Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 57/2020-T
Data da decisão: 2020-12-07  IRS  
Valor do pedido: € 15.874,61
Tema: IRS - Mais Valias; Não residente fiscal
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.            RELATÓRIO

 

No dia 30.01.2020, A..., Contribuinte Fiscal n.º ..., com domicílio na ..., Luxemburgo, apresentou pedido de constituição Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, no qual solicitou a declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º ..., reportada ao ano de 2018, que apurou um montante de imposto a pagar de € 31.749,23, bem assim como a condenação da Autoridade Tributária na restituição do valor pago.

 

Subsidiariamente, pediu a anulação parcial da acima identificada liquidação pela consideração do reinvestimento no valor de € 102.608,25 da mais valia obtida, e a condenação da Autoridade Tributaria e Aduaneira no pagamento de juros de indemnizatórios, vencidos desde a data do pagamento indevido até integral e efetiva restituição, bem como nas custas do processo.

 

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

A 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde qualificou a doença COVID -19 como uma pandemia internacional e, no seguimento do mencionado reconhecimento pela OMS, o nosso Governo determinou a suspensão dos atos processuais e procedimentais a praticar nos tribunais arbitrais, com a publicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, cujos efeitos retroagiram a 13 de março de 2020.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o regime previsto neste diploma cessaria em data a definir por Decreto-Lei, no qual se declarasse o termo da situação excecional.

 

O que veio a acontecer com a publicação da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que determinou o fim a suspensão dos prazos, com a revogação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 06-07-2020, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

 

Por despacho de 08-07-2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação, mais requereu a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, porque a questão em discussão é exclusivamente de direito.

 

Notificadas para alegarem por escrito, querendo, ambas as partes se mantiveram silentes.

 

2.            OBJETO DOS AUTOS

2.1 Posição do Requerente

 

                O Requerente é um cidadão de nacionalidade portuguesa que fixou a sua residência, pessoal, profissional e fiscal no Luxemburgo.

 

No ano de 2018 alienou, pelo preço de € 300.000,00, a fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, Freguesia de ..., sob o n.º..., inscrita na matriz urbana da Freguesia de ..., com o artigo matricial..., serviço de finanças de Lisboa..., imóvel que adquiriu em 2004 para habitação própria e permanente, pelo preço de € 135.000,00, e no qual efetuou obras e suportou encargos, num total de € 23.259,00.

 

No mesmo ano, a 28.07.2018, adquiriu um imóvel para habitação própria e permanente no Luxemburgo.

 

Foi residente até 25 de junho de 2018, menos de 30 dias antes da alienação do imóvel, vendido a 27 de julho de 2018.

 

Apresentou a sua declaração Modelo 3 de IRS, relativa aos rendimentos do ano de 2018, incluindo o anexo G, onde declarou, os valores de aquisição, de venda e das despesas e encargos suportados com o aludido imóvel e o reinvestimento do valor de realização na aquisição da sua habitação própria e perramente no Luxemburgo.

A declaração foi aceite e validade pela AT, dando origem à liquidação de IRS com o n.º ..., onde foi apurado um montante de imposto a pagar de € 31,749,23, liquidação da qual o Requerente reclamou graciosamente e cujo despacho de indeferimento impugnou pela presente, pugnando pela sua ilegalidade.

 

Termina requerendo, a ilegalidade da tributação da mais valia gerada pela alienação do imóvel e a sua anulação parcial, designadamente, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, invocando a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS,

 

Subsidiariamente, o Requerente pede a anulação parcial da liquidação de IRS do ano de 2018, pela consideração do reinvestimento no valor de € 102.608,25 da mais valia, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 10 do CIRS e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios vencidos desde a data do pagamento.

 

Defende, para o efeito, que:

(i)           o imóvel em causa foi sua habitação própria e permanente em Portugal;

(ii)          foi residente até 25 de junho de 2018, menos de 30 dias antes da alienação do imóvel;

(iii)         o imóvel foi vendido a 27 de julho de 2018;

(iv)         tem 36 meses contados da data da realização para requerer a exclusão da tributação das mais valias.

 

2.2.        Posição da Requerida

a)            Sobre a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS

 

Após a prolação do acórdão pelo TJCE, de 11/10/2007 que decidiu da contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina de tributação das mais valias imobiliárias de não residentes resultantes dos artigos 72.º, n.º 1 e 43.º n.º 2 do CIRS, a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2008, no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão do TJCE, aditou o n.º 7 (atual n.º 9) ao artigo 72.º do CIRS.

 

Por força desta alteração legislativa as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do CIRS, ou seja, os não residentes podem optar pela tributação dos rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

 

Eliminando-se, pois, qualquer contrariedade ao Direito Comunitário, bem assim como ao princípio da igualdade.

 

Na sua declaração de IRS o Requerente preencheu o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da UE) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

 

Não tendo optado pela aplicação do artigo 68.º do CIRS – tributação como residente - o Requerente não pode beneficiar da aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

 

b)           da exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS

 

O Requerente fixou a sua residência, pessoal e profissional no Luxemburgo até 30/09/2013, data em que transferiu o seu domicílio para Bragança, domicílio fiscal do seu representante fiscal.

 

O n.º 5 do artigo 10.º, na redação à data em vigor, e na parte que releva para os autos, determinava que “São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.(…)”

 

Contudo, para operar a exclusão da tributação não basta que os imóveis estejam afetos à habitação do seu proprietário, mas sim à sua habitação própria e permanente, e não se podem confundir estes dois conceitos.

 

À data da alienação do imóvel, o Requerente não tinha estabelecida no imóvel a sua habitação própria e permanente, nem tão pouco um não residente pode ter uma habitação própria e permanente em Portugal.

 

De acordo com o artigo 11.º n.º 3 do CIRS, o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente, contudo as presunções podem ser ilididas, o que o Requerente fez quando declarou residir no Luxemburgo.

 

3.            SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir Decisão

 

4.            Matéria de facto

 

4.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

1.            O Requerente é um cidadão de nacionalidade portuguesa que fixou a sua residência pessoal, profissional e fiscal no Luxemburgo. [artigo 1.º do Requerimento Inicial (RI)]

 

2.            O Requerente adquiriu em 2004, para habitação própria e permanente, a fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, Freguesia de..., sob o n.º ..., inscrita na matriz urbana da Freguesia de ..., com o artigo matricial ..., serviço de finanças de Lisboa ..., pelo preço de € 135.000,00, e no qual efetuou obras e suportou encargos, num total de € 23.259,00.(artigo 3.º do RI)

 

3.            O prédio identificado no número precedente foi alienado no dia 18 de julho de 2018, pelo preço de € 300.000,00.(artigo 4.º do RI)

 

4.            O Requerente fixou a sua residência, pessoal e profissional no Luxemburgo até 30/09/2013, data em que transferiu o seu domicílio para Bragança, domicílio fiscal do seu representante fiscal.(PPA)

 

5.            O Requerente mudou a sua residência fiscal em 25 de junho de 2018. (Reclamação graciosa)

 

6.            O Requerente apresentou a sua declaração “Modelo 3” de IRS, relativa aos rendimentos do ano de 2018, incluindo o Anexo G, onde declarou para efeitos de cálculo das mais-valias, os valores de aquisição, de venda e das despesas e encargos suportados com o aludido imóvel.(Artigo 5.º do RI)

 

7.            Tendo o Requerente optado pela tributação segundo o regime geral não aplicável aos residentes.( Declaração Modelo 3)

 

8.            Tal declaração foi aceite e validada pela AT, dando origem à liquidação com o n.º [•], onde foi apurado um montante de imposto a pagar de € 31.749,23. (artigo 6.º do RI)

 

 

9.            A AT aplicou a taxa de 28% sobre a totalidade do rendimento declarado, ou seja, das mais valias, deduzidas as despesas. (aceite por ambas as partes)

 

Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, considera-se não provado que o imóvel alienado era a habitação própria e permanente do Requerente.

 

Entende-se, por um lado, que o Requerente ilidiu a presunção do artigo 13.º do CIRS, quando declarou a sua residência no Luxemburgo no campo 4 da declaração de rendimentos e, por outro, que não fez prova bastante que o imóvel estava afeto à sua habitação própria e permanente, ou à do seu agregado familiar.

 

No demais, não existem factos que devam considerar-se como não provados, com pertinência para a prolação da decisão.

 

 

a.            Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

5.            Questão decidenda

 

Em face da posição das partes, bem como da matéria de facto dada como assente, a questão a decidir consiste em determinar, face ao quadro normativo vigente em 2018, se as mais valias obtidas com a alienação de bens imóveis, sitos em Portugal, por cidadãos residentes em país da União Europeia, devem ser tributadas em apenas 50% do seu valor, ou à taxa de 28%, sobre a totalidade da mais valias obtida.

 

Esta questão, ademais, coincide com o pedido principal do Requerente.

 

6.            Do Direito

6.1. Tributação das mais valias obtidas em Portugal por cidadão residente num país membro de União Europeia – Regime legal

 

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis»

 

De acordo com a redação do n.º 4 do mesmo artigo 10.º, o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição.

 

         O valor de aquisição é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel (artigos 50.º e 51.º do CIRS).

 

      O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (artigo 43.º, n.º 1, do CIRS), mas, no caso de transmissões efetuadas por residentes o saldo «é apenas considerado em 50 % do seu valor» (n.º 2 do mesmo artigo, na redacção anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).

               

Quanto aos residentes, sobre esse valor incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do CIRS.

 

        Relativamente a não residentes em território português, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prevê a aplicação de uma taxa autónoma especial de 28%, aplicável à totalidade das mais-valias.

 

Porém, «os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português» (n.º 9 do artigo 72.º na redacção da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, vigente em 2018). De harmonia com o n.º 10 deste artigo «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».

 

No caso em apreço, o Requerente não fez esta opção prevista no n.º 9 do artigo 72.º e a AT, na liquidação de IRS, impugnada, efetuou a aplicação da taxa especial de tributação autónoma de 28% à totalidade do valor da mais-valia apurada no montante de € 113.390,11.

 

O artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece o seguinte:

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 

                1.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

                2.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

Constitui entendimento consolidado, amplamente aceite e replicado na diversa jurisprudência do TJUE, secundada pelos tribunais nacionais, a proibição de discriminação entre os sujeitos passivos residentes num Estado Membro (in casu Portugal) e os residentes noutro Estado Membro.

 

                E, na verdade, o regime vigente gera uma discriminação entre residentes e não residentes fiscais a que não subjaz qualquer razão objetiva ou fundamento material, porquanto em ambas as situações o imóvel se encontra situado em Portugal, sendo o rendimento aqui obtidos.

 

Efetivamente o TJUE considerou incompatível com o direito da União Europeia, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.

 

Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais (   ) um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».         

 

                Esta jurisprudência foi recentemente confirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, no qual defende que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

 

                Também o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 02-02-2019, prolatado no âmbito do processo n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17, na apreciação que fez do ato tributário praticado na vigência do quadro legal normativo introduzido com o OE 2008, defende que a tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50% evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver reconhecida, como aliás resulta do sumário, cujo teor de transcreve (em parte):

(…)

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).

                              

                A introdução da possibilidade de o contribuinte poder optar por diferentes regimes de tributação, em nada altera o vertido nos acórdãos Hollman e Gielan do TJUE, porque o que essencialmente releva é apurar se o atual regime consubstancia uma discriminação negativa na aplicação ao caso do Requerente. 

 

                Ora, um dos objetivos que preside à proibição da discriminação é impedir que não residentes fiquem sujeitos, num determinado Estado, a qualquer tributação ou obrigação correspondente ou mais gravosa do que aquelas a que estiveram sujeitos, ou podem estar sujeitos, os nacionais, ou residentes de um Estado que se encontram na mesma situação.

 

                 Ademais, o regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.

 

                Assim, é evidente que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2018, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.

 

                A previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não afastando a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes

 

Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.

 

                Para além disso, na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação».

 

                Neste sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:

 

 “(…)a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.”

 

                Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:

 

(…) Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C 168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida).

 

Nesta linha, vejam-se, nomeadamente, os seguintes acórdãos do CAAD: Processos 500/2017-T, 644/2017-T, 600-2018-T; 613/2018-T; 74/2019-T; 438/2019-T.

 

6.2 Subsidiariedade de pedidos

 

Na relação de subsidiariedade, ou “alternativa aparente”, o autor formula vários pedidos, reconhecendo que só um é substancialmente procedente e solicitando ao tribunal que atenda um deles apenas.

 

A procedência de um dos pedidos formulados em relação de subsidiariedade (qualquer um), afasta ou impede em absoluto a possibilidade de procedência de qualquer dos outros.

 

Com efeito, na cumulação subsidiária de pedidos existe uma cumulação meramente aparente de pedidos operada pelo Autor, em que este formula o primeiro pedido subsidiário apenas para o caso da Requerida vir a ser absolvida da instância ou do pedido quanto ao pedido principal que deduz, e em que formula o segundo pedido subsidiário apenas para o caso da Requerida ser absolvida da instância ou do pedido quanto ao pedido principal e ao primeiro pedido subsidiário que formula, e assim sucessivamente.

 

Neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, em cujo sumário pode ler-se : “II- O pedido subsidiário é, por natureza, um pedido condicional, acessório e subordinado de um pedido principal, pelo que o juiz apenas pode conhecer do primeiro pedido subsidiário deduzido pelo Autor, caso o Réu seja absolvido da instância ou do pedido em relação ao pedido principal formulado pelo Autor, e apenas pode conhecer do segundo pedido subsidiário formulado pelo último, caso o Réu seja absolvido da instância ou do pedido em relação ao pedido principal e ao primeiro pedido subsidiário formulado pelo Autor , e assim sucessivamente, sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronuncia.

 

Pelo exposto, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário formulado pelo Autor.

 

Esta subsidiariedade tem, também, reflexo no pedido de pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que o Requerente apenas formulou tal pedido a propósito do pedido subsidiário, pedido que este Tribunal não conhece face à procedência do pedido principal.

 

7.            Decisão

 

Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:

a.            declarar a ilegalidade e anular parcialmente a liquidação de IRS com o n.º..., na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária;

b.            condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, no montante de € 15.874,61.

 

8.            Valor do processo:

 

Fixa-se em € 15.874,61 (quinze mil oitocentos e setenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos) nos termos do disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

9.            Custas:

 

Ao abrigo dos artigos 12.º, n.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € € 918,00, a cargo da Requerida (AT), uma vez que o pedido foi integralmente procedente.

 

Notifique-se.

 

 Lisboa, 7 de dezembro de 2020

 

O Árbitro Singular

Cristina Coisinha