Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 558/2021-T
Data da decisão: 2022-02-14  IRS  
Valor do pedido: € 1.885,06
Tema: IRS – enquadramento de rendimentos da categoria B – intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 17-11-2021, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A..., contribuinte nº..., residente na Rua..., nº ... –..., em Lisboa (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 06-09-2021, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        O Requerente veio apresentar Pedido de Pronúncia de Tribunal Arbitral “(…) relativamente [ás] (…) liquidações efetuadas pela Autoridade Tributária em sede de IRS para os anos de 2016 e 2017 (…)”, porquanto entende que as “(…) liquidação[ões] de IRS dos anos de 2016 e 2017 [são efectuadas] sobre a mesma base tributária, porquanto a referida liquidação de tributos foi efetuada sobre as mesmas circunstâncias de facto e sobre a mesma interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (…)”, sendo que “o presente pedido de constituição e pronúncia de Tribunal Arbitral em matéria Tributária é apresentado na sequência do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa proferida em 12-05-2021 (…) e tem por objeto a ilegalidade, e consequente anulação, destes atos tributários no referido valor e do indeferimento da referida Reclamação”.

 

1.3.        Em consequência, entende o Requerente que “(…) deve o presente pedido de pronúncia Arbitral ser considerado procedente por provado e em consequência (…) sejam anuladas as liquidações oficiosas emitidas pela AT para os anos de 2016 e 2017 bem como dos respetivos Juros Compensatórios, considerando o presente Tribunal que sejam dadas como certas as declarações entregues pelo sujeito passivo já integralmente liquidadas”.

 

1.4.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 07-09-2021.

 

1.5.        Em 08-09-2021 o Requerente veio anexar ao processo cópia de diversos documentos e, em 09-09-2021, veio anexar cópia do pedido arbitral devidamente assinado pela sua mandatária.

 

1.6.        Em 14-09-2021 a Requerida foi devidamente notificada do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

1.7.        Em 28-10-2021, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.8.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.9.        Em 17-11-2021, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral (na mesma data) no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10.      Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.11.      A Requerida apresentou a sua Resposta em 09-12-2021, na qual se defendeu por impugnação, veio requerer a dispensa da produção de prova testemunhal arrolada pelo Requerente (incluindo do depoimento de parte), concluindo que “(…) deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado, absolvendo-se (…) a entidade requerida do pedido”.

 

1.12.      Na mesma data, a Requerida remeteu ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

1.13.      Por despacho arbitral de 15-12-2021, proferido “(…) ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (…), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto (…)”, “tendo em consideração (…); (…) O facto de a posição assumida por cada uma das Partes quanto às liquidações de IRS objecto do pedido de pronúncia arbitral estar definida e suportada pelos meios de prova documental apresentados; (…) O facto de a questão controvertida nos presentes autos ser exclusivamente de direito, pelo que o Tribunal entende não ter utilidade probatória a inquirição da testemunha apresentada pelo Requerente; (…) O facto de as declarações de Parte do Requerente serem relativas a toda a matéria e esta já estar suportada pelos documentos anexados com o Pedido Arbitral, bem como pelos documentos que fazem parte do Processo Administrativo”, decidiu o Tribunal Arbitral “1. Dispensar a inquirição da testemunha apresentada pelo Requerente, bem como dispensar o depoimento de declarações de Parte do Requerente; 2. Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT; 3. Determinar que o processo [prosseguisse] com alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, a contar da notificação [daquele despacho] e 4. Designar o dia 21 de Janeiro de 2021 para efeitos de prolação da decisão arbitral”.

 

1.14.      Adicionalmente, no despacho referido no ponto anterior, foi ainda o Requerente advertido que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3, do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.15.      A Requerida apresentou, em 30-12-2021, as suas alegações escritas, concluindo como na Resposta.

 

1.16.      O Requerente apresentou, em 11-01-2022, as suas alegações escritas, concluindo como no Pedido.

 

1.17.      Em 17-01-2022, foram ambas as Partes notificadas do despacho arbitral, de 13-01-2022, com, em síntese, o seguinte teor:

“O Tribunal Arbitral, na preparação da decisão arbitral agendada (…), verificou o seguinte: - O Requerente com o pedido de pronúncia arbitral visa obter a anulação das liquidações oficiosas de IRS emitidas pela Requerida relativas aos anos 2016 e 2017; - O Requerente foi notificado em 17-05-2021 do despacho de indeferimento (datado de 12-05-2021), da reclamação graciosa nº ...2019... instaurada em 08-07-2019 contra a liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2016; -- Os processos executivos relativos às liquidações oficiosas dos anos 2016 e 2017 foram instaurados em 08/2019, pelo que a data limite para pagamento das mesmas terá de ter sido anterior a agosto de 2019; - Não há evidência de ter sido apresentada qualquer reclamação graciosa relativa à liquidação oficiosa de IRS do ano 2017; - A apresentação do pedido de pronúncia arbitral ocorreu em 06-09-2021. Neste âmbito, refira-se que (…) o pedido de constituição do tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Assim (…) afigura-se que à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, o prazo legal para efeitos de impugnação da liquidação oficiosa de IRS (…) teria já decorrido, circunstância que é suscetível de configurar excepção (…) de caducidade, de conhecimento oficioso, suscetível de ter como consequência a absolvição da Requerida (…). Assim, ao abrigo do disposto no artigo 16º, alínea a) do RJAT, determina-se a notificação das Partes para se pronunciarem sobre esta questão, querendo, no prazo simultâneo de dez dias. Nestes termos, dá-se sem efeito a agendada data de 21-01-2022 para prolação da decisão arbitral e designa-se, como nova data, o dia 14-02-2022”.

 

1.18.      Em 20-01-2022, a Requerida apresentou requerimento no sentido de se pronunciar sobre a matéria de excepção suscitada pela Tribunal Arbitral, concluindo “(…) que o pedido arbitral é extemporâneo (…) pelo que deve a AT ser absolvida (…) com as demais consequências legais”.

 

1.19.      Em 31-01-2022, o Requerente apresentou requerimento no sentido de se pronunciar sobre a referida matéria de excepção, alegando que “(…) apresentou reclamação graciosa das liquidações dos anos de 2016 e 2017, embora o tenha feito num único requerimento. Porquanto, o valor reclamado inclui as liquidações do ano de 2016 e 2017. No valor de 1.885,06 €, valor peticionado”, concluindo pela improcedência da excepção da caducidade.

 

1.20.      Neste âmbito, segundo o Requerente, “relativamente ao prazo de caducidade invocado pela requerida e previsto no art. 58, n.º 2, al. b), do (…) (CPTA), conjugado com o artigo 138.º, números 1 e 4 do Código de Processo Civil, refere que no período em que decorram férias judiciais, como era o caso, deverá ser convertido em 90 dias” citando para o efeito, Acórdão do TAF do Porto (nº 00571/13.1BEPRT, de 08-04-2016), nos termos do qual se refere que “a contagem do prazo de três meses, estabelecido no art. 58, n.º 2, al. b), do (…) (CPTA) para a impugnação de atos administrativos, quando esse prazo abranja período correspondente a férias judiciais é contínuo, mas suspende-se durante as férias judiciais. Assim, quando o prazo abranja período em que decorram férias judiciais, deve o referido prazo de três meses ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelo artigo 138.º, números 1 e 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 58.º, número 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

 

1.21.      Nestes termos, entende o Requerente que “(…) considerando que (…) foi notificado em 17 de Maio, sendo este um prazo judicial e atento o período da suspensão dos prazos em férias judiciais, que em 2021 se iniciou em 16 de Julho e terminou em 30 de Agosto, o pedido de pronuncia arbitral, o qual deu entrada em 06-09-2021, salvo melhor opinião, estaria em prazo”, concluindo o Requerente que “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser considerado procedente por provado e em consequência não proceder a exceção (…) de caducidade”.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        O Requerente começa por referir que foi “(…) notificado da correção oficiosa em sede e IRS dos anos de 2016 e 2017, donde resultaram correções (…) desfavoráveis ao requerente”, no valor de EUR 802,88 e EUR 1.082,18, respectivamente.

 

2.2.        Segundo o Requerente, “desde 2015-11-12 (…) encontra-se registado pelo exercício da atividade principal de “Outros prestadores de serviços” – com o CAE 1519 e pela atividade secundária de “Jornalistas e Repórteres” a que corresponde o CAE 1327”.

 

2.3.        Ora, esclarece o Requerente que “(…) declarou no anexo B da declaração modelo 3 de IRS os seguintes valores (…)” relativos ao ano de 2016, “prestações de serviços – 8.681,29; Trabalho dependente: 6.271,18; TOTAL 14.952,47”.

 

2.4.        Prossegue o Requerente referindo que “o valor de 8.681,29 foi declarado no campo 404 e não no campo 403 do Anexo B da declaração de IRS (…)” porquanto é este o campo que corresponde à natureza da “atividade que foi efetivamente desenvolvida”.

 

2.5.        Reitera o Requerente que “(…) desempenhava no ano de 2016 a categoria de “administrativo” na entidade pagadora conforme contrato de prestação de serviços e recibos de remuneração que se anexam (…) [e] que espelham inequivocamente que (…) desempenhava (…) as funções de prestação de serviços administrativos na B...” de ... (B...).

 

2.6.        Contudo, segundo o Requerente, em 2016, “aquando da emissão dos respetivos recibos (…), por lapso, emitiu todos os recibos verdes daquele ano com o código secundário de “jornalista e repórteres” não se apercebendo que aquela atividade não era, no caso concreto a que estava a exercer para aquela entidade” (B...).

 

2.7.        Afirma o Requerente que “considerando que as funções administrativas eram a atividade que exercia (…), declarou esses rendimentos, (…), no campo 404 do anexo B da sua declaração de IRS” por entender que “tal inserção era a correta (…), considerando [que] as funções de “administrativo” se enquadram nas prestações de serviços não elencadas no artigo 151º do CIRS”, “ou seja, a tributação estaria correta se não tivesse havido um erro manifesto na emissão dos recibos [derivados] daquela atividade (…)”, lapso esse que “(…) foi igualmente preterido por parte da entidade pagadora (…) uma vez que também não detetou o erro”, pois “pese embora, emitisse mensalmente extratos para fixação da remuneração em que designava o sujeito passivo como “administrativo”, aceitou a sua emissão como Jornalista e repórter”.

 

2.8.        Esclarece o Requerente que “tal lapso deu lugar à[s] correção[ões] oficiosa[s] (…)” objecto do pedido tendo, contudo, previamente a este pedido, o Requerente enviado “(…) diversos e-mails à AT e junt[ado] comprovativos documentais que confirmavam qual a atividade que exercia, motivo pelo qual não corrigiu a declaração, confirme sugerido pela AT, pois tal [correção] não espelhava a realidade (…)”.

 

2.9.        Não obstante, refere o Requerente que “a AT considerou (…) a percentagem de 0,75% e não 0,35% (…)” para efeitos de determinação da base de incidência dos rendimentos sujeitos a tributação “(…) o que gerou a divergência e levou à correção oficiosa” do IRS do ano de 2016 e de 2017.

 

2.10.      Esclarece ainda o Requerente que, relativamente ao ano de 2016, pagou “integralmente o valor fixado na liquidação da sua declaração [inicial] no valor de 729,71 euros”, não aceitando “(…) a correção oficiosa estando ainda em dívida o valor de 802,88€” pelo que “pretende com a presente petição que a correção oficiosa no valor de 802,88€ seja anulada em face da prova documental produzida e erro manifesto no preenchimento da sua declaração de IRS”, reiterando o Requerente que “(…) houve (…) erro grosseiro na emissão dos recibos” não tendo tido o Requerente qualquer “(…) intenção de prejudicar o erário (…)”.

 

2.11.      Acrescenta o Requerente que tendo apresentado “(…) reclamação graciosa (…)”, a qual foi objecto de indeferimento, aqui também recorre deste indeferimento.

 

2.12.      Quanto ao ano 2017, refere o Requerente que “(…) declarou no anexo B da declaração modelo 3 de IRS os seguintes valores, (…) – prestações de serviços – 10.680,00; Trabalho dependente: 6.349,11; TOTAL 17.029,11” e refere que se dão “(…) como reproduzidas todas as alegações [relativas] (…) ao ano de 2016, divergindo apenas quanto aos valores”.

 

2.13.      Neste âmbito, esclarece o Requerente que, tendo pago “(…) integralmente o valor fixado na liquidação da sua declaração [inicial] no valor de 729,71 (…)”, não aceita a correção oficiosa efectuada quanto ao ano de 2017 [“(…) estando ainda em dívida o valor de 1.082,18”].

 

2.14.      Assim, peticiona o Requerente que o pedido de pronúncia arbitral seja considerado procedente e, em consequência, seja as liquidações oficiosas de IRS objecto de pedido anuladas, “tudo acrescido de juros legais e custas até final”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida na sua Resposta esclarece que, na sequência da entrega, pelo Requerente, da declaração de rendimentos relativa a 2016 e da declaração de rendimentos relativa a 2017 e, “no âmbito de um controlo declarativo, os serviços da AT constataram a existência de incorreções nas declarações apresentadas, uma vez que os rendimentos da categoria B, relativos a prestações de serviços de “Jornalistas e Repórteres”, deveriam constar no campo 403 do anexo B e não no campo 404”, conforme indicado pelo Requerente em cada uma das declarações modelo 3 de rendimentos entregues.

 

3.2.        Esclarece a Requerida que “o Requerente foi notificado de tal facto, para efeitos do exercício do direito de audição, e após análise das alegações formuladas pelo mesmo, os serviços da AT concluíram da necessidade de proceder à correção que havia sido proposta” porquanto não tendo sido apresentadas “(…) declarações de substituição, os serviços elaboraram os respetivos documentos de correção (…), com a identificação da declaração n.º ...-2016-..., relativo ao ano de 2016 e nº ...-2017-... relativo ao ano de 2017, que originaram as liquidações nº. 2019... relativa ao ano de 2016, com o montante a pagar de € 1.532,59, e nº 2019... relativa ao ano de 2017, com o montante a pagar de €1.916,99”.

 

3.3.        Esclarece a Requerida que “o Requerente deduziu reclamação graciosa (nº ...2019...), tendo a mesma sido indeferida por despacho de 2021/05/12 (…), com base no fundamento que os recibos verdes emitidos foram tipificados pelo próprio reclamante como respeitando a prestações de serviços pela atividade de jornalista/repórter (código 1327)”.

 

3.4.        Segundo a Requerida, “os argumentos do Requerente com vista à anulação das liquidações em causa, incidem sobre as seguintes vertentes: (…) O Requerente desempenhava, nos anos de 2016 e 2017, a categoria de “administrativo” na B..., entidade pagadora conforme contrato de prestação de serviços e recibos de remuneração que anexou, que espelham inequivocamente que o mesmo desempenhava nessa entidade as funções de prestação de serviços administrativos; (…) Aquando da emissão dos respetivos recibos fiscais emitiu, por lapso, todos os recibos verdes daqueles anos com o código secundário de “jornalista e repórteres”, alegando que não se apercebeu que aquela atividade não era, no caso concreto a que estava a exercer para aquela entidade; (…) A atividade efetivamente prestada é de outros prestadores pelo que a base da tributação deverá ser a prevista no artigo 151º do CIRS na percentagem de 0,35%”.

 

3.5.        Ora, segundo defende a Requerida, “analisando os argumentos do Requerente verifica-se que (…) (…) o Requerente tinha em sede de CIRS como atividade principal o código 1519 “Outros Prestadores de Serviços” e como atividade secundária o código 1327 “Jornalistas e Repórteres” (…)” e “(…) da consulta à aplicação Recibos Verdes Eletrónicos (Fatura-Recibo), verifica-se que no decurso do ano 2016 emitiu Fatura(s)-Recibo no montante de € 8.681,29, e no ano 2017 no montante de € 10.680,00, pelos serviços prestados na atividade de “Jornalista e Repórteres”, tendo como adquirente do serviço a B...”.

 

3.6.        Assim, refere a Requerida que “verifica-se da consulta ao Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre o Requerente e a B... que, na cláusula primeira, consta que o Requerente vai prestar serviços de apoio administrativo no âmbito do Programa Acolher, bem como, prestar apoio em qualquer outra atividade que se afigure necessária” sendo que, segundo a Requerida, “serviços de apoio administrativo constante no Contrato é um conceito muito amplo, em que se enquadram várias atividades/tarefas administrativas relativas ao funcionamento de uma empresa/instituição”.

 

3.7.        Nestes termos, entende a Requerida que “o Contrato apresentado não faz prova, sem margem para qualquer dúvida, de que a prestação de serviço efetivamente praticada não foi a de “Jornalistas e Repórteres”, uma vez que a atividade nele constante é muito vasta e na qual se pode incluir a de “Jornalistas e Repórteres”, reiterando que “o Requerente nunca apresentou qualquer outra prova que demonstre o por si alegado” pelo que, segundo a Requerida, “deve considerar-se que as faturas-recibo emitidas pelo Requerente (…) em que consta como atividade exercida “Jornalistas e Repórteres”, refletem a realidade”, acrescentando que “(…) da consulta aos recibos verdes emitidos pelo Requerente, verifica-se que (…) emitiu os recibos (…) que respeitam a prestações de serviço cuja atividade exercida foi de “Jornalistas e Repórteres”.

 

3.8.        Por outro lado, entende a Requerida que a tudo isto acresce que “(…) as informações neles constantes se presum[em] verdadeiras, conforme dispõe o artº 75º da LGT” pelo que “estando tipificado que os rendimentos auferidos e titulado pelos recibos verdes emitidos pelo Requerente respeitam a prestações de serviços da atividade de jornalista/repórter (código 1327), a qual consta da tabela de atividades do art. 151.º CIRS, conclui-se que tais rendimentos deverão constar no campo 403 do quadro 4 A, do anexo B da declaração de rendimentos, modelo 3 – IRS e não no campo 404 (…)”.

 

3.9.        Adicionalmente, entende a Requerida que “face (…) aos elementos constantes do processo (…) não estão reunidos os requisitos para que possam ser atribuídos juros indemnizatórios”, concluindo a Requerida no sentido de que deverá “(…) ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido”.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.2.        As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.        No que diz respeito à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, o Tribunal Arbitral suscitou, oficiosamente, a excepção da caducidade do direito de ação relativamente ao pedido de anulação das liquidações de IRS em crise, tendo mandado notificar ambas as Partes para, de acordo com o princípio do contraditório, apresentarem defesa a esta excepção, o que ocorreu em 20 e em 31 de janeiro de 2021, respectivamente, pela Requerida e pelo Requerente.

 

4.4.        A análise da eventual procedência da excepção referida no ponto anterior será tratada, preliminarmente, no Capítulo 6 deste Decisão (Matéria de Direito), para o qual aqui se remete.

 

4.5.        Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.        Não se verificam nulidades.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        O Requerente encontra-se registado para efeitos de IRS, desde 12-11-2015, pelo exercício da actividade de “Outros prestadores de serviços”, com o CAE 1519, a título de actividade principal e pela actividade de “Jornalistas e Repórteres”, com o CAE 1327, a título de actividade secundária.

 

5.4.        O Requerente celebrou, em 13-11-2015, com a B... (B...) um contrato de prestação de serviços de “Apoio administrativo no âmbito do Programa Acolher”, pelo prazo de 6 meses, o qual foi sendo sucessivamente renovado por iguais períodos.

 

5.5.        O montante de honorários inicialmente auferido foi de EUR 700,00 (com efeitos a

13-11-2015), tendo passado a ser de EUR 800, 00 (com efeitos a 13-05-2016) e passado a ser de EUR 850,00 (com efeitos a 01-01-2017).

 

5.6.        O Requerente, no ano de 2016, emitiu mensalmente recibos verdes relativos ao montante auferido decorrente da prestação de serviços prestada ao abrigo do contrato acima identificado no ponto 5.4., no montante total de EUR 8.681,29, tendo evidenciado nos mesmos que os referidos montantes diziam respeito à actividade de “Jornalistas e Repórteres”.

 

5.7.        O Requerente entregou, em 29-05-2017, a sua declaração de rendimentos modelo 3 de IRS (nº ...-2016-...) relativa ao ano de 2016.

 

5.8.        Na referida declaração anual de rendimentos, o Requerente declarou os rendimentos decorrentes da prestação de serviços acima identificada no Campo 404 do Anexo B à referida declaração, para além de rendimento do trabalho dependente no Anexo A à mesma declaração.

 

5.9.        Na sequência da entrega, pelo Requerente, da declaração de rendimentos relativa a 2016, foi este notificado da liquidação de IRS nº 2017..., de 29-05-2017, com valor a pagar no montante de EUR 729,71.

 

5.10.      O Requerente, no ano de 2017, emitiu mensalmente recibos verdes relativos ao montante auferido decorrente da prestação de serviços prestada ao abrigo do contrato acima identificado no ponto 5.4., no montante total de EUR 10.680,00, tendo evidenciado nos mesmos que os referidos montantes diziam respeito à actividade de “Jornalistas e Repórteres”.

 

5.11.      O Requerente entregou, em 23-05-2018, a sua declaração de rendimentos modelo 3 de IRS (nº ...-2017-...) relativa ao ano de 2017.

 

5.12.      Na referida declaração anual de rendimentos, o Requerente declarou os rendimentos decorrentes da prestação de serviços acima identificada no campo 404 do Anexo B à referida declaração, para além de rendimento do trabalho dependente no Anexo A à mesma declaração.

 

5.13.      Na sequência da entrega, pelo Requerente, da declaração de rendimentos relativa a 2017, foi este notificado da liquidação de IRS nº 2017..., de 23-05-2018, com valor a pagar no montante de EUR 834,81.

 

5.14.      No âmbito de um controlo declarativo, os serviços da Requerida constataram a existência de incorreções nas declarações de rendimentos modelo 3 de IRS apresentadas pelo Requerente, relativamente aos anos de 2016 e 2017, “uma vez que os rendimentos da categoria B, relativos a prestações de serviços de “Jornalistas e Repórteres”, deveriam constar no campo 403 do anexo B e não no campo 404”.

 

5.15.      O Requerente foi notificado através dos Ofícios nº... e nº..., de 05-02-2019, emitidos pelo Serviço de Finanças Lisboa ... para, em audiência prévia, esclarecer as incorreções identificadas no ponto anterior:

 

5.16.      O Requerente exerceu o seu direito de audição em 14-02-2019, referindo o que a seguir se exibe:

 

 

5.17.      Após análise das alegações formuladas pelo Requerente, os serviços da Requerida concluíram pela necessidade de proceder à correção que havia sido proposta, ou seja, os serviços elaboraram os respetivos documentos de correção único, com a identificação da declaração nº ...-2016-..., relativo ao ano de 2016 e nº ...-2017-... relativo ao ano de 2017, que originaram as liquidações nº 2019... relativa ao ano de 2016, com o montante total a pagar de EUR € 1.532,59, e nº 2019... relativa ao ano de 2017, com o montante a pagar de EUR 1.916,99.

 

5.18.      Às liquidações referidas no ponto anterior foram efectuados os estornos relativos aos pagamentos das liquidações de IRS inicialmente efectuadas e pagas, devendo a diferença de IRS de, respectivamente, EUR 802,88 (2016) e EUR 1.082,18 (2017), ser paga até 03-07-2019.

 

5.19.      O Requerente deduziu reclamação graciosa (nº ...2019...), em 08-07-2019, contra a liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano 2016, reiterando os argumentos já anteriormente apresentados em matéria de direito de audição às correções propostas, em conformidade com o relatório com o relatório de apreciação da referida reclamação:

 

 

 

 

5.20.      O Requerente foi notificado, através do registo nº RH ... PT (de 05-02-2021) do projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativa ao IRS/2016, através do Ofício nº ..., de 28-01-2021, emitido pela Direção de Finanças de Lisboa – Divisão de Justiça Tributária, bem como para exercer, querendo, o respectivo direito de audição prévia.

 

5.21.      O projecto de indeferimento da reclamação graciosa foi suportado na seguinte análise:

 

5.22.      O Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, por email datado de 10-02-2021, nos termos do qual reitera os argumentos já anteriormente apresentados em sede da própria reclamação graciosa, como a seguir se exibe:

 

5.23.      A Requerida efectuou a análise do direito de audição apresentado pelo Requerente e manteve decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente à liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2016, nos termos que se transcrevem:

 

 

5.24.      O Requerente foi notificado, através do registo nº RH ... PT (de 13-05-2021) do Ofício da mesma data relativo ao indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativa ao IRS/2016, na sequência do despacho proferido pela Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da DF de Lisboa (por subdelegação de competências), datado de 12-05-2021, “com fundamento que os recibos verdes emitidos foram tipificados pelo próprio reclamante como respeitando a prestações de serviços pela atividade de jornalista / repórter (código 1327)”:

 

 

5.25.      Na sequência do não pagamento das diferenças de imposto respeitantes ao IRS total apurado pela Requerida respeitante aos anos de 2016 e 2017, foram instaurados, em Agosto de 2019, processos executivos nos termos legalmente previstos.

 

5.26.      O Requerente por não concordar com o indeferimento da reclamação graciosa acima identificada apresentou este pedido arbitral em 06-09-2021.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.27.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pelo Requerente e os que constam do processo administrativo anexado pela Requerida.

 

Dos factos não provados

 

5.28.      Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a(s) questão(ões) a decidir.

 

6.2.        No âmbito do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente veio peticionar que se proceda á anulação das liquidações oficiosas de IRS de 2016 e 2017, no valor total de

EUR 1.885,06, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

 

6.3.        Contudo, na análise da documentação anexada por ambas as Partes ao processo, indispensável à determinação da matéria de facto dada como provada (vide Capítulo 5. desta decisão), este Tribunal verificou que apenas havia evidência de ter sido (anteriormente) apresentada reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano 2016, pelo que mandou notificar ambas as Partes para apresentaram defesa à verificação de uma possível excepção (da caducidade do direito de acção) relativamente ao pedido de anulação das liquidações oficiosas de IRS apresentado.

 

6.4.        Neste âmbito, a Requerida apresentou requerimento no sentido de se pronunciar sobre a matéria de excepção suscitada pela Tribunal Arbitral, concluindo “(…) que o pedido arbitral é extemporâneo (…) pelo que deve a AT ser absolvida da instância com as demais consequências legais”.

 

6.5.        O Requerente apresentou requerimento no sentido de alegar que “(…) apresentou reclamação graciosa das liquidações dos anos de 2016 e 2017, embora o tenha feito num único requerimento” “porquanto, o valor reclamado inclui as liquidações do ano de 2016 e 2017” “no valor de 1.885,06 €, valor peticionado”.

 

6.6.        Adicionalmente o Requerente, no referido requerimento, veio referir que “relativamente ao prazo de caducidade invocado pela requerida (…)”, “a contagem do prazo de três meses, estabelecido no art. 58, n.º 2, al. b), do (…) (CPTA) para a impugnação de atos administrativos, quando esse prazo abranja período correspondente a férias judiciais é contínuo, mas suspende-se durante as férias judiciais. Assim, quando o prazo abranja período em que decorram férias judiciais, deve o referido prazo de três meses ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelo artigo 138.º, números 1 e 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 58.º, número 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

 

6.7.        Nestes termos, entende o Requerente que “(…) considerando que (…) foi notificado em 17 de Maio, sendo este um prazo judicial e atento o período da suspensão dos prazos em férias judiciais, que em 2021 se iniciou em 16 de Julho e terminou em 30 de Agosto, o pedido de pronúncia arbitral, o qual deu entrada em 06-09-2021, salvo melhor opinião, estaria em prazo”, concluindo o Requerente que “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser considerado procedente por provado e em consequência não proceder a exceção dilatória de caducidade”.

 

6.8.        Neste âmbito, será de analisar, preliminarmente, a eventual procedência da excepção da caducidade do direito de acção quanto ao pedido de anulação das liquidações oficiosas de IRS porquanto, no caso de a mesma proceder, a consequência será a absolvição da Requerida do pedido de pronúncia arbitral.

 

6.9.        O Requerente com o pedido de pronúncia arbitral apresentado visa obter (repita-se), a anulação das liquidações oficiosas de IRS emitidas pela Requerida relativas aos anos 2016 e 2017.

 

6.10.      Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 10º, nº 1, al. a), do RJAT o pedido de constituição do tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos nos nºs 1 e 2 (entretanto revogado pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro) do artigo 102º (Impugnação judicial. Prazo de apresentação) do CPPT, nos termos do qual se refere:

 

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a)            Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

(…)” (sublinhado nosso).

 

6.11.      Assim, e ao que ao caso interessa, o pedido de pronúncia arbitral deverá ser apresentado no prazo de 90 dias contados (i) a partir do termo do prazo para pagamento voluntário de uma liquidação de imposto legalmente notificadas ao contribuinte ou (ii) a partir da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma, como é o caso do despacho de indeferimento de uma reclamação graciosa.

 

6.12.      Neste âmbito, no caso em análise, o termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações oficiosas foi o dia 03-07-2019 (data anterior à instauração dos processos executivos relativos às referidas liquidações oficiosas dos anos 2016 e 2017, os quais foram instaurados em Agosto de 2019).

 

6.13.      Por outro lado, no caso, foi também dado como provado que o Requerente apresentou, em 08-07-2019, reclamação graciosa (à qual foi atribuído o nº ...2019...) contra a liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2016 (e somente relativamente a esta liquidação oficiosa, em conformidade com a documentação analisada) e de que esta reclamação graciosa foi objecto de despacho de indeferimento datado de 12-05-2021, devidamente notificado ao Requerente em 17-05-2021.

 

6.14.      Ora, no que diz respeito ao pedido de anulação da liquidação oficiosa de 2017, dado que não foi objecto de interposição de qualquer reclamação graciosa (contrariamente ao alegado pelo Requerente), a contagem do prazo de 90 dias acima referido para a interposição do pedido arbitral (de anulação da referida liquidação oficiosa) teria de ter tido início no dia seguinte ao termo do prazo para pagamento voluntário daquela liquidação o que, no caso, ocorreu em 03-07-2019.

 

6.15.      Nestes termos, o prazo para interposição do pedido de anulação da liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano 2017 encontrava-se, à data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (06-09-2021), largamente ultrapassado, verificando-se quanto a este a excepção da caducidade do direito de acção, sendo por isso este pedido considerado, quanto aquela, intempestivo.

 

6.16.      No que diz respeito ao pedido de anulação da liquidação oficiosa de IRS do ano 2016, dado que houve um despacho de indeferimento de reclamação graciosa notificado em

17-05-2021, conforme acima já foi referido, o prazo de interposição do respectivo pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias contados da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma que é, no caso, o referido despacho de indeferimento da reclamação graciosa).

 

6.17.      Como vimos, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 06-09-2017, ou seja, mais de 90 dias após a data de notificação do indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação oficiosa de IRS de 2016 (17-05-2021) e, a este respeito, o Requerente veio referir que a “contagem do prazo de três meses, estabelecido no art. 58, n.º 2, al. b), do (…) (CPTA) para a impugnação de atos administrativos, quando esse prazo abranja período correspondente a férias judiciais é contínuo, mas suspende-se durante as férias judiciais”, posição qua este Tribunal Arbitral não acompanha.

 

6.18.      Com efeito, o prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, a que se refere o artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT é um prazo substantivo, da mesma forma que o é a entrega de qualquer petição inicial de impugnação judicial e, nessa medida, é aplicável na sua contagem o disposto no artigo 279º do Código Civil, por força do disposto no artigo 29º do RJAT.

 

6.19.      Ora, de acordo com o previsto no artigo 279º do Código Civil “à fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia 30 de Junho e o dia 31 de Dezembro; b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês; d) É havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas; e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo” (sublinhado nosso).

 

6.20.      Neste âmbito, e conforme escreve Carla Castelo Trindade, “(…) na contagem dos prazos para entrega do pedido de constituição do tribunal arbitral não se inclui o dia em que ocorre o evento (…) a partir do qual o prazo começa a correr, de forma contínua, e caso termine a um sábado, domingo ou feriado, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte. De referir ainda que tem sido entendimento unânime na Doutrina e na jurisprudência que à entrega do pedido de constituição de tribunal arbitral (…) é também aplicável o disposto na parte final da alínea e) do artigo 279º do CC, nos termos da qual o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais (…). Isto mais não significa do que, terminando o prazo em período de férias judiciais (…) o termo do prazo para entrega do pedido de constituição de tribunal arbitral se transfere para o primeiro dia útil posterior às férias” (sublinhado nosso).    

 

6.21. Assim, no caso em análise, a contagem do prazo para interposição do pedido de anulação da liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2016 teria início a 18-05-2021 (dia seguinte ao da notificação do Requerente do despacho de indeferimento da referida reclamação graciosa) e os 90 dias correriam os seus termos, de forma continuada, durante as férias judiciais sendo que, dado que a sua contagem terminaria no período de férias judiciais (em 2021, de 16-07 a 31-08), a data do termo do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral transferir-se-ia para o primeiro dia útil seguinte às férias, ou seja, para o dia 01-09-2021 e não para 06-09-2021, que foi a data de entrega do referido pedido.

 

6.22.      Nestes termos, o prazo para interposição do pedido de anulação da liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano 2016 encontrava-se, à data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (06-09-2021), já ultrapassado, verificando-se também quanto a este pedido a excepção da caducidade do direito de acção sendo, por isso, este pedido considerado, quanto aquela, intempestivo.

 

6.23.      Assim, decidiu este Tribunal Arbitral, face às conclusões acima referidas nos pontos 6.15. e 6.22., supra, julgar procedente a excepção (de conhecimento oficioso) da caducidade do direito de acção que terá como consequência, de acordo com o disposto no artigo 576º, nº 3 do CPC, a absolvição da Requerida do pedido de pronúncia arbitral por intempestividade do mesmo.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.24.      Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito sendo que, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.25.      Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada ao Requerente.

 

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar procedente a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral determinando-se, nesta medida a absolvição da Requerida do pedido de pronúncia arbitral;

7.1.2.     Condenar o Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 1.885,06.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo do Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2022

 

O Árbitro,

Sílvia Oliveira