Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 561/2021-T
Data da decisão: 2022-02-08  IRS  
Valor do pedido: € 27.845,38
Tema: IRS – Revogação do ato – Extinção da instância.
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SUMÁRIO:

1.            Revogando a Requerida, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT o ato tributário de liquidação, dando satisfação por inteiro e de modo voluntário à pretensão que o Requerente formulara nestes autos, a decisão arbitral que normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas,  afigura-se destituída de qualquer efeito útil, não se justificando a sua prolação, por impossibilidade e inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT;

2.            Porque a pretensão do Requerente foi integralmente satisfeita com a dita revogação, prosseguindo o procedimento por sua vontade sem estar demonstrada a utilidade do mesmo, as custas ficarão a cargo do Requerente.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

 A..., contribuinte n.º ..., residente em Madrid, Espanha, veio requerer pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), com vista a anular, parcialmente, o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2021... referente ao período de tributação de 2019, que apurou um valor total a pagar de € 55.690,76 (cinquenta e cinco mil, seiscentos e noventa euros e setenta e seis cêntimos).

Relativamente ao mesmo ato apresentou reclamação graciosa, respetivamente, em 02-02-2021 (n.º ...2021...), e 26-04-2021 (n.º ...2021...), pelo que o presente pedido de pronúncia arbitral teve por objeto imediato a legalidade das decisões, respetivamente de indeferimento expresso e tácito, que recaíram sobre as duas reclamações graciosas apresentadas, e como objeto mediato, a legalidade do ato de liquidação de IRS de 2019.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do n.º do processo atribuído, em 07-09-2021, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 14-09-2021.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

Em 28-10-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Síntese da posição das Partes:  

1.            Do Requerente

O Requerente auferiu, no ano de 2019, rendimentos da categoria G resultantes da alienação onerosa de um imóvel sito em Portugal, entendendo que a inclusão no rendimento coletável da totalidade da mais-valia resultante de venda de fração, enfermava de erro de direito, uma vez que deveria ter sido considerado apenas 50% do respetivo valor, por aplicação do n.º 1 e n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS (doravante CIRS).

Nestes termos, solicitou que o ato de liquidação do IRS, referente ao ano de 2019, fosse anulado na medida do excesso liquidado, considerando o saldo das mais valias em apenas 50% do seu valor. E bem assim, que fosse restituído do valor do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros de mora e indemnizatórios.

2.            Da Requerida

Igualmente, em 28-10-2021, e para os efeitos previstos no artigo 13.º-1, do RJAT, a Requerida veio informar que por despacho, de 2021-10-25, foi revogado o ato objeto de impugnação em consequência da aplicação à liquidação do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS, considerando-se o saldo das mais-valias imobiliárias em apenas 50% do seu valor, e restituindo-se o imposto pago a mais, assim como o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios.

***

Notificado o Requerente, nos termos do n.º 2, do artigo 13, do RJAT, do despacho do presidente do CAAD para se pronunciar quanto à comunicação de revogação do ato, este nada disse, tendo o processo prosseguido.

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular, foi constituído em 17-11-2021.

 

Em 21-01-2022, foram notificadas as partes do despacho de 20-01-2022, proferido pelo Tribunal Arbitral, no qual se dispensava a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, tal como a produção de alegações a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo.

 

No mesmo despacho o Tribunal Arbitral estimava ainda que, a prolação de decisão arbitral ocorresse dentro do prazo máximo previsto no n.º 1, do artigo 21.º, do RJAT, convidando o Requerente, a pagar a taxa arbitral subsequente prevista no artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, no prazo de 10 dias.

Por último, no dia 27-01-2022, o Requerente informou nos autos de que:

a.            Em 03-11-2021, fora notificado pela AT da revogação do referido ato tributário; em 9-12-2021, a AT cumpriu o despacho de revogação do ato tributário e o Requerente foi reembolsado do valor do imposto pago indevidamente; em 20-12-2021, o Requerente recebeu da AT o montante de juros indemnizatórios;

b.            Conclui, requerendo a “desistência do presente pedido de pronúncia arbitral, por inutilidade superveniente da lide”.

 

II.            SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo é o próprio, e não enferma de nulidades.

Suscitando-se a questão da inutilidade superveniente da lide, será esta apreciada previamente, com vista a saber se ocorre a referida exceção.

III.          DO DIREITO

1.            A questão a decidir.

Por parte da Requerente foi expresso o entendimento de que se verifica a inutilidade superveniente da lide, no caso em apreço.

Conclui-se, pois, que a única questão a decidir previamente, é a da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Cumpre apreciar e decidir.

2.            A Impossibilidade/Inutilidade da Lide

Dispõe o artigo 277.º do Código de Processo Civil (CPC), que são causas de extinção da instância:

a) O julgamento;

b) O compromisso arbitral;

c) A deserção;

d) A desistência, confissão ou transação;

e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide

Nos termos do disposto na alínea e), do artigo 277.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, por conseguinte, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. Se o objeto da lide deixou de existir, a instância deve ser extinta.

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

 

Segundo Lebre de Freitas, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” — Cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 633. No mesmo sentido, “Lopes do Rego, Comentários, pág. 611 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381”.

 

Como é sabido, “A instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria do CAAD, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral (artigo 259.º, n.º 1, do CPC, adaptado ao processo arbitral)” (Cfr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª Edição, pág. 155).

 

Recordando:

 

Em 07-09-2021, o sujeito passivo apresentou pedido de pronúncia arbitral;

 

A Requerida foi notificada do pedido, a 14-09-2021;

 

O ato tributário impugnado (liquidação de IRS n.º 2021..., de 2019), foi revogado parcialmente pela Ex.ma Senhora Subdiretora Geral do Rendimento, em 25-10-2021;

 

A revogação em análise foi notificada ao Requerente, em 28-10-2021;

 

Notificado o Requerente, na mesma data, para se pronunciar quanto à comunicação de revogação do ato, este nada disse de acordo com o que nos é dado a conhecer pela documentação constante dos autos, tendo o processo prosseguido a sua normal tramitação;

 

O tribunal arbitral singular, foi constituído em 17-11-2021.

 

De acordo com os factos concretos em análise, não estamos apenas perante a inutilidade superveniente da lide, mas também face a uma impossibilidade da própria lide. Com efeito, a revogação do ato tributário, cuja legalidade constituía o objeto mediato do processo, torna esta lide impossível de prosseguir.

 

À data da constituição do tribunal arbitral, em 17-11-2021, a lide já se revelava impossível porquanto o ato tributário tinha sido revogado previamente, em 25.10.2021, tendo-se eliminado os seus efeitos da ordem jurídica.

 

Recorda-se a este propósito que, o Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, em vigor, passou a distinguir entre a revogação e a anulação administrativa, fazendo corresponder a cada uma destas figuras as duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e revogação anulatória.

De acordo com o seu artigo 165.º, a revogação é “o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”, distinguindo-se da anulação administrativa como “ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade”.

A revogação produz, em regra, apenas efeitos para o futuro (artigo 171.º, n.º 1, do CPA), sendo que a anulação administrativa, por sua vez, tendo por objeto a eliminação do mundo jurídico de atos anuláveis possui, de uma maneira geral, efeitos retroativos (artigo 171.º, n.º 3, do CPA).

No caso em análise e não obstante a utilização da terminologia anteriormente aplicável, a AT entendeu “revogar” o ato tributário com fundamento em considerações de legalidade e não de mera discricionariedade, praticando um ato de verdadeira anulação administrativa.

De resto, reconhece o Requerente a coberto do seu requerimento, de 27-01-2022, que de modo voluntário a AT “deu integral cumprimento ao peticionado” no pedido de pronúncia arbitral.

Nestes termos, os resultados que o Requerente visava com o presente processo arbitral foram também integralmente atingidos, pelo que não resultariam quaisquer efeitos úteis de uma eventual prolação de decisão arbitral, conhecendo do mérito das pretensões aduzidas.

E bem assim, encontra-se igualmente inviabilizada a apreciação da legalidade da liquidação porquanto o ato tributário foi revogado antes da constituição do Tribunal Arbitral, verificando-se a impossibilidade superveniente da lide.

Em qualquer das situações, a impossibilidade e/ou inutilidade da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

 

IV.          DAS CUSTAS

Colocada a questão das Custas, atendamos ao disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT:

 

Nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (fora das situações expressas no n.º 2 da mencionada norma), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do Requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável à Requerida, caso em que é esta a responsável pela totalidade das custas.

 

A Requerida procedeu à revogação do ato de liquidação antes da constituição do Tribunal Arbitral, pelo que o prosseguimento do processo, apesar da satisfação integral do pedido formulado, só ao Requerente pode ser imputável.

 

Com efeito, no caso de revogação do ato impugnado, deverá a AT notificar o contribuinte para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo a instância se este nada disser ou se vier declarar que pretende mantê-la (artigos 112.º, n.º 3, do CPPT e 13.º, n.º 2, do RJAT).

 

A ausência de resposta do Requerente ao Despacho do Ex.mo Senhor Presidente do CAAD, de 28-10-2021, através do qual foi solicitado que se dignasse informar o CAAD sobre o prosseguimento do procedimento, deu origem à constituição do Tribunal Arbitral.

 

Em 03-11-2021, foi o Requerente notificado pela AT da revogação do referido ato tributário, concluindo ainda a AT pela restituição do imposto pago a mais, assim como pelo pagamento dos respetivos juros indemnizatórios.

 

Não encontramos razões invocadas nos autos para o prosseguimento do procedimento com vista à constituição do Tribunal Arbitral, em 17-11-2021.

 

O artigo 3.º-A do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária dispõe de resto que, “cessando o procedimento por qualquer motivo antes de ser constituído o tribunal arbitral, o requerente é reembolsado da taxa de arbitragem paga, deduzindo-se um valor para efeito da cobrança de encargos administrativos e de processamento”.

 

Estamos assim fora do âmbito da exceção prevista no referido 536.º, n.º 3, afirmando-se que a impossibilidade ou inutilidade é imputável à Requerida, uma vez que a faculdade de revogação do ato dentro dos 30 dias concedidos pelo artigo 13.º, do RJAT, permite precisamente evitar que, não havendo razões atendíveis, seja dada continuidade ao procedimento que está na origem das custas.

 

Acompanhamos também nesta matéria a declaração de voto vencido proferido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), de 21-05-2020, processo n.º 114/19.3BCLSB, onde se pode ler o seguinte: “No caso em apreço, como ficou demonstrado, a pretensão da Requerente foi satisfeita integral e voluntariamente pela Requerida, por esta ter revogado os atos tributários impugnados. (…) Com efeito, notificada por despacho do Presidente do CAAD (…) para se pronunciar quanto ao requerimento apresentado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º n.º 1, do RJAT, pela Requerida, a Requerente nada veio dizer/requerer aos autos, pelo que, atenta essa postura silente, apenas por causa dela houve lugar à constituição deste Tribunal Arbitral. Efetivamente, a constituição do Tribunal Arbitral não teria ocorrido se a Requerente tivesse, na referida ocasião, vindo aos autos pronunciar-se no sentido da inutilidade superveniente da lide e consequente extinção do processo, uma vez que é apodítico que a Requerida revogou o ato tributário em momento anterior ao da constituição do Tribunal Arbitral.

As custas deste processo devem, por isso, ser totalmente imputáveis à Requerente.”

 

V.           DECISÃO

a.            Termos em que o presente Tribunal Arbitra declara, sem mais delongas, verificada a causa de extinção da instância arbitral, prevista no artigo 277.º, al. e) do CPC, por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.

 

b.            De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 27 845,38 (vinte e sete mil oitocentos e quarenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada.

 

c.            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas, em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, imputáveis ao Requerente.

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de fevereiro de 2022              
 

A Árbitra

/Alexandra Iglésias/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.