Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 57/2021-T
Data da decisão: 2021-10-06  Selo  
Valor do pedido: € 656.587,42
Tema: Imposto do Selo. Cash pooling. Isenção. Princípio da territorialidade. Concessão de crédito. Direito de União Europeia. Discriminação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Raquel Franco e Dra. Vera Figueiredo (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., LDA., sociedade comercial com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., contribuinte número..., (doravante abreviadamente designada por "Requerente” ou “A...” ou “A...”) veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pede:

a. A anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.º 2017..., de 15-12-2017 (documento n.º 2017...), referente ao período de tributação de 2015, no valor de € 600.448,17, da autoria da AT e de Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios identificados com os n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... e 2017..., no valor total de € 56.139,25, as quais originaram um valor global a pagar de € 656.587,42;

b. A anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (procedimento de reclamação graciosa n.º ...2018...); 

c. A anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado (procedimento de recurso hierárquico n.º ...2018...; e

d. A condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.

 

A Requerente sugere ainda que «caso se entenda que a desconformidade da liquidação aqui em causa com o Direito da União Europeia (...) não é suficientemente clara ou pacífica na jurisprudência do TJ, sempre poderá este Tribunal fazer uso do mecanismo do reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º, do TFUE».

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-01-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 03-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21-05-2021.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 05-09-2021, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

                               No entanto, a Requerente veio apresentar um requerimento, invocando o direito ao contraditório, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter invocado na sua Reposta um fundamento novo para as liquidações impugnadas.

                               Foi notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira para se pronunciar sobre este requerimento e nada veio dizer.

                               O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de produção e comercialização de capas, espumas, estofos e estruturas metálicas para assentos de automóveis (C.A.E. 29320 – R3);

B)           No ano de 2015, o capital social da Requerente era detido pelas sociedades do mesmo Grupo de empresas, B..., S.A. (99,99%), e C..., S.A. (0,01%), ambas com sede em França;

C)           Em 23-02-2000, foi celebrada a “Convention ...” (que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), entre a sociedade C... e as entidades aderentes do grupo, a qual se destinava a pôr em prática um acordo de cash pooling, destinado a assegurar a gestão de tesouraria das diferentes entidades do Grupo D... localizadas em diferentes jurisdições;

D)           Em 08-06-2009, a sociedade C... sentiu necessidade de otimizar o acordo de cash pooling que se encontrava em vigor, tendo, para o efeito, celebrado com a instituição financeira E... S.A., o “E... Cash Centralisation Agreement”, que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

E)            Este acordo visou contratualizar a prestação, pelo E..., de um serviço de centralização da gestão de tesouraria do Grupo que procurava nivelar os saldos das diferentes contas (classificadas como principal, secundárias ou intermediárias);

F)            A Requerente aderiu a este acordo de cash pooling do grupo, em 20-07-2010, através do “Bulletin d’Adhèsion” que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

G)           Em 30-12-2010, a Requerente, a C... e a B... celebram um contrato de cessão de posição contratual/cedência de crédito, nos termos que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

H)           Nos termos deste contrato, a B... e a Requerente assinaram um novo contrato de empréstimo com efeitos a 01-01-2011, no qual a Requerente figura como mutuante e a B... como mutuária (que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), e a C... transferiu para a B... os direitos e obrigações resultantes da “Convention ...”;

I)             Nos termos desse contrato de empréstimo, a Requerente concedeu um empréstimo à segunda na modalidade de crédito rotativo de um ano, no montante máximo de € 65.000.000,00, tendo sido acordado o pagamento de juros, à taxa média da Euribor a 1 mês, arredondada para 1/16 de 1% adicionada de uma margem de 0,5% ao ano, calculados no fim de cada mês com base na utilização mensal de crédito;

J)            Este contrato foi objecto de várias alterações posteriores, designadamente:

• Em 01-01-2013, a “Amendment 2 to the loan agreement dated as of January 1st 2011” (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), que visou alargar o período do contrato de 01-01-2013 para 01-01-2015;

• Em 03-12-2013, a “Amendment 3 to the loan agreement dated as of January 1st 2011” (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) que alterou o montante máximo do empréstimo de € 65.000.000,00 para € 100.000.000,00;

• Em 01-10-2014, a “Amendment 4 to the loan agreement dated as of January 1st 2011” (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), que alterou o montante máximo do empréstimo de € 100.000.000,00 para € 200.000.000,00; e

• Em 31-12-2014, a “Amendment 5 to the loan agreement dated as of January 1st 2011” (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), que alargou o período do contrato de 01-01-2015 para 01-01-2017;

K)           De forma a concretizar a adesão da Requerente ao contrato de cash pooling do Grupo, foi ainda necessário introduzir alterações ao “E... Cash Centralisation Agreement”, através dos seguintes documentos:

• “Appendix 2 – Participation form to the E... Cash Concentration Agreement”, celebrado em 15-05-2012 (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), segundo o qual a Requerente foi incluída no acordo celebrado com o E...;

• “Appendix 1 – Automated Centralization of Cash Management per hierarchy”, celebrado em 23-05-2012 (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

• Em 12-09-2014, o “Appendix 1.1. – Description of the Hierarchy”, no qual é identificada a Master Account no contrato de cash pooling (localizada em França), bem como as Intermediate Accounts, entre elas a da aqui Requerente (localizada em Portugal).

L)            No âmbito da execução dos contratos referidos, os excedentes de tesouraria gerados pelas diferentes entidades do Grupo D... eram transferidos para a conta da Requerente, a qual, por sua vez, os transferia para a B..., a qual recebia e utilizava os mesmos em França;

M)          A Requerente foi objeto de uma acção inspectiva de âmbito geral, desencadeada pela Ordem de Serviço n.º OI2017..., de 11-09-2017, que incidiu sobre o exercício de 2015, que originou correções em sede de Imposto do Selo;

N)             Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se concluiu o seguinte:

D) Conclusão

Tendo presente o previsto no n.º 2 do artigo 7.ºjjo CIS. as isenções das alíneas g) e h) e do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não são aplicáveis relativamente às operações de financiamento da A... à B... em virtude de um dos Intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a A..., com sede em Portugal, surgir como credor.

Por outro lado, a isenção prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não é aplicável ao caso em apreço, dado que, não existindo qualquer participação da A... na B..., os fundos não têm caráter de suprimentos, efetuados por sócios às sociedades suas participadas.

De acordo com à alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 23.º e 41.º do CIS, a liquidação deste imposto e a sua entrega nos cofres do Estado compete à entidade concedente do crédito, no caso em análise, pelo que a A... deveria ter pago o imposto até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (n.º 1 do artigo 44.º do CIS).

A luz do n.º 1 do artigo 40.º do CI5, a não entrega do imposto ou o retardamento da liquidação é sempre Imputável ao sujeito passivo, acrescendo, ao montante do imposto devido, juros compensatórios.

Em face do descrito anteriormente, apurámos, no Anexo XIX, o valor de Imposto do Selo em falta, no montante de 600.448,17 euros, resultante da aplicação da verba 17.1.4 da tabela anexa ao Código do Imposto do Selo (TGIS), ao crédito concedido pela A... à  B... com prazo não determinado ou determinável.

 

O)           Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de Imposto do Selo n.º 2017..., de 15-12-2017 (documento n.º 2017...), referente ao período de tributação de 2015, no valor de € 600.448,17, e as Liquidações de Juros Compensatórios identificadas com os n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... e 2017..., no valor total de € 56.139,25, as quais originaram um valor global a pagar de € 656.587,42, constantes da nota de cobrança n.º 2017...;

P)           Em 28-05-2018, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa das liquidações referidas, que foi indeferida, em 24-10-2018, com os fundamentos referidos no documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

Q)           Em 03-12-2018, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que foi indeferido, com os fundamentos que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

Conforme já mencionado, a requerente faz parte de um grupo económico internacional, aqui designado de D..., cuja empresa mãe, é a sociedade francesa F..., S.A, que detém a 100% as sociedades  B... e a C... . Por sua vez, à data dos factos, a requerente era detida a 99,99% pela B... e 0,01% pela G... .

A A... aderiu em 20 de julho de 2010, à "CONVENTION DE  ...", pelo que passou a poder transferir os seus excedentes de tesouraria, sendo a C..., a entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo D... (grupo económico Internacional). A partir de 01.01.2015, passou a ser a A..., sociedade que assumiu por fusão a C... .

O relacionamento entre a A..., a B... e a C..., foi objeto de vários contratos sistematizados, sendo a B..., a destinatária dos fundos cedidos pela A... .

A partir de 08 de junho de 2009 a gestão centralizada do grupo D..., passou a ser efetuada com base no serviço prestado pelo E... ao abrigo do denominado "E... CASH CENTRALISATION AGREEMENT", tendo a A... vindo a integrar esse serviço (subscrito pela A... em 15 de maio de 2012).

De acordo com o contratualizado, tendo em conta a hierarquia do cash pooling (revelada no APENDIX. 1.1, DESCRIPTION OF THE HIERARCHY) contratado com base no serviço prestado pelo E..., evidencia que os excedentes de tesouraria das empresas do grupo D... são transferidos para a conta da A..., e por sua vez, da conta da A... para a conta da B... .

No período em apreciação, constatou-se, entre a A... e a B..., a cedência de excedentes de tesouraria da primeira para a segunda sociedade (o valor acumulado dos fundos solicitados nunca excede em 2015, o valor acumulado dos fundos cedidos, pelo que, a A... surge sempre na posição de credora).

Por sua vez, a B..., ficou incluída na hierarquia referida no Apendix 1.1. do "E... Cash Centralization Agreement", podendo os seus excedentes de tesouraria serem utilizados para satisfazer necessidades de financiamento de outras empresas do grupo D....

O reembolso dos fundos cedidos pela recorrente, serão efetuados, consoante as suas necessidades de tesouraria, a seu pedido, e mediante plafond previamente autorizado.

A A..., pela utilização destes excedentes de tesouraria, debita à B..., juros calculados mensalmente, mediante a emissão de uma fatura mensal, registada na conta do empréstimo.

Por estes factos, e conforme explanado no RIT, a IT, concluiu que as cedências de fundos da A... à B..., se enquadravam no conceito de crédito, e como tal, teriam que ser tributadas em IS.

b) POSIÇÃO DA RECORRENTE

A recorrente não concorda com as correções efetuadas pela IT, entendendo que "o que se sujeita a IS, ao abrigo da verba 17.1 da TGIS é utilização do crédito, sendo que o facto tributário apenas ocorre, no momento em que o mutuário levanta (utiliza), os fundos colocados à sua disposição - momento exato em que se devem verificar os demais requisitos de que depende a incidência tributária, nomeadamente a territorialidade".

Afirma ainda que quando a lei define o facto tributário, como a "utilização de crédito", está-se a falar da obrigação do mutuante entregar ao mutuário, um determinado montante em dinheiro, pelo que o credor dessa prestação pecuniária é o mutuário e o devedor, o mutuante.

É sua convicção, de que, não se pode considerar que o domicílio do mutuante (recorrente), seja aqui o critério relevante para efeitos de localização territorial do facto tributário, ou seja, a utilização do crédito. Assim, é incorreta a interpretação, no sentido de que se encontra sujeita a IS, qualquer operação de crédito, em que umas das partes tenha domicílio em Território Nacional, independentemente da sua posição de mutuante ou mutuário, pelo que as liquidações ora recorridas, padecem de ilegalidade, devendo ser anuladas.

Por último, afirma ainda não poder a argumentação da AT, quando esta refere que o n.º 2 do artigo 7.º do CIS não viola as disposições do TFUE, uma vez que esta interpretação traduz-se numa restrição injustificada ao princípio da livre circulação de capitais.

c) ENQUADRAMENTO DAS OPERAÇÕES EM SEDE DE IS

O sistema de "Cash Pooling" consubstancia-se num serviço financeiro que poderá ser utilizado entre contas bancárias de uma só empresa, ou entre contas bancárias de várias empresas do mesmo grupo, tratando-se da gestão conjunta desses capitais na vertente da rendibilidade do capital. Ou seja, mediante excedentes de tesouraria que existam de forma dispersa em várias contas, e/ou carências de tesouraria noutras contas, poderá proceder-se à sua gestão conjunta e possibilitar a concessão de créditos entre empresas.

Ora, as operações financeiras, nas quais se inclui a concessão e utilização de crédito a qualquer título, estão sujeitas a IS.

De acordo com o princípio da territorialidade estabelecido pelo n.º 1 do art.º 4.º do Código do Imposto do Selo (CIS) "o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo Io ocorridos em Território Nacional.

Por sua vez o n.º1 do art.º 1 do CIS, refere que "O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as Transmissões gratuitas de bens".

O Código do Imposto do Selo tributa a "utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, de acordo com as taxas referidas no ponto 17.1 da Tabela Geral, anexa ao Código do Imposto do Selo "sobre o respectivo valor em função do prazo".

A taxa a aplicar ao referido crédito é a referida na Tabela Geral do Imposto do Selo no ponto 17.1.4 ou seja 0,04% "sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente durante o mês, divididos por 30".

A transferência dos excedentes de tesouraria da conta da recorrente, para a conta da sociedade B... corresponde a uma operação financeira de concessão de crédito (disponibilização de fundos) sob a forma de fundos, que ocorre em território nacional, uma vez que a A... tem sede em Portugal (entidade mutuante) e a B... (entidade mutuária), tem sede em França.

As entidades responsáveis pela liquidação e entrega do imposto serão sempre, em qualquer dos casos, as entidades domiciliadas em Território Nacional,

Assim, a realização do crédito (sob a forma de conta corrente), é uma situação sujeita a Imposto do Selo de acordo com o nº. 1 do artigo 4.º do CIS e em que a obrigação do imposto se considera constituída no último dia de cada mês, de acordo com a alínea g) do artigo 5.º do mesmo diploma.

Da análise aos extratos de conta da conta 266105 e dos movimentos de transferência entre a A... e a conta da B..., verifica-se que ocorreram, ao abrigo do contrato de cash pooling (gestão integrada de tesouraria), diversas operações de transferência de saldos (excedentes de tesouraria) entre a conta da recorrente e a conta da B... (a qual, poderia utilizá-los no auxílio a outras empresas do grupo, que necessitassem de capital), que não podem deixar de consubstanciar financiamentos concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a concessão de crédito a que alude a referida verba 17.1.4 da TGIS.

Atendendo ao n.º 2 do artigo 7.º do CIS, podemos constatar que os financiamentos concedidos pela A... à B..., sociedade com a qual se encontra em relação de domínio ou de grupo, não podem aproveitar da isenção de IS consagrada na 2a parte da alínea g) do artigo 7.º do mesmo diploma, porquanto, a mesma está condicionada pelo seguinte:

'O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional".

Ou seja, caso um dos intervenientes não tenha sede em território nacional, as isenções da al. g) e h) apenas prevalecem se o credor (esta exceção, relativamente ao domicílio do credor, apenas se aplica quando o devedor esteja sedeado em território nacional, uma vez que quando tal não sucede, não existe nenhum elemento de conexão, que permita localizar a operação em Portugal) tenha sede ou direção efetiva noutro Estado Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação, sobre o rendimento e o capital, acordada com Portugal.

Atendendo à situação aqui em apreciação, e em face dos fluxos financeiros realizados entre a A... e a B..., verifica-se que o credor é a A..., sendo ela a concedente do crédito, cuja sede se situa em Portugal, pelo que nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, não são aplicáveis as isenções das al. g) e h) do n.º 1 do mesmo artigo.

No que se refere à isenção prevista na al. i) do artigo 7.º do CIS, a mesma não tem aplicação às operações em apreço, uma vez que os empréstimos concedidos, não têm a característica de suprimentos, uma vez que, ao contrário do preceituado na referida al. i), em conjugação com a al. m) do artigo 5.º do CIS, não são efetuados por um sócio à sua participada, em

 face da inexistência de qualquer participação da A... na B... .

Do exposto, as operações de financiamento concedidas pela requerente à B..., estão assim sujeitas a IS.

Neste sentido, veja-se a decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), na decisão proferida no proc. 0436/16 a 28.11.2018 

(...)   

Nestes termos, somos a concluir pela improcedência dos argumentos da recorrente, tendo em atenção os factos e fundamentos enumerados nesta informação, mantendo-se por isso o entendimento já sufragado pela IT, bem como o entendimento da Divisão de Gestão Tributária.

VI. CONCLUSÃO/PROPOSTA DE DECISÃO

 

Face ao exposto, e concluindo-se que os fundos cedidos pela A... à B... revestem o conceito de concessão de crédito, não se nos afigura assistir razão à Recorrente, pelo que considera-se assim ser de manter o ato recorrido, indeferindo o presente recurso hierárquico.

 

R)           Em 06-02-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada (ponto 14 da decisão da reclamação graciosa);

S)            Em 25-01-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não há controvérsia sobre os factos relevantes para a decisão da causa.

 

3. Questão da invocação de um fundamento novo na Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

                A Requerente veio suscitar a questão de não poder ser atendido como fundamento das liquidações impugnadas, por ser invocado a posteriori, um fundamento nas decisões administrativas de reclamação graciosa e recurso hierárquico, que é o de a Requerente não ter provado que, à face do direito francês, não lhe fosse possível deduzir em sede de imposto sobre as sociedades a quantia de Imposto do Selo paga à face da lei portuguesa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira nada veio dizer quanto a desta questão.

A Requerente tem razão quanto à questão que suscita, pois em nenhum ponto das decisões administrativas se alude à falta de prova da inviabilidade de deduzir as quantias pagas como fundamento das liquidações impugnadas.

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (   )

Assim, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante como fundamento do acto impugnado, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. (   ) Por isso, a fundamentação ou a remissão para documentos que a contenham têm de integrar-se no próprio acto e serem contemporâneas dele, não relevando para apreciação da validade formal do acto fundamentos invocados posteriormente.

Pelo exposto, é de concluir que não pode ser considerada como fundamento das liquidações impugnadas aquele fundamento novo, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, razão pela qual esse fundamento não é tido em conta nem objecto de apreciação.

 

4. Matéria de direito

 

                A Requerente integrava-se no grupo D..., que incluía também as sociedades C..., SA e B..., SA.

                Foi celebrado um contrato, denominado de cash pooling, entre a sociedade C... SA e o Banco E..., SA, a que aderiu a Requerente em 20-7-2010, na sequência do qual a Requerente e as sociedades C..., SA e B..., SA, celebraram contrato de cedência de crédito que permitia a cada uma das empresas do Grupo D... ver colmatadas as necessidades de tesouraria por via dos excedentes gerados também pelas diferentes entidades daquele Grupo de empresas, sendo gestora desses fluxos monetários a empresa B... SA.

                No âmbito da execução dos contratos referidos, os excedentes de tesouraria gerados pelas diferentes entidades do Grupo D... eram transferidos para a conta da Requerente, a qual, por sua vez, os transferia para a B..., SA, a qual recebia e utilizava os mesmos em França.

                Está em causa, no presente processo, a questão da aplicação ou não da taxa prevista na Verba 17.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aos saldos médios mensais dos depósitos resultantes de excedentes de tesouraria que foram utilizados pela F..., SA.

                Não é objecto de controvérsia que este tipo de transferências de excedentes de tesouraria são operações enquadráveis naquela verba 17.1., sendo controvertidas duas questões:

– a de saber se, sendo os excedentes referidos utilizados em França pela B..., SA, estão afastados da incidência de Imposto do Selo (IS), por força das regras sobre a aplicação territorial que constam do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo (CIS);

– a de saber se, no caso de se tratar de operações que se inserem no âmbito de incidência do IS, é aplicável isenção, à face das alíneas g), h) e i) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, em consonância com o Direito da União Europeia.

 

                4.1. Questão da aplicação do CIS quanto aos créditos utilizados fora do território português

 

4.1.1. Posições da Partes

               

                A Requerente defende, em suma, que:

                –a utilização dos créditos concedidos à B..., SA, no âmbito do cash pooling ocorreu integralmente fora do território português, pelo que estão fora do âmbito de incidência territorial do CIS, à face do preceituado no seu artigo 4.º, n.º 1, que estabelece que «sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional»;

– o que se sujeita a IS, ao abrigo da Verba 17.1 da TGIS, é a utilização de crédito; o facto tributário considera-se ocorrido/verificado no momento em que o mutuário levanta (utiliza) os fundos colocados à sua disposição através do contrato de mútuo – momento exato em que se devem verificar os demais requisitos de que depende a incidência tributária (desde logo, no que diz respeito à incidência territorial);

– a utilização de fundos ocorre no local onde o seu utilizador recebe o capital mutuado, i.e., no local em que a obrigação do mutuante de entregar o capital ao mutuário é cumprida;

– não se pode considerar que o domicílio do mutuante (a aqui Requerente) é que é o critério relevante para efeitos de localização territorial do facto tributário (i.e., a utilização de crédito);

– o crédito é utilizado no domicílio do mutuário, pois é ele que é credor do direito a receber os fundos mutuados – e é ele quem beneficia do acréscimo de liquidez relevante que permite “sustentar” o ímpeto tributário do Estado em sede de IS;

– tratando-se de operações desmaterializadas, realizadas através do sistema bancário, só se pode considerar cumprida a obrigação do mutuante quando o capital mutuado é recebido na conta bancária do mutuário;

– o n.º 2 do artigo 4.º do CIS veio garantir a incidência de IS sobre todas as operações de crédito em que, em termos normais, o mutuário utilizaria o crédito em território nacional por ter aqui a sua actividade;

– não se nega que a lei permite a tributação da utilização de crédito por entidades não residentes em território nacional desde que ocorrida em território nacional;

– mas já se nega que permita a tributação da utilização de crédito por entidades não residentes, quando essa utilização ocorra fora do território nacional;

– apenas quando se conclui que, nestes casos, não existe sequer incidência do IS, é que se consegue compreender a razão pela qual o n.º 2, do artigo 7.º, do Código do IS só faz referência aos credores residentes na União Europeia;

– não faria qualquer sentido sujeitar a IS em Portugal operações de crédito realizadas entre um mutuante português e um mutuário estrangeiro, quando é um facto que o respetivo encargo fiscal teria de ser suportado pelo mutuário estrangeiro, que não manifesta em Portugal qualquer capacidade contributiva, condição essencial para a incidência do imposto (exceto claro, se a utilização do crédito ocorrer em Portugal);

– não faria qualquer sentido que a intenção do legislador português fosse a de colocar os credores portugueses (i.e. Bancos) numa posição competitiva desfavorável e discriminatória, perante credores de outros Países, sempre que ambos concorressem para a concessão de crédito a mutuários residentes fora de Portugal.

 

A Administração Tributária defende, essencialmente, o entendimento adoptado na decisão do recurso hierárquico, dizendo, em suma, que:

– o imposto incide sobre a utilização do crédito em resultado de uma operação de

concessão de crédito;

– a transferência dos excedentes de tesouraria da conta da Requerente para a conta da B..., SA, junto do E..., corresponde a um financiamento concedido pela primeira, à segunda, na medida em que estamos no domínio das operações financeiras de concessão de crédito sob a forma de disponibilização de fundos e, estando nós na presença de uma concessão e utilização de crédito, temos a Requerente, como sujeito passivo nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2. º do CIS;

– a realização do crédito (disponibilização dos fundos) ocorre em território nacional, tratando-se assim de uma operação sujeita a Imposto do Selo, de acordo com o princípio da territorialidade plasmado no n.º 1 do artigo 4. º do CIS, sendo tributada pelas taxas previstas na Verba 17.1. e ainda, de acordo com o n.º 1 do artigo 23. º do CIS a liquidação e o pagamento do imposto compete a entidade concedente do crédito, no caso a Requerente;

– estas operações de tesouraria que se traduzem em movimentos de cedência e tomada de fundos, representam verdadeiras operações financeiras e a relação jurídica que se estabelece entre as entidades credoras e devedoras do capital e juros e a entidade centralizadora, corporiza-se através dos financiamentos concedidos e/ou obtidos e que representam efetivas operações de crédito, qualquer que seja a sua forma ou prazo;

– os “empréstimos” em causa foram concedidos em Portugal apesar do destinatário dos mesmos ter residência fora deste território, pelo que competia à Requerente, enquanto entidade concedente do crédito e sujeito passivo do imposto, liquidar, cobrar e entregar nos cofres do Estado o imposto que deveria ter sido repercutido à B..., SA, sediada em França, conforme decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, da alínea g) do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 9.º, do n.º 1 do artigo 22.º, do n.º 1 do artigo 23.º, dos artigos 41.° e 43.° e do n.º 1 do artigo 44.º, todos do CIS;

– não se retira da conjugação das regras de incidência objetiva, previstas na verba 17.1 da TGIS, nem territorial prevista no artigo 4.º do CIS, em especial do seu n.º 1, ou até da alínea b) do seu n.º 2, que o legislador tenha alguma vez desejado que os empréstimos concedidos por uma sociedade residente em território nacional em favor da sua sociedade-mãe não residente, constituíssem operações financeiras não sujeitas a imposto do selo pelo simples facto de esta ter o seu domicílio fiscal no estrangeiro;

– se acolhêssemos o entendimento da Requerente distinguindo, para efeitos de sujeição, os fluxos financeiros (concessão/utilização de crédito) realizados exclusivamente entre sociedades com sede ou direção efetiva em território nacional e entre estas e sociedades com sede ou direção efetiva no estrangeiro estaríamos a discriminar fiscalmente umas em favor de outras, ofendendo o princípio da igualdade de tratamento, da capacidade contributiva e a provocar, por essa via, uma distorção da concorrência, desconsiderando o princípio da neutralidade fiscal;

– efetivamente, perante fluxos financeiros materialmente idênticos aos aqui contestados, as sociedades residentes beneficiárias de crédito estariam sempre sujeitas ao pagamento de imposto do selo, ao passo que as não residentes beneficiárias de crédito, como no presente caso, não estariam sequer sujeitas, independentemente do local de utilização efetiva desses fundos que poderia até ocorrer em território nacional;

– facto tributário a que se referem as verbas que compõem a verba 17.1 da TGIS é constituído pela «utilização de crédito (...) em virtude da concessão de crédito». Ou seja, imposto incide sobre a utilização do crédito em resultado de uma operação de concessão de crédito, sendo esta operação financeira que é objeto de incidência no âmbito de todas as situações previstas na verba 17. da TGIS;

 

4.1.2. Apreciação da questão

 

O Supremo Tribunal Administrativo proferiu, em 28-11-2018, decisão no processo n.º 06/11.4BESNT 0436/16, citado pela Requerente (  ), em que apreciou as questões de:

a)            Saber se a mera disponibilização de fundos no âmbito de um contrato de centralização de tesouraria (contrato de “cash pooling” na modalidade de “cash concentration”), nos termos do qual uma sociedade canaliza os seus excedentes de tesouraria para uma entidade centralizadora pertencente ao mesmo grupo de sociedades, podendo esta entidade investir os excedentes de tesouraria globais junto de entidades terceiras ou disponibilizá-los a outras sociedades do mesmo grupo em situação deficitária, e devendo restituir os excedentes de tesouraria daquela sociedade sempre e quando aquela o solicitar, configura uma operação de crédito sujeita a IS nos termos da verba 17.1.4 da TGIS;

b)           Saber se o crédito sob a forma de conta corrente, concedido por uma entidade com sede em território português a uma entidade com sede noutro Estado, no qual se procederá à utilização do crédito, é sujeita a IS em Portugal ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do CIS.

 

No presente processo, a controvérsia tem por objecto esta segunda questão.

O Supremo Tribunal Administrativo decidiu o seguinte:

 

Dispõe a verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de selo que, o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

Resumidamente, a situação de facto é a seguinte: a A………., Lda (A……..) celebrou um contrato com a A’……….. (A’………), pelo qual se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para esta A’……….., entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo A…….. Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da A’……….., no caso de necessitar dos mesmos.

Pelas transferências de fundos realizadas a A………… recebeu juros no montante € 3.626.988,59.

A A………… tem sede em Portugal e a A’………… tem sede na Suécia.

Não há dúvida, porque está provado documentalmente, que a impugnante e a referida A’………… fazem parte de um acordo de gestão integrada de tesouraria em que perante a existência de excedentes de tesouraria, no caso da impugnante, tais excedentes foram remetidos à A’………… que os utilizou no auxílio a outras empresas que necessitavam de capital e em contrapartida pagou juros à impugnante pela disponibilização desses excedentes com os quais contribuiu para a o referido acordo de gestão integrada.

Ocorreu, portanto, uma ou mais operações de transferência de saldos entre a(s) conta(s) da impugnante e a(s) conta(s) da entidade centralizadora, a A’…………, que não podem deixar de consubstanciar financiamentos concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a concessão de crédito a que alude a referida verba 17.1.4 da TGIS.

Com esta verba do IS pretende-se tributar as transferências de saldos entre a impugnante, enquanto empresa nacional, e a entidade centralizadora, sedeada na Suécia, devendo tais transferências de saldos ser qualificadas como financiamentos concedidos também para efeitos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS. Portanto, no caso concreto, incumbiria à impugnante a liquidação do imposto de selo, na qualidade de concedente do crédito, que seguidamente o deveria debitar à A’………… não residente.

E tais transferências de saldos, tanto são tributadas quando ocorrem entre empresas nacionais, entre empresas de estados-membros ou até entre empresas de estados-membros e de países terceiros, aplicando-se sempre as normas constantes dos artigos 1º. n º 1, 2º, b), 3º, n.º 1, f), 4º, n.º 1, 23º, n.º 1, 41º e 44º, todos do CIS.

Nesta medida, não se vislumbra que sejam ofendidas as normas do artigo 63º do TFUE e 40º do Acordo EEE, que consagram a livre circulação de capitais, uma vez que estas normas relativas ao IS são aplicadas indistintamente a todas as operações económicas legalmente previstas, sem discriminação em função da nacionalidade ou do território, quando duas empresas operem nas mesmas condições e sujeitas aos mesmos acordos que a impugnante e a A’………., em sentido coincidente, onde se decidiu que o direito da União era ofendido por haver um tratamento diferente em razão do território, pode ver-se o acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-439/97.

Efectivamente a operação de transferência de capitais realizada entre a impugnante e a dita A’…………, e ao contrário do que defende a impugnante, tem que ser necessariamente subsumida ao disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e respectiva verba 17.1.4 da TGIS, desde logo porque tem que ser qualificada como uma operação de crédito com contrapartida, isto é, remunerada por via do pagamento dos juros calculados a uma taxa acordada entre as partes e durante o período de tempo de duração da cedência do capital. E sempre que haja a utilização desse mesmo capital por parte da A’………..–crédito utilizado- ocorre a possibilidade de tributação ao abrigo das normas respeitantes ao CIS e à TGIS atrás indicadas.

Podemos, assim, concluir que não procede o recurso que nos vinha dirigido, respondendo-se às duas questões colocadas em sentido contrário ao pretendido pela impugnante.

 

À luz deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, deverá entender-se que, embora para efeitos do CIS o titular do interesse económico, sobre quem recai o encargo do Imposto do Selo, seja o utilizador do crédito [nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do CIS], o facto tributário é a concessão de crédito, o que decorre do próprio texto desta alínea f) ao referir que se considera titular do interesse económico «na concessão do crédito, o utilizador do crédito» (e não «na utilização do crédito, o utilizador do crédito», com seria adequado se o facto tributário fosse a utilização).

No mesmo sentido de o facto tributário ser a concessão do crédito aponta a globalidade do regime legal, ao considerar sujeito passivo quem concede o crédito [de harmonia com o disposto no artigo 2.º, n.º 1 alínea b), do mesmo Código], incumbi-lo da liquidação do imposto «devido por operações de crédito» (nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 23.º do mesmo Código) e impondo-lhe a obrigação de efectuar o seu pagamento (artigo 41.º do CIS).

Haverá que ter presente, ao nível do imposto do selo, quem é o sujeito passivo de direito (artigo 2º do CIS – a entidade que tem a obrigação de liquidar, cobrar e entregar o imposto ao Estado) e quem é o sujeito passivo de facto (artigo 1º e artigo 3º do CIS – a entidade que é a titular do interesse económico, quem suporta efetivamente o encargo do imposto). Ou seja, em regra, o sujeito passivo de direito procede à liquidação do imposto e repercute-o (efectua a sua cobrança) perante o sujeito passivo de facto que é o titular do interesse económico no facto tributário sujeito a imposto do selo e depois de cobrado, procede à sua entrega ao Estado.

O facto de apenas haver lugar a tributação quando o crédito concedido for utilizado, que resulta da verba 17.1 da TGIS, não obsta ao entendimento, que estará subjacente ao referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de que as «operações financeiras» que se pretendem tributar são as de concessão de crédito que apenas se consideram concretizadas no momento em que o crédito concedido é utilizado.

Isto é, o facto tributário é constituído pela «utilização de crédito (...) em virtude da concessão de crédito», a que se refere a verbas 17.1., subjacente à verba 17.1.4. A concessão de crédito é a «operação financeira» que se pretende tributar. Ou, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «o imposto incide sobre a utilização do crédito em resultado de uma operação de concessão de crédito», sendo esta operação a «operação financeira» que é objecto de incidência no âmbito de todas as situações previstas na verba 17. da TGIS.

Aliás, é também esse o entendimento adoptado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-03-2018, proferido no processo n.º 0800/17, citado pelo Requerente no artigo 108.º do pedido de pronúncia arbitral, como se vê pelo respectivo sumário:

 

I - A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido.

II - O facto tributário eleito para tributação em imposto de selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.

III - A mera celebração do contrato de concessão de crédito nem sempre gera facto tributário do imposto. Quando a utilização do crédito for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que coincide com a data de celebração do contrato de concessão de crédito.

IV - Quando a utilização do crédito não for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que não coincide com a data de celebração do contrato concessão de crédito.

 

Sendo assim, a conexão relevante para aferir a incidência territorial do Imposto do Selo é o local da concessão do crédito, que determina o dever de liquidar do concedente.

É certo que a solução da questão não será pacífica, como se vê pelo acórdão arbitral de 06-11-2019, proferido no processo n.º 61/2019-T, junto aos autos como documento n.º 23.

Mas, estando-se, tanto no caso do acórdão proferido no processo 06/11.4BESNT 0436/16, como no proferido no processo 0800/17, perante decisões do Supremo Tribunal Administrativo, proferidas por unanimidade, sobre uma questão idêntica à que se coloca neste processo, afigura-se, que um Tribunal que julga em 1ª instância, como é este Tribunal Arbitral, deverá aderir a essa jurisprudência, pelos fundamentos invocados, que têm suporte legal nas normas invocadas.

Improcede, assim, o primeiro vício imputado pela Requerente à liquidação impugnada.

 

4.2. Questão do alcance das isenções das alíneas g), h) e i) do n.º 1, e do n.º 2, do artigo

7.º da TGIS e da violação do Direito da União Europeia

 

4.2.1. Posições da Partes

 

A Requerente defende que mesmo que se considere «que o simples facto de o concedente do crédito ser entidade domiciliada em Portugal chegaria para localizar o facto tributário em Portugal, ainda assim haveria que concluir que estas duas operações de crédito estariam isentas de tributação».

O artigo 7.º do CIS estabelece o seguinte, na redacção vigente 2018, no aqui interessa:

 

Artigo 7.º

Outras isenções

 

1 - São também isentos do imposto:

 

(...)

 

g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euro) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo; (Redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro)

 

h) As operações, incluindo os respectivos juros, referidas na alínea anterior, quando realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período;

 

i) Os empréstimos com características de suprimentos, incluindo os respetivos juros, quando realizados por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10 % e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contando que, neste caso, a participação seja mantida durante aquele período; (Redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março)

 

2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.

 

Na decisão da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que

– «face ao sentido dos fluxos financeiros realizados entre a A... e a B... constata-se que o credor é a A..., ora Reclamante, sendo ela a entidade concedente de crédito, cuja sede se situa no território nacional, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, não são aplicáveis as isenções das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS»;

– quanto à isenção prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS também não é aplicável às operações em apreço, pois, não existindo qualquer participação da Requerente na B..., os empréstimos não têm caraterísticas de suprimentos efetuados por sócios às sociedades suas participadas;

– «tendo presente o previsto no n.º 2 do artigo 7.º do CIS, as isenções das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não são aplicáveis relativamente às situações em apreço, em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a A..., com sede em Portugal, surgir como credor e, por outro lado, a isenção prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não é aplicável ao caso em apreço, dado que, não existindo qualquer participação da A... na B..., os fundos não têm caráter de suprimentos efetuados por sócios às sociedades suas participadas»;

– por força do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, , serão afastadas do benefício da isenção da al. g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS as operações financeiras que se consubstanciem na transferência de saldos excedentários da conta bancária da Reclamante para a conta centralizadora titulada pela, mas podem aproveitar da referida isenção, verificados que sejam os pressupostos do prazo e finalidade estabelecidos naquele normativo, as operações que se traduzam em utilizações de fundos transferidos da conta centralizadora titulada pela para a conta bancária individual da Reclamante.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

  considerar que as operações não se encontram isentas porque um dos intervenientes não tem sede em Portugal e a aqui Requerente tem sede em território português é manifestamente restritivo da liberdade de circulação de capitais, assim como discriminatório, sendo um obstáculo real e injustificado à internacionalização das empresas portuguesas;

  o artigo 63.º do TFUE (antigo artigo 56.º do TCE, anterior artigo 73.º-B) estabelece que “[N]o âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros (…)”;

– conforme expressamente definido pela Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988 para execução do artigo 67.º do Tratado, os empréstimos, designadamente os de curto prazo, são considerados movimentos de capitais;

– aquela alínea g) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 7.º do CIS consubstanciam uma restrição à livre circulação de capitais que não pode ser justificada à face das disposições do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), designadamente os seus artigos 63.º e 65.º;

– são comparáveis as situações de residentes e não residentes, quanto a um imposto de obrigação única cobrado sobre o valor de um acto;

  perante uma vantagem fiscal cujo benefício seja recusado aos não residentes, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes pode ser qualificada de discriminação, na acepção do Tratado, quando não exista qualquer diferença objectiva de situação susceptível de justificar diferenças de tratamento, quanto a este aspecto, entre as duas categorias de contribuintes;

– não se encontrando qualquer razão de interesse público que possa justificar tal tratamento discriminatório, ter-se-á de concluir que a exclusão de aplicação da isenção a entidades devedoras residentes na União Europeia constitui uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais e um tratamento discriminatório dos não residentes, devendo por isso tal norma ser considerada ilegal por incompatível com o artigo 63.º do TFUE;

– caso se entenda que a desconformidade da liquidação aqui em causa com o Direito da União Europeia supra exposta não é suficientemente clara ou pacífica na jurisprudência do TJ, sempre poderá este Tribunal fazer uso do mecanismo do reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º, do TFUE, para o que a Requerente sugere que seja colocada a seguinte questão prejudicial:

                “É conforme ao disposto no n.º 1, do artigo 63.º do TFUE e aos princípio basilares da livre circulação de capitais e da não discriminação, a interpretação do artigo 7.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo segundo a qual a isenção de IS prevista para as operações de tesouraria de curto prazo é aplicável quando nesta intervêm duas entidades residentes ou quando o mutuário (devedor) se encontra em Portugal estando o mutuante (credor) na União Europeia mas já não é aplicável quando o mutuário (devedor) é residente num Estado-Membro União Europeia e o mutuante (credor) residente em Portugal?”

 

No presente processo, a Administração Tributária defende a posição assumida na decisão do recurso hierárquico, dizendo o seguinte, em suma:

  não obstante o n.º 1 do artigo 63.º do TFUE estabelecer que: «no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.»;

– tal disposição não consubstancia uma proibição absoluta na medida que, o n.º 1 do artigo 65.º do TFUE vem estabelecer expressamente que o disposto no artigo 63.º não prejudica o direito do Estados-Membros: «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência (…)» (cf. alínea a); «tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal (…)» (cf. alínea b);

– no presente caso estamos perante o imposto do selo, um imposto interno e indireto, cuja competência é exclusiva dos Estados-Membros e para o qual não existem regras harmonizadas ao nível da União Europeia;

– a diferença não constitui uma restrição nem uma discriminação no acesso à isenção, porquanto a limitação estabelecida n.º 2 do artigo 7.º do CIS só se aplica ao imposto do selo incidente sobre empréstimos realizados entre sociedades;

– estando restringida a tributação a fluxos financeiros realizados entre sociedades, o imposto do selo suportado sobre o mesmo é normalmente dedutível pelas empresas que o suportaram;

– significa isto que uma liquidação de imposto do selo efetuada sobre um crédito concedido, como o do caso sub judice, pode ser neutralizada pela devedora/mutuária ao abrigo de uma norma equivalente ao n.º 1 do artigo 23.º do nosso CIRC;

– consideramos que só se estaria perante uma situação suscetível de constituir uma violação da livre circulação de capitais se o imposto do selo devido em Portugal pela obtenção do crédito não pudesse ser neutralizado pela B..., entidade gestora/mutuária com sede em França, ao abrigo das leis francesas;

– impendia sobre a Requerente, de acordo com as regras do ónus da prova previsto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, demonstrar que o imposto do selo que devia ter sido pago pela B..., SA, pela utilização de um crédito concedido em Portugal, não era dedutível ao abrigo das leis fiscais francesas, nomeadamente as que regulam o imposto sobre as sociedades (l’impôt sur les sociétés), imposto equivalente ao nosso IRC.

 

4.2.2. Apreciação da questão

 

4.2.2.1. O regime legal previsto no artigo 7.º do CIS

 

Nas alíneas g),  h) e i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, nas redacções vigentes em 2015, prevêem-se isenções de Imposto do Selo.

No caso em apreço, constata-se que o capital social da Requerente era detido pelas sociedades do mesmo Grupo de empresas, B..., S.A., e C..., S.A., ambas com sede em França [alínea B) da matéria de facto fixada], pelo que está afastada a possibilidade de aplicação da isenção prevista naquela alínea h), que prevê operações «realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação...». Neste caso, é a sociedade detida que realiza as operações de concessão de crédito à sociedade que detém parte do seu capital.

Também está afastada a aplicabilidade da isenção prevista na alínea i), pois os empréstimos não têm características de suprimentos, como refere a Administração Tributária e que não é controvertido. 

Assim, só é potencialmente aplicável à situação em apreço a isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que abrange «as operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria ... efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo».

Estes requisitos verificam-se no caso em apreço, mas o n.º 2 do artigo 7.º do CIS restringe o âmbito de aplicação daquela isenção, estabelecendo a regra de que o disposto aquela alínea g) «não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional». Neste caso, a B... tem sede em França, pelo que esta regra afasta, em princípio, a aplicação da isenção.

Esta regra de afastamento da isenção tem, porém, uma excepção para as «situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção», e não tiver previamente realizado os financiamentos através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.

No caso dos autos, um dos intervenientes na operação de cash pooling não tinha sede ou direcção efectiva no território nacional (a B..., SA), pelo que, à face da regra do n.º 2 do artigo 7.º, estará, em princípio, afastada a aplicação da isenção, havendo lugar a tributação em Imposto do Selo.

Por outro lado, não se verifica a excepção a este afastamento da isenção, pois este n.º 2 do artigo 7.º só prevê que o direito à isenção subsista quando o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal.

Neste caso, o credor é a Requerente, com sede em Portugal, pelo que não se enquadra nesta situação de subsistência da isenção.

À face deste regime legal, tem de se concluir que não se prevê isenção de Imposto do Selo para as situações de cash pooling em que o credor tem sede ou direcção efectiva em Portugal e o devedor reside num Estado Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação com Portugal.

Assim, só por imposição de normas de hierarquia superior poderá este regime ser afastado, o que é propugnado pela Requerente.

 

4.2.2.2. Questão da incompatibilidade do regime do artigo 7.º do CIS com o Direito da União Europeia

 

A Requerente defende que deve ser aplicada a isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, por, em suma, o afastamento da sua aplicação na situações em que o devedor tem sede ou direcção efectiva num Estado Membro da União Europeia não poder ser aplicado, por ser incompatível com os artigos 63.º e 65.º do Tribunal de Justiça da União Europeia (TFUE) e ser discriminatório.

O artigo 8.º, n.º 4, da CRP estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não está em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (  ).

Os artigos 63.º e 65.º do TJUE estabelecem o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

 1.  O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

 a)  Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

4. Na ausência de medidas ao abrigo do n.º 3 do artigo 64.º, a Comissão, ou, na ausência de decisão da Comissão no prazo de três meses a contar da data do pedido do Estado-Membro em causa, o Conselho, pode adotar uma decisão segundo a qual as medidas fiscais restritivas tomadas por um Estado-Membro em relação a um ou mais países terceiros são consideradas compatíveis com os Tratados, desde que sejam justificadas por um dos objetivos da União e compatíveis com o bom funcionamento do mercado interno. O Conselho delibera por unanimidade, a pedido de um Estado-Membro.

 

  Os empréstimos de curto prazo são movimentos de capitais, como resulta da Directiva n.º 88/361/CEE, do Conselho de 24-06-1988, o que não é objecto de controvérsia.

O TJUE, no acórdão 14-10-1999, proferido no processo n.º C-439/97, Sandoz GmbH, o seguinte (com actualização dos números dos artigos), em suma:

– a proibição do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anteriores artigo 73.º-B, n.º 1, e 56.º do Tratado CE) abrange quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros (n.º 18);

  uma legislação que priva os residentes num Estado-Membro da possibilidade de beneficiarem de uma eventual não tributação dos mútuos contraídos fora do território nacional, é um medida de molde a dissuadi-los de contraírem mútuos com pessoas estabelecidas noutros Estados-Membros (n.º 19 daquele acórdão, citando o acórdão de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C-484/93, Colect., p. I-3955, n.º 10).

– tal legislação constitui por isso uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE (anteriores artigos 73.º-B, e 56.º) (n.º 20).

 

É precisamente uma situação deste tipo que gera o afastamento da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Na verdade, à face deste regime, os residentes num Estado-Membro (França, neste caso) são privados da possibilidade de beneficiarem de uma eventual não tributação dos mútuos contraídos fora do seu território nacional.

O facto de o sujeito passivo do imposto ser o credor (a Requerente) e não o devedor (B..., SA) não afasta esta conclusão.

Na verdade, embora não se esteja perante uma situação de substituição tributária em sentido próprio (que se efectua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), está-se perante uma situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto em relação ao titular do interesse económico, que é o utilizador do crédito, que deve suportar o encargo do imposto, nos termos dos n.ºs 1 e 3, alínea f), do artigo 3.º do CIS.

Aliás, nestas situações de substituição fiscal imprópria, no caso de não pagamento do imposto pelo sujeito passivo (credor), o imposto até poderá ser exigido directamente ao titular do interesse económico, designadamente nos casos de operações de cash pooling, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19-02-2020, proferido no processo n.º 2244/12.3BEPRT 0898/17. (   )

Por isso, este regime legal reconduz-se a que, na perspectiva legislativa, é sempre o utilizador do crédito que acaba por pagar o Imposto do Selo, seja por ele lhe ser repercutido pela entidade concedente, seja por ele lhe ser directamente exigido.

Assim, o afastamento da isenção nas situações em que devedor tenha sede ou direcção efectiva num Estado Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, que só pode ser admitida nas situações previstas no artigo 65.º do mesmo diploma.

Na alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, permite-se aos Estados-Membros «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido».

Na interpretação deste artigo 65.º o TJUE entendeu o seguinte, no acórdão de 22-11-2018, proferido no processo n.º C-575/17 - Sofina SA:

45. Esta disposição, na medida em que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado Membro onde invistam os seus capitais será automaticamente compatível com o Tratado. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.o, n. o 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no n.º 3 desse mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o [TFUE]» (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C 10/14, C 14/14 e C 17/14, EU:C:2015:608, n.º 63).»

46. Assim, há que distinguir as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.o, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.o, n. o   3, TFUE. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento que daí resulta respeite a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por uma razão imperativa de interesse geral (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C 10/14, C 14/14 e C 17/14, EU:C:2015:608, n. o  64).

 

4.2.2.2.1. Comparabilidade das situações

 

No caso em apreço, está-se perante um imposto de obrigação única, devido relativamente a cada acto de concessão de crédito, e os intervenientes num contrato de cash pooling encontram-se em situações idênticas, independentemente do local da sua residência  ou do local onde o capital é investido, havendo mesmo possibilidade de frequentes inversões das posições de credor e devedor no âmbito do mesmo contrato, em função das disponibilidades e necessidades de tesouraria de cada um dos intervenientes.

Assim, tem de se concluir pela comparabilidade das situações entre residentes e não residentes, para efeitos da isenção em causa, em contratos do tipo do dos autos. 

Neste contexto, a atribuição de uma vantagem fiscal aos devedores residentes em Portugal que é recusada aos devedores não residentes constitui, como defende a Requerente, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes, que é de qualificar como discriminação, na acepção do Tratado, por não existir qualquer diferença objectiva de situação susceptível de justificar tratamento diferenciado.

Assim, a alínea a) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 65.º do TFUE não permitem o regime consubstanciado nas referidas normas do CIS, pois a diferença de tratamento não é justificada por uma diferença de situação objetiva.

 

4.2.2.2.2. Razões imperiosas de interesse geral

 

A alínea b) do n.º 1 deste artigo 65.º do TFUE admite que os Estrados Membros tomem «todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública».

Como se vê pelo n.º 46 do citado acórdão proferido no processo n.º C-575/17, o TJUE entende que, relativamente a situações comparáveis, a diferença de tratamento só pode ser justificada «por uma razão imperativa de interesse geral».

No caso em apreço, afigura-se ser manifesto que não existe qualquer razão de interesse geral que possa justificar a referida discriminação, o que nem sequer é aventado pela Administração Tributária.

Na verdade, está-se perante uma situação que não há dificuldades de eficaz controlo fiscal, pois há possibilidade de a Administração Tributária fazer uso das trocas de informações previstas na generalidade das Convenções para evitar Dupla Tributação (  ).

Por outro lado, não se vislumbra qualquer outra razão de interesse público que possa justificar o tratamento discriminatório referido, designadamente uma hipotética intenção legislativa de evitar fraudes e abusos no âmbito das operações de tesouraria de curto prazo entre empresas do mesmo grupo, pois a intenção geral que está ínsita na atribuição dos benefícios fiscais previstos nas alíneas g) a i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não pode ser a de «impedir comportamentos que consistam em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo objetivo é beneficiar indevidamente de uma vantagem fiscal», que podem justificam restrições à livre circulação de capitais (Acórdãos do TJUE de 05-07-2012, SIAT, processo C-318/16, EU:C:2017:415, n.º 40; de 07-09-2017, Eqiom e Enka, processo C-6/16, EU:C:2017:641, n.º 30; e de 20-09-2018, EV, processo C-685/16, n.º 95), mas, será, pelo contrário, de admitir ou mesmo incentivar esses comportamentos, concedendo benefícios fiscais.

Pelo exposto, conclui-se que o afastamento da aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS que se prevê no n.º 2 do mesmo artigo, nas situações em que o devedor não tem sede ou direcção efectiva em Portugal, mas a tem num Estado Membro da União Europeia, constitui uma restrição injustificada à liberdade de movimentos de capitais garantida pelo artigo 63.º do TFUE, pelo que esta restrição não pode ser aplicada, por forma do preceituado no n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

 

4.3. Pedido de reenvio prejudicial

 

A Requerente formulou subsidiariamente um pedido de reenvio prejudicial para o TJUE para apreciação da questão de saber « É conforme ao disposto no n.º 1, do artigo 63.º do TFUE e aos princípio basilares da livre circulação de capitais e da não discriminação, a interpretação do artigo 7.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo segundo a qual a isenção de IS prevista para as operações de tesouraria de curto prazo é aplicável quando nesta intervêm duas entidades residentes ou quando o mutuário (devedor) se encontra em Portugal estando o mutuante (credor) na União Europeia mas já não é aplicável quando o mutuário (devedor) é residente num Estado-Membro União Europeia e o mutuante (credor) residente em Portugal?”».

No artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que é obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, quando a lei europeia seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).

Como se refere no n.º 33 do acórdão do TJUE de 22-11-2018, MEO, processo C-295/17, «Segundo jurisprudência constante do TJUE, «no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.º TFUE, o juiz nacional,  a  quem  foi  submetido  o  litígio  e  que  deve  assumir  a  responsabilidade  pela  decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência  das  questões  que  submete  ao  Tribunal.  Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar-se (Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU:C:2018:157, n. o 42 e jurisprudência referida)».

No caso em apreço, a jurisprudência do TJUE citada permite dar uma resposta segura às questões de Direito da União Europeia que se suscitam no processo, pelo se considera desnecessário o reenvio prejudicial.

 

4.4. Conclusão

 

Conclui-se, assim, que as liquidações impugnadas e decisão da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que as manteve são ilegais, por enfermarem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, ao basearem-se numa norma (n.º 2 do artigo 7.º do CIS) que é ilegal, por ser incompatível com o Direito da União Europeia.

Este vício justifica a anulação das liquidações e das decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

5. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Em 06-02-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada e formula pedido de juros indemnizatórios.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Na sequência da anulação das liquidações e das decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico em que pediu a devolução das quantias pagas, no montante total de € 656.587,42, a Requerente tem direito a ser delas reembolsada, o que é efeito da própria anulação, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira que as emitiu por sua iniciativa.

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, desde a data do pagamento das quantias liquidadas (06-02-2018).

Os juros indemnizatórios são calculados com base na quantia de € 656.587,42 devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data em que o erro passou a ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira (06-02-2018) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

6. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação de Imposto do Selo n.º 2017..., de 15-12-2017 (documento n.º 2017...), referente ao período de tributação de 2015, no valor de € 600.448,17, e as liquidações de Juros Compensatórios identificadas com os n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... e 2017..., no valor total de € 56.139,25, as quais originaram um valor global a pagar de € 656.587,42, constantes da nota de cobrança n.º 2017 ...;

c)            Anular as decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico impugnadas;

d)           Julgar procedentes os pedidos de reembolso da quantia paga e de juros indemnizatórios e condenar a Administração Tributária a pagar à Requerente a quantia de € 656.587,42, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 5 do presente acórdão.

 

7. Valor do processo

 De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 656.587,42.

 

8. Custas

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.792,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Administração Tributária.

               

Lisboa, 06-10-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Raquel Franco)

(Vera Figueiredo)