Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 577/2020-T
Data da decisão: 2021-06-14  IRS  
Valor do pedido: € 28.380,40
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias – Não residentes
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SUMÁRIO:  A norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, incluindo a residentes em estados terceiros, é ilegal por constituir uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TJUE

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

A..., contribuinte n.º..., e esposa B..., contribuinte n.º..., França, solicitaram a constituição de tribunal arbitral nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º, e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida);

Os Requerentes vieram pedir ao tribunal arbitral a sindicância da legalidade dos atos tributários respeitantes às liquidações de IRS, conforme demonstração de liquidação de IRS n.º 2020..., e da demonstração de liquidação de IRS n.º 2020..., ambos do ano de 2019, considerando que estas liquidações de IRS não foram realizadas de acordo com a lei aplicável.

Com efeito, consideram que os atos de liquidação correspondentes às liquidações de IRS supra identificadas padecem de ilegalidade, consubstanciada num erro de quantificação, decorrente da consideração do valor total da mais valia, o que determina um valor excessivo.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2020/10/29, e notificado à Requerida nos termos legais em 2020/11/02.

Os Requerentes não procederam à nomeação de Árbitro.

Nos termos e para os efeitos do disposto do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi o signatário designado Árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a sua aceitação do encargo no prazo estipulado.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 19 de janeiro de 2021, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

A Requerida apresentou a sua Resposta em 2020/02/17, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 2020/11/06, considerando-se que não existia matéria de facto com necessidade de aprofundamento e por estar em causa apenas matéria de direito, foi dispensada a realização da reunião prevista no artº18º do RJAT, sendo as partes notificadas para apresentarem, querendo, alegações escritas.

As partes apresentaram alegações mantendo, no essencial, as posições assumidas na PI e na Resposta.

 

II - OS FACTOS

 

 1 – Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

- Os Requerentes são casados e residem em França;

- Em 08-07-2016, os Requerentes adquiriram o prédio urbano sito em Guimarães, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário (VPT) de 63.050,00€ pelo preço de 85.000 €, em 8/7/2016 (doc. 4);

- E em 15-01-2019, procederam à venda desse imóvel, pelo valor de 220.000,00 € (doc.5).

- Os Requerentes em 29-05-2020, apresentaram cada um a sua declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2019, não tendo optado pela tributação conjunta dos rendimentos, declarando no anexo G, as mais-valias obtidas com a alienação do referido imóvel (doc.6 e 7);

- Os Requerentes não optaram pelo englobamento.

- Na referida declaração, ambos os Requerentes selecionaram a opção não residentes, no quadro 8B das declarações apresentadas.

- Os Requerentes foram notificados da demonstração de liquidação de IRS n.º 2020..., de 2019, com valor a pagar de 14.316,20 € e n.º 2020 ... do ano de 2019, com valor a pagar de 14.064,20 € (doc. 1 e 2).

- O imposto foi pago em 30/08/2020 (doc. 8 e 9).

- Em ambas as demonstrações de liquidação de IRS se constata que na determinação do rendimento coletável foi considerada a totalidade do saldo das mais e menos-valias.

- O imposto apurado e a pagar para cada um dos Requerentes é o que resulta da aplicação da taxa de 28% sobre o rendimento coletável da categoria G.

 

2 - Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto e fundamentação

 

a.            Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado;

b.            O apuramento da matéria coletável atinente à liquidação impugnada decorreu com base nas declarações apresentadas pelo Requerente, cujas cópias constam nos autos;

c.            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT)

d.            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

e.            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

III – DO PEDIDO

 

Como sustentação do seu pedido, os requerentes alegam:

 

As liquidações do IRS referente a 2019 que estão na base do presente pedido de pronúncia arbitral, resultam de uma tributação que incide sobre a totalidade das mais-valias apuradas pelos Requerentes.

No entender dos Requerentes, a jurisprudência é já unânime quanto à consideração de que tal tributação é discriminatória e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

“Face à legislação em vigor à data dos factos, se os Requerentes fossem residentes em território nacional, o valor a considerar seria de 50% do saldo das mais-valias e menos-valias;

Por outro lado, se os sujeitos passivos não fossem residentes em território nacional, ainda que fossem residentes num Estado Membro da União Europeia, a mais-valia seria tributada na sua totalidade - 100%.

No caso dos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, o artigo 72º n.º 13 do Código do IRS, prevê a opção pela tributação dos rendimentos às taxas gerais do artigo 68º do Código do IRS.

Mas esta opção não pôde ser exercida pelos Requerentes, já que a declaração de IRS não permite o exercício dessa opção.

Ora, o regime que se expôs constitui uma discriminação injustificada e contrária ao direito da União Europeia, dos residentes noutros estados-membros face aos residentes em território nacional, violadora do princípio da livre circulação de capitais entre Estados-Membros.

O princípio da não discriminação, previsto no TFUE, deve ser lido como imposição de tratamento igual entre cidadãos europeus, independentemente da sua nacionalidade ou residência.”

A incompatibilidade da norma constante do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE foi inicialmente tratada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no processo n.º C- 443/06, de 11 de outubro, conhecido por Acórdão Hollmann, em resultado de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) (Ac. de 28/09/2006, Processo n.º 439/06).

Na sequência do Acórdão Hollman, atenta a incompatibilidade da norma em questão com o direito comunitário, o legislador português, com o propósito de afastar essa incompatibilidade, estabeleceu um regime opcional de equiparação dos não residentes aos residentes, mas sendo residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Estado Económico Europeu, regime esse constante dos n.ºs 8 e 9, ao artigo 43.º do Código do IRS.

Porém, tal opção não afasta a discriminação entre residentes em território português e residentes noutro Estado Membro da União Europeia, patente no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS.

A não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS às mais valias obtidas por residentes noutros Estados-membros é violadora do disposto no artigo 63.º, n.º 1 do TFUE

A desconsideração do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS quando estejam em causa mais valias de residentes em Estados-membros conduz a um excesso de quantificação, uma vez que foi considerada a totalidade do saldo das mais-valias e menos-valias.

Assim, o valor da mais-valia tributável, que corresponde a 50% da totalidade do saldo das mais-valias, é de 24.995,62 € (99.982,48 €/2= 49.991,24 €x 50%), para cada um dos Requerentes marido e mulher.

Nestes termos, os Requerentes, residentes em França, têm direito à tributação das mais-valias imobiliárias obtidas em condições análogas às dos residentes em território nacional.

 

***

 

 

Respondendo ao pedido arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira, alegou, resumidamente, o seguinte:

- Tendo em conta o teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de

2007OUT11, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9) e o n.º 8 (atual n.º 10) do mesmo artigo e diploma legal que adaptaram a legislação portuguesa à jurisprudência quer do TJUE quer do STA.

- …E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos

anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.

Consultada a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue em nome de cada um dos Requerentes (relativa ao ano fiscal de 2019), verifica-se que no no quadro 8 B do mod.3 do IRS foi assinalado, o campo 4, não residente, o campo 6, residência em país da UE e o campo 7, pretende a tributação pelo regime geral.

 - Assim, as alegações dos Requerentes não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs

7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10).

- O n.º 8 (atual n.º 10) do artigo 72° do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

- Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

- Saliente-se, ainda, que os Requerentes pretendem que lhes seja aplicado (43° n.º 2 do Código do IRS) está incluso no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável".

- Estamos, pois, perante a determinação do rendimento e para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9° e 10° do Código do IRS. Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

Informa também a Requerida que esta questão já se colocou em outros processos que correm no CAAD nomeadamente, no Processo nº 598/2018-T, no qual foi decretado o reenvio prejudicial para o TJUE.

Em face do reenvio prejudicial suscitado, a Requerida pretende que o Tribunal decrete a suspensão da presente instância arbitral (cf. artigo 29º do RJAT; artigos 269º nº 1 alínea c) e nº 1 do artigo 272º do CPC) até notificação da decisão do TJUE no referido processo n.º 598/2018-T, a qual irá estabelecer interpretação vinculativa sobre a matéria, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TJUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TJUE.

 

 

IV - SANEAMENTO

 

- O Tribunal arbitral é materialmente competente nos termos dos artigos 2.º, n.º 1 e encontra-se regularmente constituído, conforme o previsto na alínea a), do artº 5º e do artº 66.º, n.º 1, todos do RJAT.

- As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

- O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

***

 

V – DO MÉRITO

 

1 - Do objeto do pedido arbitral

 

O signatário já se pronunciou em outros processos que correram termos no CAAD sobre os pedidos constantes nesta instância arbitral cujo objeto do pedido principal e acessório são os mesmos. Não existem quaisquer diferenças nem quanto aos factos nem quanto ao direito.

Todavia, na presente data, temos para apreciar um elemento novo que é a decisão do TJUE quanto à questão prejudicial suscitada no Procº 598/2018-T que veio confirmar a jurisprudência unânime do CAAD e do STA no sentido da ilegalidade das liquidações efetuadas pela AT segundo o entendimento que expressa na sua Resposta.

Vejamos.

Os Requerentes são cidadãos portugueses residentes em França, país da União Europeia, que apresentaram um pedido de pronúncia arbitral contra as  liquidações de IRS de 2019, solicitando a sua anulação porque a AT efetuou essas liquidações sem considerar a sua qualidade de cidadãos não residentes, mas residentes na União Europeia, a quem se devem aplicar as mesmas regras para efeitos de tributação em IRS que são aplicadas aos residentes em território nacional quando estejam em causa rendimentos tributáveis de mais valias auferidas na venda de imóveis localizados em território nacional.

É este, no essencial, o objeto do pedido de pronúncia arbitral sobre o qual o tribunal se deve pronunciar.

Resultou provado que os sujeitos passivos procederam à apresentação das declarações Mod.3 de IRS dos anos de 2019 das quais resultaram as duas liquidações impugnadas.

A AT na determinação do rendimento coletável do Requerente considerou a totalidade da mais-valia realizada resultante da alienação do imóvel supra identificado, localizado em Portugal.

Permita-se-nos, dada a coincidência de matéria de facto, de pedido e causa de pedir com o processo acima referido, aproveitar a fundamentação para a decisão do presente processo.

“Alega[m]o[s] Requerente[s] que, por se tratar de residente noutro Estado-membro da União Europeia, na determinação do referido rendimento, a AT não está a agir em conformidade com o direito comunitário que impõe a regra da não discriminação entre cidadãos residentes na União, conforme determinam os Tratados e assim resulta da jurisprudência comunitária e portuguesa, nomeadamente do CAAD, uma vez que fez incidir a taxa de 28% sobre 100% daquela mais valia, quando em relação aos residentes considera apenas 50% desse valor.

Em sentido diverso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que a incompatibilidade do regime de tributação de não residentes com o Direito da União Europeia que se previa nas redações do CIRS anteriores à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que foi declarada pelo acórdão do TJUE de 11-10-2007, proferido no processo C-443/06 (caso Hollmann) já foi alterado com o aditamento dos n.ºs 7 e 8 ao artigo 72.º (a que correspondem os n.ºs 9 e 10, na redação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro), mas que o sujeito passivo optou pela regime geral de tributação.

O quadro legal que estabelece a incidência objetiva do rendimento proveniente de mais valias está contemplado no artigo 10.º, n.º 1 alínea a) do CIRS: «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».

Para a consideração das regras referentes à incidência subjetiva, importa ter em conta os termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, quando estabelecem que para os sujeitos passivos residentes, «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor».

Há a ter em conta ainda, para os não residentes, a previsão do artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que são tributadas à taxa autónoma de 28% as «mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado».

Quanto aos não residentes, o regime legal inclui ainda as disposições contidas nos nº 9 e 10º (atuais 14 e 15) do artº 72º (redação à data) CIRS, a saber:

9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

Após a alteração legislativa acima referida encontram-se em vigor quanto aos não residentes, no que respeita aos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos: um regime que poderemos apelidar de regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, em que são tributados esses rendimentos à taxa especial de 28%, incidente sobre a  totalidade do rendimento proveniente da mais valia; e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes, sendo a taxa a aplicar a que resulta do artº 72º do CIRS.

O que está também em causa na presente ação arbitral é determinar se o regime opcional de equiparação de residentes num estado da União introduzido por aditamento ao Código do IRS pelo legislador nacional resolveu a incompatibilidade do direito interno com os Tratados, ou se, ainda assim, deve ser considerado como discriminatório.

Esta matéria, mesmo depois das alterações introduzidas no Código do IRS após o caso Hollmann, como vem referido tanto pelo[s] Requerente[s] como pela Requerida, tem sido objeto da pronúncia dos tribunais judiciais e arbitrais, firmando-se jurisprudência praticamente pacífica no sentido de que a opção imposta pela lei em vigor, ainda assim, constitui uma discriminação em relação aos residentes.

E é esse o entendimento que subscrevemos para o caso concreto desta instância arbitral porque, como refere o Ac.127/2012-T, do CAAD, de 14/05/2013, “ … , a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes.

E, consequentemente, ao reconhecer- se que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário”.

É, pois, esta a orientação que tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral do CAAD, não só na decisão acabada de citar, como em muitas outras, designadamente as proferidas nos processos 45/2012-T, 127/2012-T, 96/2015-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 399/207-T, 617/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T, 583/2018-T, 596/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T, 63/2019-T, 65/2019-T, 74/2019-T, 37/2019-T, 332/2019-T, 438/2019-T, 627/2019-T, 655/2019-T, 785-T, 838/2019-T, 846/2019-, 904/2019-T, 6/2020-T, ( ) não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a incompatibilidade do atual quadro normativo em causa com o direito comunitário, em especial com o artigo 63.º do TJUE.

Também o entendimento do STA ( ) vai no sentido de que a tributação dos cidadãos portugueses não residentes no nosso país, mas residentes na União Europeia, se funda em legislação incompatível com o direito comunitário porque sobre o rendimento desses sujeitos passivos está a incidir um encargo superior ao que incide sobre os cidadãos residentes, pelo  que não se fazendo incidir a taxa em vigor apenas sobre  50% da mais valia realizada se viola o artº 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia.

Nem se diga que as opções fornecidas ao sujeito passivo, como refere a AT, proporcionam igualdade entre cidadão nacional residente e não residente, pois a criação de um regime opcional não afastou a incompatibilidade com o direito comunitário do nº 2, alínea a) do artº 43º que discrimina negativamente o não residente porque continua a fazer incidir a taxa sobre 100% da mais valia, no caso de não residentes, e sobre 50% no caso de residentes (vide STA, Procº 0901/11.BEALM0692/17, de 20/2/2019, citado no Proc. 846/2019-T do CAAD).

Ora, estamos neste caso perante a consideração do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no artigo 8º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, em que a jurisprudência do TJUE, em sede de direito comunitário vincula os tribunais nacionais, pelo que não pode este tribunal decidir de forma diferente do já decidido pelo TJUE, no âmbito da mesma questão de direito e da mesma legislação.

Nestes termos, julga-se incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal não extensiva aos residentes em território comunitário.”

Veio, finalmente, o TJUE em resposta à questão prejudicial colocada pelo CAAD no Procº 598/-2018-T, confirmar a jurisprudência pacífica quer do CAAD quer do STA, esclarecendo que: “O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”(Ac. Do TJUE, de 18/03/2021, Procº C-388/19)

Consequentemente, os atos de liquidação do IRS de 2019 sindicados nesta instância ao afastarem a regra da tributação de apenas de 50% da mais valia apurada com a venda de um imóvel sito em Portugal por um residente em território comunitário, encontram-se feridos de ilegalidade por vício de violação de lei.

 

2 - Do Reenvio prejudicial

 

É óbvio que deixou de ter cabimento o pedido de suspensão da presente instância e de reenvio prejudicial uma vez que o TJUE já se pronunciou sobre a questão, ficando prejudicado o conhecimento deste pedido.

 

3 – Do pedido de reembolso e juros indemnizatórios

 

Complementarmente, os Requerentes cumulam o pedido de decisão anulatória com o pedido de condenação da AT no reembolso das importâncias pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento da coleta até à data da respetiva restituição.

Dispõe a alínea b) do art. 24.º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

É isto que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, quando prevê que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Mesmo que o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, é pacífico na doutrina e jurisprudência que deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.

Portanto, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.

Ora, sobre esta matéria a jurisprudência tem sido pacífica, tendo em conta o artº 43.º da LGT, que prevê que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Considera-se que o erro é imputável à administração quando o mesmo não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto ou de direito que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

Como é bom de ver, resultou dos atos tributários contestados a obrigação de pagamento de um valor de imposto superior ao que seria devido sem o cometimento das ilegalidades apontadas.

Nesta conformidade, enfermando as liquidações impugnadas de vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito imputável à Autoridade Tributária, e tendo o imposto sido pago, tem o Requerente direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante por se encontrarem verificados os requisitos do artº 43º da LGT.

 

VI - DECISÃO

 

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar procedente o pedido de anulação dos atos de liquidação do IRS de 2019.

b)           Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias indevidamente pagas;

c)            Julgar ainda procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão do reembolso.

d)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

VII - VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em €28 380,40, montante correspondente ao valor das liquidações impugnadas.

 

VIII - CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 530,00,

nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem

Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifiquem- se as partes

Notifique o Mº Pº

 

Lisboa, 09/06/2021

 

O Árbitro Singular

José Ramos Alexandre