423.096,25 - Exercício de 2006
  4. € 2.040.064,44 - Exercício de 2007
  5. € 4.866.152,99 - Exercício de 2008
  6. € 3.405.830,84 - Exercício de 2009
  7. €    709.649,79 - Exercício de 2010

(vd., n.º 29 da Informação da Unidade dos Grandes Contribuintes n.º ...-AIR.../2017, de 04-09-2017, fls. 58 do Processo Administrativo).

 

  1. Os montantes que acresceram ao lucro tributável individual da Requerente a título de encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes de capital, nos períodos de tributação de 2009 e 2010, foram objeto de impugnação judicial por parte da Requerente, através de três processos que correm no Tribunal Tributário de … com os n.ºs …/14.7 ... (referente ao ano de 2009 - valor acrescido de € 3.405.830,84), …/13.9 ... e …/15.0 ..., (referentes ao ano de 2010 – valor acrescido de € 709.649,79) (vd., n.º 29, alínea h), da Informação da Unidade dos Grandes Contribuintes n.º ...-AIR.../2017, de 04-09-2017, fls. 58 do Processo Administrativo e nota de rodapé n.º 2 do pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Relativamente às partes de capital de que era titular em 31-12-2013 a Requerente havia acrescido ao seu lucro tributável, em termos globais, o montante de € 5.469.275,55 (vd., n.º 29, alínea i), da Informação da Unidade dos Grandes Contribuintes n.º ...-AIR.../2017, de 04-09-2017, fls. 58 do Processo Administrativo)

 

  1. A Requerente apresentou, em 30-05-2017, reclamação graciosa dirigida à Unidade dos Grandes Contribuintes contra o ato de autoliquidação de IRC, referente ao período de tributação de 2014, que recebeu o n.º ...2017... (vd., Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

  1. A Requerente foi notificada, em 04-08-2017, do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo exercido o respetivo direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea b) da LGT (vd., Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

  1. A Requerente, em 26-09-2017, foi notificada por ofício da Unidade dos Grandes Contribuintes do despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido pelo Diretor do Serviço Central, em 20-09-2017, exarado na Informação n.º ...-AIR.../2017, de 04-09-2017 (vd., Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

  1. A Requerente interpôs, em 23-10-2017, recurso hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças, que recebeu o n.º ...2017..., do despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido pelo Diretor do Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, em 20-09-2017, (vd., Documento n.º 8, anexo ao pedido de pronuncia arbitral e fl. 2 do Processo Administrativo).

 

  1. A Requerente foi notificada, por ofício da Direção de Serviços do IRC, de 24-08-2018, do despacho de deferimento parcial do recurso hierárquico proferido pelo Subdiretor-geral, ao abrigo de Subdelegação de competências, em 23-08-2018, exarado na informação n.º 2018… da Direção de Serviços do IRC, de 12-03-2018 (vd., Documento n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

  1. O despacho do Subdiretor-geral, identificado na alínea anterior, indeferiu a parte referente aos encargos financeiros acrescidos ao lucro tributável e a parte relativa à dedução dos benefícios fiscais à coleta das tributações autónomas, mas deferiu a parte respeitante à inclusão da dotação do período a titulo de beneficio fiscal relativo ao RFAI calculado sobre o investimento efetuado pela A… Comunicações S.A., sendo ordenada a devolução do processo, nesta parte, à Unidade dos Grandes Contribuintes para reapreciação no procedimento de reclamação graciosa (vd., Documento n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

2.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto cabe ao Tribunal o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, não tendo que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Nestes termos, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

3.MATÉRIA DE DIREITO

 

3. Incompetência do tribunal arbitral

 

3.1. A Autoridade Tributária suscitou a excepção dilatória da incompetência do tribunal arbitral relativamente ao pedido de reembolso no montante de € 708.050,98, acrescido de juros indemnizatórios, por considerar que esse pedido na parte em visa a devolução do imposto indevidamente pago, ainda que possa constituir uma consequência da declaração de ilegalidade de atos de liquidação impugnados, no plano executivo, não se enquadra na competência do tribunal arbitral tal como se encontra definida no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT.

 

Na petição inicial a Requerente deixa claro que a sua pretensão tem por objecto o acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2014, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse acto e da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado na sequência dessa impugnação administrativa. No entanto, na formulação do pedido, a impugnante requer não apenas a anulação do acto de autoliquidação e dos despachos de indeferimento, mas também a sua substituição por um novo acto que traduza as correcções ao lucro tributável, mediante dedução dos encargos financeiros no valor de € 5.469.275,54, e o reembolso no montante de € 708.050,98, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

Deve começar por dizer-se que embora a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária apenas compreenda as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de fixação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais, nos termos das referidas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o certo é que constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a Administração Tributária deva praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

 

Essa é, por outro lado, a necessária decorrência do dever de execução de sentenças de anulação de actos administrativos (artigo 179.º do CPTA), que se torna extensivo, nos mesmos exactos termos, às situações em que haja lugar à anulação administrativa por iniciativa da Administração ou a requerimento do particular (artigo 172.º do CPA).

 

No caso, a Requerente veio deduzir um pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, mas esse é um pedido meramente acessório e condicionado à declaração de ilegalidade dos actos tributários impugnados, não assumindo a natureza de um pedido autónomo de condenação na prática de acto devido ou de reconhecimento de direitos legalmente protegidos que extravase o âmbito de competência material do tribunal arbitral. 

 

Nesse sentido aponta ainda o facto de nada obstar a que o tribunal profira condenação, se for o caso, no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito. Sendo que o pagamento de juros indemnizatórios se torna exigível sempre que a prestação tributária indevida resulte de erro imputável aos serviços verificável quer em impugnação administrativa quer em impugnação judicial.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

E, por conseguinte, o tribunal arbitral não está impedido de incluir no dispositivo as cominações meramente consequenciais da declaração de ilegalidade do acto tributário.

 

Questões de fundo

           

            4. Dedutibilidade de encargos financeiros por efeito da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais

 

4.1. Num primeiro momento, a Requerente pretende que, por efeito da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), operada  pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, possam ser deduzidos, para efeitos do apuramento do lucro tributável de 2014, os encargos financeiros suportados em períodos de tributação anteriores, relativos à aquisição de participações que em 31 de dezembro de 2013 permaneciam na sua titularidade.

E assenta esse entendimento na circunstância de a referida disposição do EBF ter instituído uma exclusão de tributação das mais-valias obtidas por sociedades gestoras de participações sociais, relativamente a partes de capital de que fossem titulares, que tinha como contrapartida direta a não dedutibilidade dos encargos financeiros que se encontrassem associados, pelo que a eliminação desse benefício fiscal deverá determinar a dedutibilidade dos encargos financeiros relativos a participações que não foram transmitidas na vigência do artigo 32.º do EBF e, consequentemente, não deram origem a qualquer mais ou menos-valia que pudessem ser excluídas de tributação.

            

E esse critério, ainda segundo a Requerente, encontra apoio no nº 6 da Circular n.º 7/2004 que aponta para a possibilidade de ser revertido o princípio de não dedutibilidade dos encargos financeiros quando se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação do benefício fiscal.

 

A Autoridade Tributária sustenta, em contraposição, que a não dedutibilidade de encargos financeiros associados à aquisição de partes de capital pelas sociedades gestoras de participações sociais é uma medida legislativa autónoma em relação à que estabelece que as mais-valias e menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável, e, por outro lado, a revogação do regime do artigo 32.º do EBF apenas coloca um problema de sucessão de leis no tempo que deverá ser resolvido do seguinte modo: aos encargos financeiros acrescidos ocorridos no âmbito da aplicação temporal do regime fiscal das SGPS é-lhes aplicável o regime previsto no artigo 32.º; os encargos financeiros vencidos a partir de 1 de janeiro de 2014 passam a ser dedutíveis nas condições do artigo 23.º do Código do IRC, estando apenas limitados pelo disposto no artigo 67.º; e relativamente às mais-valias ou menos-valias de sociedades gestoras de participações sociais, a ser obtidas pela alienação de participações sociedades gestoras de participações sociais, é-lhes aplicável o regime de “participation exemption” previsto no artigo 51.º-C.

 

Deve começar por dizer-se que a questão não tem sido objecto de entendimento uniforme na jurisprudência arbitral.

 

No acórdão proferido no Processo n.º 285/2017-T, partindo do princípio de que o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF constitui um benefício condicionado, que tinha como contrapartida a regra da não dedutibilidade dos encargos financeiros, considerou-se que a revogação da disposição desacompanhada de qualquer regra de direito transitório, implicando a manutenção do regime  especial de não dedutibilidade dos encargos financeiros e a concomitante perda do benefício fiscal, deixa as sociedades gestoras de participações sociais em posição de injustificado desfavorecimento face à generalidade das sociedades, violando o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva.

 

No acórdão proferido no Processo n.º 645/2017-T, em situação similar, julgou-se procedente o pedido arbitral com base na inobservância pela Administração Tributária do estabelecido no ponto 6 da Circular n.º 7/2004.

 

Refere-se a esse propósito o seguinte:

 

(…) face ao entendimento publicitado no ponto 6 da referida Circular, vinculativo para a Autoridade Tributária e Aduaneira, a desconsideração dos encargos financeiros suportados pela Requerente com a aquisição de partes de capital estava condicionada à verificação dos requisitos para aplicação deste regime de não concurso das mais-valias realizadas para formação do lucro tributável: se se visse a constatar, «no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».

No pressuposto, adoptado na referida Circular, a desvantagem fiscal que constitui a desconsideração dos encargos financeiros está condicionada à obtenção do ulterior benefício fiscal que constitui a não tributação de mais-valias. Esta vantagem fiscal será uma contrapartida da desvantagem que constitui a não consideração dos encargos financeiros, pelo que tem de se concluir que, na perspectiva da referida Circular, a impossibilidade de vir a ser aplicado um regime privilegiado a nível da alienação será justificação para que seja eliminada a desvantagem referida. 

Utilizando a terminologia da referida Circular, poderá dizer-se que, tendo sido revogado o regime referido antes do «momento da alienação das participações», tem de se concluir, definitivamente, que o regime do artigo 32.º, n.º 2, não poderá ser aplicado. 

E, adquirida num determinado exercício, por ter sido revogado o regime legal, a certeza de que não se verificarão «todos os requisitos para aplicação daquele regime», a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada a aplicar a estatuição que anunciou na parte final daquele ponto 6: «proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».

 

Esse mesmo princípio foi adoptado no acórdão proferido no Processo n.º 754/2016-T, ainda que, nesse caso, com fundamento no facto de o sujeito passivo ter deixado de constituir uma sociedade gestora de participações sociais em 2013 e não ter podido beneficiar, por essa razão, do regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, constituindo essa circunstância o motivo determinante, à luz do ponto 6 da Circular n.º 7/2004 para considerar como gastos do exercício os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais nos períodos de tributação anteriores.

 

Em sentido oposto, o acórdão proferido no Processo n.º 610/2017-T, seguido pelo acórdão tirado no Processo n.º 377/2018-T, considera que a situação do caso não se enquadra na previsão do n.º 6 da Circular n.º 7/2004, porquanto a revogação da norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF não pode entender-se como equiparável à falta de preenchimento dos requisitos para a aplicação do regime definido nesse dispositivo, quando este estava ainda em vigor. Além de que a Circular, ainda que possua eficácia vinculativa para a Autoridade Tributária, pelo seu carácter de acto regulamentar interno, não vincula os tribunais, que terão de aferir da legalidade da actuação administrativa em função das normas e princípios jurídicos aplicáveis ao caso. Acresce que a revogação do disposto no artigo 32.º do EBF teve como contrapartida a introdução do regime de participation exemption previsto no novo artigo 51.º-C do Código do IRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, de onde resulta que as SGPS passam a beneficiar da não sujeição a tributação de mais e menos-valias de participações sociais e a deduzir os encargos financeiros nos termos gerais dos artigos 23.º e 67.º desse Código. E, nesse sentido, a sucessão dos regimes legais não afronta o princípio da igualdade ou da protecção da confiança.

 

4.2. Afigura-se ao tribunal que não pode deixar de conceder-se prevalência ao entendimento sufragado nestas últimas decisões arbitrais.

 

O artigo 31.º, n.º 2, do EBF, introduzido pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003) e depois renumerado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de julho, como artigo 32.º, dispunha o seguinte:

 

As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

O preceito foi depois objecto de diversas alterações sem reflexo no conteúdo normativo desse n.º 2, que veio a ser revogado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014).

 

Tem ainda relevo considerar o n.º 6 da Circular n.º 7/2004 que dispunha nos seguintes termos:

 

Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com as aquisições de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores. 

 

Como tem sido entendido, o regime de isenção de tributação em IRC das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de partes de capital detidas há mais de um ano, estabelecido no falado n.º 2 do artigo 32.º do EBF, encontra-se associado ao regime de desconsideração da dedutibilidade para efeitos fiscais dos encargos de natureza financeira directamente relacionados com a aquisição das participações sociais.

 

Isso mesmo é explicitado no relatório do Orçamento do Estado para 2003, em que faz expressa referência a esse aspecto do regime legal ao dizer-se que se estabelece “a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos da determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS”.

Como se esclarece na decisão arbitral proferida no Processo 610/2017-T, com apoio na doutrina e na jurisprudência arbitral, a medida legislativa encontra-se justificada nos seguintes termos:

 

Por outras palavras, o objetivo do regime instituído em 2003 foi o de contrabalançar a atribuição de um benefício – a exclusão total de tributação das mais-valias – com a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos com determinados ativos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações.

No fundo o legislador não quis que se cumulassem dois benefícios: as SGPS já viam as suas mais-valias de partes sociais isentas de imposto; pelo que, quando tal sucedesse, não poderiam elas cumular com o benefício de aceitação fiscal dos juros suportados com o financiamento para a aquisição dessas partes de capital.

 

Por sua vez, a revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, operada pela Lei n.º 83-C/2013, deve ser entendida à luz das considerações formuladas no Relatório da Comissão de Reforma do IRC (concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), em que se afirma a propósito especificamente do regime de participation exemption o seguinte:

 

Numa preocupação de escopo diametralmente oposto, a adoção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes, na perspetiva da Comissão de Reforma, diversos regimes fiscais especiais atualmente existentes. Por esta razão, propõe-se a eliminação dos seguintes regimes:

(…)

c) uma vez que o novo regime também consome o regime fiscal previsto para as SGPS, e atendendo a que estas não lograram atingir o objetivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional, propõe-se a eliminação do artigo 32.º do EBF, recomendando ainda que seja extinto o regime jurídico-societário destas entidades, hoje previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro.

(…)

Despesa fiscal decorrente da exclusão de tributação aplicável às mais-valias e menos-valias obtidas por sociedades gestoras de participações (SGPS), sociedades de capital de risco (SCR) e investidores de capital de risco (ICR) 

A criação de um regime de participation exemption, justificada neste relatório no respetivo Capítulo f., traduzir-se-á na transposição para o Código do IRC de um modelo de tributação dos rendimentos de partes de capital que mantém, no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades. 

Acresce que é entendimento da Comissão que a eliminação deste regime não se traduziria na captação de um montante equivalente de receita fiscal, na medida em que, na sua ausência, um número elevado das operações que dele beneficiam não seriam concretizadas, ou o seriam por vias que, usando configurações alternativas, produziriam resultados idênticos.

(…)

 

O regime de participation exemption foi entretanto concretizado pelo artigo 51.º-C, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que institui para todas as sociedades (independentemente de se tratar de sociedades gestoras de participações sociais) um regime de isenção de IRC relativamente às mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de participações sociais (dentro condicionalismo aí previsto). Por outro lado, manteve-se o regime geral de dedutibilidade dos encargos financeiros nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, com as limitações constantes do artigo 67.º do CIRC.

 

Deste modo, a revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, ainda que não acompanhada de qualquer disposição de direito transitório material, determinou que as sociedades gestoras de participações sociais passassem a beneficiar de um regime de não sujeição a tributação de mais e menos-valias de participações sociais (artigo 51.º-C) e de dedução de encargos financeiros com a aquisição de participações sociais (artigos 23.º e 67.º).

 

4.3. Revertendo ao caso concreto, deve começar por dizer-se que não tem qualquer a aplicação à situação dos autos o disposto no n.º 6 da Circular n.º 7/2004.

 

Afirma-se aí que “[c]aso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.” O momento relevante para considerar que não se encontram preenchidos os requisitos da aplicação do regime do artigo 32.º, n.º 2, é, pois, o da “alienação das participações”, facto que nem sequer ocorreu, no caso vertente, dado que a Requerente era ainda titular das participações sociais a que se referem os encargos financeiros à data da revogação do regime constante do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

 

Ou seja, no domínio do regime definido nesse preceito, às SGPS apenas era permitido, no momento da alienação das participações sociais, deduzir os encargos com a aquisição dessas participações sociais quando não pudesse ser obtida a vantagem traduzida na isenção de mais-valias. Enquanto que a Requerente pretende deduzir os encargos incorridos com a aquisição de partes sociais, apesar de manter na sua titularidade as participações, com base na ideia de que a revogação do regime jurídico corresponde ao não preenchimento dos requisitos que implicavam a isenção da tributação de mais-valias que decorressem da alienação.

 

É, no entanto, patente que a aplicação do disposto na Circular, com a consequente possibilidade de dedução de encargos financeiros, tem como pressuposto a ocorrência de alienação de participações sociais, e, por outro lado, a revogação do regime legal não é equiparável ao não preenchimento dos requisitos de que dependia a isenção da tributação de mais-valias nos termos dessa Circular. O que sucede é que o regime constante do artigo 32.º, n.º 2, foi substituído por um outro, pelo que a dedução de encargos financeiros apenas pode ocorrer no quadro da nova disciplina legal e não por efeito da fictícia aplicação de uma Circular que visava esclarecer dúvidas interpretativas que pudessem ser suscitadas no âmbito do regime precedente.

 

Cabe ainda assinalar, a título de reforço de argumentação, que a eventual inobservância da orientação genérica constante da Circular nunca poderia determinar, por si só, a ilegalidade do acto tributário.

 

     As circulares, tendo em vista ditar regras de procedimento ou uniformizar a interpretação das normas legais ou regulamentares, caracterizam-se como regulamentos internos, emitidos no exercício de um poder de direcção hierárquica, que se dirigem para o interior da própria organização administrativa, sem repercussão directa nas relações entre esta e os particulares. Só nos casos em que regulamentos extravasem o seu carácter funcional e prescrevam disposições susceptíveis de interferir na relação de serviço existente entre a Administração e os funcionários ou de afectar os interesses de terceiros, é que adquirem eficácia externa e poderão ser objecto de impugnação contenciosa.

 

     É irrelevante, por outro lado, que a Administração Tributária se encontre vinculada às orientações genéricas constantes das circulares (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT). Essa vinculação constitui a necessária decorrência de se tratar de regulamentos que se destinam a uniformizar o entendimento dos serviços. Tratando-se de normas sem eficácia externa a sua inobservância pelos serviços apenas poderá produzir efeitos disciplinares e não tem qualquer consequência no plano da definição do direito.

 

     É ao tribunal que cabe dizer o direito à luz das normas e princípios jurídicos aplicáveis ao caso, pelo que a ilegalidade do acto impugnado não pode resultar do incumprimento de uma orientação genérica mas unicamente da violação da lei. Assim se compreendendo, de resto, que o próprio artigo 68.º-A, que confere vinculatividade às  orientações genéricas, acabe por impor à Administração o dever de rever essas orientações atendendo, nomeadamente, à jurisprudência dos tribunais superiores (n.º 4).

 

4.4. A solução legislativa também não contraria o princípio da capacidade contributiva, como corolário do princípio da igualdade, nem o princípio da protecção da confiança.

Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva tem ínsita sobretudo “a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, 2009, págs. 151-152).

Também o Tribunal Constitucional tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que “[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação”.

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará “a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo”.

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

Por seu lado, segundo a jurisprudência constitucional sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: (a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda (b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).

Os dois critérios enunciados são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas  ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção (cfr., entre outros, o acórdão n.º 287/90).  

No caso vertente, como se deixou entrever, o legislador substituiu o regime constante do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, que implicava uma vantagem (isenção de mais-valias da alienação de participações sociais) e uma desvantagem (indedutibilidade de custos de financiamento para a aquisição dessas participações sociais), por um outro critério que permite que as sociedades possam beneficiar não apenas da isenção de mais-valias como também da dedução dos encargos financeiros segundo o regime geral, o que se traduz num benefício adicional relativamente ao regime precedente.

Como foi explicado no Relatório da Comissão de Reforma do IRC, a eliminação do regime especial do artigo 32.º, n.º 2, do EBF para as sociedades gestoras de participações sociais foi determinada pela implementação do novo regime de participation exemption, que mantém, no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades, e foi ainda justificada pelo facto de o anterior regime fiscal previsto para as SGPS não ter atingido o objetivo originariamente previsto de facilitar o investimento fiscalmente competitivo no plano internacional.

A revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF assume-se, por conseguinte, como uma medida de política legislativa justificada por razões de interesse público e teve em vista extinguir o regime especial aplicável às SGPS e substitui-lo por um regime mais favorável que se torna aplicável à generalidade das entidades empresariais.

Certo é que a Requerente, por efeito do novo regime legal, apenas pode deduzir os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais a partir de 1 de Janeiro de 2014, ao passo que os encargos incorridos no âmbito do regime fiscal anteriormente previsto no artigo 32.º, n.º 2, não eram dedutíveis e a isenção de tributação de mais valias apenas poderia ocorrer quando se verificasse a alienação das participações sociais.

Não se vislumbra, em qualquer caso, em que termos é que sucessão de leis no tempo afecta a generalidade e a uniformidade do imposto, de modo a poder considerar-se verificada a violação do princípio da capacidade contributiva. Além de que, manifestamente, não pode entender-se violado o princípio da igualdade tributária, na modalidade de proibição do arbítrio, quando o novo regime se encontra justificado por razões de política legislativa com um fundamento material bastante.

Falha também, com um suficiente grau de evidência, a verificação de qualquer dos requisitos que poderia justificar a tutela jurídico-constitucional da «confiança». Não se vê em que medida é que a instituição de um regime fiscal especial para as sociedades gestoras de participações havia de gerar nos beneficiários a expectativa fundada de continuidade do regime, de tal modo que os interessados tivessem deixado de proceder à alienação de participações sociais, antes da entrada em vigor da nova lei, por terem acreditado que o benefício fiscal de isenção de tributação relativo às mais valias resultante da alienação nunca seria abolido ou sempre seria salvaguardado por uma lei posterior. Mas para além disso, como se deixou exposto, a alteração legislativa encontra-se justificada em boas razões de interesse público, o que desde logo e por si só afasta a violação do princípio da protecção da confiança.

            5. Dedução de benefícios fiscais à colecta da tributação autónoma

5.1. A Requerente impugna ainda os actos tributários em causa na parte em que não admitem a dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI).

Defende, a este propósito, que a colecta de IRC compreende não apenas a colecta de IRC stricto sensu mas também a das tributações autónomas e é em relação ao montante apurado nesses termos que há que efectuar as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, incluindo as relativas aos benefícios fiscais a que se refere a alínea c) desse número. E acrescenta que a norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redacção introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, tem natureza inovadora, pelo que a sua qualificação como norma interpretativa, para efeito de ser aplicada retroactivamente à situação dos autos, viola o princípio da segurança jurídica.

 

            A questão em análise não tem sido também ela objecto de um entendimento uniforme na jurisprudência arbitral. A favor da admissibilidade da dedução de benefícios fiscais à colecta decorrente de tributações autónomas tem sido utilizado como principal argumento o modo de liquidação de IRC. A colecta proporcionada pela tributação autónoma – afirma-se – constitui colecta de IRC e a dedução dos benefícios fiscais é efectuada em relação ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, o que leva a concluir que o processamento da liquidação do imposto, tal como resulta desse preceito, se aplica a todas as situações previstas no Código, incluindo no tocante às tributações autónomas. Partindo desta ideia central, conclui-se que a autonomia deste tipo de tributação se restringe às taxas aplicáveis e à respectiva matéria colectável, não havendo suporte legal, face ao disposto no artigo 90.º, para distinguir entre a colecta proveniente da tributação autónoma e a que resulta dos rendimentos sujeitos a IRC.

 

            Um tal entendimento afigura-se, no entanto, não ter em linha de conta a específica caracterização das tributações autónomas.

 

A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 407).

 

Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.

 

Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objetivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

Neste contexto, analisando a questão da tributação autónoma à luz do princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e do princípio da capacidade contributiva, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 197/2016, subscreveu o seguinte entendimento.

 

“(…) o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC – segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular.

Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa”.

 

Em idêntico sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, que julgou inconstitucional, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 os efeitos de agravamento das taxas de tributação autónoma, chamou a atenção para a natureza materialmente distinta da tributação autónoma em relação ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ainda que essa imposição fiscal se encontre formalmente inserida no Código de IRC.

 

A esse propósito, esse aresto sublinhou:

 

“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa”.

Entende-se, nos termos acabados de expor, que a base de incidência da tributação autónoma se não traduz num rendimento líquido, mas num custo dedutível transformado excepcionalmente em objecto de tributação, correspondendo a uma sanção legal que se destina a reduzir a vantagem fiscal que poderia resultar de despesas injustificadas ou excessivas. E, neste enquadramento, seria inteiramente contrário à unidade do sistema jurídico que os benefícios fiscais a atribuir aos contribuintes em sede de IRC venham a ser deduzidos à colecta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma.

Como se assinalou, as taxas de tributação autónoma têm a natureza de normas anti-abuso e destinam-se a desencorajar certas situações especiais que visem obter uma diminuição da carga fiscal mediante a dedução de custos que se presume não serem determinados por uma causa empresarial. Além disso, o sistema normativo do imposto tem uma natureza dualista na medida em que integra, de um lado, a matéria colectável baseada no lucro tributável, e, de outro lado, a matéria colectável resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma incidente sobre certo tipo de despesas.

Ainda que a liquidação do imposto seja efectuada de forma agregada, com base nessas duas diferentes componentes, não faz sentido que as deduções gerais a efectuar relativamente ao montante apurado de imposto incidam sobre a colecta devida pela aplicação das taxas de tributação autónoma. De facto, as deduções à colecta constituem uma das formas de dar corpo ao princípio da capacidade da contributiva que tem como um dos seus corolários a tributação segundo o rendimento real. Tratando-se de impostos sobre o rendimento, as deduções objectivas a contemplar são as correspondentes às despesas que possam razoavelmente considerar-se necessárias à angariação do rendimento e que se adequem à natureza de cada categoria de rendimentos, havendo de entender-se, no caso das actividades empresariais, os gastos ou perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 299).

Cabe recordar que a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico. E o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.

A lógica da tributação autónoma parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para efectuar gastos que envolvem situações de menor transparência fiscal e afectam negativamente a receita fiscal. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.

A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa.  

Admitir que os créditos fiscais resultantes de situações de incentivo ou benefício fiscal pudessem neutralizar o efeito sancionatório da tributação autónoma seria desvirtuar o próprio conceito de benefício fiscal e os princípios da capacidade contributiva e da justa repartição da carga fiscal.

Pela sua própria natureza, os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, correspondendo a situações em que o legislador fiscal desagrava, por razões técnicas ou de política fiscal, certas manifestações de riqueza que pretende afastar da tributação normal (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). O benefício fiscal é considerado, por outro lado, como uma despesa fiscal na medida em que incide sobre uma situação sujeita a tributação e equivale, em termos quantitativos, a uma receita fiscal não arrecadada.

 

Não faz qualquer sentido, neste condicionalismo, que as deduções à colecta do imposto que resultem de benefícios fiscais incidam não apenas sobre o lucro tributável mas sobre despesas que o legislador pretendeu tributar por razões de transparência fiscal. O que conduziria a permitir que o benefício fiscal fosse utilizado para frustrar o objectivo que se pretende atingir com a tributação autónoma que é justamente o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

            Como se impõe concluir, a norma do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do Código de IRC não pode ser interpretada no sentido de abranger as tributações autónomas visto que estamos aí perante uma tributação distinta do IRC e relativamente à qual não pode haver lugar a deduções a título de benefício fiscal (neste sentido, entre outros, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 641/2017-T. 7/2018-T, 492/2018-T, 655/2018-T e 591/2018-T).

 

            A este propósito alude ainda a Requerente à natureza inovadora da norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redacção introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, com a consequente inaplicabilidade à situação dos autos por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal.

 

            A referida norma veio estabelecer que “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”. E o subsequente artigo 135.º da mesma Lei confere à citada disposição do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC natureza interpretativa.

 

            A invocação da apontada disposição poderia suscitar a questão de saber se a norma, no condicionalismo do caso, poderia ser qualificada como interpretativa e se o efeito retroactivo dessa qualificação poderia pôr em causa o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal.

 

            No entanto, o tribunal, para chegar à solução do caso, limitou-se a interpretar a disposição do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do CIRC segundo as regras gerais da hermenêutica jurídica, abstendo-se de aplicar a disposição do falado artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, pelo que, não tendo sido utilizada essa disposição como ratio decidendi, não é invocável a violação de qualquer parâmetro de constitucionalidade que se reporte ao pretenso carácter interpretativo da lei (entre muitos, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 319/94 e 524/98).

 

            Termos em que improcede o pedido da Requerente, sendo de manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa impugnada, ficando necessariamente prejudicados os restantes pedidos de devolução das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

            6. Pedidos de conhecimento prejudicado

6.1. Sendo de julgar improcedente o pedido principal de declaração de ilegalidade do acto tributário de autoliquidação e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, fica necessariamente prejudicado o pedido de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios.

DECISÃO

            Termos em que se decide:

 

            a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral;

 

            b) Julgar prejudicados os pedidos de reembolso das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 1.965.984,35, (um milhão, novecentos e sessenta e cinco mil e novecentos e oitenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 25.704,00 (vinte e cinco mil setecentos e quatro euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa, 4 de julho de 2019.

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Olívio Mota Amador)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(André Festas da Silva)