Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 551/2020-T
Data da decisão: 2021-07-16  IVA  
Valor do pedido: € 133.934,21
Tema: IVA – Ginásios - Serviços de nutrição - “Pacotes” de serviços
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Sumário:

I – A prestação de serviços de nutrição pelos ginásios é autonomizável das prestações que integram a sua atividade principal e não uma prestação acessória em relação à prestação principal (ginásio).

II – Dentro das práticas comerciais atuais, não é raro, sendo antes corrente, os operadores económicos diversificarem horizontalmente a sua atividade e aglutinarem prestações de serviços em “pacotes”, cuja subscrição assegura vantagens ao nível do preço para a respetiva clientela, em relação à sua contratação dispersa.

III – Não estando em causa, assim, prestações meramente acessórias, por força do princípio da neutralidade do IVA, a decomposição dos preços impõe-se, vigorando, à falta de previsão legal noutro sentido, a liberdade económica dos operadores dentro do que sejam os preços aceitáveis de mercado, sendo que, a falta de, ou a incorreta, decomposição, não acarretará a aplicação da “taxa mais elevada à totalidade do serviço”, justamente por não estar em causa uma única prestação complexa e por inexistir previsão legal nesse sentido, mas a obrigação da AT liquidar, por métodos diretos ou indiretos, o imposto de acordo com a taxa aplicável a cada serviço.

 

Os Árbitros José Poças Falcão, Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, Guilherme W. d´Oliveira Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            O Requerente A... UNIPESSOAL, LDA, NIF ..., solicita a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de IVA supra identificados e respetivos juros compensatórios, com a sua consequente anulação, tudo com as necessárias consequências legais, bem como a anulação dos respetivos Processos de Execução Fiscal (Processo n.º ...2020... e Apensos) e respetivos Processos de Contraordenação (n.º ...2020... e Processo n.º ...2020...).”, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vem requerer declaração de ilegalidade dos identificados atos tributários, nos seguintes termos:

 

a.            Os atos de liquidação de IVA ora impugnados são os seguintes:

i.             Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;

ii.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;

iii.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;

iv.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;

v.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;

vi.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;

vii.          Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/08;

viii.         Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09;

ix.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;

x.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;

xi.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/12;

xii.          Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/01.

b.            Com o montante total de 133.934,21 Euros, sendo o montante de imposto de 118.538,06 Euros e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de 15.396,15 Euros.

c.            Com o presente processo, e na sequência das correções efetuadas pela AT decorrentes do Relatório de Inspeção, a Requerente pretende a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de IVA mencionados, e, em consequência, que sejam os mesmos anulados, bem como os respetivos juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais, com a consequente extinção dos respetivos Processos de Execução Fiscal (Processo n.º ...2020... e Apensos) e respetivos Processos de Contraordenação (Processo n.º ...2020... e Processo n.º ...2020...).

d.            Os atos tributários consubstanciados nas notas de liquidação adicionais supra identificadas foram emitidas pela AT na sequência de uma inspeção tributária ao exercício de 2016, por ter considerado a AT que alguns serviços de nutrição praticados pela Requerente não se subsumem no artigo 9.º alínea 1) do Código do IVA e por conseguinte entender que estão sujeitos a IVA, resultando daí acertos às declarações de IVA mensais entregues pela Requerente do ano de 2016, e ainda com efeitos ao período 2017/01, com a consequente emissão das respetivas notas de liquidação de IVA e juros.

e.            No entanto, os referidos atos de liquidação de IVA padecem de vício de ilegalidade, porquanto todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente se subsumem no artigo 9.º alínea 1) do Código do IVA e, por conseguinte, estão isentos de IVA.

f.             Entende a AT que apenas as consultas avulsas de nutrição faturadas pela Requerente estão isentas de IVA, enquanto as consultas anuais que são faturadas mensalmente não estão, no entendimento da AT, isentas de IVA.

g.            Esta questão já foi suscitada pela AT, em inspeções tributárias aos exercícios 2013, 2014 e 2015, quer na esfera da Requerente quer em 8 outras sociedades do Grupo B..., no qual a Requerente se insere. No âmbito dessas Inspeções Tributárias aos anos 2013, 2014 e 2015, a AT efetuou correções em sede de IVA e respetivos juros compensatórios similares às que são contestadas nos presentes autos, tendo as mesmas sido contestadas neste Tribunal Arbitral, com a mesma matéria de facto e de direito, tendo já sido proferidas decisões arbitrais relativas às liquidações de IVA e juros dos anos 2013 e 2014, todas favoráveis quer à Requerente quer às restantes empresas do Grupo B..., nos seguintes Processos:

i.             Processo n.º 160/2019-T, em que foi parte a Requerente e que se junta como documento 3;

ii.            Processo n.º 169/2019-T (C..., SA);

iii.           Processo n.º 159/2019-T (D..., SA);

iv.           Processo n.º 164/2019-T (C... , SA);

v.            Processo n.º 373/2018-T (F..., S.A.), tendo este sido confirmado por decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul no Proc. n.º 91/19.0BCLSB;

vi.           Processo n.º 161/2019-T (G..., S.A.);

vii.          Processo n.º 163/2019-T (H..., SA);

viii.         Processo n.º 170/2019-T (I..., SA);

ix.           Processo n.º 162/2019-T (J..., LDA.);

h.            Quanto às liquidações de IVA e juros relativos ao ano 2015, os respetivos processos arbitrais ainda se encontram em curso, tendo-lhes já sido atribuídos os seguintes números de processo:

i.             Processo n.º 381/2020-T (D..., SA);

ii.            Processo n.º 403/2020-T (E..., SA);

iii.           Processo n.º 399/2020-T (F..., S.A.);

iv.           Processo n.º 380/2020-T (C..., S.A.);

v.            Processo n.º 405/2020-T (G..., S.A.);

vi.           Processo n.º 397/2020-T (H..., SA);

vii.          Processo n.º 395/2020-T (I..., SA);

viii.         Processo n.º 404/2020-T (J..., LDA.);

ix.           Processo n.º 408/2020-T (A... UNIPESSOAL, LDA.).

 

i.             O Grupo B..., no qual a Requerente se insere, existe atualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios. Iniciou a sua atividade na Península Ibérica há 20 anos e no exercício de 2012 passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado K... Portugal que é constituído por 16 empresas.

j.             Uma dessas empresas é a Requerente, que tem como atividade a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia. O código de acesso à certidão permanente é o ... .

k.            A Requerente desenvolvia a sua atividade em 2016 e também atualmente, num Health Club do Grupo B... localizado na ..., na ... no Centro Comercial...”, ...,  ..., ...-... ... .

l.             Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.

m.          A Requerente proporciona aos seus sócios não só a prática de ginásio similar aos seus concorrentes de mercado, mas vai bastante para além da mera prática de exercício físico, proporcionando ainda outros serviços. O clube tem 3.820 m², e conta com Ginásio, zona de treino funcional, 3 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, Zona de restauração, 2 Gabinetes dedicado a Fisioterapia e 2 Gabinetes de Nutrição. Como serviços o clube oferece um variado leque de aulas de grupo, Treino personalizado, Serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.

n.            Serviços estes que se inserem na mais ampla política do Grupo B... bem espelhada na máxima Life well assente em três pilares “move well, eat well e feel well” (Exercício, Nutrição, Repouso). Assim, dando corpo à implementação em território nacional da nova política comercial internacional, a B... levou a cabo uma remodelação nos seus serviços, imagem, instalações e contratação de pessoal de modo a relevar a vertente da nutrição, publicitando-a com novo target da marca B... .

o.            Foi com base nesta máxima que, na vertente “eat well” em 2013 (e até hoje) a Requerente passou a proporcionar aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato que se decidiu denominar “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” que, refira-se, consiste exatamente no mesmo serviço que os denominados serviços de nutrição, sendo as expressões e licenciaturas de dietética e nutrição equivalentes desde a constituição da ordem dos nutricionistas em 1 de janeiro de 2011. Vide www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=OAOE.

p.            Aos sócios que aceitaram este novo serviço, pois sócios houve que não aceitaram, foi oferecido um desconto na mensalidade do ginásio correspondente ao valor do novo serviço de nutrição, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente e por estratégia de marketing por forma aos sócios conhecerem esse novo serviço e habituarem-se a fazer consultas para além das constantes do pacote inicial, o que veio a acontecer.

q.            Os serviços de nutrição/dietéticos, são prestados em gabinetes individualizados, próprios para o efeito, resultado dos investimentos e alterações introduzidas nos vários edifícios B... . Nesses gabinetes apenas são prestadas consultas de nutrição, quer as consultas base quer as consultas premium (consultas subsequentes, em packs ou avulsas que a AT não contesta serem isentas de IVA), não servindo os mesmos gabinetes para qualquer outro fim.

r.             No caso específico da Requerente existem duas salas onde só se prestam serviços de nutrição e que foram adaptados para esse efeito com máquinas, com medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio.

s.            Para fazer face a esta nova filosofia, a Requerente mantém, desde 2013, nutricionistas no seu Quadro de Pessoal, identificados com o código ..., conforme cópias dos Mapas de Quadros de Pessoal de 2013, 2014, 2015 e 2016, sendo que atualmente o Grupo B... já conta com 49 nutricionistas no total, que desenvolvem a sua atividade nos agora já 21 ginásios geridos pelo Grupo K... em Portugal.

t.             O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos/nutrição, supra referido, era à data composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia apenas um follow up das consultas. No entanto, sempre que os sócios pretendiam mais do que duas consultas de nutrição por ano podiam sempre adquirir consultas de nutrição vendidas quer isoladamente, quer em packs, sendo estas consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, com a mesma duração e os mesmos serviços.

u.            Os clientes podiam e podem usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição como o inverso também é verdadeiro.

v.            Em 2016, o Grupo B... proporcionou aos seus sócios 49.939 consultas de nutrição, nas quais estão incluídas as 2 consultas iniciais previstas nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos.

w.           A Requerente proporcionou 3.593 consultas de nutrição no ano de 2016, sendo que o número de sócios neste ano foi o que se apresenta no quadro seguinte:

 

 

x.            As consultas são efetuadas nas instalações da Requerente, pelos nutricionistas que pertencem aos quadros da Requerente, conforme referido supra e em instalações próprias para o efeito e especificas só para aquele fim, com software próprio e específico para serviços de nutrição (SANUT).

y.            Na verdade, a Requerente detém um sistema informático interno, comum a todo o Grupo B..., denominado SANUT, que permite registar e controlar todas as consultas de nutrição, quer as iniciais (denominadas consultas base) quer as subsequentes (denominadas consultas premium sendo que a parte clínica só é acessível aos nutricionistas credenciados).

z.            Todas as consultas (quer as iniciais quer as premium) são dadas pelos mesmos profissionais e nas mesmas condições, não divergindo quer na duração quer na qualidade, sendo os serviços prestados exatamente os mesmos.

aa.          Inclusive, a Requerente, bem como todo o Grupo K... em Portugal, têm programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem dos Nutricionistas, onde são recebidos estagiários nos clubes da B... que aí completam a sua formação, tendo a Requerente recebido, desde 2013, 1 estagiária.

bb.         Sendo o Grupo B... provavelmente a maior entidade empregadora privada (não hospitalar) de nutricionistas.

cc.          A Requerente foi a primeira entidade no seu ramo de atividade a implementar este novo serviço de nutrição e pode concluir-se que foi uma aposta de mercado que veio ao encontro das preocupações atuais dos cidadãos, tendo em conta a adesão que a mesma teve por parte dos sócios já existentes e dos novos sócios.

dd.         A Requerente sempre entendeu que estes serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos estão isentos de IVA ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, por se subsumirem na sua factispecie, como adiante se demonstrará, tendo, inclusivamente, com total transparência e boa fé, solicitado parecer vinculativo à AT antes do início das consultas, situação completamente desconhecida pelos inspetores da AT aquando da fiscalização, tendo sido confrontados e ficado surpreendidos com tal situação.

ee.         No entanto, no âmbito de uma ação de controlo declarativo da tipologia do Acompanhamento Permanente, a AT entendeu que as prestações de serviços dietéticos (nutrição) realizadas pela Requerente (bem como por todo o Grupo B...) não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea a) do artigo 9.º do CIVA, na medida em que, no seu entendimento, “o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio”, expressão esta extraída da página 23 do Relatório de Inspeção.

ff.           Sustenta juridicamente a sua posição com os seguintes argumentos:

A) ISENÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA 1) DO ARTIGO 9.º DO CÓDIGO DO IVA

a.            Nos termos previstos na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA “Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas; (…)”.

b.            Tem sido entendimento da AT (vide informação vinculativa nº 9215, por despacho de 2015-08-19, do SDG do IVA), considerar que a atividade de nutricionista se enquadra na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nestes diplomas, e, como tal, podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93.

c.            Ora, a AT, no seu Relatório de Inspeção, não põe em causa a falta de requisitos para a prática da atividade, referindo na página 19 do Relatório de Inspeção que “nessa matéria, solicitamos elementos e pudemos assim comprovar a conformidade com os requisitos exigidos - Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho”.

d.            Ou seja, a própria AT reconhece que a Requerente cumpre objetivamente os requisitos para beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA:

             Integra uma das atividades enumeradas no Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho (no caso em apreço Dietética);

             Cumpre as condições previstas nesse diploma, nomeadamente, que sejam prestados por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

e.            Mais, uma das empresas do Grupo B... solicitou um pedido de informação vinculativa, no qual foi apresentada a seguinte pergunta: “Em que condições podem os ginásios diretamente faturar, com isenção de IVA, atividades de aconselhamento de nutrição, por nutricionistas credenciados? E com acompanhamento, muda alguma coisa?”

Ao que a AT respondeu:

“27. As “atividades de aconselhamento de nutrição, por nutricionistas credenciados” e o “exercício físico prestado por fisioterapeutas” faturado pelo sujeito passivo aos seus clientes, beneficia de isenção nos termos da al. 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que, integrando uma das atividades enumeradas no Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, cumpra as condições previstas nesse diploma, acima descritas, nomeadamente, que sejam prestados por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

28. Com efeito, as atividades de “Dietética” e de “Fisioterapia”, estão elencadas no ponto 5 e 7, respetivamente, do referido anexo.

29. Motivos pelos que, desde que os profissionais em concreto estejam devidamente certificados, reunindo assim as qualificações profissionais exigidas pelo diploma citado, o aconselhamento de nutrição e a atividade de fisioterapia integram o conceito de atividade paramédica para efeitos da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, ainda que os serviços sejam faturados pelo sujeito passivo”.

f.             Refere a AT na página 21 do Relatório que “daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2) do artigo 9.º do CIVA, respeitam a atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”, como forma de excluir os serviços de nutrição da isenção por não terem por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.

g.            É verdade que o TJUE tem vindo a decidir que, para que se aplique a isenção do IVA, as atividades devem ter por objetivo diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde. No entanto, esquece-se a AT de referir que o mesmo TJUE também tem vindo a decidir que, em virtude de a finalidade terapêutica não dever entender-se de forma demasiado estrita, as prestações médicas para efeitos de prevenção também podem ser isentas, ou seja, inclui no âmbito da isenção as prestações que têm por objetivo proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas. Veja-se a título de exemplo o Processo C-106/05 (caso L.u.p GmbH).

h.            Ou seja, incluem-se na isenção não só os serviços que visam diagnosticar, tratar, e na medida do possível, curar doenças e anomalias de saúde, mas também prevenir, promovendo a saúde em geral e o bem-estar da população em especial. Veja-se o que foi referido no Value Added Tax Committee – VAT Committee  (Working Paper n.º 842): “The therapeutic purpose of the medical/paramedical should not be interpreted narrowly. The CJEU has held that it is consistent with the aim of reducing healthcare costs to include examinations or preventive medical treatment even when it is clear that the person concerned is not suffering from any disease or health disorder”.

i.             Traduzindo: “o conceito de fins terapêuticos médicos e paramédicos não deve ser interpretado de forma restrita. O TJUE tem vindo a pugnar que é consistente com o fim último de reduzir os custos com cuidados de saúde, incluir neste conceito exames ou medicina preventiva, mesmo quando é claro que o individuo em questão, não sofre qualquer patologia de saúde”.

j.             É do conhecimento geral que a medicina e serviços paramédicos não pode ser vista somente do ponto de vista do tratamento, mas, sobretudo, e cada vez mais, do ponto de vista da prevenção, nomeadamente, de problemas como a obesidade, a diabetes, hipertensão, problemas cardíacos, entre outros.

k.            São os próprios médicos e a própria Organização Mundial de Saúde a recomendar o exercício físico e alimentação saudável.

l.             E é isto que a B... proporciona aos seus clientes em Portugal, em linha com o que é feito na Europa.

m.          Se o exercício físico em locais especializados (ginásios) ainda não é considerado um serviço essencial (do ponto de vista da prevenção de problemas de saúde), ao contrário do que a prática tem vindo a provar e a própria comunidade médica reconhece, e ainda é tributado com taxa normal do IVA, já a nutrição é isenta de IVA de acordo com a própria Diretiva do IVA e legislação nacional, não podendo nem devendo a AT, enquanto entidade pública, subverter as regras do IVA (que na sua essência são pensadas do ponto de vista do que é essencial ou benéfico para o ser humano).

n.            Se o legislador pudesse e quisesse prever as situações em que pretende excecionar a aplicação da isenção tê-lo-ia feito, mas apenas condicionou a aplicação da isenção à prestação do serviço por profissionais com qualificações para o efeito. A própria AT o reconhece na Informação Vinculativa nº 9215, por despacho de 2015-08-19, do SDG do IVA, no seu ponto 23 “Face a todo o exposto, conclui-se que os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)”.

o.            De acordo com o Parecer efetuado pela Ilustre Fiscalista, Senhora Professora ..., de 28 de abril de 2018, em anexo como documento 8, página 29, “conclui-se que os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição (…) podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável”.

p.            Pelo que se conclui que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente se subsumem na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.

B) DA EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS

a.            Refere a AT na página 25 do Relatório “Caso os serviços não se insiram no conceito de prestação de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passiveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18.º do CIVA”.

b.            Todos os serviços prestados pela Requerente na área da nutrição são prestados da mesma forma pelos mesmos profissionais, através de consultas de nutrição, quer sejam vendidas aos sócios através dos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos (2 consultas presenciais por ano) quer sejam vendidas isoladamente ou em packs de várias consultas, mudando apenas a forma de faturação das mesmas.

c.            Veja-se, a título de exemplo, alguns sócios que subscreveram os Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos.

d.            Ao contrário do que pretende fazer entender a AT no seu Relatório, arguindo sem apresentar qualquer prova em contrário, as consultas do pack inicial (consultas base) são efetivamente prestadas aos clientes, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações que as consultas de nutrição adquiridas por estes após esgotar as consultas iniciais, sendo os serviços prestados exatamente os mesmos.

e.            Ou seja, estes serviços (consultas base) são efetivamente prestados, da mesma forma e com as mesmas condições que as consultas premium (subsequentes ou avulsas) que os sócios adquirem, isoladamente, ou em packs, e em relação às quais a AT não contesta que sejam isentas de IVA ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.

f.             Refere a AT que os Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos e as consultas de nutrição vendidas em separado têm códigos de faturação diferentes (SDIET e NUT) contudo refira-se e reitere-se que: (a) Tratam-se de meros códigos de faturação que foram sendo criados para distinguir as diversas consultas por uma questão de controlo na implementação da estratégia de marketing; (b) Em substância, todas elas são consultas de nutrição, prestadas pelos mesmos profissionais de nutrição; (c) Como se pode verificar pelos exemplos de faturas em anexo como documento 11, a descrição do serviço é igual quer para as consultas base quer para as consultas premium, ou seja, independentemente de constar o Código SDIET (consultas base) ou NUT (consultas premium), na descrição aparece sempre serviços de nutrição, pelo que fica demonstrado que o código ou a descrição são irrelevantes para a qualificação dos serviços que são exatamente os mesmos; (d) Serviços dietéticos ou de nutrição é exatamente a mesma coisa; (e) Aliás, com a criação da ordem dos nutricionistas em 2011 deu-se equivalência licenciatura de nutrição a quem tinha licenciatura em dietética; (f) Existem nutricionistas inscritos na Ordem dos Nutricionistas que tiraram a licenciatura em Dietética; (g) As expressões são iguais e significam o mesmo.

g.            Não faz sentido inferir que de códigos de faturação com diferentes siglas se tratem de serviços diferentes. Como referido, trata-se de meros códigos criados com as siglas SDIET e NUT, mas que na verdade poderiam ser quaisquer outras siglas, querendo-se tão somente diferenciar o que são os packs de 2 consultas iniciais (vendidas aquando da adesão dos sócios) das restantes consultas de nutrição (efetuadas após esgotar as duas consultas iniciais), que servem para efeitos de monitorização dos membros do clube para padronização dos seus comportamentos para servir de base a estratégias de marketing.

h.            O modo como é faturado não pode influenciar a natureza do serviço, tal como o facto de ser faturado por uma sociedade e não pelo próprio nutricionista também não lhe retira essa natureza (Informação Vinculativa no âmbito do Processo: n.º 9215, por despacho de 2015-08-19, do SDG do IVA). Ou seja, a AT aceita que os serviços de nutricionismo gozam da isenção prevista no n.º 1) do artigo 9.º quando são faturados separadamente dos serviços de ginásio.

i.             Também o facto de o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos estar associado ao Contrato de Adesão não pode influenciar a qualificação do serviço para efeitos de IVA. Trata-se apenas de uma questão de marketing para implementação do referido serviço de nutrição até então totalmente inovador e de filosofia de grupo completamente irrelevante para efeitos fiscais.

j.             Como referido no Parecer da Ilustre Fiscalista, Senhora Professora ..., de 28 de abril de 2018, página 43 “No caso em apreço não estamos, à partida, perante uma prestação única. A prestação de serviços de nutricionismo é um fim em si mesmo, existindo inclusive utentes que apenas frequentam consultas de nutricionismo, sendo livres de escolher qual a entidade a quem devem recorrer para o efeito. Assim, há utentes que apenas praticam atividades físicas, outros que apenas frequentam as consultas de nutricionismo e outros que frequentam ambas. E diga-se que o facto de o ginásio eventualmente incluir num pacote único ambas as prestações de serviços em nada poderá alterar tal conclusão. Nem tão pouco, no caso o utente não usufruir das consultas de nutricionismo se poderá concluir que os serviços não foram prestados recusando-se a aplicação da isenção. A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de actividades físicas). Com efeito, tal como o TJUE já decidiu, por exemplo no Caso Air France-KLM, o IVA é exigível mesmo no caso de o viajante não utilizar o bilhete de avião dado, como concluiu, o serviço ter sido disponibilizado ao utente” (sublinhados nossos).

k.            No Processo n.º 160/2019-T, em que foi parte a Requerente em processo similar aos presentes autos (mesma matéria de facto e de direito para os anos 2013 e 2014), refere a douta decisão do CAAD: “Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por …no parecer junto pela Requerente aos autos “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”

l.             Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.

m.          Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços, o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.

n.            Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.”.

o.            Daí que as obrigações da Requerente se reconduzam a disponibilizar o serviço de nutrição aos clientes que, por qualquer forma, o contratem, o que, no caso, se demonstrou, à saciedade, que ocorreu”.

p.            Pelo que se conclui que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente são efetivos e mesmo que não fossem não seriam desqualificados para efeitos de aplicação da isenção da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.

q.            Improcedem, assim, os argumentos apresentados pela AT no Relatório de Inspeção, nomeadamente, tendo ficado amplamente demonstrado que o serviço foi efetivamente prestado.

C) DA NÃO ACESSORIEDADE DOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO

a.            Na página 19 do Relatório de Inspeção, a AT acaba por confessar que fundamenta a sua posição de não aceitar que estes serviços de nutrição se enquadrem na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, por entender que se tratam de serviços acessórios do serviço principal de utilização das instalações desportivas.

b.            Clarifica mesmo que entende que apenas os serviços dietéticos (entenda-se 2 consultas iniciais por ano) são acessórios do serviço principal, e como tal segue o regime de IVA do serviço principal, por contraponto com as consultas de nutrição (entenda-se consultas premium), que a AT não põe em causa que estejam isentas de IVA, o que não se compreende.

c.            É preciso esclarecer, e conforme já referido, que, apesar de a expressão utilizada nas faturas ser “prestação de serviços dietéticos”, estes serviços consistem em serviços de nutrição prestados por nutricionistas habilitados para o efeito e não têm qualquer diferença face às consultas vendidas separadamente em packs denominadas “Consultas Premium”, aliás, presentemente, e desde que foi criada a Ordem dos Nutricionistas em 1 de janeiro de 2011, a expressão serviços dietéticos ou de nutrição são expressões que significam exatamente o mesmo.

d.            Ou seja, a AT faz divergir o enquadramento em sede de IVA das consultas de nutrição (mesmo tipo de consultas dado pelos mesmos profissionais) consoante a forma como as mesmas são vendidas aos sócios e a designação que lhes é dada na fatura.

e.            Pretendendo assim que a forma prevaleça sobre a substância material, violando assim o mais elementar princípio do direito tributário e da justiça material da prevalência da substância sob a forma, patente, nomeadamente, no artigo 11.º n.º 3 da LGT.

f.             A AT não apresenta qualquer evidência ou prova desta alegada acessoriedade, porquanto ela não existe.

g.            Tratam-se de diferentes áreas de negócio, tendo o Grupo B... em geral e a Requerente em especial adotado várias estratégias de mercado para lançar este novo produto de nutrição, na linha da máxima “eat well” inserida na mais ampla filosofia holística de bem estar dos seus clientes “Life well” assente em três pilares “Move well, eat well e feel well” (Exercício, Nutrição, Repouso).

h.            A Requerente, para além da atividade principal de ginásios (CAE 93130), tem também diversos CAE secundários, conforme reconhecido pela própria AT no Relatório de Inspeção (página 15), exerce outras atividades, como:

a.            CAE 96022 – Institutos de Beleza;

b.            CAE 86906 – Outras atividades de saúde humana, NE, constando ainda no seu objeto social prestação de serviços de nutrição.

i.             Cada uma das atividades é exercida autonomamente e cada uma delas segue o seu próprio regime de IVA.

j.             Recorde-se o lema da K... em Portugal “Fitness/Nutrição/Spa”, ou seja, é uma trilogia de serviços, perfeitamente autónomos e independentes (em espaços individualizados) entre si, totalmente dissociáveis, de acordo com o que vem sendo o entendimento do TJUE sobre esta matéria, que apenas considera acessórios os serviços que não sejam autonomizáveis entre si.

k.            A AT aceita a isenção de IVA nas consultas de nutrição vendidas isoladamente ou em packs separados aos sócios, aceitando que esta é uma atividade autónoma da atividade principal (ginásio) e, como tal, segue o seu próprio regime de IVA.

l.             Apenas não aceita, e vem agora liquidar adicionalmente o respetivo IVA, que as consultas de nutrição que são efetuadas ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos sejam isentas de IVA.

m.          A AT no seu Relatório refere que umas consultas têm o Código SDIET outras o código NUT, para decidir que umas são acessórias e outras não.

n.            Na verdade, todas têm a mesma natureza, todas são faturadas aos clientes pela Requerente, todas são prestadas pelos mesmos profissionais de nutrição, no seio do Grupo B... com o qual têm vínculo laboral, pelo que todas têm que ter o mesmo tratamento fiscal: isenção de IVA ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA. Tudo o resto (forma de debitar ao cliente, denominação do serviço, código de faturação, etc.) tem somente a ver com a organização interna e marketing que não pode ser relevante para efeitos de qualificação fiscal de uma operação ou serviço.

o.            Qualquer outro entendimento violaria os mais elementares princípios da justiça material, da equidade e proporcionalidade.

p.            Como mencionado no já referido Parecer da Ilustre Fiscalista, Senhora Professora ..., de 28 de abril de 2018, página 6, “a nutrição e a atividade física aparecem-nos sempre a par, numa lógica de necessária complementaridade e não, naturalmente, de acessoriedade”.

q.            E mais refere, na página 41 “Vistas as regras aplicáveis na situação controvertida, a sua ratio legis e a interpretação que das mesmas tem vindo a ser feita pelo TJUE, é inevitável concluirmos que, à partida, a prática de atividades físicas e os serviços de nutricionismo se tratam de realidades distintas perfeitamente autonomizáveis que, enquanto tal, merecem um tratamento distinto para efeitos de IVA”.

r.             E continua na página 43 “Importa ter em consideração que a prestação de serviços de nutricionismo se distingue claramente das prestações de serviços de prática de atividades físicas.

s.            Tais atividades são complementares. A prestação de serviços de nutricionismo não é indispensável para a realização de prestações de serviços relativas à prática de atividades físicas e vice versa Na realidade, tais prestações de serviços existem, nas palavras do TJUE, independentemente uma da outra, pelo que não deverão, em regra, ser vistas nunca ótica de acessoriedade.

t.             Como vimos, a apreciação separada dessas prestações não pode constituir, em si mesma, uma decomposição artificial de uma operação económica única, suscetível de alterar a funcionalidade do sistema do IVA”.

u.            E conclui, na página 44: “Interessa pois aferir in casu se a prestação de serviços de aconselhamento/consulta de nutricionionismo se distingue ou não da prática de atividade física. Em princípio sim. Vimos que a nível internacional tal sempre sucede bem como a nível interno, distinguindo-se claramente tais prestações de serviços reconhecendo-se a sua individualidade e complementaridade.

v.            E na prática? Na prática importa aferir casuisticamente, sendo a nosso ver fortes indícios a favor da sua individualidade e consequente tratamento distinto em sede de IVA (aplicação da taxa normal às prestações de serviços de atividades físicas e da isenção às prestações de serviços de nutricionismo): (i) A contratação de nutricionistas inscritos na respetiva Ordem legalmente habilitados para o exercício de tal profissão; (ii) A existência de instalações adequadas à prática da atividade de nutricionismo, nomeadamente de gabinetes devidamente apetrechados para as consultas; (iii) A prática de faturação separada, individualizando especificamente as prestações de serviços de nutricionismo das prestações de serviços relativas à prática de atividades físicas”.

w.           Ora, como vimos, no caso em apreço, todos estes requisitos se encontram verificados, pelo que não existe qualquer fundamento que justifique o não enquadramento das prestações de serviços dietéticos/nutrição efetuados pela Requerente aos seus clientes.

x.            Segundo a decisão deste Tribunal Arbitral no Processo n.º 160/2019-T, em que foi parte a Requerente em processo similar aos presentes autos (mesma matéria de facto e de direito para os anos 2013 e 2014), foi decidido o seguinte: “No que respeita ao caráter não acessório dos serviços de nutrição prestados pela Requerente neste contexto de se tratar de um sujeito passivo integrado num grupo empresarial que fornece serviços de ginásio, assinalamos, uma vez mais, as posições adotadas recentemente no âmbito do CAAD em relação aos casos análogos, supra referidos, que acompanhamos.

y.            Neste sentido, transcreve-se parcialmente um excerto ilustrativo do Acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, a respeito dos princípios orientadores na determinação da natureza acessória de uma prestação: 

z.            “Interessa notar que os critérios de determinação do caráter acessório de uma operação relativamente a outra dita “conexa” e considerada como “principal” têm sido recortados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se com frequência sobre esta matéria, dadas as dificuldades derivadas da indeterminação concetual.

aa.          O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C 41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999. O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008”.

bb.         E mais refere: “Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015. 

cc.          Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória. 

dd.         Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

ee.         No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.

ff.           Relativamente à diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso, considera o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, para o qual se remete por uma questão de economia, tratar-se “de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo um elemento de forma insuscetível de suportar uma re-qualificação das operações.” Ficou assim demonstrado nos autos que as consultas de nutrição, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações”.

gg.          E de forma muito clara conclui pela não acessoriedade dos serviços de ginásio e nutrição: “À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência, pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados”.

hh.         Ainda de acordo com a decisão do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 454/2017-T sobre uma situação muito semelhante à do caso vertente, o CAAD decidiu pela não acessoriedade dos serviços de nutrição em relação aos serviços de ginásio.

ii.            No mesmo sentido as decisões arbitrais 174/2019-T, 181/2019-T, 264/2019-T e 544/2019-T.

jj.            Mais uma vez se reitera que se tratou de uma questão de marketing e de abordagem ao mercado para introduzir um novo produto (nutrição) na senda do que já vinha sendo praticado em outros mercados europeus nos quais o Grupo B... está presente e pretendeu-se replicar a mesma filosofia para Portugal, mais uma vez, refira-se na senda da máxima “eat well” inserida na mais ampla filosofia do “Move well, eat well e feel well”, sendo que cerca de 10 % dos membros compra consultas de nutrição para além daquelas existentes no pacote base.

kk.          Face a este entendimento, cabe concluir que, caso as prestações fornecidas aos estudantes o sejam com um caracter de complementaridade em relação aos serviços de alojamento, não sendo intrínsecas à atividade hoteleira, não beneficiam de enquadramento na citada verba 2.17 da Lista I, anexa ao CIVA.

ll.            É o que sucede, nomeadamente, com serviços de lavandaria adicionais que sejam solicitados pelo cliente, ou a realização de eventos, que consubstanciam prestações de serviços complementares à atividade de hotelaria, mas não indissociáveis da mesma, sendo, por conseguinte, tributáveis à taxa normal (23%), nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA”.

D) LIQUIDAÇÃO DO IVA POR DENTRO

Sem conceder, mas por mero dever de cautela, ainda que se considerasse que estes serviços estão sujeitos a IVA, nunca a AT poderia ter aplicado a taxa de 23% sobre o valor dos serviços prestados. Senão vejamos:

a.            Para determinação do valor a corrigir, em sede IVA, os Serviços de Inspeção Tributária utilizaram uma listagem das faturas emitidas no período em análise (2016), a qual inclui as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e serviços secundários relacionados, tendo sido extraídas, por cada fatura, as linhas com os valores respeitantes à prestação dos serviços dietéticos.

b.            Para apuramento do imposto, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram o valor faturado aos utentes, sem inclusão do imposto, tendo aplicado a taxa normal de IVA de 23% sobre este valor.

c.            Conforme já ficou dito anteriormente, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram os serviços dietéticos prestados pela Requerente aos utentes sujeitos a IVA, e, de forma a apurar o valor do imposto em falta, consideraram o valor recebido no montante de 573.695,00 Euros (faturação de 2016), sem inclusão do imposto, tendo aplicado a taxa normal de IVA de 23% sobre este valor, do qual resultou o valor global de imposto devido de 131.949,85 Euros.

d.            Ora, no entender da Requerente, a isenção contemplada na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA pretende que tais operações sejam prestadas a consumidores finais, como tal o valor cobrado pela Requerente aos utentes, no período em análise, constitui o preço final.

e.            Com a alteração do enquadramento proposto pelos Serviços de Inspeção Tributária, entende a Requerente que o valor global recebido como contrapartida da prestação dos serviços dietéticos, considerados pela Requerente como isentos de IVA ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, deverá ser considerado com inclusão do IVA.

f.             Sublinhe-se que, a seguir-se a tese da AT de determinação do IVA sobre o preço final cobrado aos utentes, os respetivos consumidores finais teriam de suportar o imposto liquidado adicionalmente, criando distorções ao nível do seu bem-estar económico ao criar esse encargo adicional.

g.            Como na prática isso seria impossível, teria a Requerente que suportar a final o IVA liquidado adicionalmente, o que violaria os mais elementares princípios de funcionamento do IVA, enquanto imposto neutro por definição.

h.            Ao considerar o valor global recebido como contrapartida da prestação dos serviços dietéticos com inclusão do IVA, o preço final não sofrerá qualquer alteração junto do consumidor final, possibilitando, à Requerente, sujeitar a imposto o montante recebido, retirando por dentro o respetivo valor do IVA.

i.             Atendendo ao disposto no artigo 49.º do Código do IVA, o apuramento da base tributável correspondente seria obtido através da divisão do valor recebido dos clientes por 123 (taxa normal de IVA de 23%) e multiplicando o quociente por 100. Assim, teríamos: Base Tributável = [valor recebido dos utentes / 123] x 100, ou seja, Base Tributável = [€ 573.695,00 Euros / 123] x 100 = € 466.418,70, sendo o montante global do IVA devido de € 107.276,30 (€ 466.418,70 x 23%) e não € 131.949,85 (cálculos apresentados de forma meramente demonstrativa, efetuados com base nos valores extraídos do Relatório de Inspeção, sem prejuízo de os valores constantes das liquidações adicionais nem sempre coincidirem com o Quadro da página 40 do Relatório de Inspeção).

j.             Por conseguinte, e por todo o exposto, tendo sido demonstrado que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente cumprem os requisitos para serem contemplados na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, devem as notas de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios ser totalmente anuladas, com todas as consequências legais. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve o IVA ser liquidado por dentro nos termos supra expostos.

 

 

2.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

 

a.            Os SIT entenderam que, por um lado, nos serviços como os em apreço, não se verifica a finalidade terapêutica e como tal, não beneficiam da isenção constante da al. 1) do artigo 9.º do CIVA,

b.            Veja-se ainda, a este respeito, o constante de págs. 25 e 26 do RIT, onde sob o Título “III.1.1.3 Da Análise dos factos”, refere: “Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.”

c.            E, por outro lado, consideraram os SIT, os serviços de nutrição em apreço, acessórios dos serviços de ginásio e, assim, com o mesmo enquadramento destes, em sede de IVA.

d.            A Requerente, discorda de tal entendimento e, em suma, defende que, sendo aqueles serviços prestados (ou melhor dizendo, faturados), por profissionais habilitados, têm imediata e necessariamente fins terapêuticos, pelo que beneficiam da isenção em apreço e, por outro lado, que tais serviços não são acessórios dos serviços de ginásio, mas antes complementares, não seguindo por via disso, o enquadramento destes em sede de IVA.

e.            É facto de conhecimento comum, que pessoas que não padeçam de qualquer patologia, consultam nutricionistas.

f.             E, como também é de conhecimento comum, fazem-no para os mais diversos fins, como sejam, ganhar peso, perder peso, obter a silhueta que desejam, obter uma melhor performance desportiva, ou até, admita-se, para promover a saúde em geral, em todos os casos, sem que pretendam tratar uma doença em concreto.

g.            Ao que acresce que, sendo os serviços facturados, independentemente da sua efectiva prestação, por maioria de razão, não se pode ter por verificado qualquer fim terapêutico quando não é efectivamente prestado.

h.            Ou seja, como está bom de ver, assinar um contrato, receber facturas e pagá-las, não tem, qualquer fim terapêutico.

i.             Em suma, entende a Requerente que verificado o requisito subjectivo da aplicação da isenção (a qualificação dos prestadores dos serviços), se pode ter por presumido o requisito objectivo (de que tais serviços tiveram por fim, diagnosticar, tratar e na medida do possível curar, determinada doença), mesmo quando não chegam a ser prestados.

j.             Por sua vez, a Requerida, discordando de tal entendimento, defende que, como infra observaremos, para a aplicação da isenção, não releva a promoção da saúde em geral nem a eventual prevenção de futuras doenças.

k.            Porque, a ser assim e, tendo em conta que é de conhecimento comum e também pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde assumido, que a prática desportiva contribui para a saúde de quem o pratica, então também os serviços de ginásio usufruiriam de tal isenção e, os professores de educação física, personal trainers, etc, seriam, enquanto profissionais qualificados para a prestação daqueles serviços, profissionais de saúde para efeitos de aplicação da isenção e, como se sabe, assim não é.

l.             Pelo que, aqui chegados, salvo melhor opinião, não se pode dar como provada a finalidade terapêutica nos serviços em apreço (que de resto, no entender da Requerida, nem sequer é alegada).

 

Por exceção

m.          Peticiona também a Requerente, a anulação dos Processos Executivos e dos Processos de contraordenação.

n.            Ora, ainda que a eventual anulação da Liquidações em apreço, determinasse a reposição da situação que existiria se não tivessem sido efetuadas e, assim, tivessem a suscetibilidade de influenciar os referidos Processos Executivo e contraordenacional, o Tribunal, não tem competência para apreciar o Pedido, na parte relativa ao Processo Executivo às contraordenações.

o.            A Portaria que fixa a competência do Tribunal, não prevê aqueles processos e, assim, encontram-se excluídos da competência do Tribunal, devendo este, nos termos legalmente previstos e, quanto a esta parte do Pedido, declarar-se incompetente, com todas as consequências legais.

 

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 19-10-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-10-2020. Em 10-12-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 10-12-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 13-01-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 19-01-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

Por força da legislação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que procedeu à nona alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, 75-A/2020, de 30 de dezembro, e 1-A/2021, de 13 de janeiro, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais entre 2 de fevereiro de 2021 e 5 de abril de 2021.

 

A Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril veio revogar o regime de suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, bem como reforçar o regime processual excecional e transitório aplicável às diligências processuais e determinar quais os prazos, atos e processos que continuam suspensos. Como resultado do regime previsto no artigo 6.º-B da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação nos termos do artigo 17.º do RJAT e a resposta da AT teve de aguardar o prazo para a elaboração da referida resposta.

 

A Requerente juntou em requerimento de 24-03-2021 parecer da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma com as seguintes conclusões:

 

a.            “A atividade de aconselhamento/consultas de nutricionismo prestadas em ginásios, quando realizadas por profissionais devidamente habilitados que envolvam a prática de atos de prevenção e/ou de tratamento de patologias relacionadas com a saúde praticados em conformidade com a Norma de Atuação Profissional da Ordem dos Nutricionistas (NOP 002/2019)11, como o aconselhamento nutricional, a elaboração de um plano alimentar personalizado, a análise da composição corporal, do historial clínico e do modo de vida do utente, bem com medições biométricas, só pode ser visto como um acto terapêutico isento de IVA nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA.

b.            Só assim se pode respeitar o entendimento que, como vimos, tem vindo a ser adotado pelo TJUE na área da saúde em geral, bem como pelos nossos tribunais e pela Administração Tributária, fazendo-se respeitar o princípio da neutralidade em sede deste imposto que, nomeadamente, postula que prestações de serviços idênticas devem ter um tratamento idêntico.”

 

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 05-05-2021.

 

Em 18-05-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“I - A reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT) À luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, fica dispensada a reunião do Tribunal com as partes, considerando que (i)se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e (ii) que o Tribunal conhecerá da exceção a final, aquando da apreciação do mérito do pedido e após o contraditório. II - Prova testemunhal Ponderará o Tribunal, com vista à apreciação e decisão da matéria de facto e se tal o vier a considerar necessário, a prova testemunhal gravada produzida no processo nº 160/2019-T, do CAAD, conforme requerido. III – Alegações finais Encerrada a fase instrutória do processo, ambas as partes apresentarão, querendo, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias [(artigos 29º, do RJAT, 91º-5 e 91º-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL nº 214-G/2015, de 2-10)], alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito. IV – Data para prolação e notificação da decisão final Fixa-se o dia 15-07-2021, como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final. V – Taxa de arbitragem remanescente A Requerente deverá dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária [pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral]. VI – Apresentação dos articulados e, se possível, do relatório da Inspeção Tributária, em formato “word” À luz do princípio da cooperação [cfr artigo 7º, do CPC], convidam-se ambas as partes a remeter ao CAAD cópias dos respetivos articulados e relatório mencionado, em formato editável (de preferência, em “Word”) com vista a facilitar e abreviar a tarefa de elaboração do acórdão final no que respeita sobretudo à fixação da matéria de facto.

§ Notifiquem-se as partes. Lisboa, 18-5-2021”

 

A Requerente fez novo requerimento em 01-06-2021, ao qual se respondeu por despacho datado de 11-06-2021, o seguinte:

 

“Apreciando o requerimento apresentado em 1-6-2021:

a) As decisões arbitrais ora juntas estão, ao que se julga, publicadas no site do CAAD, de todo o modo, admite-se a junção aos autos.

b) Relativamente à produção de prova testemunhal, não se antevê a sua necessidade/utilidade para a boa decisão da causa e apuramento do quadro factual relevante na medida em que se revela suficiente a documentação junta e a posição da AT espelhada na Resposta apresentada. Notifique-se.

Lisboa, 11-6-2021”

 

As partes apresentaram as respetivas alegações.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente, ressalvada tal competência na parte relativa à apreciação dos pedidos de extinção de processos executivos e de contraordenação conforme adiante melhor se fundamentará, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Admite-se a cumulação de pedidos, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, por estarem em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a.            O Grupo B..., no qual a Requerente se insere, existe atualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios. Iniciou a sua atividade na Península Ibérica há 20 anos e no exercício de 2012 passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado K... Portugal que é constituído por 16 empresas.

b.            Uma dessas empresas é a Requerente, que tem como atividade a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia. O código de acesso à certidão permanente é o ... .

c.            Os atos de liquidação de IVA ora impugnados são os seguintes:

i.             Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;

ii.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;

iii.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;

iv.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;

v.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;

vi.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;

vii.          Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/08;

viii.         Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09;

ix.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;

x.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;

xi.           Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/12;

xii.          Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/01.

d.            Com o montante total de 133.934,21 Euros, sendo o montante de imposto de 118.538,06 Euros e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de 15.396,15 Euros.

e.            Os atos tributários consubstanciados nas notas de liquidação adicionais supra identificadas foram emitidas pela AT na sequência de uma inspeção tributária ao exercício de 2016, por ter considerado a AT que alguns serviços de nutrição praticados pela Requerente não se subsumem no artigo 9.º alínea 1) do Código do IVA e por conseguinte entender que estão sujeitos a IVA, resultando daí acertos às declarações de IVA mensais entregues pela Requerente do ano de 2016, e ainda com efeitos ao período 2017/01, com a consequente emissão das respetivas notas de liquidação de IVA e juros.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Colectivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

C. DO DIREITO

 

A. QUANTO AO MÉRITO

 

1. Com o presente processo, e na sequência das correções efetuadas pela AT decorrentes do Relatório de Inspeção, a Requerente pretende a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de IVA mencionados, e, em consequência, que sejam os mesmos anulados, bem como os respetivos juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais, com a consequente extinção dos respetivos Processos de Execução Fiscal (Processo n.º ...2020... e Apensos) e respetivos Processos de Contra-Ordenação (Processo n.º ...2020... e Processo n.º ...2020...).

 

2. O artigo 9.º n.º 1 do CIVA, que constitui a transposição do artigo 132º, nº 1, alínea c) da Diretiva IVA (2006/112 CE, de 28 de Novembro de 2006) determinava antes da alteração produzida pela Lei nº 2/2020, de 31 de Março (LOE 2020) como segue:

 

“Artigo 9º- Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1)            As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

 

Por ser turno dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 132º da Diretiva IVA que se encontram isentas as “prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pela Estado-Membro em causa.

As razões objetivas da isenção do exercício de atividades no âmbito da saúde são absolutamente claras e consensuais, podendo sintetizar-se que “o objetivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes da tributação e promover os cuidados de saúde”

 

“O exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a Dietética, definida como a “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética da saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares”- artigo 1º, nº 3 do referido diploma e nº 5 da Lista anexa.

 

De acordo com o artigo 1º, nº 1 do citado Decreto-Lei nº 261/93, as atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problemas, quer a sua prevenção, sendo este último aspeto particularmente importante e sensível no domínio da doenças crónicas como a hipertensão e diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida.

 

Adicionalmente, o Decreto-lei nº 320/99, de 11 de agosto, em concretização da base I da Lei nº 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.

 

O exercício da profissão denominada de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei nº51/2010, de 14 de dezembro, e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas.

 

A Ordem dos Nutricionistas abrange os profissionais licenciados na área das Ciências da Nutrição e ou Dietética, podendo a profissão de nutricionista ou dietista “ser exercida de forma liberal, quer a título individual que em sociedade, ou por conta de outrem” - cf, artigos 2º e 3º, nº 1. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionistas, nº308/2016, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 58 de 23 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.

 

De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “ nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a  salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão de comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de um prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação”

 

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com objetivo de prevenir e tratar as doenças, associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competência na área, como a Organização Mundial de Saúde. (destaques no original).

 

 Isto posto,

As  questões que emergem dos presentes autos têm sido objeto de várias decisões proferidas pelos tribunais tributários arbitrais, sob a égide do CAAD, de entre os quais, e a título meramente exemplificativo, se destacam  os processos números 454/2017 -T, de 2018.04.92; 373/2018-T, de 2019-04-24; 570/2018-T,de 2019-09-30;159/2019-T de 2019-11-05; 161/2019-T, de 2019-10-30; 164/2019-T, 169/2019-T de 2019-11-06; 174/2019-T de 2020-01-21; 181/2019-T de 2019-11-27; 544/2019-T, de 2020-04-23 e 760/2019-T de 2020-08-31.

 

Nestes identificados processos tem sido invariavelmente reconhecido o caracter autónomo das sessões de aconselhamento de nutrição/ dietética em relação a atividades físicas praticada nos ginásios, concluindo-se deste modo que tais serviços (desde que praticados por profissionais para tanto devida e legalmente habilitados) podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA.

 

Seguiremos de perto, data venia, a motivação e sentido decisório provindos dos processos n. processo n.º 454/2017-T e nº 159/2019-T, de 2019-11-05, que por sua vez convoca o processo nº 373/2018- T, (tendo em mente o artigo 8º, nº 3 do Código Civil que estabelece que “nas situações que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”)

 

 

3. A principal questão em causa na presente ação arbitral consiste em decidir se os serviços de nutrição prestados pela Requerente deverão ser considerados:

             uma prestação acessória em relação à prestação principal (ginásio), formando com esta uma “operação complexa única”, e por esse motivo, tributados como uma prestação única à taxa normal de IVA de 23%, como sustenta a AT,

             ou se se tratam de prestações cindíveis, individualmente tributáveis, conforme entende a Requerente.

Para sustentar a existência de prestações cindíveis é útil citar o Parecer da Ilustre Fiscalista, Senhora Professora ..., de 28 de abril de 2018, página 43, junto pela Requerente: “No caso em apreço não estamos, à partida, perante uma prestação única. A prestação de serviços de nutricionismo é um fim em si mesmo, existindo inclusive utentes que apenas frequentam consultas de nutricionismo, sendo livres de escolher qual a entidade a quem devem recorrer para o efeito. Assim, há utentes que apenas praticam atividades físicas, outros que apenas frequentam as consultas de nutricionismo e outros que frequentam ambas. E diga-se que o facto de o ginásio eventualmente incluir num pacote único ambas as prestações de serviços em nada poderá alterar tal conclusão. Nem tão pouco, no caso o utente não usufruir das consultas de nutricionismo se poderá concluir que os serviços não foram prestados recusando-se a aplicação da isenção. A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de actividades físicas). Com efeito, tal como o TJUE já decidiu, por exemplo no Caso Air France-KLM, o IVA é exigível mesmo no caso de o viajante não utilizar o bilhete de avião dado, como concluiu, o serviço ter sido disponibilizado ao utente”

 

Ora, antecipando já a conclusão a que se chegará adiante, considera-se que a resposta a dar à questão formulada, deverá ir no segundo dos sentidos indicados, ou seja, que a prestação de serviços de nutrição pela Requerente é, no caso, autonomizável das prestações que integram a sua atividade principal.

 

4. Com efeito, com interesse para a conclusão referida, apura-se nos autos, em suma, que:

             O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos/nutrição, era à data das liquidações composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia apenas um follow up das consultas. No entanto, sempre que os sócios pretendiam mais do que duas consultas de nutrição por ano podiam sempre adquirir consultas de nutrição vendidas quer isoladamente, quer em packs, sendo estas consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, com a mesma duração e os mesmos serviços.

             Os clientes podiam e podem usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição como o inverso também é verdadeiro.

             Em 2016, o Grupo B... proporcionou aos seus sócios 49.939 consultas de nutrição, nas quais estão incluídas as 2 consultas iniciais previstas nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos.

             A Requerente proporcionou 3.593 consultas de nutrição no ano de 2016.

             As consultas são efetuadas nas instalações da Requerente, pelos nutricionistas que pertencem aos quadros da Requerente, conforme referido supra e em instalações próprias para o efeito e especificas só para aquele fim, com software próprio e específico para serviços de nutrição.

             Todas as consultas (quer as iniciais quer as premium) são dadas pelos mesmos profissionais e nas mesmas condições, não divergindo quer na duração quer na qualidade, sendo os serviços prestados exatamente os mesmos.

             Inclusive, a Requerente, bem como todo o Grupo K... em Portugal, têm programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem dos Nutricionistas, onde são recebidos estagiários nos clubes da B... que aí completam a sua formação.

 

Face aos referidos dados de facto, a primeira conclusão a retirar é a de que, no caso, os serviços de nutrição foram efetivamente prestados, não procedendo, por isso, os argumentos da Requerida no sentido de:

             “sendo os serviços faturados, independentemente da sua efetiva prestação, por maioria de razão, não se pode ter por verificado qualquer fim terapêutico quando não é efetivamente prestado”.

Ou até de estarmos perante apenas um

             “assinar um contrato, receber facturas e paga-las, não tem, qualquer fim terapêutico”.

 

Esta circunstância, se bem que relevante enquanto indício de que se poderá estar perante uma única contraprestação de carácter complexo, não será de per si, salvo melhor opinião, suficiente para concluir que tal acontece.

Com efeito, dentro das práticas comerciais atuais, não é raro, sendo antes corrente, os operadores económicos diversificarem horizontalmente a sua atividade e aglutinarem prestações de serviços em “pacotes”, cuja subscrição assegura vantagens ao nível do preço para a respetiva clientela, em relação à sua contratação dispersa.

 

São os casos, por exemplo, dos chamados operadores de telecomunicações (com “pacotes” de comunicações móveis, fixas, e televisão), das entidades bancárias (“pacotes” de serviços bancários mais seguros), dos operadores de transportes (“pacote” de viagens ferroviárias e viatura de aluguer), de turismo (com pacotes para todos os gostos, incluindo viagens, deslocações, atividades desportivas e de lazer, babysitting, seguros, etc.), do sector imobiliário (cedências de espaço com diversos serviços associados), sendo que apenas casuisticamente se poderá determinar se os diversos serviços são, ou não, associáveis, constituindo um prestação única ou várias, autónomas.

 

5. Inclusive acrescente-se  que nada indicia que, no caso, a prestação de serviços de acompanhamento nutricional permita beneficiar em melhores condições dos restantes serviços de “ginásio”, indiciando-se antes que a utilização dos restantes serviços em questão no presente caso, se dará de forma idêntica para os subscritores de planos com e sem acompanhamento nutricional, bem como para os utilizadores ad hoc daqueles serviços.

Assim, nada indicia que os utentes dos aparelhos de Cárdio-Musculação de Aulas Fitness, de Hidroginástica de Banho Turco, Sauna e Jacuzzi, fruam de maneira diferente dos correspondentes serviços, em função de frequentarem ou não o acompanhamento nutricional, ao contrário do que acontecerá, por exemplo, com a utilização dos serviços de Avaliação Física e Plano de Treino Contínuos (que se destinam a determinar uma melhor utilização dos equipamentos), ou com a disponibilização de  Toalha e Roupão, de Cacifo Pessoal ou de Parque Privado (que contribuirão para um maior “conforto” na utilização dos serviços).

Eventualmente, o juízo feito pela AT assentará numa pouco precisa determinação da natureza dos serviços de “ginásio”, em geral e prestados pela Requerente, tendo, porventura, as correspondentes prestações de serviços sido tomadas como prestações de resultado (ou seja, como visando assegurar uma melhor forma física, diminuição de peso, etc.).

Neste ponto seguimos de perto o mencionado no processo n.º 454/2017-T:

“Ora, salvo melhor opinião, aqueles serviços serão na realidade, julga-se, prestações de meios, estando o prestador unicamente obrigado a facultar os meios aptos àqueles resultados, independentemente de os mesmos serem obtidos ou não.

Desligando-se, desta forma, os resultados que, por norma, motivarão subjetivamente, na generalidade, os clientes da Requerente a contratar com ela, do que são as obrigações desta nos contratos que celebra com aqueles, e, em concreto, no que diz respeito aos serviços de “ginásio”, ficará evidenciado, crê-se, que os serviços de nutrição, ou a falta dos mesmos, em nada contendem com a concreta utilização daqueles outros serviços, que, como se referiu, tudo indicia que se dará nos mesmos termos quer haja ou não acompanhamento nutricional.

É certo que a “venda” dos serviços de acompanhamento nutricional procura explorar aquela mesma motivação subjetiva da clientela dos serviços de “ginásio”, e beneficiará, seguramente, da concentração de clientela que valoriza os resultados que poderão resultar quer de um, quer de outro serviço, quer de ambos em conjunto, mas que, nem um, nem outro, nem ambos em conjunto, asseguram ou garantem.

Todavia, tal exploração de clientela “comum” a ambos os serviços, não será, também ela, determinante para concluir pela existência de uma única prestação, sobretudo quando se indicia, como é o caso e vem de se ver, que nenhuma condiciona as condições em que a outra é usufruída.”

 

6. Em sede arbitral, e no sentido de obstar à argumentação da Requerente, menciona a Requerida que a maioria das consultas de acompanhamento nutricional contratadas não foram efetivamente prestadas, como se conclui do contraste entre o número de clientes da Requerente com planos que facultam aquele acompanhamento, e o número de horas mensais contratadas para o serviço da nutricionista.

Ora, como bem nota a Requerente, estamos perante um modelo de negócio que, à semelhança, por exemplo, dos operadores de telecomunicações, assenta na “venda” da disponibilização de serviços, independentemente da sua efetiva utilização pelos clientes, sendo tal modelo um fator relevante da respetiva rentabilidade.

Daí que as obrigações da Requerente se reconduzam a disponibilizar o serviço de nutrição aos clientes que, por qualquer forma, o contratem, o que, no caso, se demonstrou, à saciedade, que ocorreu.

A própria Requerida, vem invocar de resto, que “é facto de conhecimento comum, que pessoas que não padeçam de qualquer patologia, consultam nutricionistas. E, como também é de conhecimento comum, fazem-no para os mais diversos fins, como sejam, ganhar peso, perder peso, obter a silhueta que desejam, obter uma melhor performance desportiva, ou até, admita-se, para promover a saúde em geral, em todos os casos, sem que pretendam tratar uma doença em concreto.”

Não obstante não se relacionar diretamente com a questão fundamental a decidir no presente processo arbitral, e fundamento das correções operadas, que, como se viu, se reconduz a saber se a prestação de serviços de acompanhamento nutricional se funcionaliza a assegurar melhores condições para a fruição das prestações de serviços de “ginásio”, a consideração referida acaba por aflorar a pedra de toque do tratamento fiscal da situação em apreço, bem como de situações semelhantes, razão pela qual se procederá ao enquadramento da mesma.

Com efeito, aquilo que Requerida acaba por apontar, e que a AT poderia, no caso, legitimamente questionar, relaciona-se com a valoração, ao nível da faturação da Requerente, dos serviços de acompanhamento nutricional que faculta aos seus clientes.

Não está em causa, nesta perspetiva, nem a efetividade da prestação dos serviços (se não tivessem sido prestados, estar-se-ia perante faturação simulada), nem o carácter acessório daquela (não será o valor económico atribuído a uma prestação a revelar se a mesma permite ou se destina a assegurar a fruição em melhores condições de uma outra prestação), mas a eventual indiciação de uma situação de fraude ou evasão fiscal, através da manipulação dos valores económicos das prestações, em ordem a obter vantagens do ponto de vista tributário. Ora, no caso, isso manifestamente não acontece, indiciando-se que a valorimetria ao nível da faturação dos serviços de acompanhamento nutricional pela Requerente tem sustentação económica.

Não deixando de ser expressivo o lucro comercial obtido pela Requerente com a contratação e comercialização no contexto do seu estabelecimento dos serviços de acompanhamento nutricional, o certo é que não é possível concluir que a Requerente haja procedido a um empolamento artificial do valor dos serviços de acompanhamento nutricional, nem, muito menos, que aquele valor fixado pela Requerente seja desfasado ou não tenha, por qualquer forma, correspondência nos valores de mercado para os serviços em causa.

Em todo o caso, não se julga que a atuação da Requerente em questão seja abusiva, ou por qualquer outra forma fiscalmente censurável. Com efeito, sendo certo que a Requerente poderia, no quadro promocional dos “pacotes” que comercializa proceder a uma distribuição de preços distinta, não se pode deixar de considerar que aquela que efetivou se situa ainda dentro da sua margem de liberdade de atuação comercial.

Ora, não estando em causa, assim, prestações meramente acessórias, na ausência da norma como a da referida verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, por força do princípio da neutralidade do IVA, a decomposição dos preços impõe-se, vigorando, à falta de previsão legal noutro sentido, a liberdade económica dos operadores dentro do que sejam os preços aceitáveis de mercado, sendo que, a falta de, ou a incorreta, decomposição, não acarretará a aplicação da “taxa mais elevada à totalidade do serviço”, justamente por não estar em causa uma única prestação complexa e por inexistir previsão legal nesse sentido, mas a obrigação da AT liquidar, por métodos diretos ou indiretos, o imposto de acordo com a taxa aplicável a cada serviço.

Assim, e face ao exposto, enfermando de erro de facto, e consequente erro de direito, deverão as liquidações objeto da presente ação arbitral ser anuladas, procedendo o pedido arbitral formulado, e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente, sendo que, quanto ao pedido da Requerente de extinção dos Processos de Execução Fiscal (Processo n.º ...2020... e apensos) e Processos de Contraordenação (Processo n.º ...2020... e Processo n.º ...2020...), não tem este Tribunal Arbitral competência material para apreciar essa parte do pedido de pronúncia arbitral, sem prejuízo da  extinção dos mencionados processos poder resultar do elenco de  efeitos da execução da decisão arbitral que irá ser proferida  à luz do dever imposto à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 100º, da LGT, aplicável por força do artigo 29º, do RJAT.

Razão porque, nos termos, conjugadamente, do disposto nos artigos 278º-1/a) e 577º-a), do CPC e 29º, do RJAT, deverá ser a  AT absolvida da instância relativamente a essa parte do pedido.

 

 

A.           CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

 

O Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má fé.

O artigo 104.º da LGT estabelece que «sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé em caso de atuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adotado em situações idênticas» e que «o sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral».

No artigo 542.º do CPC prevê-se o regime geral da litigância de má fé, considerando-se que tal ocorre quando uma parte tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

No caso em apreço, e como a discussão em causa é meramente de direito, a mera apresentação de argumentos jurídicos de parte a parte, mesmo no decurso do processo não podem ser entendidos com o objetivo de um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Assim, é forçoso concluir que não se está perante qualquer das situações em que a lei admite a condenação por litigância de má fé, pelo que tem de improceder o pedido formulado.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de IVA, e, em consequência, anular, bem como os respetivos juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais, as seguintes liquidações:

a.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;

b.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;

c.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;

d.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;

e.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;

f.             Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;

g.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/08;

h.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09;

i.             Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;

j.             Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;

k.            Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/12;

l.             Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/01.

b)           Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira, por incompetência material  relativamente ao pedido de extinção dos processos de execução fiscal e de contraordenação formulados e acima identificados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €133.934,21, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 16 de julho de 2021

 

O Árbitro - Presidente,

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro-Vogal

(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso)

 

O Árbitro-Vogal,

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)