Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 576/2021-T
Data da decisão: 2022-02-14  IVA  
Valor do pedido: € 847.504,23
Tema: IVA. Locação financeira. Pro rata. Direito à dedução. Circular. Inconstitucionalidade
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Decisão Arbitral

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Marisa Isabel Almeida Araújo e Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-11-2021, acordam no seguinte:

 

         

            1. Relatório   

 

            A…, S.A., doravante abreviadamente designada por "Requerente", anteriormente denominada B…, com o número de identificação fiscal … e sede na Rua …, Lisboa, vem, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária doravante designado como "RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista:

 

a)  Anular parcialmente a autoliquidação de IVA efectuada pela Requerente nas declarações periódicas de imposto relativas ao ano 2019, que resultou da aplicação da percentagem de dedução de 4% (quatro por cento) ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos, calculada de acordo com os entendimentos veiculados pela AT, nomeadamente as instruções ilegais do Ofício-circulado n.º 30108, quando, de acordo com a legislação nacional e comunitária do IVA, a percentagem de dedução deveria corresponder a 10% (dez por cento);

b) Restituir à Requerente o valor do IVA pago em excesso nas declarações periódicas de imposto, no montante global de € 847.504,23;

c ) Pagar à Requerente juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT, em particular do seu n.º 2, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2019, até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano;

d) A titulo subsidiário, o Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial das questões que entenda suscitar para o tribunal de justiça da união europeia, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), e  no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, relativamente à consideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira no cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista.  

 

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-09-2021.

            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            Em 29-10-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 06-07-2020 (considerando a suspensão de prazos prevista no artigo 7.º da lei n.º 1-A/2020, de 9 de Março).

            A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência dos pedidos.

            As Partes concordaram em que fosse aproveitada a prova testemunhal produzida no processo arbitral n.º 58/2020-T, que correu termos entre as mesmas, o que foi deferido por despacho de 13-01-2022.

            Por despacho de 16-01-2022, foi decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

            As Partes apresentaram alegações.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

            As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades e não são suscitados obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

           

2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

  1. A Requerente é uma instituição de crédito do tipo caixa económica bancária, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;
  2. No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito de dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento/concessão de crédito;
  3. Simultaneamente, a Requerente realiza também operações que conferem o direito à dedução deste imposto, designadamente operações de locação financeira mobiliária e custódia de títulos;
  4. Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA;
  5. Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA;
  6. Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível / grau de utilização efectiva, aplicou o método da afectação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, o que sucedeu, nomeadamente, quanto aos encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático - ("TPA's");
  7. A Requerente não considerou viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real, nas aquisições de recursos de utilização mista;
  8. Para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de "utilização mista"), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA;
  9. A referida percentagem de dedução foi determinada com cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2019, em consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA;
  10. Em 10-02-2020, a Requerente apresentou a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2019, com a declaração periódica n.º … que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  11. Com base no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108, a Requerente não incluiu no cálculo da referida percentagem de dedução os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing, determinado a taxa de pro rata de 4%;
  12. No ano de 2019 a Requerente suportou IVA quanto aos recursos de utilização mista no montante de € 14.125.070,49, o que determinou um valor a deduzir de € 565.002,82, aplicando a taxa de 4%;
  13. A Requerente verificou que, se no cálculo da referida percentagem de dedução tivesse incluído os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing, a percentagem de dedução definitiva apurada para o ano em causa seria de 10%  em lugar de 4%, pelo que, aplicando aquela taxa, teria direito a deduzir o montante de € 1.412.507,05 (pontos 10, 22 e 53 da fundamentação da decisão da reclamação graciosa);
  14. Em 12-03-2021, a Requerente enviou para a Unidade dos Grandes Contribuintes reclamação graciosa da autoliquidação de IVA do período de Dezembro de 2019, solicitando a anulação parcial daquele acto de autoliquidação na parte que, no entender da Requerente, resultou na entrega de prestação tributária de IVA em excesso, no montante de € 847.504,23, por ter aplicado uma percentagem de dedução definitiva de 4% ao IVA suportado com os custos comuns incorridos naquele exercício, calculado nos termos do artigo 23.º n.º 4 do CIVA, quando, em seu entender, deveria ter considerado a percentagem de 10% (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  15. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 28-05-2021, proferido pelo senhor Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de subdelegação de competências, com os fundamentos de uma informação que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como

 

  1. Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30.108, publicado em

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instruções_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.

 

  1. Desde 2017, a Requerente já adoptava os procedimentos do tipo dos referidos na norma de procedimentos que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. Os procedimentos previstos na referida norma são cumpridos pelos colaboradores da Requerente, implicando responsabilidade disciplinar o seu não cumprimento (depoimento da testemunha C…);
  3. A norma de procedimentos vai sendo alterada, sendo o documento orientador sobre todos as tarefas que os colaboradores da Requerente devem desenvolver para cada produto (depoimento da testemunha C…);
  4.  O processo de locação financeira de veículos tem a seguinte tramitação essencial:

– inicia-se com contacto do cliente, que indica o que quer comprar e o vendedor;

– a Requerente pede uma factura pró-forma com as características do veículo;

– o departamento de leasing vê se o preço é adequado ao mercado;

– decidida a operação é comunicada ao cliente;

– a Requerente trata da documentação necessária relativa ao contrato e efectivação de seguro;

– a Requerente controla a legalização do veículo e a sanação de eventuais irregularidades;

– a Requerente trata do registo de propriedade a favor do banco, se se tratar de bem sujeito a registo;

– a Requerente paga ao fornecedor e disponibiliza o bem (depoimentos das testemunhas C… e D… e documento n.º 1);

  1. A partir dessa fase inicial, que tem duração entre três semanas e um mês, a Requerente desenvolve durante os vários anos de duração do contrato (normalmente 4 ou 5 anos) actividade relacionada com a utilização do bem disponibilizado, designadamente:

– emissão de facturas e recibos mensais, relativos a cobrança de rendas;

– apreciação de eventuais pedidos de alteração do contrato;

– controle da manutenção de seguro válido pelo cliente, nos termos em que a Requerente entende que ele tem de ser mantido ao longo da vigência do contrato;

 – contactos com concessionárias das autoestradas, relativos a clientes que não pagam as portagens;

– contactos com as entidades policiais, assessoria jurídica e escritórios de advogados por causa de infracções estradais praticadas pelos clientes;

– assegurar o pagamento do Imposto Único de Circulação, que é feito pela Requerente e debitado ao cliente;

– no final do contrato, a Requerente trata da venda e respectivo registo;

– quando ocorrem acidentes, a Requerente contacta as seguradoras;

– a Requerente assegura serviços de tradução, sendo necessários, relativos a acidentes no estrangeiro;

– nos casos de incumprimento, a Requerente tenta recuperar o veículo, por vezes requerendo providências cautelares (depoimento da testemunha D…);

– manutenção de serviços de call center;

  1. Estas tarefas não são asseguradas relativamente a cada contrato, mas a cada uma dos veículos ou bens por ele abrangidos, tendo a Requerente um contrato que engloba 162 viaturas (depoimento da testemunha C…);
  2. Em regra os clientes optam pela aquisição dos veículos, no fim dos contratos de leasing (depoimento da testemunha C…);
  3. No âmbito dos contratos de leasing, a Requerente não faz financiamento aos clientes, não lhe entregando dinheiro nem pagando um bem que é adquirido pelo cliente, antes adquire os bens para a própria Requerente que põe à disposição dos clientes, mediante o pagamento de uma renda (depoimento da testemunha C…);
  4. É por os bens objecto de contrato de leasing pertencerem à Requerente que impõe que tenha de desenvolver toda a actividade relativa à situação do veículo, que não existe quando é feito financiamento para a aquisição pelo cliente através da concessão de crédito (depoimento da testemunha C…);
  5. A Requerente dispõe de 306 balcões, cada um deles com 4 ou 5 pessoas, onde os clientes se podem dirigir para tratar dos assuntos de leasing (depoimento da testemunha C…);
  6. O preçário publicitado pela Requerente em 2020, em  https://www.....pt/iwov-resources/SitePublico/documentos/pt_PT/pdf-pmc/PREC0000a-14-12-2020.pdf é  idêntico ao que vigorava em 2017 e destina-se a compensar custos directos quantificáveis e não despesas gerais (depoimentos das testemunhas C… e D…);
  7. No referido precário, cujo teor se dá como reproduzido, indicam-se, além do mais, comissões dos seguintes tipos:

–  «2. Comissão de Contratação / Montagem da Operação»;

– «3. Comissão de reembolso antecipado parcial»,

– «4. Comissão mensal de processamento / prestação»

–  «5. Comissão pela recuperação de valores em dívida»:

– «6. Comissões relativas  a alterações contratuais»,

– «7. Comissões associadas a atos administrativos» que inclui:

                        – comissões de 2.ª vias de documentos;

                        – «comissão de transmissão da posição jurídica do locatário»;

                        – «comissão de requerimentos e autorizações diversas»;

                        – «comissão para tratamento de multas»;

                        – «comissão para processamento de impostos e taxas»;

                        – «comissão de alteração de registos»;

– «8. Comissão de gestão de contratos» cobrada cumulativamente com a «comissão de processamento/prestação»;

– «9. Comissão de reembolso antecipado total»:;

 

  1. As comissões referidas não são suficientes para compensar todos os custos suportados pela Requerente, sendo o seu valor apenas o dos custos mínimos que a Requerente está segura de ter de suportar com as actividades a que se reportam (depoimento da testemunha C…);
  2. A Requerente dispõe de oito colaboradores afectos exclusivamente aos contratos de leasing, só para as tarefas posteriores à entrega do veículo ao cliente, e mais três colaboradores para as tarefas anteriores, mas há muitos outros que podem ser chamados a intervir pontualmente, designadamente nos 306 balcões (depoimento da testemunha C…);
  3. A Requerente dispõe de pelo menos um colaborador em cada balcão para atendimento dos clientes de leasing e encaminhamento para o núcleo central (depoimento da testemunha C…);
  4. A Requerente dispõe de call center para atender questões relativas a leasing, que responde a perguntas simples e encaminha se as perguntas forem de resposta complexa (depoimento da testemunha C…);
  5. A Requerente não faz estimativa dos custos gerais para efeitos de remuneração directa (depoimento da testemunha C…);
  6. Em contratos de leasing que têm a duração de vários anos, a Requerente não consegue prever quais os custos que vai suportar com os incidentes que vieram a ocorrer, pelo que cobra através de comissões nos caso de custos quantificáveis seguros e tem de incorporar no juro o custo do financiamento, a consideração do risco do cliente e a margem de lucro que a Requerente tem de incluir os custos gerais não quantificáveis (depoimento da testemunha C…) (depoimentos das testemunha C… e D…);
  7. A análise de risco do cliente tem por base o incumprimento médio esperado, previsto com base em antecedentes do tipo de cliente e influencia a fixação do spread em que são incorporados os custos gerais não quantificáveis (depoimento da testemunha C…);
  8. No crédito relativo a veículos as tarefas da Requerente são muito menores por não existir uma estrutura para acompanhar a situação do veículo, ficando o cliente a pagar uma renda que é apenas o juro correspondente à utilização de recursos financeiros (depoimentos das testemunhas C… e D…);
  9.  A Requerente dispõe de uma aplicação informática para apoio aos clientes (depoimento da testemunha C…);
  10. Os tipos de comissões que eram cobradas no ano de 2017 não eram muito diferentes das que constam do preçário de 2020 (depoimento da testemunha C…);
  11. Não é possível à Requerente quantificar a parte de custos gerais que é afecta à disponibilização dos veículos (depoimento da testemunha C…);
  12. O leasing representa cerca de 3 a 4% da carteira de crédito da Requerente (depoimento da testemunha C…);
  13.  A factura de cada renda tem duas componentes, uma de capital e outra de juros (depoimento da testemunha C…);
  14. A componente de capital visa amortizar o preço do bem locado (depoimento da testemunha C…);
  15. Além de veículos a Requerente tem contratos de leasing de máquinas e imobiliário (depoimento da testemunha C…);
  16. A Requerente pagou a quantia autoliquidada relativamente ao último período de 2019 (facto afirmado no artigo 60.º  do pedido de pronúncia arbitral e aceite no artigo 232.º da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como no ponto 159 da decisão informação para que remete a decisão da reclamação graciosa, ao fazer indeferir o pedido de juros indemnizatórios);
  17. Em 10-09-2021, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

           

2.2. Factos não provados

 

2.2.1. Não se provou a exacta medida da utilização de recursos de utilização mista pela Requerente relacionada com as operações de locação financeira, designadamente se essa utilização foi determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos. Para além de veículos, a Requerente também celebra contratos de leasing de máquinas e imobiliário, não se apurando quais as percentagens de recursos de utilização mista que são utilizados nestas actividades.

Na verdade, da prova produzida resultam os tipos de actividades desenvolvidas pela Requerente, mas não a quantificação da utilização de recursos de utilização mista afectos a qualquer delas.

Apurou-se que, no caso de leasing de veículos, que a actividade posterior à fase inicial de aquisição e formalização do contrato e registo da aquisição, inclui mais tarefas do que a fase inicial e estão previstas no preçário da Requerente comissões específicas para a remuneração directa de cada um dos tipos de actividades, mas as comissões não são suficientes para compensar todos os custos suportados pela Requerente, sendo o seu valor apenas o dos custos mínimos que a Requerente está segura de ter de suportar.

Por outro lado, não se apurou a dimensão de recursos de utilização mista não quantificáveis exactamente (como, por exemplo, água, electricidade, limpeza, uso de programas informáticos e despesas gerais com os edifícios onde funcionam os 306 balcões em que a Requerente tem colaboradores com intervenção na actividade de leasing), que são utilizados em cada uma das actividades desenvolvidas em conexão com os contratos de leasing.

 

2.2.2. Não se provou que as operações de locação financeira exijam uma utilização de recursos técnicos e administrativos de utilização mista menos relevante que aqueles que se encontram afectos às restantes actividades.

Pelo contrário, da prova testemunhal e do documento n.º 2 resulta que, comparando as operações de crédito automóvel (isentas) e as de leasing, é muito maior a utilização de recursos gerais nesta última.

 

2.2.3. Não se provou que, no caso em apreço, a utilização do método de determinação do pro rata de baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», designadamente que possa «provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas provocar vantagens ou prejuízos injustificados».

Na verdade, estes juízos conclusivos são utilizados no ponto 8 do Ofício-Circulado n.º 30108, mas não foi apresentada qualquer prova das afirmações neles contidas, nem sequer são esclarecidas quais as «vantagens ou prejuízos injustificados» a que se alude.

 

2.2.4. Embora se tenha considerado provado que a Requerente pagou a quantia autoliquidada relativamente ao último período de 2019, não foi apurada a data em que foi feito o pagamento.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos que foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e o que consta do sítio da Internet referido e na prova testemunhal.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que relataram.

A testemunha C… é Diretor do Departamento de Leasing e Factoring da Requerente, desde 2012.

A testemunha D… é Coordenador do Núcleo Leasing da Requerente.

A Administração Tributária não apresentou processo administrativo.

Sendo crível que a Requerente tenha de levar a cabo as tarefas que se indicam na «Norma de procedimentos» que juntou aos autos, o facto de se tratar de documento de natureza interna não se afigura suficiente para levar o Tribunal Arbitral a duvidar da sua correspondência à realidade, já que se está perante documentos dirigidos aos próprios colaboradores da Requerente e que, pela sua natureza, serão de natureza interna.

Assim, não tendo sido produzida qualquer prova que abale a credibilidade dos documentos referidos, que é corroborada pelas testemunhas, optou-se por considerar provado que a Requerente adopta os procedimentos que deles constam.

No que concerne ao pagamento pela Requerente da quantia autoliquidada, embora não tenha sido apresentada prova documental, é facto afirmado no artigo 60.º  do pedido de pronúncia arbitral e aceite no artigo 232.º da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Quanto à correspondência à realidade dos valores de cálculo do pro rata e as percentagens que resultam da aplicação dos dois métodos de cálculo, consideram-se provados, pois são reconhecidos como correctos no ponto 53 da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa:

  « De facto, a inclusão das duas mencionadas componentes conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 10% contra os 4% referidos e refletidos na declaração periódica de IVA em análise. O que significa que teria direito a deduzir o montante de € 1.412.507,05»

 

 

            3. Matéria de direito

 

 

3.1. Enquadramento da questão e posições das Partes

 

3.1.1. Legislação aplicável sobre o direito a dedução de IVA

 

Os artigos 168.º, 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelecem o seguinte:

 

Artigo 168.º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b)  O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27.º;

c)  O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2.o, n.º 1, alínea b), subalínea i);

d)  O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º;

e)  O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.

 

Artigo 173.º

1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

 

Artigo 174.º

1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

 

Os artigos 16.º, 19.º, 20.º e 23.º do CIVA estabelecem o seguinte, no que está em causa no presente processo:

 

Artigo 16.º

Valor tributável nas operações internas

 

1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:

(...)

h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.

 

 

 

Artigo 19.º

Direito à dedução

 

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

 

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

 

 

Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

 

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

 

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

 

 

3.1.2. O direito a dedução de IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas

 

Por isso, por força do disposto nos artigos 168.º, alínea a), da Directiva n.º 2006/112/CE e 20.º, n. 1, alínea a), do CIVA, a Requerente tem, em princípio, direito a deduzir o IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços utilizados nas suas operações tributadas.

Em Portugal, a actividade de locação financeira mobiliária é totalmente tributada e não isenta, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, pelo que uma entidade que  desenvolva apenas este tipo de actividade pode deduzir todo o IVA suportado para a realizar.

Porém, a Requerente é um sujeito passivo misto, pois é uma instituição de crédito que, além de desenvolver actividade tributada e não isenta de locação financeira (e ALD), realiza também operações isentas, nomeadamente operações de financiamento/concessão de crédito, que beneficiam da isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.

Relativamente aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações económicas com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações [artigos 173.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n 1, alínea b] do CIVA).

Essa proporção ou pro rata de dedução é determinada por uma fracção  que inclui «no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução» e «no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução» [ artigo 174.º, n.  1, alíneas a] e b), da Directiva n.º 2006/112/CE.

Aplicando estas regras, sendo a actividade de locação financeira tributada e não isenta, quanto à totalidade do valor das rendas [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], o  montante destas deverá ser incluído totalmente no numerador, inclui-se no «montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução».

 

3.1.3. A limitação do direito à dedução relativamente a IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas

 

Estas regras da determinação do pro rata de dedução relativamente a actividades económicas, podem ser afastadas nas situações previstas no n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, em que se inclui «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

Eventualmente, terá sido ao abrigo desta disposição, que tem alguma correspondência como os n.ºs 2 e 3, alínea b) do artigo 23.º do CIVA, que o Ofício-Circulado n.º 30108 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem concomitantemente actividade de locação financeira, integralmente tributada, e outras actividade isentas, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).

Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor a este tipo especial de sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades».

Em segunda linha, no ponto 9 daquele Ofício-Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afectação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

Em suma, o regime especial previsto no Ofício-Circulado consiste em impor a este tipo de sujeitos passivos a dedução segundo a «afectação real», que deverá ser efectuada de duas formas:

– preferencialmente, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades»;

– sempre que tal não seja possível, a «afectação real» será efectuada utilizando um «coeficiente de imputação específico», que é determinado calculando a percentagem de dedução apenas com base no montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, e não, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º, com base em «todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica».

A Requerente na autoliquidação relativa ao mês de Dezembro de 2017 aplicou a regra que consta do ponto 9 do referido Ofício Circulado, tendo no cálculo do pro rata de dedução definitivo, previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, relativo a bens de utilização mista, excluído do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras dos bens locados, pois não considerou «viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real», como se indica no ponto 8 do Ofício Circulado.

Posteriormente, a Requerente constatou que, se tivesse incluído a totalidade das rendas do leasing no cálculo do critério de dedução, seria encontrada a percentagem de dedução de 10%, em vez de 4%.

A Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação relativa ao último período de 2019, defendendo, em suma, que a desconsideração, no cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da actividade de leasing e ALD se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA.

A reclamação graciosa foi indeferida.

 

3.1.4. Posições essenciais das Partes

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente defende, em suma, o seguinte:

– a Requerente desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2019, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados;

– tal procedimento resultou dos ditames da AT constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária (IVA) em excesso;

– a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2019 de 4%;

– se tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução esta seria de 10%;

–  os custos incorridos com a disponibilização dos veículos, durante a "vida do leasing” (fase de gestão operacional) são muito superiores quando comparados com os custos inerentes à fase de formalização e gestão contratual. Isto porque as tarefas realizadas pela Requerente na fase de gestão operacional são de número bastante mais elevado e consumidoras da maioria dos recursos;

– os procedimentos adoptados pela Requerente no âmbito do segmento da locação financeira integram um universo significativo de actividades atinentes à disponibilização dos bens locados;

– a Requerente incorre não apenas em gastos relativos à gestão dos contratos e financiamento (que se materializam na proposta por parte do cliente, seguida de uma análise de risco e de uma decisão, culminando com a emissão do contrato) mas também, e num montante muito significativo, em despesas e recursos com vista a garantir a disponibilização / gestão operacional dos bens locados [i.e. autorização da entrega do bem locado após emissão do contrato;  pagamento a fornecedores e carregamento do empréstimo; participação no processo de legalização;  amortizações; processo de controlo do pagamento de impostos das viaturas financiadas em leasing; processo de identificação de condutores das viaturas locadas; manutenção de seguros dos bens locados; envio de comprovativo de apresentação e documento único automóvel; emissão de declarações; gestão de recibos de indemnização; contabilização e reporte financeiro dos bens recuperados e posteriormente alienados, em virtude de incumprimento contratual e por não exercício de opção de compra; cedência de posição contratual e outras vicissitudes];

– a disponibilização de viaturas ou equipamentos objecto de leasing implica, por forma a dar uma resposta mais imediata às questões ou problemas dos clientes, a participação activa da vasta rede de balcões de atendimento da Requerente, com os inerentes gastos gerais associados aos mesmos, bem como de um serviço de call centers e o acesso a software (aplicações) e hardware para dar suporte a todo o processo de leasing;

– o processo de leasing conta, assim, com a intervenção de toda a estrutura da Requerente, que compreende - para além do departamento de leasing e factoring — as redes comerciais e direcções de retalho; a área comercial; a área de compliance; o departamento jurídico; o departamento de marketing (que ”monta” e actualiza o produto); o departamento de informática (que prepara as aplicações utilizadas ao longo do processo de leasing, programa os simuladores e websites); as bases de dados externas disponíveis na estrutura da Requerente; a unidade de serviços partilhados (para gestão de correspondências/correios), entre outros recursos;

– a utilização dos recursos adquiridos pela Requerente é, sobretudo, determinada pela disponibilização dos bens locados;

– o conceito de "disponibilização (traduzido da palavra ”supply", na língua oficial do caso Volkswagen) não se reconduz, naturalmente, à mera entrega do bem. Com efeito, o termo "disponibilização" ou "supply” visa todos os gastos operacionais do leasing que ocorrem ao longo da vigência do contrato, que não tenham relação com o financiamento propriamente dito;

– a disponibilização e gestão dos bens locados, implicam gastos significativos e constantes ao longo da vida do leasing (referimo-nos, aqui, aos processos realizados pela área comercial da Requerente, às interacções entre as demais áreas e as seguradoras, e aos departamentos responsáveis pela contabilidade e o reporte financeiro), ao passo que o financiamento e gestão dos contratos de leasing consomem recursos muito pouco expressivos, sendo os mesmos, maioritariamente, consumidos no inicio do contrato;

– o artigo 73.º da Directiva IVA e o artigo 16.º, n.º 1 e 2, alínea h), do CIVA definem o valor das operações em IVA como o montante da contraprestação a receber em relação às mesmas (ou seja, no caso da locação financeira, a renda);

– são integralmente sujeitas a IVA as rendas de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção, como ocorre nas operações imobiliárias), quer na parte correspondente à consideração da amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos juros e remuneração de outros encargos (ou ganhos);

– a Directiva IVA fixa uma fórmula de cálculo imperativa para efeitos de determinação do IVA proporcionalmente dedutível (cf. artigo 174.º da Directiva IVA);

– a percentagem de dedução resulta, pois, de uma fracção cuja composição ou fórmula de cálculo está pré-definida sem quaisquer concessões a uma margem de livre decisão dos Estados-Membros (e muito menos pela via administrativa!), conforme se extrai do n.º 1 do artigo 174.º do diploma comunitário;

– a Directiva IVA não confere qualquer margem de discricionariedade quanto à fórmula de cálculo do mesmo, que se encontra prefigurada com carácter taxativo no supra referido n.º 2 do artigo 174.º da Directiva IVA;

– relativamente a métodos alternativos à percentagem de dedução ou pro rata, a Directiva IVA (cf. nº 2 do artigo 173.º) apenas prevê a possibilidade de os Estados-Membros:

(a) permitirem ou obrigarem os sujeitos passivos “mistos” a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade (no pressuposto, naturalmente, de que os sujeitos passivos em causa exercem diversas actividades) — cf. alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA; e,

(b) permitirem ou abrigarem os sujeitos passivos “mistos" a deduzir o IVA com base na afectação (utilização efectiva) dos bens ou serviços adquiridos — cf. alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA.

– a Requerente não exerce diversas actividades, mas tão-só a actividade financeira, pelo que fica desde logo afastada a hipótese teórica de aplicação do pro rata sectorial (da alínea (a) do ponto que precede), que aliás nem sequer parece ter acolhimento expresso na legislação nacional;

– no que se refere à segunda alternativa — possibilidade de dedução do IVA com base na afectação (real) dos bens ou serviços adquiridos –o Código do IVA somente a prevê nos seguintes condicionalismos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, a saber:

(a) se o sujeito passivo optar pelo método da afectação (real);

(b) por imposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, se a aplicação do método do pro rata conduzir a distorções significativas na tributação;

– não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira as apontou no supra referido Ofício-Circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção;

– se é certo que a inclusão das rendas de locação financeira no cálculo do pro rata incrementam (ou têm a virtualidade de aumentar) a percentagem de dedução, tal consequência é natural, deriva da aplicação do método supletivo de dedução parcial e não merece qualquer crítica, pois se o volume de operações de locação financeira tributadas for significativo face ao volume de negócios global da Requerente, a fracção algébrica de cálculo do pro rata irá, como não poderia deixar de ser, espelhar essa realidade. Não há, a priori, uma distorção;

– além das distorções de tributação que resultam da não inclusão do valor total das rendas na fracção quando o sujeito passivo é um banco, a aplicação do método referido apenas aos bancos é incompaginável com o princípio da igualdade, pois duas situações idênticas de sujeitos passivos mistos que realizem concomitantemente operações de locação financeira e operações isentas teriam uma tributação em IVA consideravelmente distinta;

– a afirmação feita no ponto 8 do Ofício Circulado, no sentido de que a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas é conclusiva e obscura, pois não se esclarece quais as aludidas vantagens ou prejuízos e para quem, nem em que consiste a falta de coerência que se invoca;

– a primeira ilegalidade do Ofício-Circulado n.º 30108 reside na imposição do método da afectação real quando não se verificam os pressupostos que a legislação Portuguesa elege como determinantes para que tal imposição autoritária possa verificar-se (conforme previstos no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA: serem exercidas actividades económicas distintas e o pro rata conduzir a distorções significativas na tributação);

– a segunda ilegalidade do supra referido Ofício-Circulado prende-se com o facto de, perante a impossibilidade de aplicação concreta do método da afectação (real) aos recursos de utilização mista (dado que, como atrás referido, é inviável identificar critérios objectivos que com um mínimo de rigor e segurança conduzam a uma correcta concretização da mencionada afectação ou utilização efectiva), determinar a aplicação de uma percentagem de dedução calculada com exclusão de uma parte do valor (relevante) das operações de locação financeira para efeitos de IVA, contraria a fórmula única e injuntiva prevista no artigo 174.º da Directiva IVA e nos n.ºs 4 e 5 do artigo 23.º do Código do IVA;

– a solução preconizada pelo Ofício-Circulado n.º 30108, para além de constituir um paradoxo, não tem, acima de tudo, fundamento legal face ao disposto nos n.ºs 1 a 5 do artigo 23.º do Código do IVA;

– esta criação, no domínio da incidência tributária, viola ainda os artigos 112.º, n.º 5,   103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;

– a solução do Ofício-Circulado sempre seria inválida por colidir e ser incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA e ilegal por força do artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, acompanha, no essencial, a posição assumida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, dizendo o seguinte, em suma, sobre esta matéria:

– a locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário;

– o objecto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes;

– um dos objectivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire directamente;

– nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira é correspondente à amortização financeira ou do capital;

– o valor de aquisição do bem objecto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário;

– no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objecto do contrato de locação, por via do método da imputação directa;

– deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem;

– a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo;

– é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados, indistintamente, em operações com e sem direito à dedução;

– se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido na aquisição da generalidade dos bens ou serviços com utilização mista;

– o procedimento adoptado pela Administração Tributária, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, e com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA;

– o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira foi aceite pelo TJUE no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), e também pelo Supremo Tribunal Administrativo;

–  a AT veio a reproduzir o aludido critério através do Ofício-Circulado n.º 30.108, fê-lo apenas a pedido e de acordo com as instruções do legislador, que expressamente determinou;

– a AT podê-lo-ia até fazer casuisticamente, sujeito passivo a sujeito passivo, aplicando o critério que entendesse mais consentâneo à situação em concreto, que respeitasse a neutralidade do imposto;

– não se está, pois, perante uma excepção nem perante uma violação ao princípio da legalidade, presente no artigo 103.º, n.º 2 da CRP;

– o método a que alude o ponto 9 do ofício-circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna;

– a jurisdição arbitral está vinculada à interpretação efectuada pelo Tribunal relativamente ao artigo 17º, nº5 da Sexta Directiva IVA (actual artigo 173º, nº2 da Directiva nº 2006/112 CE), em causa nos presentes autos, já que o artigo 23º do Código do IVA procedeu à sua transposição para o direito interno nacional;

– a decisão do TJUE tem valor de caso julgado e é obrigatória;

– apesar de afirmar o quão significativos são os custos suportados para disponibilização das viaturas no conjunto total de custos da sua actividade, a Requerente nunca os chega a quantificar, menos ainda justifica o motivo por que esses custos permitem, em sua perspectiva, a alteração da percentagem dedução de IVA que reivindica;

– o STA entendeu que é necessário «descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.»;

– essa prova competia somente à Requerente, o que não fez;

– o período de pré-venda, de formalização de contrato, de aquisição do veículo pela entidade locadora - a ora Requerente - e de posterior disponibilização/entrega do veículo ao cliente - o locatário -, conhece uma janela temporal curta de 15 dias/ um mês, face ao período de vida útil de um contrato bastante mais longo, que vigora no tempo por prazos que podem variar, normalmente, entre os 2 e os 4 anos;

– todos os custos incorridos durante a vida útil do contrato se encaixam naquilo que se designa de gestão do contrato – e não custos de disponibilização, que se referem, como se disse, à pré-venda, à concepção e à entrega do veículo ao cliente;

– com vista à disponibilização dos veículos, a aquisição do veículo, que será um substancial input incorrido pela Requerente na actividade de locação financeira, é neutralizado pelo exercício do direito à dedução que aí assiste;

– não há outros inputs relativos à disponibilização dos veículos;

– as restantes despesas, que ganham peso durante a vigência do contrato, situam-se ao nível do financiamento e da gestão, decorrentes das vicissitudes do contrato, como seja despesas com advogados, fornecedores externos, solicitadores, tratamento de multas, de coimas, infracções, tratamento do imposto único de circulação, ou decorrentes da gestão corrente da actividade – água, luz, condomínio, software, sistema de alarmes;

– o locador fica liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação;

– os gastos mistos despendidos tanto com a gestão e financiamento dos contratos como com a disponibilização dos respectivos veículos se encontram totalmente reflectidos na taxa de juro estipulada entre locador e locatário, assim como reflectidos acessoriamente nas comissões debitadas ao cliente durante o período útil de vida do contrato de locação financeira;

– todos os custos associados à gestão de financiamento de contrato, aquando da análise do risco, se reflectem na taxa de financiamento aplicada aos clientes, em particular aos que se apresentem em situação financeira mais frágil ou que constem numa “lista negra de compliance”, através do agravamento dos valores aplicados;

– todos os custos sem excepção se encontram sob o manto das taxas e das comissões cobradas aos clientes;

– o ónus da prova da utilização dos recursos cabe à Requerente.

 

 

3.2. Apreciação da questão

 

A Requerente desenvolve actividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como actividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).

Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua actividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na actividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].

No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (como é a locação financeira), como na actividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).

Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).

Tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).

Mas, o sujeito passivo pode optar por «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA). ( [1] )

A utilização deste método de afectação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» [alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º]. A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».

Através do referido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afectação real» (ponto 8).

Segundo os pontos 8 e 9, a «afectação real» deverá fazer-se de suas formas:

– se for possível, faz-se «a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);

– se não for «possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.

No caso em apreço, está-se perante uma situação em que não há controvérsia entre as Partes quanto à inviabilidade de utilização do método da afectação real, com base em critérios objectivos, tendo a Requerente utilizado nas liquidações impugnadas este «coeficiente de imputação específico» determinado da forma prevista no ponto 9, considerando no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, excluindo do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.

No entanto, a Requerente defende que este método é ilegal, pelo que deve ser determinado o pro rata de dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, isto é, deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, inclusivamente por ser a utilização dos recursos adquiridos pela Requerente ser, sobretudo, determinada pela disponibilização dos bens locados e não pela gestão dos contratos de locação financeira.

Para além disso, a Requerente coloca as questões:

– da inconstitucionalidade interpretação que é feita no ponto 9 do O Ofício-Circulado n.º 30108 sobre o regime do artigo 23.º, n.º s 2 , 3 e 4, do CIVA, por ofensa dos princípios da hierarquia das normas, legalidade tributária e igualdade;

– da inexistência das distorções de tributação  invocadas no ponto 8 do Ofício-Circulado n.º 30108;

– do erro

 

 

3.2.1. A jurisprudência do TJUE  e do Supremo Tribunal Administrativo

 

O TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que desenvolve actividades de locação financeira que conferem direito à dedução e outras actividades financeiras, que não conferem tal direito.

As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) ( [2] ).

Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

No acórdão proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), no âmbito de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Na linha do decidido pelo TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já, no acórdão de 29-10-2014, proferido no processo n.º 01075/13, que «os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros».

Posteriormente, no acórdão de 18-10-2018, proferido no processo C-153/17 (Volkswagen Financial Services (UK) Ltd), o TJUE, corrigindo a interpretação que entendeu que se podia fazer do decidido no acórdão Banco Mais, esclareceu que «não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega».

Como se refere neste acórdão, pode impor-se

– «um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios» (n.º 51);

– «qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução» (n.º 52);

– «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios».

 

O método de cálculo do pro rata indicado pela Administração Tributária no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 não tem em conta o valor do veículo, pelo que contraria manifestamente o decidido pelo TJUE, neste acórdão do processo C-153/17, sendo consequentemente ilegal, por violação do Direito da União.

Por outro lado, como se refere no mesmo acórdão, este entendimento é aplicável «mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis (...) não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação» (n.º 59), como sucede no caso em apreço.

Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar  de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a actividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.

Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fracção, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fracção (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).

De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, pelo que a imposição dessa percentagem especial pelo Ofício-Circulado n.º 30108 e na decisão da reclamação graciosa, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.

No entanto, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que só se pode concluir pela ilegalidade com um apuramento casuístico da utilização real dos bens e serviços de uso misto, isto é, quando « sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» ( [3] ).

            É, essencialmente, esta jurisprudência que o Supremo Tribunal Administrativo terá tendencialmente estabilizado com o acórdão uniformizador n.º 3/21, de 24-03-2021, proferido no processo n.º 87/20.0BALSB, publicado Diário da República, I Série, de 18-11-2021.

            Formulando um juízo de facto, no caso em apreço, resulta claramente da prova produzida que há uma afectação real e significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos, considerando como afectas à disponibilização dos veículos a generalidade das tarefas que apenas ocorrem na prestação de serviços de locação financeira, designadamente:

– como controle da legalização dos veículos e sanação de eventuais irregularidades;

– pagamento ao fornecedor e disponibilização do veículo ao cliente;

– proceder a registos e suas alterações; controle periódico da existência de seguros de veículos;

– proceder a contactos com concessionárias das autoestradas, relativos a clientes que não pagam as portagens;

– proceder a contactos com as entidades policiais; obter  assessoria jurídica e fazer contactos com escritórios de advogados por causa de infracções estradais praticadas pelos clientes;

– assegurar o pagamento do Imposto Único de Circulação, que é feito pela Requerente e debitado ao cliente;

– contactos com seguradoras, quando ocorrem acidentes; obter serviços de tradução, quando necessários, relativos a acidentes no estrangeiro;

– nos casos de incumprimento, procurar  recuperar o veículo, por vezes requerendo providências cautelares;

– proceder à venda do veiculo quando o cliente não opta pela compra;

 

  Todas estas actividades ocorrem apenas nos contratos de locação financeira de veículos, porque o veículo é propriedade da Requerente e é disponibilizado ao cliente durante o período de duração do contrato, pelo que são actividades geradas pela disponibilização dos veículos e não pelo financiamento ou gestão dos contratos.

Trata-se de actividades que não ocorrem quando não há disponibilização dos veículos, mas apenas financiamento, como sucede nos contratos de mera concessão de crédito para a  aquisição de veículos, em que os clientes adquirem os veículos para si  próprios. 

Assim, actividades relacionadas com a gestão dos contratos de locação financeira serão (como sucede com os contratos de concessão de crédito) apenas as que se reportam aos próprios contratos, como são a maior parte daquelas para que estão previstas comissões comuns para os contratos de leasing e crédito automóvel, designadamente o reembolso antecipado parcial ou total, o processamento mensal das rendas ou prestações, a recuperação de valores em dívida e alterações contratuais, além de algumas exclusivas dos contratos de locação financeira, como são a transmissão da posição jurídica do locatário e alteração de registos.

Como resultou da prova produzida, as comissões apenas incluem os custos directamente quantificáveis, mas não as despesas gerais conexionadas com as actividades para que estas estão previstas (como são as despesas de electricidade, água, limpeza, despesas com informática, gastos de conservação dos edifícios, mobiliário e maquinaria neles existentes, etc.). 

Não se apurou a dimensão exacta de recursos de utilização mista não considerados no valor das comissões que são utilizados em cada uma das actividades referidas, nem há qualquer fundamento para concluir que sejam proporcionais ao número de pessoas que intervêm em cada uma das fases, designadamente porque, além dos colaboradores afectos em permanência à actividade de leasing, há intervenções nessa actividade dos seus colaboradores em cada um dos seus 306 balcões em que é feito o atendimento directo dos clientes.

De qualquer modo, apurou-se que, além da actividade anterior à entrega dos veículos, destinada à sua disponibilização ao clientes, é significativa a actividade posterior à entrega dos veículos que é provocada pela sua disponibilização, actividade que não ocorre nos contratos de mero financiamento (crédito automóvel) em não é feita disponibilização dos veículos pela Requerente aos seus clientes.

Assim, na linha do ponto 57 do acórdão do TJUE proferido no processo  C-153/17, é de concluir que o método imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que não tem em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos, não se pode considerar que reflicta objectivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações.

 Por conseguinte, este método não é suscetível, neste caso concreto em apreço, de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

Para além disso, é convicção do Tribunal Arbitral, embora sem a certeza absoluta que só poderia resultar de uma quantificação exacta ( [4] ), que as actividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis actividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, foram de maior dimensão e consumiram mais recursos de utilização mista  do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos. Como disse a testemunha C…, referindo-se às actividades próprias dos contratos de locação financeira que não existem nos contratos de concessão de crédito, «o que vem a seguir à utilização do dinheiro é que dá trabalho».

Isto é, utilizando a terminologia do ponto 33 do acórdão do TJUE C-183/13 Banco Mais, é convicção  do Tribunal Arbitral que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, foi sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e «não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes».

De qualquer forma, pelo que se disse, fica-se, pelo menos perante uma situação de «fundada dúvida», que deve ser processualmente valorada a favor da Requerente e não contra ela, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que é uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.

Por isso, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa, que têm como pressuposto de facto que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, ser sobretudo determinada pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes e não pelas actividades conexas com a disponibilização dos veículos, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

Essas autoliquidação e decisão da reclamação graciosa enfermam ainda por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, como foi, de forma genérica, sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.

 

           

3.2.2. Inconstitucionalidade da previsão de um método de dedução não previsto em diploma de natureza legislativa

 

Embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

            Na verdade, entre os métodos para efectuar a dedução prevista no CIVA, não se inclui o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, mas sim, quanto a métodos que utilizam uma percentagem de dedução, apenas o indicado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e que o que foi permitido ao Estado Português pela Directiva, por via legislativa, não era permitido à Direcção-Geral dos Impostos, através de Ofício-Circular.

            Esta questão de saber se, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efectuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), por via de Ofício-Circulado emitido pela Direcção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Português, por via legislativa, podia criar tais métodos, à face do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE.

            Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.º, n.º 2, do CIVA e do Ofício-Circular referido, não é uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correcção ou incorrecção da sua aplicação.

            Esta questão de inconstitucionalidade não é, assim, a de saber se, à face do Direito da União Europeia, do CIVA e do Ofício-Circulado n.º 30108, a Administração Tributária podia impor ao Sujeito Passivo o método previsto no ponto 9 deste Ofício-Circular, mas sim a de saber se aquele artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional se interpretado como permitindo à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

            As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva.

     Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» ( [5] ).

      Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito activo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ( [6] )      

            Assim, por violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do  artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009,  segundo a qual, a Administração Tributária  poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.

            Consequentemente, o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP

 

3.2.3. Ilegalidade da imposição através de norma administrativa de um método de execução do direito à dedução não previsto legislativamente

 

            Não tendo o método de exercício do direito à dedução sido previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 sido previsto em diploma de natureza legislativa, não pode a Administração Tributária determinar a sua aplicação, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». ( [7] )

Por isso, não tendo suporte legislativo a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

Mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP].

Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). ( [8] )

É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

            Consequentemente, a autoliquidação efectuada pela Requerente aplicando as regras dos n.ºs 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, impostas pela Administração Tributária, enferma de  vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, decorrente da ilegalidade da imposição dessas regras, vício esse que justifica a anulação da autoliquidação, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a confirmou.

 

3.2.4. Falta de prova de «distorções significativas da tributação»

 

De qualquer forma, a aceitar-se a possibilidade de a Administração Tributária impor o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado 30108, ele só é aplicável, como se refere na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação».

A Administração Tributária defende que a aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário e as normas de direito interno (nomeadamente, artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA, e o artigo 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.

A Requerente defende que não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a AT as apontou no supra referido Ofício-Circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção.

Na verdade, não se referem no Ofício-Circulado n.º 30108 em que consistem as «distorções significativas na tributação» que resultam da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, formulando-se nesse sentido um juízo conclusivo, cujos fundamentos não se demonstram. A afirmação feita no ponto 8. do Ofício-Circulado de que «aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas» é também conclusiva e obscura, pois não se esclarece quais as aludidas vantagens ou prejuízos, nem para quem, nem em que consiste a falta de coerência que se invoca.

            De qualquer forma, o procedimento que a Administração Tributária impôs no referido Ofício-Circulado tem a potencialidade de provocar distorções significativas na tributação, como bem demonstram JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS ( [9] ), relativamente à locação financeira com rendas mensais constantes:

«Ora não se consegue demonstrar que o expurgo da amortização financeira contribui para uma sintonia mais fina na determinação da parcela de imposto dedutível. Bem ao invés, demonstra-se que o procedimento que a AT quer obrigar o sujeito passivo a adoptar provoca distorções significativas de tributação e não consegue de modo algum o objectivo que a lei, no artigo 23.º, n.º 3, atribui ao método da afectação real – o objectivo de efectuar a dedução de “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços [de uso “promíscuo”] em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.

Em financiamentos cujo reembolso é efectuado em prestações periódicas, sabe-se que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, esta dada pela diferença entre renda total e juro pago. Nas sucessivas prestações, quer em termos de rendas constantes quer de rendas variáveis, como a seguir melhor se verá numericamente, a parte imputável a juros vai flutuando ao longo do tempo de duração do contrato».

Sendo assim, que consequência tem o apuramento do IVA dedutível segundo o método imposto pela AT de expurgar a amortização do cálculo da parcela dedutível? Tem a consequência de fazer flutuar a percentagem de IVA dedutível ao longo do tempo de duração do contrato.

Esta flutuação, porém, só teria razão de ser se houvesse fundamentos para crer que ao longo desse tempo a intensidade do uso dos inputs promíscuos flutuava também na mesma onda. Ora, é bem claro que não há qualquer razão para crer que seja assim. A intensidade do uso desses bens e serviços será eventualmente a mesma, ou se não for, não é através de uma percentagem de dedução calculada com quer a AT que poderá ser apurada essa eventual diferença de intensidade.

A solução imposta pela AT provoca, ela sim, distorções na tributação. Pode entender-se que o método do pro rata a que chamaríamos normal não apura com suficiente rigor a parcela de imposto dedutível, mas ele é, sem dúvida, melhor do que trabalhar com uma percentagem de dedução que faz flutuar a parcela de imposto dedutível ao longo do tempo sem qualquer relação com diferenças na intensidade do uso dos inputs promíscuos pelo sector de actividade cujas operações conferem direito à dedução.

A pretensão da AT em aperfeiçoar o apuramento do imposto dedutível só poderia eventualmente ser conseguida impondo um verdadeiro método de afectação real, não um pro rata manipulado, sem significado e adequação ao objectivo pretendido de evitar distorções significativas na tributação».

 

            Assim, não se pode considerar demonstrado que, na situação em apreço, a  determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela Administração Tributária.

            Pelo exposto, ao pressuporem que a aplicação do método previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA gera distorções significativas de tributação e que elas são evitadas pelo método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

 

            3.2.5. Princípio da igualdade

 

As distorções da tributação que resultam da aplicação do método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 são amplificadas em termos incompatíveis com o princípio  constitucional da igualdade,  pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, adoptada pelo Pleno no acórdão de  30-09-2020, processo n.º 26/20.8BALSB, em que entendeu que a jurisprudência do Acórdão Banco Mais, apenas é aplicável quando o sujeito passivo é um banco, e já não quando é uma sociedade financeira de crédito que utilize para as suas operações tributadas recursos de utilização mista não quantificáveis.

Na verdade, nas situações em que não seja possível a afectação real, não se aplicando o «coeficiente de imputação específico» quando o sujeito passivo é uma sociedade financeira, será aplicável ao cálculo do pro rata o regime do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, incluindo-se no numerador da fracção o valor total das rendas [que é na totalidade tributado, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA], enquanto se o sujeito passivo for um banco apenas será incluída no numerador a parte das rendas que corresponde aos juros.

Além das distorções de tributação que resultam da não inclusão do valor total das rendas na fracção quando o sujeito passivo é um banco, a aplicação do método referido apenas aos bancos é incompaginável com o princípio da igualdade, pois duas situações idênticas de sujeitos passivos mistos que realizem concomitantemente operações de locação financeira e operações isentas teriam uma tributação em IVA (derivada da restrição do direito à dedução) consideravelmente distinta.

A distorção da tributação provocada pelo método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 detecta-se também quando se compara a limitação do direito à dedução quanto a recursos afectos à locação financeira quando é efectuada por um banco com a de um sujeito passivo que apenas se dedique à actividade de locação financeira.

  Na verdade, o sujeito passivo que apenas se dedique à locação financeira poderá, sem qualquer limitação, deduzir a totalidade do IVA suportado nos bens e serviços que adquira para exercer essa actividade, pois ela é totalmente tributada, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea h) do CIVA, e o artigo 20.º, n.º 1, deste Código assegura o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos para realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. Em última análise, à luz da referida jurisprudência, bastará apenas a realização de uma única operação de concessão de crédito, a par de milhares de operações de locação financeira, para o direito de dedução do IVA suportado com os custos gerais passar de total a insignificante.  

Assim, o princípio da igualdade (proporcionalidade) exigirá que ao locador financeiro que, além dessa actividade tributada, desenvolve também actividade isenta, possa deduzir o IVA na parte proporcional ao volume de  negócios daquela actividade.

Por isso, são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como  a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.

 

 

3.2.5. Questão da prova das percentagens de dedução indicadas pela Requerente, com aplicação dos dois métodos

 

A Administração Tributária questiona a quantificação das percentagens de pro rata indicadas pela Requerente.

A Requerente indicou as percentagens de 4% e 10% na reclamação graciosa, como sendo as que resultam, respectivamente, da aplicação do método imposto pelo n.º 9 Ofício-Circulado n.º 30108 e da aplicação do método previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

A Administração Tributária, na decisão da reclamação graciosa, não pôs em dúvida que sejam essas as percentagens que resultam da aplicação dos métodos referidos

          Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.

          Está-se, assim, no âmbito de um contencioso de mera legalidade, em que se tem de apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral.

          Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.

          Quando dois actos têm por objecto definir a posição da Administração Tributária sobre a mesma situação jurídica, o segundo, quando não é confirmativo, é revogatório por substituição. ( [10] )

          Os actos que indeferem impugnações administrativas, como é a decisão da reclamação graciosa, podem ser confirmativos, não alterando a ordem jurídica, quando «se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA).

          Mas, nomeadamente nos casos de reclamação graciosa de actos de liquidação, se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação-sanação se a fundamentação inicial era ilegal) ( [11] ), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação.

          Nos casos em que a decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de autoliquidação), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois a autoliquidação não tem fundamentação originária emitida pela Administração Tributária. Por isso, está-se perante uma situação de revogação por substituição, em que a fundamentação do acto que subsiste na ordem jurídica após a decisão é a que consta desta, como está ínsito no artigo 147.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. ( [12] )

          Mas, também neste caso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, subsequente ao acto que que decidir a impugnação administrativa.

          Por isso, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa que há que apreciar a legalidade da autoliquidação, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas foram invocados na Resposta apresentada no processo arbitral.

Como se referiu, a Administração Tributária, na decisão da reclamação graciosa, não pôs em dúvida que as percentagens de 4% e 10% indicadas pela Requerente como sendo as resultantes dos dois métodos de determinação do pro rata de dedução.

Antes pelo contrário, no ponto 53 da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, incluído na parte «VI.I.3 – Apreciação», a Administração Tributária reconhece explicitamente a correspondência à realidade do que a Requerente afirmara, dizendo:

 

« De facto, a inclusão das duas mencionadas componentes conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 10% contra os 4% referidos e refletidos na declaração periódica de IVA em análise. O que significa que teria direito a deduzir o montante de € 1.412.507,05

 

Por isso, não tendo sido fundamento de indeferimento a eventual dissonância dessas percentagens com a realidade, não pode este fundamento invocado a posteriori justificar a improcedência da pretensão da Requerente.

  

 

3.2.6. Conclusão

 

Pelo exposto, conclui-se que,

– sendo a actividade de leasing integralmente tributada e não isenta de IVA [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], a Requerente pode, em princípio, deduzir todo o IVA suportado com aquisição de bens e serviços utilizados nessa actividade;

– em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efectuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excepcional», dependendo de se verificar, casuisticamente,  que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros);

– não se tendo apurado que, no ano de 2019, a utilização dos bens e serviços de utilização mista tivesse sido sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de leasing, não se verifica uma situação em que possa ser imposto o referido método de dedução;

– é convicção do Tribunal Arbitral que as actividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis actividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, serão de maior dimensão e consumiram mais recursos de  utilização mista  do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos;

– é convicção do Tribunal Arbitral que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, foi sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e «não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes»;

–  em qualquer caso, o método previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, em situação que se comprova uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos, não tem potencialidade para garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspectiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd;

– independentemente da compatibilidade daquele método como o Direito da União Europeia, a sua imposição no âmbito do Direito Nacional, apenas poderia ser feita por via de diploma legislativo e não de circular administrativa, pelo que aquela imposição viola os princípios constitucionais da legalidade e da hierarquia das normas e o princípio administrativo da legalidade [artigos 103.º, n.º2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 55.º da LGT];

– o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;

– não se demonstrou que o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA provoque «distorções significativas da tributação», pelo que não se verifica o pressuposto em que o Ofício-Circulado n.º 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9, e, consequentemente, a imposição na situação dos actos enferma de erro sobre os pressupostos de facto;

– são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como  a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108;

– não tendo sido a hipotética não correspondência à realidade das percentagens indicadas pela Requerente um fundamento do indeferimento da reclamação graciosa que manteve a autoliquidação, não pode ser invocado como fundamento de improcedência da pretensão da Requerente;

– a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108

 

Pelo exposto, a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do CIVA, e da alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.

Consequentemente, a autoliquidação relativa ao último período de 2019, em que foi dada execução a essa imposição, enferma de vício de violação de lei, na parte correspondente à errada aplicação do método de cálculo do pro rata de dedução, o que justifica a sua anulação bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a manteve, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.3. Reenvio prejudicial para o TJUE

 

Decorre do exposto que procede o pedido de pronúncia arbitral, inclusivamente com aplicação da jurisprudência do TJUE citada quanto às questões de Direito da União Europeia, pelo que não se justifica, nestas circunstâncias, o reenvio prejudicial, pedido subsidiariamente.

 

 

4. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios

 

Como se refere na decisão da matéria de facto, considerou-se provado que a Requerente pagou a quantia autoliquidada (o que não é controvertido), embora não se tenha apurado quando fez o pagamento.

A Requerente pede a restituição do imposto indevidamente suportado, no montante de € 847.504,23, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2019 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

4.1 Restituição do imposto indevidamente pago

 

Resulta da prova produzida que a Requerente, aplicando no cálculo do pro rata a percentagem de 4% em vez de 10%, pagou a mais € 847.504,23.

Assim, na sequência da anulação da autoliquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 847.504,23, que pagou indevidamente.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro na autoliquidação que se considera imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira por força do disposto no n.º 2 deste artigo 43.º da LGT, na medida em que a Requerente actuou em sintonia com a orientação genérica que do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento da quantia autoliquidada, que deverá ser apurada em execução do presente acórdão, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Recusar com fundamento em inconstitucionalidade, por ser incompaginável com os 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, a aplicação do  artigo 23.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CIVA, na interpretação que consta do ponto 9. Do Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009;
  2. Recusar com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), a aplicação das normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, na interpretação de que permitem a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108;
  3. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2019, consubstanciada na declaração periódica n.º …;
  4. Anular a referida autoliquidação, na parte em que foi deduzido IVA em montante inferior ao que resulta do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, com inclusão do valor total das rendas de locação financeira, por enfermar de erros sobre os pressupostos de facto e de direito;
  5. Anular a decisão da reclamação graciosa que manteve a autoliquidação;
  6. Julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga em excesso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 847.504,23;
  7. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los a Requerente nos termos indicados no ponto 4.2 deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 847.504,23.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.934,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 14-02-2022

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Marisa Isabel Almeida Araújo)

(Numa evolução de pensamento face ao desenvolvimento teórico)

 

 

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)



[1] A utilização deste método é obrigatória de se tratar de bem não utilizados na actividade económica definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

[2]   Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 25-10-2000, processo n.º 25128, Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, em que se entendeu que, na sequência decisão do TUJE proferida no processo C-183/13, tinha sido necessário ampliar a matéria de facto «no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos». (negrito nosso)

Na mesma linha, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, refere-se a necessidade de ser reapreciada a matéria de facto «para que se possa decidir se a fórmula de cálculo do pro rata utilizada pela Administração Tributária, em concreto, pode fundamentar as correcções efectuadas e que conduziram aos actos de liquidação impugnados». (negrito nosso)

 

[4] J.P. REMÉDIO MARQUES, Acção declarativa à luz do Código revisto, 3.ªed., página 559:

«Dado que a demonstração da realidade dos factos nunca pode aspirar à certeza absoluta – a verdade acerca dos acontecimentos do mundo externo e do mundo psíquico é sempre contingente e é "filtrada" pela consciência do próprio sujeito –, a prova visa apenas formar no espírito do juiz um estado de convicção de que determinada facto respeitante a uma ocorrência alegada pela parte terá provável e razoavelmente acontecido.

  A prova visa assim criar no espírito do julgador a convicção psicológica (certeza subjectiva) da realidade de um facto assente na certeza relativa do mesmo».

[5]              SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126.

                Em sentido idêntico, pode ver-se e NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56.

[6]              Obra e local citados.

[7] FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.

   Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II: «A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça». (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 42-43.

   Em sentido idêntico, pode ver-se MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, que refere: «Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna. A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.

Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.».

Nesta linha tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, por exemplo, pelo acórdão de 13-11-2002, processo n.º 047932.

[8] Neste sentido, pode ver-se MANUAL DE DIREITO FISCAL, Pedro Soares Martinez, Edições Almedina, Coimbra, 1.ª Reimpressão -1984, página 109.

[9] Em “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, publicado em Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 10, n.º 1, página 27 e seguintes, 46-47.

[10] Na terminologia do art. 79.º da LGT, como sucedia nos arts. 138.º e seguintes do CPA de 1991, a «anulação» administrativa tem a designação de «revogação».

O art. 165.º do CPA de 2015, precisou a terminologia distinguindo entre «revogação». que «é o acto administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade, e a «anulação administrativa», que «é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro acto, com fundamento em invalidade».

No entanto, no procedimento tributário e contencioso tributário não houve qualquer alteração.

[11] A «ratificação» (ou «ratificação-sanação») é o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia (FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, 1989, Volume III, página 414, e Curso de Direito Administrativo, Volume II, página 475.

[12] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-10-1999, processo n.º 023379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-09-2002, página 3102, e de 29-05-2002, processo n.º 047541, publicado em Apêndice ao Diário da República 10-02-2004, página 4047.