Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 578/2020-T
Data da decisão: 2021-09-14  IRS  
Valor do pedido: € 11.776,16
Tema: IRS de 2018 – Mais-Valias imobiliárias; Imóveis construídos pelos contribuintes. Valor de aquisição.
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SUMÁRIO

I – Para prova da quantificação dos “custos de construção devidamente comprovados” a que se alude no nº 3 do artigo 46º do CIRS, a lei não limita os meios de prova à apresentação de facturas, recibos de quitação e cheques, podendo usar-se quaisquer meios de prova, tais como, contratos de empreitada, contratos de mútuo com hipoteca e ainda o recurso à prova testemunhal;

II – No processo arbitral-fiscal, após a fase de articulados (pedido de pronúncia e resposta), a junção de documentos, em fase posterior, pode ser admitida ao abrigo dos poderes conferidos ao Tribunal Arbitral pelo artigo 16.º do RJAT, de «autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar» e «livre determinação das diligências de produção de prova necessárias», desde que tal junção seja relevante e imprescindível para a justa composição do litígio e se trate de documentos com reconhecida dificuldade na sua obtenção;

III – Para além do referido no ponto anterior, em processo arbitral fiscal, é sempre possível juntar documentos na reunião de partes a que se alude no artigo 18º do RJAT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 28 de Outubro de 2019, os Requerentes, A..., NF ... e B..., NF..., residentes na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Braga, vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre a legalidade “de forma imediata, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e de forma mediata, da demonstração de liquidação de IRS n.º 2019 ... do ano de 2018” da qual resultou um valor a pagar de 11 766,16 euros.

 

b)           É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

c)            Os Requerentes terminam o pedido de pronúncia arbitral (PPA), referindo que “... a liquidação de IRS ora impugnada padece de erro nos pressupostos de facto, resultante da desconsideração do valor gasto nas obras de construção, para efeitos de determinação das mais-valias sujeita a tributação” concluindo que “deve o presente pedido arbitral ser considerado procedente por provado e anulada a demonstração de liquidação de IRS n.º 2019 ... do ano de 2018”.

 

d)           O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 29-10-2020.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 12.11.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 19 de Janeiro de 2021, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

g)            A fundamentar o pedido, os Requerentes alegam o seguinte:

i               Não concordaram com a liquidação de IRS aqui impugnada e dela reclamaram graciosamente, mas foi-lhes indeferida, razão pela qual apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral. Alegam que

ii              “... declararam todos os rendimentos obtidos no referido ano ... tendo declarado no anexo G, no quadro 4, a alienação do imóvel urbano artigo ...ª, em maio de 2018, pelo valor de 233.500 €” e colocaram “o valor de 130.510 € como valor de aquisição do imóvel em causa (linha 4001 do quadro 4), valor esse que corresponde ao valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel à data de 2012”.

iii             A AT abriu um procedimento de divergências quanto à declaração apresentada, referindo que “como valor de aquisição a declarar no Anexo G, Quadro 4, Linha 4001 será o valor de compra do terreno para construção acrescido dos custos de construção devidamente documentados ou em alternativa o valor patrimonial tributário atribuído ao imóvel que foi de 57.600 euros, pelo que o valor após reavaliação em 2012 de 130.510,00 euros não pode ser considerado. Assim, deve comprovar os custos de construção ou corrigir a declaração registando o valor de aquisição de 57.600,00 euros”.

iv            Enviaram nova declaração de IRS modelo 3 de 2018, onde a única diferença em relação à anteriormente enviada, é que nesta declaração os Requerentes colocaram como valor de aquisição, na linha 4001 do quadro 4 do anexo G, o valor de 57.600,00 €.

v             No entanto apuraram que “este valor não traduz a realidade porque só se refere ao valor do terreno e porque à data da declaração de substituição não conseguiram localizar os comprovativos dos gastos,” mas “entretanto, conseguiram, ... localizar os documentos que comprovam os custos de construção, razão pela qual apresentam a presente reclamação graciosa”. Com efeito,

vi            “os Requerentes adquiriram o terreno e construíram no mesmo uma edificação, conjunto que alienaram em 2018”, pelo que “suportaram encargos com a construção do imóvel vendido no valor de 189.667,90 €”, resultando que “devem ser acrescidos ao valor do terreno os custos de construção no valor de 189.667,90 €, sendo que o valor do terreno é de 57.600 €”

vii             E acrescentam que “numa das respostas da AT no e-balcão é referido que falta comprovar o valor em dívida do empréstimo do prédio vendido” documento que foi apresentado em sede de procedimento de divergências.

viii            Concluem ao nível do direito que, face ao nº 3 do artigo 46º do CIRS, tendo apresentado em sede de reclamação graciosa os documentos comprovativos dos custos de construção do imóvel alienado “o valor de aquisição para efeitos da tributação da mais-valia obtida, deve ser o valor de 247.267,90 €, que corresponde à soma do valor do terreno com o valor dos custos de construção documentalmente comprovados suportados pelos Requerentes para a construção do imóvel alienado no ano em questão”.

ix            Daí o pedido de anulação da liquidação que formulam nos termos da alínea c) deste Relatório.

 

h)           Notificada a AT, respondeu em 04.05.2021 e juntou o PA.

 

i)             A AT refere, em resumo, o seguinte:

 

i               Começa por referir que “a comprovação dos custos de valorização recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (conforme artigos. 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n. º1 do Código Civil)”, e

ii              “para concretizar a prova do encargo, deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo do mesmo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado. E isso só é efetuado se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no artigo 36º do Código do IVA”.

iii             Quanto ao contrato de empreitada junto pelos Requerentes refere que “apenas atesta a celebração desse mesmo contrato, não demonstrando nada, quanto à execução do mesmo, nem o momento, o quantum ou a efectividade de pagamentos inerentes à execução das prestações nele referidas” e que o preço dos trabalhos de construção alegado no artigo 33º do PPA, de PTE 32 500 000.00 (189 667,00 €uros) está em contradição com o valor indicado no ponto 4 do contrato de PTE 32 000 000.00.

iv            Acresce segundo a AT, que “o contrato de empreitada não comprova que os valores ali indicados foram pagos, também não comprova aqueles montantes indicados como custos de construção, atendendo às divergências quanto aos valores indicados”.

v             Quanto às facturas juntas pelos Requerentes no valor total de 72 325.59 euros refere que “não estão acompanhadas dos recibos que atestem o efetivo pagamento do montante delas constante”, pelo que os Requerentes não cumpriram o nº 3 do artigo 46º do CIRS que remete para a “necessidade de demonstração através de documentos, concretamente, através de facturas e recibos”.

vi            E conclui que “só o recibo permite comprovar o efectivo pagamento de um bem ou serviço”. Acresce que

vii           Duas facturas juntas estão datadas do ano de 2003 e a construção do edifício sobre o terreno, foi inscrita na matriz predial urbana em 2002, pelo que “ainda que as mesmas tivessem sido acompanhadas do inerente recibo, nunca seriam susceptíveis de justificar custos de construção reportados a 2002, que foi aliás o ano indicado pelos Requerentes na declaração modelo 3 como sendo o da aquisição do imóvel alienado”.

viii          Observa ainda a AT que estando as facturas datadas de 2003, “as mesmas não serviriam para justificar os encargos com a valorização do imóvel, que a alínea a) do nº 1 do artigo 51º do CIRS (norma a que os contribuintes efetuam alusão no ppa), isto porquanto este preceito manda ter em conta encargos de valorização dos bens imóveis “comprovadamente realizados nos últimos doze anos””

ix            “Ora, a alienação do imóvel ocorreu em 2018, pelo que intervenções nele efetuadas em 2003 não seriam suscetíveis de serem abrangidas pela previsão constante da alínea a) do nº 1 do artigo 51º do CIRS”.

x             E conclui a AT que “as facturas juntas pelos Requerentes são insuscetíveis de constituírem comprovativo do valor de aquisição alegado pelos contribuintes. O qual – no entendimento dos ora requerentes – ascenderia à importância de € 247.246,90”, pelo que “os Requerentes não lograram comprovar os custos de construção, que pretendiam ver acrescidos ao valor de aquisição, e nos termos do artigo 74º nº 1 da LGT e 342º, nº 1 do Código Civil, esse dever recai sobre os sujeitos passivos, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque”.

xi            Termina referindo que “os actos em crise não padecem de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, pelo que se impugna por infundado, todo o alegado no Pedido de Pronúncia Arbitral que contrarie o supra exposto, devendo ser considerada como improcedente a pretensão dos Requerentes e a Entidade Requerida absolvida de todos os pedidos”.

 

j)             Foi realizada, no dia 14.06.2021, uma reunião de partes, com inquirição de duas testemunhas (C... e D...) e com declarações de parte do Requerente A... .

k)            Na reunião de partes a representante dos Requerentes declarou pretender ditar para a ata o seguinte requerimento: "requer a junção aos autos da escritura de compra do lote de terreno para construção, a escritura de mútuo e a caderneta predial de 2017 que demostra que o imóvel já é uma casa destinada a habitação", tendo o TAS decidido que se pronunciará sobre o Requerido oportunamente.

l)             Em 15.06.2021 os Requerentes juntaram os documentos referidos no ponto anterior e por despacho de 16.06.1951 foi a Requerida convidada a exercer o contraditório.

m)          Por requerimento de 02.07.2021 a Requerida respondeu opondo-se à junção dos documentos.

n)           Foram as partes convidadas, por despacho de 02.07.2021, a procederem à apresentação de alegações escritas, no prazo simultâneo de 20 dias (artigo 91º-5 e artigo 91ºA, ambos do CPTA aplicáveis por força do artigo 29º do RJAT) tendo-se relegado para a decisão final a apreciação do pedido de junção de documentos.

o)           Os Requerentes alegaram em 09.09.2021 e a Requerida em 13.09.2021, mantendo as posições que já haviam adoptado em sede de PPA e de Resposta.

p)           Quanto à junção de documentos, em sede de alegações, os Requerentes invocaram a seu favor o que foi decidido na decisão colegial CAAD nº 149/2015-T onde se decidiu, a propósito da junção de um documento pela AT na reunião de partes do artigo 18º do RJAT, que “não contendo o processo arbitral tributário a realização imperativa de uma audiência final, a esta há-de, naturalmente, equiparar-se a realização da última reunião do processo, havendo-a, ou o momento imediatamente anterior à notificação para apresentação de alegações escritas, ou de fixação de prazo para a decisão final, sem realização daquelas. Neste contexto, nunca se poderia considerar «extemporânea», a junção do documento em questão”.

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 19 de Outubro de 2020. Os Requerentes impugnam, em termos imediatos, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa que interpuseram contra as liquidações de IRS acima indicadas. Foram notificados da decisão impugnada por carta registada que receberam em 13.08.2020 (documento nº 2 junto com o PPA).

c)            A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do PPA. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

III - MÉRITO

 

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            Os Requerentes apresentaram em 29-06-2019 uma declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, a qual foi acompanhada dos anexos A, G e H, fazendo constar a sua opção pela tributação conjunta dos rendimentos - conforme artigo 11º do PPA; 

b)           Após o envio da declaração, os Requerentes verificaram que havia divergências na declaração apresentada, tendo ocorrido subsequentes trocas de mensagens entre as partes, que culminaram com a entrega, por parte dos Requerentes, de uma declaração modelo 3 de substituição em 21-10-2019 respeitante ao ano de 2018, igualmente acompanhada dos anexos A, G e H – conforme artigos 14º a 18º do PPA, artigos 7º 8º da Resposta da AT e Documento nº 4 em anexo ao PPA;

c)            Consta do quadro 4 do Anexo G do Modelo 3 referido no número anterior, no campo 4001, que o prédio urbano sito na freguesia ..., artigo ..., foi adquirido pelo Requerente marido, em Dezembro de 2000, pelo valor de € 57 600,00 (valor de aquisição) e vendido em Maio de 2018 por € 233 500,00 (valor de realização), tendo ocorrido “despesas e encargos” no valor de € 11 000,00 – conforme folhas 28 do PA junto pela AT;

d)           A única diferença da declaração de substituição, em relação à anterior, consistiu na colocação, como valor de aquisição, na linha 4001 do quadro 4 do anexo G, o valor de 57.600,00 € - conforme artigo 19º do PPA, artigo 9º da Resposta da AT e folhas 28 de 57 do PA junto pela AT;

e)           A declaração de substituição mencionada veio a dar origem à liquidação nº 2019..., efetuada em 23-10-2019, no âmbito da qual viria a ser apurado o montante de imposto a pagar de € 11.652,99, ao qual acrescia a importância de € 123.17 de juros compensatórios, o que perfez a quantia total a pagar de € 11.776,16 – conforme artigo 10º da Resposta da AT, folhas 23 e 24 do PA junto pela AT e artigo 8º do PPA;

f)            O valor de aquisição indicado na declaração de substituição pelos Requerentes corresponde apenas ao preço do terreno que integrou o bem imóvel alienado, porque à data da sujeição da declaração de substituição não conseguiram localizar os comprovativos dos gastos de construção, razão pela qual decidiram apresentar uma reclamação graciosa contra a liquidação, logo que os obtiveram – conforme artigos 21º a 22º do PPA, falta de impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT e declarações de parte A... e depoimentos das testemunhas C... e D...;

g)            Por escritura de 01.03.1999 os Requerentes adquiriram um terreno, designado por lote..., sito no Lugar ..., ... ou ... . Freguesia de ..., concelho de Braga, descrito na CRP sob o nº .../..., artigo ...º, pelo preço de PTE 7 000 000,00 equivalente a € 34 915,85 (7 000 000,00:200,482) - conforme escritura junta pelos Requerentes em anexo ao Requerimento de 15.06.2021;

h)           Com data de 08.09.1998 os Requerentes (segundos outorgantes) já tinham celebrado com E... Lda, NIPC ... (primeira outorgante), um contrato de empreitada, onde consta:

“A primeira outorgante é dona e legítima possuidora de um prédio misto, denominado "...", com a área total de 31.297.00 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o no ..., sito no lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Braga, no qual está implantado loteamento urbano, titulado pelo Alvará no .../98.

...

Através de contrato promessa de compra e venda outorgado hoje mesmo, os segundos outorgantes prometeram comprar à primeira outorgante o lote nrº ..., do loteamento urbano melhor identificado na cláusula primeira.

...

Pelo presente contrato a primeira outorgante obriga-se a realizar e os segundos outorgantes obrigam-se a adjudicar-lhe a realização de todos os trabalhos necessários à construção, no referido lote no..., de uma moradia unifamiliar em banda, com as características e acabamentos constantes do mapa de acabamentos e das peças desenhadas anexas que, depois de rubricadas por ambos os outorgantes, fica a fazer parte integrante deste contrato.

 ...

O preço dos trabalhos da construção referida na cláusula anterior é de PTE 32 500 000,00 ... que inclui IVA à taxa legal.

...

O pagamento do preço aludido na cláusula precedente, será efectuado pela forma a seguir discriminada:

a) - Esc. 1 .000.000$00 (um milhão de escudos), em Abril de 1999;

b) - Esc. 1.000.000$00 (um milhão de escudos), em Maio de 1999;

c) - Esc. 25.000.000$00 (vinte e cinco milhões de escudos), em Julho de 1999 e,

d) - Esc. 5.500.000$00 (cinco milhões e quinhentos mil escudos), em Janeiro de 2000”

- conforme artigos 31º a 33º do PPA, documento nº 6 junto com o PPA e folhas 33 a 35 do PA junto pela AT;

i)             Em 22.07.1999 os Requerentes celebraram com a F... um contrato de mútuo com hipoteca, tendo recebido, a título de empréstimo PTE 32 400 000,00 (€ 161 610, 52) para construção, no terreno indicado em g), a edificação de que resultou o bem imóvel referido na alínea seguinte – conforme reescritura junta pelos Requerentes através do Requerimento de 15.06.2021;

j)             Quanto ao prédio alienado pelos Requerentes, em Maio de 2018, consta da respectiva caderneta predial urbano (artigo urbano ...º - União das Freguesias de ... e ...) o seguinte:

“Tipo de Prédio: Prédio em Prop. Total sem andares nem Div. Susc. de Utiliz. Independente. Descrição: PRÉDIO URBANO DESTINADO A HABITAÇÃO COMPOSTO POR CV COM GARAGEM E WC E ARRUMOS; R/C COM 1 DIVISÃO, COZINHA E WC; ANDAR COM 4 DIVISÕES E 2 WC COM LOGRADOURO. Afectação: Habitação. Nº de pisos: 3. Tipologia/Divisões: 5”.

 

                Constando ainda na respectiva matriz:

“Ano da inscrição da matriz: 2002. Valor patrimonial actual (CIMI) Determinado no ano de 2015”

- conforme caderneta predial urbana junta pelos Requerentes com o Requerimento de 15.06.2021;

k)            Os Requerentes suportaram os custos de construção da habitação a que se refere a alínea anterior, tendo pago os valores que lhe foram apresentados pela empresa empreiteira, no âmbito do contrato de empreitada, nomeadamente a factura nº 3 de 30.09.1999, a factura nº10 de 28.02.2003 e a factura nº 27 de 30.06.2003, no valor equivalente a € 72 325,69 – conforme artigos 34 e 35 do PPA e documentos nº 7 a 9 juntos com o PPA;

l)             Os Requerentes apresentaram em 04-05-2020, uma reclamação graciosa que tomou, junto da AT, o n.º ...2020..., pretendendo alterar o valor de aquisição de € 57.600,00, indicando como valor correto € 247.267,90, que tem a ver com o valor do terreno (€ 57.600,00) acrescido dos custos de construção (€ 189.667,90), constando da parte final da petição o seguinte:

“para outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material que o órgão instrutor possa ordenar, desde já requerem que se permita a inquirição da seguinte testemunha (1) C..., residente na Rua ..., nº..., sala..., ...-... Braga; (2) desde já se requer que se notifique a E... Lda., caso esta se encontre em funcionamento, para que junte aos autos todas as faturas e recibos referente ao contrato ... referido”,

indicando-se a sociedade comercial acima indicada como sendo a empreiteira de obra de construção do edifício – conforme artigo 11º da resposta da AT, folhas 3 a 21 do PA junto pela AT com a resposta e artigo 9º do PPA;

m)          A AT por ofício de 11.08.2020, notificou os Requerentes do indeferimento da reclamação graciosa, onde se refere:

“O reclamante refere que o valor de aquisição que consta da declaração - € 57.600,00 corresponde ao valor do terreno onde foi construído o prédio, pelo que a esse valor devem ser acrescentados os custos de construção.

No entanto, analisando os registos, verifica-se que o terreno para construção (antigo artigo urbano ... da freguesia de ...) tinha o valor patrimonial tributário (VPT) de € 18.545,31. Em 2002, na sequência da construção, foi apresentado pelo contribuinte o pedido de inscrição de prédio novo (declaração modelo 129), tendo sido atribuído um novo artigo matricial - artigo urbano ... - ao prédio construído (atual artigo ... da união das freguesias de ... e ...), com o VPT de € 57.600,00. Portanto, o valor de € 57.600,00 refere-se ao prédio construído, e não ao terreno.

Assim, o valor de aquisição considerado para o cálculo do rendimento estará correto (VPT de € 57.600,00), a menos que o contribuinte comprove devidamente a realização de custos de construção que, somados ao valor do terreno, ultrapasse esse valor.

A expressão "custos de construção devidamente comprovados", que consta do artº 46º , nº 3, do CIRS, é entendida pela AT como custos suportados por documentos que comprovem, de forma inequívoca, que são relativos a obras localizadas no prédio em causa e que o pagamento foi efetuado, em valores concretos: ou seja, não são considerados comprovados os documentos que refiram apenas um objetivo (como um orçamento), ou que não identifiquem a que se refere a despesa em concreto (como a descrição genérica de "arranjos", ou "entrega de material"), ou ainda faturas não acompanhadas de recibos.

Consta do artigo 39º da petição, que se remetiam três faturas "a título de exemplo". Os documentos apresentados consistem em um contrato de empreitada e em três faturas com a empresa "E..., Lda". Estes documentos, pelas razões expostas, não são considerados custos devidamente comprovados. O contrato de empreitada servirá apenas para validar as despesas com a construção (empreitada), mas naturalmente não comprova o pagamento de qualquer importância. Quanto às faturas, também não comprovam o pagamento efetivo (cuja prova é o recibo), mas, além disso, apenas uma (fatura nº 3) poderia ser eventualmente admitida, porque as outras duas foram emitidas em 2003, já depois de o prédio ter sido inscrito na matriz (2002), pelo que não podem ser consideradas fiscalmente como relacionadas com a construção. Em todo o caso, mesmo que fossem todos aceites, esses gastos somam 5.499.998$00, ou € 27.433,87. Ora, somando-se esse valor ao valor do terreno (€ 18.545,31) obtém-se a quantia de € 45.979,18, que é um montante inferior ao VPT (€ 57.600,00). Ou seja, não estão devidamente comprovados gastos superiores ao valor patrimonial que foi considerado como valor de aquisição.

O reclamante diz que já há muito se encontra decorrido o prazo de conservação dos documentos, e que não é razoável onerar o contribuinte com a junção integral de documentos que por lei já não é obrigado a conservar. Será verdade, e por causa disso é que a lei diz que o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial tributário inscrito na matriz. O contribuinte não é onerado com a obrigação de juntar documentos que comprovem um valor superior ao VPT: é uma faculdade que lhe assiste, mas naturalmente não poderá, nesse caso, referir um valor superior e esperar que a AT o aceite pela simples razão de que o contribuinte não está obrigado a manter os comprovativos. Recorde-se que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito do contribuinte recai sobre quem os invoca (artº 74º nº 1, da Lei Geral Tributária), no caso, ao reclamante. O que significa que é ele e não a AT que tem de proceder às diligências necessárias para a obtenção das provas, e ainda que, na sua falta ou insuficiência, não se pode presumir que essa obrigação esteja cumprida.            

O reclamante diz ainda que a AT não logrou fundamentar a decisão de não aceitação dos custos de construção. Ora, essa questão não pode ser apreciada na presente reclamação, uma vez que o que está aqui em causa é uma declaração preenchida pelo próprio contribuinte e não pela AT. À AT não compete fundamentar os valores preenchidos pelo contribuinte na sua declaração. Uma vez que o procedimento de análise da declaração foi terminado sem qualquer decisão (ato administrativo da AT), não existe ato impugnável. Se o reclamante não estava suficientemente convencido da necessidade de apresentar uma declaração de substituição, deveria ter-se abstido de a entregar e depois, então sim, alegar a falta de fundamentação da correção que a AT viesse a efetuar.

O reclamante solicitou que se realizassem diligências probatórias por recurso à produção de prova testemunhal. No entanto, aferidos os factos indicados de que pretendia fazer essa prova testemunhal (pontos 23, 24, 38, 40, 43 e 44 da reclamação graciosa), e sendo necessário e suficiente que a matéria de prova indicada (faturas e pagamentos) revista a forma documental, a inquirição de testemunhas não é considerada manifestamente indispensável à descoberta da verdade material, sendo, portanto, dispensada essa inquirição, nos termos do artº 69º alínea e) do CPPT.

Foi ainda pedido que a AT notificasse a empresa "E..., Lda" para que esta apresente os comprovativos dos pagamentos feitos pelo reclamante. No entanto, essa não é competência da AT, uma vez que o ónus da prova recai sobre quem invoca o facto, ou seja, e neste caso, ao reclamante. A AT está vinculada apenas a prescindir da exigência dos documentos que possua em arquivo, que não são os recibos e faturas de obras de empreitada, e não lhe cabe substituir-se ao contribuinte nas diligências de produção de prova”.

– conforme artigo 1º do PPA, Documento nº 1 em anexo ao PPA, artigo 14º da Resposta da AT e folhas 51 a 57 do PA junto com a Resposta da AT;

n)           Em 28 de Outubro de 2020 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 - Quanto ao mérito

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A)           Junção de documentos

 

Por requerimento de 15.06.2021 os Requerentes, na sequência do requerido em sede de conferência de interessados, vieram juntar aos autos “a escritura de compra do lote de terreno para construção (Doc. 1), escritura de mútuo com hipoteca, que comprova o recurso à banca para a construção do imóvel (Doc. 2) e a caderneta predial de 2017 que evidencia que o imóvel é um imóvel destinado a habitação (Doc.3)”.

 

Notificada a Requerida para o exercício do contraditório veio opor-se à junção referindo que “... os documentos para prova dos fundamentos da defesa devem ser apresentados com o respetivo articulado: art.º 63.º do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT), art.º 79.º n.º 3 do   Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), art.º 423 °, n.º 1 do CPC ex vi art. 29º, n. 1, a), c) e e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)”.

 

Fundamenta a Requerida a sua oposição no que foi decidido pelo (1) Tribunal de relação de Coimbra 4398/11.7T2OVR-A. P1.C1, disponível em www.dgsi.pt, (2) no Acórdão da Relação do Porto 96/14.8TTVFR-A.P1; (3) no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0685/08 de 04/02/2009.

 

E conclui: “a Entidade Requerida opõe-se à referida junção, uma vez que os Requerentes não justificam a junção tardia dos documentos, nem aludem ao preenchimento dos pressupostos supra elencados que autorizariam a sua junção aos autos, nomeadamente impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento, a que acresce o facto de os documentos juntos, não fazerem a prova dos custos que alegam ter suportado com a construção do imóvel alienado, que de acordo com o nº 3 do art. 46º do CIRS, remete-nos para a necessidade de demonstração através de documentos, concretamente, através de facturas e recibos”. 

 

Cumpre apreciar.

 

Em processo arbitral fiscal - tribunais do CAAD - o que interessará apurar é se os documentos podem ser relevantes, podendo admitir-se a junção ao abrigo dos poderes conferidos ao Tribunal pelo artigo 16.º do RJAT de «autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar» e «livre determinação das diligências de produção de prova necessárias». 

 

Mas vejamos melhor os documentos que os Requerentes juntaram para aferir da sua relevância para a descoberta da verdade material e visando uma mais correcta composição da questão de fundo, quer na defesa do ponto de vista defendido pelos Requerentes, quer na defesa do ponto de vista defendido pela Requerida.

 

             Caderneta predial do prédio que foi objecto de alienação onerosa (artigo U ...º – freguesia...) - o documento na verdade, apenas vem corroborar o que já está no processo que é a identificação do imóvel alienado. Por outro lado, trata-se de documento que a AT tem em sua posse e que considerou claramente na decisão em sede de procedimento de divergências, como se pode retirar da mensagem que os Requerentes reproduzem no artigo 17º do PPA;

             Escritura de aquisição do terreno onde foi erigida construção que veio a integrar o imóvel alienado em 2018 – este documento vem provar que as partes partiram do princípio que o valor do terreno era de € 57 600,00, quando na verdade o preço da sua aquisição foi tão-só de PTE 7 000 000,00, ou seja, € 34 915,85. Este documento é imprescindível para a descoberta da verdade material.

             Escritura de mútuo com hipoteca – tendo os Requerentes recorrido ao crédito (a AT conhecia certamente esse facto, quer dos Anexos H do Modelo 3 dos anos anteriores a 2018 relativos a juros e amortizações de capital, quer porque na mensagem reproduzida no artigo 15º do PPA fala no assunto) impunha-se a junção deste documento, para comparar com o valor constante do contrato de empreitada, uma vez que os Requerentes alegam dificuldades em obter as facturas e a prova do seu pagamento, no que alude à construção da habitação própria por administração directa.

 

Em face do exposto, com respaldo no artigo 16º do RJAT, vai deferida a junção aos autos dos documentos apresentados pelos Requerentes em 15.06.2021 e cujo pedido de junção foi formulado na reunião do artigo 18º do RJAT (realizada no dia 14.06.2021), por se tratar de prova de factos relevantes para a justa composição do litígio na vertente da descoberta da verdade material e constituírem prova com dificuldades na sua obtenção, dado o lapso de tempo decorrido entre as datas da sua elaboração (v.g. as escrituras) e a data em que a sua apresentação se tornou necessária.

 

Por outro lado, tal junção nunca poderia considerar-se extemporânea tal como se decidiu na decisão colegial CAAD nº 149/2015-T onde, a propósito da junção de um documento pela AT na reunião de partes do artigo 18º do RJAT, se prolactou  que “não contendo o processo arbitral tributário a realização imperativa de uma audiência final, a esta há-de, naturalmente, equiparar-se a realização da última reunião do processo, havendo-a, ou o momento imediatamente anterior à notificação para apresentação de alegações escritas, ou de fixação de prazo para a decisão final, sem realização daquelas.  Neste contexto, nunca se poderia considerar «extemporânea», a junção do documento em questão”.

 

B)           Apreciação da questão de fundo, face aos factos provados.

 

Tendo em conta o nº 3 do artigo 46º do CIRS colocam-se duas questões de fundo, face à prova disponível:

(1) determinar o valor do terreno;

(2) e os custos de construção,

ambos relevantes para integrar o conceito de “valor de aquisição”, uma vez que no caso que nos ocupa, se trata de habitação construída pelos Requerentes, em administração directa.

 

Contrariamente ao que referem os Requerentes, a AT considera que o valor de € 57 600,00 não é valor do terreno, mas sim o valor do “prédio construído”, conforme foi referido no despacho de indeferimento da reclamação graciosa (vidé ponto m) da matéria de facto assente).

 

No fundo, do que aqui se trata, é apurar se os Requerentes fizeram, neste processo, prova suficiente (face ao concreto caso colocado) de valores gastos na construção do bem alienado, que possam integrar o conceito de “valor de aquisição” do imóvel que venderam em Maio de 2018, por 233 500,00 euros (valor de realização).

 

Uma pequena nota sobre o princípio da livre apreciação da prova, transcrevendo-se parte do artigo “O STANDARD DE PROVA NO PROCESSO CIVIL E NO PROCESSO PENAL” de LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Juiz Desembargador, Janeiro de 2017, antecipando o livro Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª edição, Revista e ampliada, Almedina:

“Pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:

a.            Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;

b.            Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.

Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística, mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.

Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”.

               

A dificuldades que os Requerentes expressam, quanto à obtenção dos documentos serão de atender. Ou seja, trata-se de algo que o julgador, face ao caso concreto, não pode olvidar no momento em que leva a efeito o juízo de valoração das provas disponíveis, uma vez que se trata de documentos que relatam factos de 1999 e até 2003 e que se tornou necessário apresentar em 2019, ano da apresentação do Modelo 3 do IRS – Anexo G, já depois de terem mudado de casa.

 

Guardar facturas em arquivo e outros documentos de prova do pagamento de valores (v.g. cheques e recibos de quitação), com cerca de 20 anos de antiguidade, é algo que, pelas regras da experiência comum, não é verosímil que aconteça (na sua plenitude face a todas as vicissitudes do futuro) com a maioria e a mediania dos cidadãos, uma vez que, quando se constrói, por administração directa, uma habitação própria e permanente, não se antevê, desde logo, a sua venda, nem as suas consequências fiscais v.g. ao nível das mais-valias imobiliárias, regime fiscal este que, aliás, até pode sofrer alterações no tempo, como é apanágio dos normativos tributários.

***

 

                As disposições do CIRS, concretamente aplicáveis ao caso aqui em discussão afiguram-se ser as seguintes:

«Artigo 43.º

Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c), d) e i) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é:

a) ...

b) Apenas considerado em 50 % do seu valor, ...» 

 

“Artigo 46.º

Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.

4 - Para efeitos do número anterior, o valor do terreno será determinado pelas regras constantes dos nºs 1 e 2 deste artigo.

5 - Nos casos de bens imóveis adquiridos através do exercício do direito de opção de compra no termo da vigência do contrato de locação financeira, considera-se valor de aquisição o somatório do capital incluído nas rendas pagas durante a vigência do contrato e o valor pago para efeitos de exercício do direito de opção, com exclusão de quaisquer encargos.»

 

«Artigo 50.º

Correção monetária

1 - O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, bem como de partes sociais no caso da alínea b) do referido número, é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afetação.

2 -A data de aquisição é a que constar do título aquisitivo, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

a) Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 46.º, é a data relevante para efeitos de inscrição na matriz;

b) No caso previsto no artigo 47.º, é a data da transferência.»

 

***

 

             Quanto ao valor do terreno

 

Provou-se que “por escritura de 01.03.1999 os Requerentes adquiriram um terreno, designado por lote ..., sito no Lugar ..., ... ou ... . Freguesia de ..., concelho de Braga, descrito na CRP sob o nº .../..., artigo ...º, pelo preço de PTE 7 000 000,00 equivalente a € 34 915,85 (7 000 000,00:200,482)”, conforme alínea g) da matéria de facto assente.

 

Como se referiu, contrariamente ao que expressam os Requerentes no PPA, a AT nunca aceitou o valor indicado na declaração de rendimentos (€ 57 600,00) como sendo o valor do terreno, relevante para integrar o computo que há-de considerar-se ser o “valor de aquisição” que deve ou devia constar no quadro 4, campo 4001 do Anexo G da declaração Modelo 3.

 

Na fundamentação da decisão de indeferimento refere-se que: “O reclamante refere que o valor de aquisição que consta da declaração - € 57.600,00 corresponde ao valor do terreno onde foi construído o prédio, pelo que a esse valor devem ser acrescentados os custos de construção.

No entanto, analisando os registos, verifica-se que o terreno para construção (antigo artigo urbano ...º da freguesia de...) tinha o valor patrimonial tributário (VPT) de € 18.545,31. Em 2002, na sequência da construção, foi apresentado pelo contribuinte o pedido de inscrição de prédio novo (declaração modelo 129), tendo sido atribuído um novo artigo matricial - artigo urbano ... - ao prédio construído (atual artigo ... da união das freguesias de ... e ...), com o VPT de € 57.600,00. Portanto, o valor de € 57.600,00 refere-se ao prédio construído, e não ao terreno.

Assim, o valor de aquisição considerado para o cálculo do rendimento estará correto (VPT de € 57.600,00), a menos que o contribuinte comprove devidamente a realização de custos de construção que, somados ao valor do terreno, ultrapasse esse valor.”

 

                Não procede, pois, nesta parte, a pretensão dos Requerentes na medida em que pretendiam que o valor do terreno relevante para o caso, fosse de € 57 600,00 euros, uma vez que, resulta da prova que os mesmos juntaram aos autos, que o valor da sua aquisição foi de, apenas, € 34 915,85 (PTE 7 000 000,00:200,482).

 

             Quanto aos custos de construção

 

O TAS não teve dúvidas quanto à prova produzida nos autos pelos Requerentes, analisada no seu conjunto, quer documental, quer testemunhal, no sentido de apurar que ocorreram e provaram-se, custos de construção da habitação própria e permanente que construíram por administração directa.

 

E por isso se levou à matéria de facto assente o que consta da alínea k) da matéria de facto assente: “os Requerentes suportaram os custos de construção da habitação a que se refere a alínea anterior, tendo pago os valores que lhe foram apresentados pela empresa empreiteira, no âmbito do contrato de empreitada, nomeadamente a factura nº 3 de 30.09.1999, a factura nº10 de 28.02.2003 e a factura nº 27 de 30.06.2003, no valor equivalente a € 72 325,69”.

 

Diga-se que, o facto de algumas facturas terem data posterior à data da inscrição do imóvel construído da matriz (11.12.2002 – alínea j) da matéria de facto assente) não poderá, sem mais, conduzir a um juízo de não aceitação, uma vez que há obras que podem realizar-se em prédios já inscritos, como novos, na matriz predial, após essa inscrição (correcção de erros, telas finais, acabamentos exteriores, etc).

 

Tal matéria nem é controvertida, face à Requerida, porquanto reconheceu (vide folhas 54 do PA junto com a resposta) que “ninguém contesta que o prédio teve custos de construção, que a lei presume terem sido considerados no processo de avaliação. No entanto, estamos perante um facto que se enquadra absolutamente no conceito de prova sob "forma documental"”.

 

O que aqui está verdadeiramente em causa, é averiguar se a prova documental e testemunhal apresentada pelos Requerentes, vista no seu todo, foi suficiente para provar um quantum desses custos de construção.

 

Afigura-se que a prova produzida, vista no seu conjunto, é suficiente no sentido de comprovar de forma plausível, para além de qualquer dúvida razoável, face às circunstâncias do caso concreto, que o montante gasto pelos Requerentes na construção da moradia, foi de, pelo menos, de PTE 32 500 000,00 (IVA incluído, ao contrário do defendido pelos Requerentes) ou seja € 162 109,31.

 

Vejamos:

 

             Em 08.09.1998 os Requerentes celebraram o contrato de empreitada de construção da moradia, pelo preço de PTE 32 500 000,00, IVA incluído – alínea h) da matéria de facto assente;

             Em 22.07.1999 celebraram um contrato de mútuo com hipoteca, com a F..., recebendo um empréstimo de PTE 32 400 000,00 consignado para a construção da moradia – alínea i) da matéria de facto assente;

             O bem hipotecado, como garantia inicial, foi o terreno referido na alínea g) da matéria de facto assente;

             O valor garantido pela hipoteca constituída sobre o imóvel, depois de concluído, foi de PTE 36 000 000,00 – cláusula terceira do contrato de mútuo com hipoteca;

             No acto da escritura de mútuo com hipoteca os Requerentes apenas receberam PTE 19 440 000,00, tendo sido a parte remanescente entregue “em função do estado de desenvolvimento da construção” - cláusula Primeira – três, da escritura de mútuo e hipoteca;

             A própria utilização da quantia mutuada ficou condicionada ao prévio averbamento da construção na descrição predial - cláusula Segunda – dois, da escritura de mútuo com hipoteca.

 

A AT era, naturalmente, conhecedora da existência de empréstimo bancário para a construção da moradia dos Requerentes, porquanto, certamente, todos os anos, no Anexo H da declaração de rendimentos constou a indicação do benefício fiscal relativo a empréstimo para construção de HPP (ponto g) - VII do Relatório desta decisão).

 

                Poderia com relativa facilidade, a Requerida, face ao princípio do inquisitório (na busca da verdade material), perante a invocada (e de certa forma justificada tendo em conta o decurso do tempo)  dificuldade dos Requerentes em obter as facturas e demais prova do seu pagamento (recibos de quitação e cheques), oficiosamente, ou através do dever de colaboração dos Requerentes, suscitar a obtenção/apresentação de outros elementos de prova, v.g. do teor da certidão do registo predial actualizado do imóvel alienado, onde constaria, nomeadamente, o valor do empréstimo bancário e o averbamento da construção, evidenciando a existência da consignação de um montante mutuado ao pagamento dos custos da construção e permitindo alguma quantificação destes custos, com segurança e aproximação à verdade material.

 

Entende-se ser das regras da experiência comum que as instituições bancárias, em defesa dos seus interesses creditícios, fiscalizam as entregas de valores mutuados para construção de edificações, entregando-os apenas aos mutuários, com o desenvolvimento, vistoriado, das obras de construção.

 

O registo na CRP é público e a própria AT poderia a ele ter acesso, oficiosamente, em sede de procedimento de divergências, mesmo que os Requerentes o não tivessem suscitado, como de facto não requereram.

 

Não restaram dúvidas ao TAS que os Requerentes gastaram efetivamente na construção da moradia PTE 32 400 000,00, ou seja, €161 610,52 euros, porquanto foi esse o montante que lhes foi mutuado pela instituição de crédito, de forma consignada para o efeito. Tal foi naturalmente fiscalizado pela entidade credora, em defesa, inclusive, do seu crédito e da sua garantia hipotecária.

 

No entanto, o contrato de empreitada refere que os custos de construção seriam de PTE 32 500 000,00, IVA incluído, ou seja, € 162 109,31, mais PTE 100 000,00 (€ 498,70) em relação ao valor do empréstimo bancário.

 

Face a esta diferença o TAS considera plausível que os Requerentes tenham pago, com os seus próprios fundos, efectivamente, ao empreiteiro € 162 109,31 (valor da empreitada) e não o valor do empréstimo, porquanto, o que ocorre, em termos de regras de experiência comum, é que os valores das empreitadas de obras de construção são quase sempre superiores aos contratados e aos valores dos financiamentos bancários de construções por administração directa.

 

Em face do exposto, procede parcialmente o PPA nesta parte, considerando-se comprovados pelos Requerentes os custos de construção da moradia de, pelo menos, € 162 109,31.

 

             Quanto ao “valor de aquisição”

 

Face ao estabelecido na parte final do nº 3 do artigo 46º do CIRS, o valor de aquisição apurado para efeitos de mais valias, nos termos acima expostos e que deveria ou deve constar do campo 4001, do quadro 4, do Anexo G, do Modelo 3 do IRS de 2018 dos Requerentes, deverá ser:

(1) o valor do terreno, apurado nos termos do nº 4 do artigo 46º do CIRS, de € 34 915,85;

(2) o valor dos custos de construção apurados, de € 162 109,31,

o que determina um “valor de aquisição” de € 197 025.16.

 

Será o valor de € 197 025.16 que deve constar como valor de aquisição na respectiva declaração de rendimentos.

 

             Aplicação do regime da alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS (taxa reduzida a metade) e do regime da alínea a) do nº 2 do artigo 50º do CIRS (correcção monetária – Portaria nº 317/2018 de 11.12)

 

Segundo as instruções de preenchimento do Anexo G do Modelo 3: “a liquidação automática assegura a consideração de apenas 50% do saldo entre as mais e as menos-valias realizadas respeitantes a transmissões efetuadas por residentes, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, bem como a aplicação do coeficiente de correção monetária ao valor de aquisição. Assim, todos os valores devem ser inscritos neste quadro pela totalidade, de acordo com as regras anteriormente referidas”.

 

Resta então ao TAS referir que “a data relevante para efeitos de inscrição na matriz” consta da alínea J) da matéria assente (2002), em conformidade com a alínea a) do nº 2 do artigo 50º do CIRS, o que releva para efeitos de aplicação do coeficiente de correcção monetária estabelecido na Portaria nº 317/2018 de 11.12.

 

Verifica-se, quanto a este aspecto, que os Requerentes colocaram no campo 4001 do Quadro 4 do Anexo H do Modelo 3 do IRS, o Ano 2000 e o Mês 12 como data de aquisição da moradia que foi alienada, sendo que, como consta na caderneta predial e consta ainda da fundamentação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa “em 2002, na sequência da construção, foi apresentado pelo contribuinte o pedido de inscrição de prédio novo (declaração modelo 129)”, o ano relevante é 2002 e o mês será o da apresentação da declaração  Modelo 129.

 

***

 

Em face do exposto, a posição da Autoridade Tributária que esteve na origem da liquidação aqui impugnada, padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que afecta a liquidação aqui impugnada e a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa, dissonâncias que justificam a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:

1.            Anula-se decisão que foi adoptada na reclamação graciosa n.º ...2020... a que se alude nas alíneas l) e m) da matéria de facto assente;

2.            Anula-se a liquidação de IRS n.º 2019 ... do ano de 2018, com data de 23.10.2019 da qual resultou um valor a pagar de 11 766,16 euros a que se alude na alínea e) da matéria de facto assente, na parte relativa à colecta de imposto relativa a mais-valias imobiliárias;

3.            Em consequência do referido, considera-se que (1) o valor de aquisição a constar no campo 4001 do quadro 4 do Anexo G do Modelo 3, é de € 197 025.16, relativos ao valor do terreno e dos custos de construção que foram apurados; (2)  o ano da aquisição foi de 2002, sendo o mês aquele em que foi entregue a Declaração Modelo 129; (3) os restantes elementos constantes no quadro 4 – campo 4001 da declaração de rendimentos, resultam inalterados, porque não foram objecto de impugnação; (4) sendo  que a aplicação do regime da alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS (taxa reduzida a metade) e do regime da alínea a) do nº 2 do artigo 50º do CIRS (correcção monetária – Portaria nº 317/2018 de 11.12) é assegurado automaticamente pelo sistema informática da AT.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 11 776,16 nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 918,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, uma vez que a liquidação relativa às mais-valias imobiliárias aqui em causa é anulada na sua totalidade.

 

Notifique.

Lisboa, 14 de Setembro de 2021

 

Tribunal Arbitral Singular,

Augusto Vieira