Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 559/2020-T
Data da decisão: 2021-06-24  Selo  
Valor do pedido: € 238.502,30
Tema: IS - Isenção; artigo 7.º, n.º 1, alínea d); Benefícios fiscais; Diretiva 2008/7/CE.
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 SUMÁRIO:

 

I.             Nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária;

II.            Esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;

III.          Uma SGPS não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade;

IV.          Não é possível extrair do regime jurídico das SGPS’s; do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36/UE, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento (UE) n.° 575/2013, que as SGPS's, como as Requerentes, pelo objeto e natureza das participações, integram o conceito de "instituição financeira";

V.           Os encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos não cabem no conceito de formalidades conexas, a que se refere o artigo 5.º, n.º2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Rui Miguel de Sousa Simões Fernandes Marrana e José Nunes Barata (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

1. No dia 19-10-2020, A..., SA (anteriormente designada por Grupo B..., SGPS, SA), pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., nº..., ..., piso ..., ...-... ..., com o capital social de 115.125,00 euros, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de ... (doravante “Grupo A...” e C..., SGPS, SA, pessoa coletiva nº ..., com sede na Rua do ..., nº...,  ..., piso ..., ...-... ..., com o capital social de 47.075.470,00 euros, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de ... (doravante “C...”), doravante designadas conjuntamente por “Requerentes”, vieram, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, apresentar pedido de constituição de Tribunal arbitral, para apreciação da legalidade dos indeferimentos da reclamação graciosa, na medida em que desatendem o reconhecimento de ilegalidade de liquidação de Imposto de Selo repercutido nas Requerentes nos períodos de Abril a Dezembro de 2017, e, bem assim, a legalidade de tais liquidações de Imposto de Selo, no montante total de 238.502,30 euro, e, consequentes, anulação da liquidação de imposto do selo (doravante IS), reembolso desta quantia, com juros indemnizatórios  e reenvio prejudicial, se o Tribunal Arbitral entender necessário.

2.     É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 3. Posição das partes

A fundamentar o pedido alegam as Requerentes:

-Ilegalidade por violação do artigo 1.º, n.º 1 do CIS conjugado com a Tabela Geral de Imposto do Selo, conjugado com a Tabela Geral de Imposto do Selo e, bem assim, por violação do direito comunitário, mais concretamente, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008.

Alegam as Requerentes, em suma, que o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE incorpora também a proibição de sujeição a Imposto do Selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos (instituições que detêm o exclusivo legal da tomada firme e colocação das emissões) na vigência dos referidos contratos, por revestirem a natureza de “formalidades conexas” com estes mesmos contratos.

A título subsidiário, invocam as Requerentes, na medida em que não seja claro para o Tribunal Arbitral o que exige nas circunstâncias do caso o direito comunitário, deverá então o Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia das questões que entenda formular em função da concreta dúvida, conforme previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

-Ilegalidade por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo

A Fundamentar a ilegalidade defendem as Requerentes que, na qualidade de mutuárias Grupo A... e C..., preenchem o requisito subjetivo previsto no texto legal, tal como já decidido na Decisão Arbitral, proferida em 5 de Setembro de 2020, no âmbito do processo n.º 911/2019-T  onde se concluiu que “Uma sociedade gestora de participações sociais constitui uma instituição financeira para efeito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo” (cfr. sumário constante da pág. 1 do referido acórdão).

Com efeito, considerou o tribunal arbitral, no citado acórdão, a propósito da isenção aqui em causa prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do Código do Imposto do Selo, que (sublinhado e destaque nosso), entre o mais, que “A isenção abrange, por conseguinte, segundo a própria terminologia legal, a concessão de crédito a “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”.

No preceito para que se efetua a remissão, o Regulamento define como “instituição financeira” uma empresa que não seja uma instituição [de crédito], cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.

Torna-se assim evidente que a remissão da norma que estabelece a isenção de imposto de selo é feita para o direito europeu e, especificamente, para sobreditas disposições da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, havendo de reconhecer-se, neste contexto normativo, que uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas atividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal atividade é a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

(…)

Certo é que na transposição da Diretiva 2013/36/EU para o direito interno, o legislador nacional adotou um conceito mais restrito de “instituição financeira”, caracterizando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.  

No entanto, para efeitos  da aplicação da isenção do imposto de selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto de selo.”

[…]

“Como é tido como assente (alínea A) da matéria de facto) – e não é sequer controvertido pelas partes -, a Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e está domiciliada em Portugal. E nessa qualidade não pode deixar de se encontrar abrangida pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo.”.       

- Alegado comportamento arbitrário da Requerida quanto considera outras instituições como instituições financeiras e recusa tal qualificação às Requerentes. 

 A este propósito alegam as Requerentes, em suma, que não faz sentido  interpretar-se o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS como não abrangendo créditos concedidos a sociedades gestoras de participações (apesar de integrarem o cardápio de instituições financeiras da legislação comunitária), num contexto em que esta isenção abrange créditos concedidos a fundos de investimento imobiliário (conforme entendimento da AT e dos Tribunais), créditos concedidos a FCR e SCR (no entendimento da AT também), créditos concedidos a sociedades de gestão de fundos de investimento (que nem sequer investem, quem investe são os participantes no fundo), créditos concedidos a sociedades de investimento, etc.

- Ilegalidade por inconstitucionalidade

Para as Requerentes seria, pois, inconstitucional a norma que permitisse tal correção por quem tem mera função de intérprete e aplicador da lei. A incidência e o afastamento da incidência dos impostos via benefícios fiscais são, constitucionalmente falando, reserva de lei da Assembleia da República, como tal insuscetíveis de serem modificadas casuisticamente por via administrativa ou outra, a pretexto de que, no critério do aplicador da lei, a Assembleia da República devia ter legislado assim, ou assado, e não o fez. E, mais ainda, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS na redação em vigor à data dos factos (2017) é inconstitucional quando interpretado (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as sociedades gestoras de participações sociais, num contexto em que é interpretada como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, (artigos 2.º - “Estado de direito” – e artigo 13.º - “Princípio da igualdade” -, ambos da Constituição da República Portuguesa).

A Requerida, na Contestação, alega, entre o mais:

Que as Requerentes não explicitam como foi obtido o montante de imposto do selo que consideram ter sido liquidado indevidamente sobre comissões bancárias associadas aos programas de papel comercial e, bem assim, também não são identificados os concretos serviços financeiros prestados pelas instituições bancárias, não sendo assim possível comprovar tal valor.

Que se verifica exceção da incompetência do tribunal arbitral, por impossibilidade de impugnação contenciosa direta.

Quanto ao  conteúdo a dar à expressão “formalidades conexas” utilizada no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE, que o conceito deve ser interpretado conforme  a posição expressa no Parecer n.º 507/2004, da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, da DGCI, que  considera que « A expressão “formalidades conexas” reporta-se, assim, apenas às formalidades da operação de reunião de capitais propriamente dita, no caso,  a emissão de papel comercial, ou seja, à sua exterioridade perante os destinatários da operação.», onde cabem nomeadamente as operações de inscrição no livro registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões.

A Requerida contesta a interpretação que as Requerentes retiram da jurisprudência do TJUE, sendo que a orientação genérica sobre a interpretação “latu sensu” do artigo 5, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE, não leva a considerar inevitavelmente que toda e qualquer remuneração cobrada pela intermediação financeira em empréstimos obrigacionistas ou programa de papel comercial, tributada em imposto do selo pela verba 17.3.4, caiba na expressão “formalidades conexas”.

Ademais, é no Acórdão de 27 de outubro de 1998, processos C-31/97 e C-32/97, que o Tribunal fornece uma ideia mais aproximada dos atos ou operações que podem incluir-se na expressão “formalidades conexas”, concretizando com o ato notarial obrigatório para o registo do reembolso do empréstimo. 

Está em causa, portanto, neste ponto saber se as Requerentes, na qualidade de sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e contraparte nas operações de concessão de crédito e de cobrança de juros e comissões integram, ou não, o elemento subjetivo da norma de isenção, onde cabem, no que aqui tem relevo, “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchem os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.

A Requerida contesta igualmente que as Requeridas preencham o requisito subjetivo previsto no artigo 7.º, n.º1, alínea e) do CIS, porquanto, com base na fundamentação da decisão arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, as Requerentes não podem ser qualificadas como instituições financeiras, de crédito ou sociedades financeiras para efeitos da referida norma de isenção.

Para aplicação do referido preceito há que atender à “forma e objeto” das entidades em causa, não bastando uma entidade arrogar-se como SGPS para ser qualificada como instituição financeira.

Quanto ao facto de as Requerentes chamarem a atenção para a Proposta de Diretiva do Conselho que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras (Documento COM/2013/071 final - 2013/0045), a verdade é que a convocação daquela Proposta de Diretiva para reforçar a qualificação das SGPS em geral como “instituições financeiras” para efeitos da aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, não tem qualquer efeito útil, porquanto, esta Proposta encontra-se ainda em fase de discussão, logo, não sequer integra ainda o acervo da “legislação comunitária”.

Quanto ao argumento de uma alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades – os FCR, SCR, FII – que a AT terá qualificado como “instituição financeira” para efeitos da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, o que pode dizer-se é que não faz sentido empreender um exercício de comparação, tanto mais que o enquadramento legal, tanto no plano nacional como europeu, são distintos.

Finalmente a Requerida refuta as inconstitucionalidades suscitadas com base no consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T. 

4.     O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 19-10-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-10-2020. Em 14-12-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 5.     As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 14-12-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, pelo que o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 14-01-2021.

 6.  Em 19-01-2021, foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

7. A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 06-04-2021, atenta a suspensão dos prazos judiciais e arbitrais, determinada por força da lei.

8. Em 11-04-2021, foi proferido Despacho arbitral determinando a notificação do SP, para no prazo de 10 dias, exercer o contraditório relativamente à matéria da exceção, bem como indicar os factos insuscetíveis de prova documental, sobre os quais pretendia produzir prova testemunhal.

9. Em 22-04-2021, as Requerentes apresentaram resposta à exceção de incompetência do tribunal arbitral, que fora deduzida pela Requerida, e consideraram útil a inquirição da testemunha, que tinham arrolado, pelo que indicaram, caso o Tribunal considerasse útil, os factos sobre que deveria ser ouvida.

10. Em 21-05-2021, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho, que foi notificado às Partes em 24-05-2021:

“1. Notificado o SP para indicar os factos sobre os quais pretendia fazer prova testemunhal, veio dizer que a prova é documental e se encontra nos autos, relegando para o Tribunal a valoração sobre a necessidade da mesma. Por sua vez, a Requerida pronunciou-se sobre a desnecessidade da prova testemunhal.

2. Por a questão ser essencialmente de direito e a prova assumir natureza documental, justifica-se a dispensa de audição de testemunhas.

3. Tendo sido exercido o contraditório em matéria de excepção e não havendo prova a produzir, dispensa-se a realização da audiência (art. 18º do RJAT).

4. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.

5. Designa-se o dia 14 de Julho de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral, devendo, até essa data, a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

6. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em formato word.

Deste despacho notifiquem-se ambas as partes.”

 11. Em 15 de julho de 2021 foi proferida a decisão arbitral.

 

II- SANEAMENTO

11. A Autoridade Tributária suscitou a exceção de incompetência material do Tribunal, o que será analisado mais adiante, onde se conclui no sentido de que o Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

III- DO MÉRITO

III-I- MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 a)     As Requerente são SGPS, isto é, sociedades gestoras de participações sociais, previstas e regidas pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (e alterações subsequentes), que, como tal, exercem uma atividade económica de forma apenas indireta, e são SGPS domiciliadas em Portugal (cfr. docs n.ºs 1, 8 e 9, juntos pelo SP);

b)  Em especial, no caso das Requerentes, a sua atividade tem como objeto designadamente a Realização de investimentos, projetos de investimento e estudos de viabilidade económico financeira; serviços de consultoria em áreas técnicas, nomeadamente contabilística e financeira, de gestão e apoio à organização de empresas, assim como o exercício de atividades combinadas de vários serviços administrativos correntes; elaboração de estudos e projetos diversos, incluindo os de viabilidade técnico-económica e financeira; apoio técnico a ações de desenvolvimento e promoção de investimentos internacionais; realização de estudos de mercado, campanhas de marketing e publicidade, bem como ainda a promoção de produtos de instituições financeiras e receção de comissões bancárias. Formação profissional, serviços de segurança, higiene e medicina no trabalho. Desenvolvimento de novas soluções nas diferentes áreas de telecomunicações, indústria, turismo, informática e tecnologia das comunicações, com recurso à investigação, desenvolvimento, formação e transferência de tecnologia. Prestação de serviços de consultoria nas referidas áreas. A sociedade poderá também desenvolver e comercializar software e prestar serviços técnicos, tais como acesso à internet, correio eletrónico, conteúdos, aplicações próprias ou de terceiros, etc. (cfr. doc 1 junto pelas Requerentes e PA);

c) Os atos objeto do presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são os indeferimentos da reclamação graciosa, supra identificados, e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os atos de liquidação de Imposto do Selo repercutidos nas requerentes, supra identificados, relativos a operações de crédito e intermediação financeira em emissões de papel comercial das entidades supra identificadas e referentes aos períodos de Abril a Dezembro de 2017, bem como as declarações emitidas pelas instituições de crédito (cfr. Docs. n.ºs 2 e 3, juntos pelas Requerentes com o Pedido,  e docs 1 a 3 , 5, 7 e 8 do PA );

d) As referidas liquidações de Imposto do Selo (operações de crédito e intermediação financeira em emissões de papel comercial que as desencadearam) foram realizadas pela D..., pessoa colectiva n.º..., pelo E..., pessoa colectiva n.º ..., pela F..., pessoa colectiva n.º... , pelo G..., pessoa colectiva n.º..., pelo H..., pessoa colectiva n.º..., pelo I..., pessoa colectiva n.º..., pela J..., pessoa colectiva n.º..., e legalmente repercutidas na Grupo A... e na C..., liquidações  expressamente identificadas pelas instituições de credito em causa (cfr.  Docs. n.ºs 2 e 3, cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais), bem como os respectivos contratos (cfr. docs 12 a 23, que se dão igualmente por reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos);  

e) As Requerentes juntam adicionalmente as certificações dos contabilistas certificados da Grupo A... e da C... como Docs. n.ºs 38 e 39, respectivamente, e, bem assim, a documentação de facturação/cobrança emitida pelos bancos, como Docs n.ºs 40 e 41, respectivamente;

 f) Aqui está em causa o Imposto do Selo dos períodos de Abril a Dezembro de 2017, conforme quadro síntese com a segregação destes períodos que se reproduz (cfr.artigo 25.º do Pedido):

 

Grupo A..., S.A.

Instituição de crédito     Data da liquidação          Guia do Imposto do Selo (n.º)    Natureza do Gasto          Valor de Imposto (€)

D…         abr/17              Utilização de crédito / Comissões            833,67 €

                mai/17               Utilização de crédito / Juros       2.212,03 €

                jun/17               Utilização de crédito / Juros / Comissões             4.665,24 €

                jul/17                 Utilização de crédito / Juros / Comissões             2.070,03 €

                ago/17               Utilização de crédito      826,67 €

                set/17                Utilização de crédito / Juros / Comissões             1.795,14 €

                out/17  ...            Utilização de crédito      800,00 €

                nov/17              Utilização de crédito      826,67 €

                dez/17               Utilização de crédito / Juros / Comissões             1.767,78 €

                Subtotal D...       15.797,23 €

E…          abr/17               Utilização de crédito / Juros / Comissões             2.326,93 €

                mai/17               Utilização de crédito / Juros / Comissões             1.282,47 €

                jun/17               Utilização de crédito / Juros       903,67 €

                jul/17                 Utilização de crédito / Juros       1.342,89 €

                ago/17               Utilização de crédito / Juros       819,79 €

                set/17   ...            Utilização de crédito / Juros       793,34 €

                out/17               Utilização de crédito / Juros / Comissões             2.383,35 €

                nov/17              Utilização de crédito / Juros       554,17 €

                dez/17               Utilização de crédito / Juros       740,44 €

                Subtotal E…        11.147,05 €

F…          mai/17               Juros / Comissões           931,04 €

                jun/17               Juros     405,61 €

                jul/17                 Juros     395,18 €

                ago/17               Juros     371,23 €

                set/17                Juros     336,08 €

                out/17  ...            Juros     323,33 €

                nov/17              Juros     289,72 €

                dez/17  ...            Juros     275,43 €

                Subtotal A F…    3.327,62 €

G…         abr/17               Utilização de crédito      2.446,99 €

                mai/17               Utilização de crédito      2.273,33 €

                jun/17               Utilização de crédito      2.251,23 €

                jul/17                 Utilização de crédito      2.083,89 €

                ago/17  ...            Utilização de crédito      2.055,47 €

                set/17                Utilização de crédito      1.957,59 €

                out/17               Utilização de crédito      1.799,72 €

                nov/17              Utilização de crédito      1.761,83 €

                dez/17  ...            Utilização de crédito      1.556,60 €

                Subtotal G…       18.186,65 €

Banco H…            mai/17              Utilização de crédito      395,66 €

                set/17   ...            Utilização de crédito      412,73 €

                nov/17              Utilização de crédito      413,51 €

                dez/17               Utilização de crédito      398,58 €

                Subtotal H…       1.620,48 €

                TOTAL                                  50.079,03 €

 

C..., SGPS, S.A.

Instituição de crédito     Data da liquidação          Guia do Imposto do Selo (n.º)    Natureza do Gasto          Valor de Imposto (€)

D…         abr/17              Utilização de crédito      3.306,67 €

                jun/17               Utilização de crédito / Juros / Comissões             8.764,44 €

                jul/17                 Utilização de crédito / Juros / Comissões             127.117,43 €

                Subtotal D...       139.188,54 €

Banco I…             abr/17   ...            Utilização de crédito      20.000,00 €

                jul/17                 Utilização de crédito / Juros / Comissões             16.890,00 €

                set/17                Utilização de crédito / Juros / Comissões             11.438,37 €

                nov/17              Juros     603,33 €

                Subtotal Banco I…           48.931,70 €

J...          abr/17               Comissões          31,53 €

                mai/17               Comissões          18,16 €

                jun/17  ...            Comissões          146,68 €

                jul/17    ...            Comissões          106,66 €

                Subtotal J...        303,03 €

                TOTAL                                  188.423,27 €

 

g) As Requerentes apresentaram na reclamação graciosa um quadro sumário com a desagregação por instituição de crédito, dos encargos liquidados pelas mesmas a título do Imposto do Selo, por referência ao período compreendido entre Abril de 2017 e Dezembro de 2017, no âmbito dos contratos identificados no Documento n.º 5 (cfr. artigo 19.º da reclamação e PA);

h) Na sequência da apresentação de reclamação graciosa contra aquelas identificadas liquidações de Imposto do Selo, nos termos da lei repercutidas pelas entidades supra identificadas nas requerentes, foram as requerentes notificadas dos seus indeferimentos em 24 de Julho de 2020  (Docs. n.ºs 4 e 5), cuja motivação resulta dos projetos de decisão que antecederam (Docs. n.ºs 6 e 7);

h) Em 19-10-2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pelas Requerentes, bem como a constante do PA.

Como vimos, a Requerida veio na contestação alegar “Que as Requerentes não explicitam como foi obtido o montante de imposto do selo que consideram ter sido liquidado indevidamente sobre comissões bancárias associadas aos programas de papel comercial e, bem assim, também não são identificados os concretos serviços financeiros prestados pelas instituições bancárias, não sendo assim possível comprovar tal valor.”

Em exercício do contraditório alegam as Requerentes não assistir também razão à Requerida, quanto a faltar apurar em concreto os encargos referidos pelas Requerentes, como decorre  da prova documental junta aos autos, que inclui as declarações emitidas pelas instituições bancárias relativas ao Imposto do Selo suportado pelas Requerentes, os diversos contratos celebrados com aquelas mesmas instituições, as certificações do contabilista certificado e, bem assim, os documentos de faturação subjacentes ao Imposto do Selo em causa, tudo em conformidade com os documentos juntos ( cfr. os docs 2 e 3 , 12 a 23, 38 e 39 e, bem assim, docs 40 e 41), conforme matéria de facto dada como provada.

Na reclamação graciosa, as Requerentes afirmam, no artigo 19.º,  que, por forma a facilitar a análise da reclamação e delimitar o respetivo âmbito, as “Reclamantes apresentam infra um sumário, com a desagregação por instituição de crédito, dos encargos liquidados pelas mesmas a título do Imposto do Selo, por referência ao período compreendido entre Abril de 2017 e Dezembro de 2017, no âmbito dos contratos identificados no Documento n.º 5, o qual inclui a referência às respetivas declarações emitidas pelas instituições de crédito e aos documentos contendo a decomposição dos respetivos montantes, quadro sumário que se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. Em especial, sobre comissões com serviços financeiros prestados com a emissão de papel comercial, vejam-se, os docs n.ºs 2, 3, e 7, do PA.

Para além de os documentos juntos pelas Requerentes se afigurarem suficientes para prova das liquidações impugnadas, como decorre da matéria de facto dada como provada, para a qual se remete [cfr. os pontos d), e), f) e g)], a verdade é que a questão, tal como vem configurada pelo pedido e causa de pedir, é essencialmente de direito, como se conclui do indeferimento da reclamação graciosa  e é afirmado pela Requerida na Contestação .

Com efeito, o que se discute, como refere, aliás, a Requerida, no ponto 27.º da Contestação, é a alegada ilegalidade das autoliquidações de IS sobre encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições bancárias, a título da prestação de serviços de intermediação financeira em emissões de papel comercial efetuadas pela Requerente, por violação do artigo 1.º, n.º 1 do CIS conjugado com a Tabela Geral de Imposto do Selo e, bem assim, por violação do direito comunitário, mais concretamente, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais. O que demonstra que a Requerida, além de suscitar na Contestação questão inovadora, entra em contradição.

 

 III-II- DO DIREITO

 III- II-1-Questão prévia

 

Como ficou dito, na Contestação veio a Requerida suscitar a exceção de incompetência, por impossibilidade de impugnação contenciosa direta.

Para a Requerida, os actos de autoliquidação de Imposto do Selo (IS), não são suscetíveis de impugnação contenciosa direta, por não estarem preenchidos os requisistos previstos no termos do artigo 131.º, n.º 1, do Código de procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o qual prescreve que : «Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.», salvo «Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1.»

Segundo a Requerida, nenhuma orientação genérica emitida pela AT é invocada e, por outro lado, não está em causa matéria exclusivamente de direito. Efetivamente, é necessário apurar em concreto os encargos referidos pelas Requerentes a este propósito e como resulta da factualidade supra, para que se remete e se dá aqui por reproduzida, de modo a evitar repetições inúteis, não é feita essa prova sem que suscitem dúvidas quanto aos respetivos montantes. Deste modo, atenta a falta de preenchimento de qualquer um dos pressupostos cumulativos referidos, não pode aproveitar-se do disposto no artigo 131.º, n.º 3 do CPPT, porquanto, quanto a estes encargos, com o fundamento agora apresentado no ppa, não foi previamente apresentado reclamação graciosa ou revisão oficiosa das autoliquidações aqui em causa.

Em exercício do contraditório, vieram as Requerentes alegar, entre o mais, que, em relação aos actos de (auto)liquidação de Imposto do Selo aqui em causa correspondentes a encargos directamente relacionados com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, foi suscitada no Pedido de Pronúncia Arbitral, a respectiva ilegalidade também (e não apenas) por violação do artigo 1.º, n.º 1 do CIS conjugado com a Tabela Geral de Imposto do Selo e, bem assim, por violação do direito comunitário, mais concretamente, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Directiva 2008/7/CE (ausência de incidência objectiva e, em qualquer caso, violação do direito comunitário).

Por outro lado, quanto à questão de saber se, em concreto, é possível suscitar em sede de impugnação judicial, ou pedido de pronúncia arbitral, ilegalidades imputáveis à (auto)liquidação que constitui objecto da referida impugnação judicial, ou do pedido de pronúncia arbitral, que não foram previamente suscitadas no âmbito da precedente reclamação graciosa, a jurisprudência dos tribunais superiores já se pronunciou uniformemente em sentido afirmativo, incluindo o próprio Supremo Tribunal Administrativo (STA), nomeadamente os seguintes: Acórdão do STA, de 03.07.2019, proferido no âmbito do processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18; no Ac. do STA de 28/10/2009, proferido no recurso n.º 595/09, e no Acórdão de 11.09.2013, recurso 1138/12.

Veja-se a título de exemplo, o consignado no Acórdão desta Secção de Contencioso Tributário de 03-06-2015, processo nº 0793/14, onde se pode ler que: «Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do ato tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afetem o ato tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.».

Este entendimento acolhido pela supracitada jurisprudência, que subscrevemos, é também o único que é compaginável com princípios constitucionais essenciais à compreensão daquilo que é a atividade jurisdicional e portanto o que melhor se coaduna com o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 20º e 268º, n.º 4 da C.R.P., os quais visam garantir o acesso aos tribunais para obtenção pelos cidadãos da tutela adequada aos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Finalmente, invocam as Requerentes que, a seguir-se esta interpretação dos poderes do Tribunal Arbitral, a norma constante do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, nesta interpretação da AT, que impediria o Tribunal Arbitral de se pronunciar sobre ilegalidade do acto tributário não invocada em sede do precedente procedimento administrativo, seria inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de direito democrático e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 2.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição).

Por outro lado, como vimos, alegam as Requerentes não assistir também razão à Requerida, quanto a faltar apurar em concreto os encargos referidos pelas Requerentes, como decorre da prova documental junta aos autos, que inclui as declarações emitidas pelas instituições bancárias relativas ao Imposto do Selo suportado pelas Requerentes, os diversos contratos celebrados com aquelas mesmas instituições, as certificações do contabilista certificado e, bem assim, os documentos de faturação subjacentes ao Imposto do Selo em causa (cfr. matéria de facto dada como provada ).

Vejamos.

Constitui doutrina e jurisprudência assente que excluir da jurisdição arbitral o pedido em análise apenas porque o meio utilizado devia ter sido uma reclamação prévia graciosa seria violar os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.

Com efeito, a regra, quer para a impugnação judicial, quer para a arbitragem, é que se submetam ao crivo da AT todos aqueles atos relativamente aos quais esta entidade ou ainda não se pronunciou ou ainda não teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade para se pronunciar antes de o tribunal judicial ou arbitral se pronunciar quanto à sua legalidade. Mas essa função é perfeitamente suprida através do pedido de revisão oficiosa ou o uso de outro meio.

É, assim, manifesta a equiparação entre o pedido de revisão do ato tributário à reclamação graciosa sobre atos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta. Na verdade, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…”

Em suma, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário é um mecanismo de abertura da via contenciosa perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária, porquanto serve o propósito de permitir que a AT se pronuncie sobre os atos de autoliquidação. Neste sentido, ver as Decisões Arbitrais proferidas, entre outros, nos processos n.ºs 143/2015-T; 577/2016-T; e 408/2019-T. O fundamental é proporcionar à Requerida a oportunidade de reapreciar a questão, como aconteceu no caso, através de reclamação graciosa que foi indeferida.

Por outro lado, quanto à invocação na impugnação de vícios não alegados em sede de impugnação graciosa, como se pode ler em recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 27 de Abril de 2017, proferido no processo n.º 08958/15 :“1) Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.

2) A presente regra deve ser aplicada aos processos arbitrais.

3) As impugnações administrativas constituem formas de tutela do contribuinte perante o Fisco, de forma que a instauração do seu procedimento reabre a apreciação da situação subjacente ao acto tributário, o qual não se consolida até ao trânsito em julgado da decisão judicial incidente sobre a sua impugnação.

4) Associar o efeito preclusivo da competência do tribunal arbitral à não invocação na sede administrativa de certo vício fundamento do pedido de pronúncia arbitral colide com o regime das impugnações administrativas como garantias dos contribuintes no quadro do direito à tutela jurisdicional efectiva.

5) A restrição do universo de elementos constitutivos da causa de pedir arbitral em função da discussão efectuada em sede procedimental constitui uma restrição desproporcionada da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que a garantia do cumprimento da legalidade fiscal assegurada pelos procedimentos administrativos de revisão do acto tributário não pode operar como um impedimento de tal revisão em sede contenciosa, seja a mesma garantida através de um tribunal do Estado, seja a mesma garantida através de um tribunal arbitral”.

Jurisprudência perfeitamente transponível para a arbitragem tributária, tanto mais que são suscitadas ilegalidades que são de conhecimento oficioso.

Finalmente, alega a Requerida não estar preenchido o requisito do n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, por não se tratar de matéria exclusivamente de direito, em especial porque “as Requerentes não explicitam como foi obtido o montante de imposto do selo que consideram ter sido liquidado indevidamente sobre comissões bancárias associadas aos programas de papel comercial e, bem assim, também não são identificados os concretos serviços financeiros prestados pelas instituições bancárias.” (…).

Para além de os documentos juntos pelas Requerentes se afigurarem suficientes para prova das liquidações impugnadas, como decorre da matéria de facto dada como provada, para a qual se remete [pontos constantes das alíneas c), d), e), f) e g)], a verdade é que a questão, tal como vem configurada pelo pedido e causa de pedir, é essencialmente de direito, como admite a própria Requerida. Com efeito, o que se discute, como refere a Requerida, no ponto 27.º da Contestação, é a alegada ilegalidade das autoliquidações de IS sobre encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições bancárias, a título da prestação de serviços de intermediação financeira em emissões de papel comercial efetuadas pela Requerente, por violação do artigo 1.º, n.º 1 do CIS conjugado com a Tabela Geral de Imposto do Selo e, bem assim, por violação do direito comunitário, mais concretamente, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

Termos em que improcede a alegada exceção de incompetência.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III - II-2- Quanto às alegadas ilegalidades

 

A questão central que se discute, nos presentes autos, incide sobre a alegada ilegalidade das autoliquidações de IS sobre encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições bancárias (D..., pelo E..., pela F..., pelo G..., pelo H..., pelo I... e pelo J...), contratadas pelas Requerentes para prestação de serviços de intermediação financeira, em emissões de papel comercial, realizadas entre abril e dezembro de 2017, no montante total de € 238.502,30, e legalmente repercutidas às Requerentes, por violação do artigo 1.º, n.º 1 do CIS conjugado com a Tabela Geral de Imposto do Selo e, bem assim, por violação do direito comunitário, mais concretamente, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro 2008.

Cumpre esclarecer, portanto, que o IS em causa não incidiu sobre as operações realizadas pelas instituições de crédito acima mencionadas, mas sim sobre as comissões cobradas por aquelas instituições pelos serviços financeiros contratados pelas Requerentes para as operações de serviços financeiros, incluindo emissão de papel comercial.

A fundamentar o pedido alegam as Requerentes como causa de pedir:

A.           Ilegalidade por violação do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 (em conexão com o artigo 1.º, n.º 1, do CIS conjugado com a Tabela Geral do IS);

B.            Ilegalidade por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo

C.            Ilegalidade por alegado comportamento arbitrário da Requerida; 

D.           Ilegalidade por inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, (artigos 2.º - “Estado de direito” – e artigo 13.º - “Princípio da igualdade”.

 

Vejamos.

 

A.           Quanto à ilegalidade por violação do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 (em conexão com o artigo 1.º, n.º1, do CIS conjugado com a  Tabela Geral do IS).

 

A este propósito alegam as Requerentes que o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE incorpora também a proibição de sujeição a Imposto do Selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos (instituições que detêm o exclusivo legal da tomada firme e colocação das emissões) na vigência dos referidos contratos, por revestirem a natureza de “formalidades conexas” com estes mesmos contratos.

O referido preceito, sob a epígrafe “Operações não sujeitas a impostos indiretos”, tem o seguinte conteúdo:

«2. Os Estados Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:

b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.»

Defendem as Requerentes que a expressão “formalidades conexas” deve ser interpretada em sentido amplo de modo a abranger inclusivamente as comissões pagas pelas Requerentes às instituições de crédito com as quais celebraram contratos com vista à emissão de papel comercial junto de investidores, incluindo a clientes aos seus balcões.

Realce-se, assim, repete-se, que não está em causa a autoliquidação do imposto do selo sobre quaisquer operações que tenham por objecto operações com títulos de dívida decorrentes de emissão de papel comercial, mas sim sobre “comissões bancárias” associadas aos empréstimos obrigacionistas e aos programas de papel comercial contratados pelas Requerentes com instituições de crédito.

Posto isto, verifica-se que esta questão foi decidida, em sentido contrário ao propugnado pelas Requerentes, nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 586/2019-T e 2/2020-T. Por não terem sido invocadas razões para divergir da jurisprudência fixada, nas referidas decisões arbitrais, passamos a segui-las de muito perto.

Na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 586/2019-T, pode ler-se, entre o mais:

“É unanimemente aceite, pela doutrina e jurisprudência, que a emissão de obrigações e, bem assim, de papel comercial, não está sujeita a Imposto do Selo, na medida em que a verba 17.1 da TGIS não tributa estas operações. Esta realidade constitui uma decorrência da Directiva 2008/7/CE. Através desta, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que recorram a mercados primários para a obtenção de financiamento.

“Tal resulta, entre outros, do segundo e terceiro considerandos da Directiva, que explicam aquele objectivo da seguinte forma:

“(2) Os impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais. O mesmo se aplica a outros impostos indirectos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos.

(3) Consequentemente, é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, factores susceptíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais.”

“Partindo da função auxiliar interpretativa desempenhada pelos considerandos enunciados, compreende-se o dispositivo no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE, quando determina o seguinte:

"2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

(...)

b. Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis."

“Dito de outra forma, a Directiva dispõe que os Estados-membros não possam tributar através de impostos indirectos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia, operações de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis.

“A Directiva não identifica os sujeitos passivos que estão abrangidos por essa exigência de não-incidência de tributação indirecta. Nem podia ser dessa forma.

“Na verdade, a Directiva 2008/7/CE determina que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto, entre outras, a emissão de papel comercial, independentemente de quem os emitiu.

“Com efeito, é sabido que a emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, como papel comercial, pode ser realizada por diversas entidades.

“Em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações encontra-se prevista no quadro do artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais, (…)” permitindo-se “concluir ser legítimo, a qualquer sociedade comercial, recorrer à emissão de obrigações ou papel comercial como forma de financiamento, não estando estas operações sujeitas a imposto de selo, como resulta – de forma clara e inequívoca, reitere-se - quer da Diretiva, quer da Tabela Geral de Imposto de selo (atendendo à não incidência).”

Face ao exposto, as Requerentes não se encontravam – nem se encontram - impedidas de proceder diretamente à emissão de papel comercial beneficiando, nesse caso, da não-tributação em sede de imposto do selo.

Como se pode ler na Decisão Arbitral, que estamos a seguir, “Reitere-se que tal resulta, de forma clara e inequívoca, do disposto no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE quando determina que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis “(…) independentemente de quem os emitiu (…)” (sublinhado nosso).

“Caso a Requerente optasse por proceder directamente à emissão de obrigações beneficiaria da isenção não apenas sobre a emissão, stricto sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo; o registo dos titulares das obrigações; eventuais autenticações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade.

“A parte final do artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE corrobora, aliás, este entendimento quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público (que pode ser mais ou menos restrita).

“Em sentido idêntico, o TJUE pronunciou-se, no supra-citado acórdão “Air Berlin” (processo C-573/16). Atente-se, a este propósito, na seguinte conclusão então proferida: “o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações.”[1]

“Aqui chegados, verifica-se que, nos presentes autos, que a factualidade subjacente é ligeiramente distinta da que se resulta da aplicação da Directiva 2008/7/CE ou do acórdão “Air Berlin”.

“No caso em análise, a Requerente solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito – Bancos – para procederem à emissão de papel comercial.

“Neste contexto, a Requerente alega não estarem sujeitos a Imposto do Selo os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos referidos contratos.

“Aqui, deve começar por se reiterar que a Requerente optou por não proceder directamente à emissão de obrigações ou papel comercial – apesar de o Código das Sociedades Comerciais o permitir – tendo contratado, para o efeito, os serviços de intermediação financeira prestados por bancos.

“Não estava obrigada a fazê-lo em face da realização de operações de emissão de papel comercial, não podendo aqui ser invocado o princípio da exclusividade das instituições de crédito e sociedades financeiras. “Este princípio, previsto nos artigos 4.º, n.º1, alínea f) e 8.º, n.º 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) refere-se ao exercício, a título profissional, entre outras atividades, das instituições de crédito e sociedades financeiras nas “participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos”.

“No entanto não exige que uma sociedade comercial contrate os serviços de uma instituição de crédito ou sociedade financeira para a emissão de obrigações por parte dessa mesma sociedade.” São questões completamente distintas.

“Em síntese, a Requerente não estava vinculada a contratar uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira em ordem a proceder à emissão de papel comercial.

“Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 2008/7/CE.

“Estão em causa realidades distintas.

“No caso da Directiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indirecto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu. Ora as emissões de papel comercial sub judice não foram tributadas em imposto de selo.

“Por outro lado, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr., v.g., verbas 17 e 17.3.3. da Tabela Geral de Imposto de Selo).”

 

Por sua vez, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 2/2020-T, com interesse para o caso em análise, pode ler-se:

“A Diretiva visa criar um level playng field em toda a União, facilitando a livre circulação de capitais e favorecendo a concorrência em todo o espaço europeu, permitindo a reestruturação de empresas e seu desenvolvimento ou reagrupamento, liberando sobretudo operações que se traduzam em entradas de capital social (cfr. arts. 1º, 3º a 5º da Diretiva).

No que respeita aos empréstimos, estatui-se também que os Estados-membros “não devem sujeitar sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre:  (…) b) os empréstimos (…) contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa (…)” – artigo 5º, nºs 1 e 2, alínea b) da Diretiva.

Prosseguindo estas finalidades, e no que respeita às emissões obrigacionistas o legislador da União i) visa obviar a impostos indiretos sobre o capital mutuado, i.e. sobre o montante do empréstimo “contraído sob a forma de emissão de obrigações”; ii) sobre todas as formalidades conexas à emissão de obrigações, vg a realização de assembleias gerais societárias, as escrituras e demais atos notariais, os registos e as publicações obrigatórias; iii) sobre “a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa”. Valem aqui, mutatis mutandis, os argumentos já expendidos quanto ao âmbito de aplicação da isenção: abrange os atos e garantias, legalmente previstas e, como tal, inerentes a uma relação de emissão e de subscrição de valores mobiliários, e não quaisquer obrigações creditícias voluntariamente assumidas vg pela emitente com terceiros contratados pela sociedade emitente.”

 Transpondo esta jurisprudência para o caso em análise a expressão “formalidades conexas” não pode entender-se com o sentido amplo pretendido pelas Requerentes, mas sim no sentido de abranger apenas as formalidades que fazem parte do procedimento da operação em causa, ou seja, aquelas formalidades previstas na lei como um trâmite, entre outros, característicos do mesmo. Nesse sentido vai, aliás, o sentido imediato e literal do artigo 5.º, n.º2, alínea c) da Directiva 2008/7/CE.

Mas, mesmo que assim não fosse, impunha-se proceder a uma interpretação do preceito em conformidade com a constituição da República Portuguesa. Com efeito, admitindo a lei às Requerentes procederem por si próprias à emissão de papel comercial, mas tendo estas optado por cometer esse serviço a um terceiro (instituição de crédito), que lhes cobra comissões pela prestação desse serviço financeiro, seria deixar a aplicação da isenção fiscal na disponibilidade das partes, com violação dos princípios da legalidade e da tipicidade dos impostos. A este propósito pode ler-se o que ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 2/2020-T:

“O artigo 103.º, n.º2, da CRP diz-nos que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” Cabe desta forma à AR estabelecer a disciplina dos elementos essenciais dos impostos, sendo que destes se destaca, para o caso em apreço, desde logo, a incidência, quer subjetiva (cabendo à AR determinar quem deve pagar imposto), quer a objetiva (determinação sobre que matéria há-de incidir o imposto), bem como os benefícios fiscais. Ora, em relação a estes últimos, a doutrina converge que “Qualquer que seja a particular forma que assumam, (…), os benefícios fiscais caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga fiscal sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal. Assim, a criação de benefícios fiscais não apenas tende a suscitar questões delicadas de segurança jurídica e de tutela da expetactiva dos contribuintes como acarreta sempre uma redistribuição da carga tributária global, aliviando os respectivos beneficiários para em contrapartida sobrecarregar os demais contribuintes." Nas palavras de Saldanha Sanches, as normas que estabelecem benefícios fiscais compreendem “uma decisão sobre distribuição dos encargos tributários, aumentando a tributação dos contribuintes não isentos”. Também o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 188/2003, de 8.4.2003) conclui “que as isenções tributárias, traduzindo uma excepção à regra geral da incidência dos impostos, introduzem nestes um elemento de desigualdade e de privilégio que exige que elas sejam justificadas por um motivo ou interesse público “relevante”, capaz de lhes dar fundamento” (Cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2011, Almedina, Coimbra, p. 283ss. e notas 455 da página 285 e 499, da página 311, respetivamente. Mais recentemente, do mesmo Autor, Manual de Direito Fiscal, Reimpressão, 2015).

“Também na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 37/2020-T, como melhor será analisado mais adiante, se pode ler, entre o mais, que “Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.(…)

“Importa, ainda, recordar que o princípio da legalidade tributária assenta não apenas na exigência formal de reserva de lei parlamentar em matéria fiscal mas também na exigência de tipicidade ou determinabilidade da lei de imposto, na sua expressão material, sem deixar espaço, através do uso de formulações abertas, para a sua concretização casuística da administração e, muito menos, dos particulares através da possibilidade da sua utilização facultativa ainda que com base num contrato.”

Em suma, a interpretação que se adota não viola o direito da União, uma vez que se a operação de emissão de papel comercial fosse levado a cabo pelas Requerentes, tal como permitido pela lei, essas operações estariam isentas de imposto do selo, cumprindo-se desta forma as finalidades da garantia da liberdade de circulação de capitais que a Diretiva 2008/7/CE visa prosseguir.

Pelo contrário, a seguir-se a orientação das Requeridas, impunha-se uma interpretação em conformidade com a CRP, sob pena de violação do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, como acima ficou demonstrado.

Finalmente, quanto ao pedido subsidiário de reenvio prejudicial, a obrigatoriedade de efetuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional, que tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: “Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, n.º 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, n.º 42; Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16, n.º 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C-295/17, n.º 33).

Ora, ficou demonstrado, pela jurisprudência supra mencionada, incluindo do TJUE, que não subsistem dúvidas quanto à desnecessidade do reenvio, termos em que se indefere o requerimento de reenvio prejudicial.

 

B.            Ilegalidade por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo

 

No caso em apreço, está em causa da aplicação da isenção constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que prevê que são isentos do respetivo imposto:

“e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”

A interpretação dada pelas Requerentes vai no sentido de que, enquanto sociedades gestoras de participações sociais, subsumem-se como uma instituição financeira ao abrigo da legislação europeia e enquadram-se, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

Em sentido diverso, a Requerida considera que as Requerentes não se subsumem no conceito de entidades financeiras ou instituições financeiras pelo que não podem beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS relativo às operações de financiamento, juros e comissões sub judice.

Cumpre decidir.

 

B1- Da isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e)

 

A alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS, já identificado, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Estão em causa situações contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do n.° 1 do artigo 1.° do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.

A questão do sentido e alcance deste preceito ficou tratada na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, em termos tais que, por continuarem a merecer a nossa adesão, passamos a transcrever.

“Em linha com a jurisprudência afirmada no processo n.º 348/2016-T, do CAAD, pode concluir-se que a alínea e), do n.° 1, do artigo 7.° do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:

a.            uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido";

b.            a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:

a.            "instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras";

b.            “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";

O n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:

- utilização do crédito concedido;

- garantia prestada na concessão do crédito;

- juros cobrados pela concessão do crédito;

- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito.

Da leitura das disposições ficamos a compreender que esta isenção, à semelhança de todas as outras, tem uma delimitação fechada. Por este modo, os benefícios fiscais como tal, saem da indisponibilidade própria do quadro normativo tributário e entram no campo da disponibilidade, fora daquilo que constitui o núcleo essencial da tributação.

Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais[2], mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.

Ademais, esta excecionalidade evidenciada resulta de uma opção política de fundo centrada no incentivo individual, de natureza económica, social e cultural, do comportamento dos sujeitos passivos.

Em concreto, no caso sub judice, e não obstante a inexistência de uma norma geral de incidência, percebe-se que o selo visa tributar manifestações da capacidade contributiva. Deste modo, a extrafiscalidade associada aos benefícios fiscais deste imposto derroga necessariamente aquela capacidade contributiva identificada. É de assinalar, nesse sentido, que os benefícios fiscais no imposto do selo inserem-se em dois grupos:

a.            o primeiro que chamamos benefícios fiscais acessórios, e que por razões de uniformidade tributária, associa a extrafiscalidade dos benefícios criados, à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como sejam o IRC e IRS.

Esta extrafiscalidade por associação não retira o valor atribuído nos outros tributos. Apenas uniformiza o tratamento dos sujeitos passivos ou contribuintes, cujo comportamento é desagravado por razões extrafiscais. Isto vem demonstrar que não é o carácter eclético do legislador no imposto do selo que impede uma determinada uniformidade no tratamento das matérias que merecem relevância extrafiscal, dado o acolhimento constitucional devido, que legitima a cedência da capacidade contributiva.

b.            o segundo grupo, que abrange os benefícios fiscais exclusivos do imposto. Estes são, porém em menor número, e visam objetivos muitos concretos.

São de apontar dois exemplos: o dos benefícios respeitantes aos contratos de futuros e opções (previstos no artº 7º/1, alíneas c) e d) do CIS e os respeitantes aos contratos de reporte de valores mobiliários realizados em bolsa (previstos no artigo artº 7º/1, alínea m) do CIS). Estão aqui em causa, como legitimadores da derrogação à capacidade contributiva, os artigos 61.º e 87.º, ambos da CRP. O legislador cria, assim, condições para propiciar à celebração de determinados contratos relativos a valores mobiliários, pela remoção de barreiras, tendo em vista o financiamento de entidades públicas e privadas, atraindo o investimento interno e externo, potenciando os interesses dos adquirentes.

Com relevância para o caso concreto, o núcleo essencial do imposto, no que respeita às operações financeiras identificadas na verba 17 da Tabela Geral, é desta forma recortado pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do mesmo CIS, derrogando a igualdade, pelo revestimento de um benefício ao investimento e à desoneração do crédito. E esse recorte do núcleo essencial, pelo referido benefício, determina que os elementos objetivos e subjetivos nele constantes não possam sofrer qualquer ampliação ou derrogação para além do previsto.

Por isso, desde logo, nos parece que encontrar argumentos que extravasem esta delimitação fechada de um benefício fiscal exclusivo do IS serão abusivos e desprovidos de qualquer fundamento”.

 

B2- Quanto a saber se as Requerentes preenchem o requisito subjetivo previsto no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS

 

Nesta sede, a questão central gira em torno de averiguar se as Requerentes, pelo simples facto de terem como objeto social a gestão de participações sociais, cabem no conceito de instituição financeira, cujo conceito é delimitado por remissão para os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (EU) n.º 575/2013.

 

B2-1- Esta questão também já foi analisada, primeiro, na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.ºs 586/2019-T, e, posteriormente, de forma mais desenvolvida, no processo n.º 37/2020-T, que passamos a reproduzir, para os devidos e legais efeitos.

“Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras  as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades  financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”

“Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União.

Nos termos e para os efeitos do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”(artigo 4.º, n.º1, ponto 26): “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE[3], incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”

1. No ponto 27) do artigo 4.º Regulamento (UE) n.º 575/2013, uma “Entidade do setor financeiro” compreende:

a.            Uma instituição;

b.            Uma instituição financeira;

c.            Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;

d.            Uma empresa de seguros;

e.            Uma empresa de seguros de um país terceiro;

f.             Uma empresa de resseguros;

g.            Uma empresa de resseguros de um país terceiro;

h.            Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;

i.             (…)”.

 

Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º , n.º1,  3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro (as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE).[4]

Elemento não menos importante reside no facto de tais entidades ficarem sujeitas ao regime jurídico desta Diretiva e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, a seguir tão só “Regulamento”.

Com efeito, o que o intérprete não pode deixar de ter em vista, na interpretação de qualquer conceito ou definição, é o objeto dos diplomas mencionados. Ora, o “Regulamento” é muito claro ao estatuir que o mesmo visa estabelecer” regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2014/36/UE cumprem…(…)” (artigo 1.º do “Regulamento), bem como a estabelecer que “Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades competentes dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.”

Por sua vez, no Considerando (5) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, podemos ler:

“Conjuntamente, o presente regulamento e a Diretiva 2013/36/UE deverão constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento (a seguir conjuntamente designadas por “instituições”. Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser interpretado em conjunto com a referida diretiva.”

Por sua vez, no Considerando (6), lê-se:

“A Diretiva 2013/36/UE, baseada no artigo 53.º, n.º1, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE), deverá, nomeadamente, conter as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes das autoridades competentes do Estados -Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições.”

Destaca-se, ainda, o Considerando (7) que refere:”

“O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionadas com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes. O presente regulamento visa contribuir de forma determinada para o bom funcionamento do mercado interno (…)”.

“Mais impressivos são, ainda, como vimos, os preceitos referentes ao estabelecimento de regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais, bem como os poderes de supervisão estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.

“Do exposto resulta que as entidades abrangidas pelos diplomas comunitários mencionados se encontram sujeitas a um regime especial, com vista a garantir, atenta a natureza da sua atividade, com potencial gerador de risco sistémico, a estabilidade financeira do mercado bancário e dos mercados dos serviços financeiros, assim como proteger os investidores e depositantes.” (…)”. Daí que essa actividade se encontre reservada às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão (cfr. Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.º 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS).

“Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal, no quadro do MUS. No âmbito deste processo, é assegurada a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira. Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime.”

Ora, no quadro exposto, não oferece dúvida que, se tivermos por referência os sujeitos passivos mutuantes em causa (D..., E..., F... L..., SA., etc.), os mesmos preenchem o conceito de instituição financeira, sendo que, no caso das instituições de crédito portuguesas, são qualificadas como bancos. Conforme resulta da alínea w), do artigo 2.° A, e artigo 4.°, do RGICSF, são definidas como instituições de crédito, os bancos, as caixas económicas, a Caixa Central de Crédito M... e as caixas de crédito M..., as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei.

Diferentemente se passam as coisas em relação às Requerentes, uma vez que, além de não constarem do elenco estabelecido no artigo 4.º, n.º1, ponto 27), do Regulamento (UE) n.º 575/2013, não cabem no conceito de instituição financeira previsto no artigo 4.º, n.º1, ponto 26) nem desenvolvem quaisquer atividades das enumeradas no anexo I, pontos 2 a 15 da Diretiva 2013/36/UE, que relevem do sector bancário ou financeiro, que compreende, além do bancário, os setores dos seguros e dos valores mobiliários.

 

Acresce que estão sujeitas a um regime jurídico completamente diferente das entidades mutuantes. Com efeito, as Requerentes, como fixado na matéria de facto dada como provada, são sociedades gestoras de participações sociais, previstas e regidas pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (e alterações subsequentes). Em especial, no caso das Requerentes, a sua atividade tem como objeto designadamente a Realização de investimentos, projetos de investimento e estudos de viabilidade económico financeira; serviços de consultoria em áreas técnicas, nomeadamente contabilística e financeira, de gestão e apoio à organização de empresas, assim como o exercício de atividades combinadas de vários serviços administrativos correntes; elaboração de estudos e projetos diversos, incluindo os de viabilidade técnico-económica e financeira; apoio técnico a ações de desenvolvimento e promoção de investimentos internacionais; realização de estudos de mercado, campanhas de marketing e publicidade, bem como ainda a promoção de produtos de instituições financeiras e receção de comissões bancárias. Formação profissional, serviços de segurança, higiene e medicina no trabalho. Desenvolvimento de novas soluções nas diferentes áreas de telecomunicações, indústria, turismo, informática e tecnologia das comunicações, com recurso à investigação, desenvolvimento, formação e transferência de tecnologia. Prestação de serviços de consultoria nas referidas áreas. A sociedade poderá também desenvolver e comercializar software e prestar serviços técnicos, tais como acesso à internet, correio eletrónico, conteúdos, aplicações próprias ou de terceiros, etc. [cfr. ponto b) do probatório].

As Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são reguladas pelo disposto no Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de dezembro, cujo artigo 1.° dispõe que as SGPS’s "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, corno forma indireta de exercício de atividades económicas", não se referindo a qualquer atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras.

Quanto à forma de constituição das SGPS’s, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção-geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS’s, nos termos dos artigos 9.° e 10.° do Regime Jurídico das SGPS.

Assim, a criação de SGPS’s não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.

No quadro exposto, impõe-se concluir que, para aplicação da isenção em sentido subjetivo, prevista no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS, não basta, como argumentam as Requerentes, estarmos perante uma entidade que se dedique à tomada e gestão de participações noutras sociedades. É preciso atender ao tipo de atividade e à natureza dessas participações. Apenas cabem no conceito europeu de instituição financeira as entidades enumeradas no artigo 4.º do “Regulamento” [artigo 4.º, n.º1, ponto 27), cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE, ponto 26)].

Assim sendo, as Requerentes não cabem no conceito de instituição financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não constam daquela enumeração, não exercem nenhuma atividade bancária, nem atuam no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeitas a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade. Ou sujeitas a autorização ou registo de outra entidade reguladora do sector financeiro como, por exemplo, a CMVM.

 

B2-2-Analisemos mais de perto os argumentos das Requerentes.

 

Alegam as Requerentes, que o legislador nacional do RGICSF adotou um conceito mais estrito “de instituição financeira” caracterizando como tal todas as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, nos termos do artigo 117.º daquele normativo. Dispõe o artigo 117.º do RGICSF que “só ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras”.

Ora, este preceito, que de facto não tem paralelo na legislação da União, tem como única finalidade trazer para o perímetro da supervisão do Banco de Portugal determinadas SGPS, em concreto, aquelas que detenham participações que lhes confiram influência na gestão de “instituições de crédito” ou “sociedades financeiras”. Como não podia deixar de ser, trata-se de entidades que, por relevarem, ainda, da atividade financeira, exigindo igualmente preocupações do ponto de vista prudencial, o que terá levado o legislador a sujeitá-las à supervisão do Banco de Portugal. Por conseguinte, esta norma não contende com o conceito comunitário de instituição financeira. Acresce que, as Requerentes, atento o seu objeto e natureza das participações detidas, não cabem sequer no artigo 117.º do RGICSF.

 

Invocam as Requerentes jurisprudência do CAAD, a saber, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 911/2019-T e a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 819/2019-T, como contendo argumentos válidos para considerar esta isenção como sendo aplicável a estas entidades.

No entanto, os argumentos neles contidos, salvo o devido respeito, interpretam grosseiramente as normas aplicáveis, ao concluírem no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º1, alínea e), do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, porque não encontra guarida nos normativos europeus aplicáveis. Na realidade, como ficou demonstrado, a remissão que é feita naquelas decisões arbitrais para a Diretiva 2013/36/UE e o Regulamento (EU) 575/2013 desconsidera por completo que aqueles instrumentos normativos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que não podem abranger (nem abrangem)  SGPS como as Requerentes .

Na verdade, para justificar a qualificação das Requerentes como instituição financeira, invoca-se de forma isolada a definição de “participação” constante entre as definições do artigo 4.º do “Regulamento”(ponto 35) do artigo 4.º, n.º1 ). Pretender extrair do simples facto de as Requerentes deterem participações noutras sociedades e se dedicarem à gestão dessas participações, que se subsumem no conceito de instituição financeira, afigura-se uma interpretação sem o mínimo de sustentação, quer na letra, quer na teleologia dos normativos de direito da União atrás referenciados. Afigura-se mesmo destituído de qualquer fundamento pretender extrapolar da definição de “participação”, que a mesma sirva só por si para delimitar o conceito de “instituição financeira”. Esquece-se, desde logo, que as definições desempenham uma função instrumental à interpretação e aplicação do artigo 4.º do “Regulamento”, com vista a tornar efetivo o seu âmbito e regime jurídico. A definição de participação, sobretudo relevante para efeitos de supervisão prudencial, não pode, assim, deixar de referir-se, repete-se, às que são detidas pelas entidades que atuam no mercado bancário e financeiro, nos termos e para os efeitos dos diplomas acima mencionados. Para esse efeito basta atentar nas definições de Companhia financeira e Companhia financeira mista [ cfr. artigo 4.º, pontos  20) e 21) do “Regulamento” ].

 

Argumentam, ainda, as Requerentes que: “Por referência justamente às sociedades gestoras de participações, a norma comunitária em referência apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE” [ver artigo 4.º, 26) do “Regulamento”].

Na ótica das Requerentes, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente estas entidades do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras, desde que se dediquem à gestão de participações socais, integram o conceito de “instituição financeira”. Ora, mais uma vez, como se pode ler na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 37/2020-T, “esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o “Regulamento”, no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito. O que não é o caso das Requerentes, como ficou demonstrado.

 

Finalmente, como também se pode ler na Decisão arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, também não tem qualquer paralelo o “papel de intermediação do financiamento da participada”, que a Requerente alega, confrontado com aquele que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF).

 

“Em síntese, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário ou financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF.

“Assim sendo, tal como se conclui na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 586/2019-T, não é possível extrair regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

“A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

“Assim, não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente:

a.            Não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;

b.            Mas também porque que não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

 

Esta conclusão é perfeitamente transponível para o caso em análise.

 

C.            Quanto ao alegado comportamento arbitrário da Requerida.

 

Por fim, quanto ao argumento de uma alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades – os FCR, SCR, FII – que a AT terá qualificado como “instituição financeira” para efeitos da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, afigura-se assistir razão à Requerida quando argumenta que não faz sentido empreender um exercício de comparação, tanto mais que o enquadramento legal daquelas entidades, tanto no plano nacional como europeu, são distintos.

Não há, por conseguinte, qualquer arbitrariedade por parte da Requerida, uma vez que não há preceito a consagrar as sociedades gestoras de participações sociais, como as Requerentes, como instituição financeira.

 

D. Quanto às questões de inconstitucionalidade

 

Invocam, ainda, as Requerentes que a orientação da Requerida ao pretender corrigir qualquer putativa deficiência em norma que brigue com o quantum do imposto devido, é indevida, porquanto só o legislador pode corrigi-la, alterando para o efeito a lei.

E não é qualquer legislador, porquanto as leis nestas matérias de impostos e benefícios fiscais estão abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República.

Seria, pois, inconstitucional a norma que permitisse tal correção por quem tem mera função de intérprete e aplicador da lei. A incidência e o afastamento da incidência dos impostos via benefícios fiscais são, constitucionalmente falando, reserva de lei da Assembleia da República, como tal insuscetíveis de serem modificadas casuisticamente por via administrativa ou outra, a pretexto de que, no critério do aplicador da lei a Assembleia da República devia ter legislado assim, ou assado, e não o fez.

E mais ainda, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, na redação em vigor à data dos factos (2017 e 2018), é inconstitucional quando interpretado (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as sociedades gestoras de participações sociais, num contexto em que é interpretado como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, (artigos 2.º - Estado de direito – e 13.º, da Constituição).

Não assiste às Requerentes qualquer razão quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas. Como ficou demonstrado, o resultado interpretativo a que se chegou, além de resultar da conjugação dos elementos interpretativos de ordem literal, sistemático e teleológico, corresponde a uma interpretação em conformidade com outras normas e princípios constitucionais, desde logo, o artigo 103.º, n.º2, da CRP.

Pelo contrário, a acolher-se a tese das Requerentes, no sentido de poderem ser classificadas como uma instituição financeira, é que conduziria o Tribunal a criar verdadeiramente uma norma que não existe nem na nossa jurídica nem na comunitária, com violação do princípio da separação de poderes.

Também não colhe qualquer violação do princípio da igualdade. Repare-se no absurdo da Requerente ao pretender colocar-se em pé de igualdade, na aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, tal como acontece com os seus mutuários, quando as mesmas, pela sua natureza e atividade, não estão sujeitas aos requisitos e regime jurídico especialmente exigente em matéria de preenchimento de regras prudenciais, aplicáveis às entidades submetidas à Diretiva e ao “Regulamento”. Entre essas regras, temos, repete-se, as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, e, ainda, as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, etc. Regime este que, como vimos, se encontra justificado, na valoração feita pelos legisladores, quer da União, quer nacional, a garantir a estabilidade do mercado bancário e financeiro.

 

III-2-3-Questões de conhecimento prejudicado

 

Improcedendo o pedido principal e o subsidiário improcede, em consequência, o pedido de reembolso e de juros indemnizatórios.

 

IV- Decisão

 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

a.            Julgar improcedente a exceção material de incompetência suscitada pela Requerida;

b.            Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral (principal e subsidiário), com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da decisão de reclamação graciosa;

c.            Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.

 

V- Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €238.502,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI- Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas Requerentes, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Junho de 2021

 

O Árbitro Presidente

(Fernanda Maçãs)

 

Rui Miguel Marrana (Árbitro vogal)

 

José Nunes Barata (Árbitro vogal)