Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 546/2021-T
Data da decisão: 2022-01-17  IRC  
Valor do pedido: € 121.936,95
Tema: IRC - Reporte de Prejuízos – nºs 1 e 4 do art.º 47 do CIRC (na redação do CIRC em vigor previamente à produção de efeitos do Decreto-lei n.º 159/2009, de 13.7, que republicou aquele código).
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Sumário:

A norma do art.º 47.º, n.º 4, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12, deve ser interpretada no sentido de que não pode proceder-se a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se tiverem decorrido mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite, independentemente da data em que foi comunicada pela Administração Tributária a correcção aos prejuízos fiscais declarados.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o tribunal arbitral colectivo, constituído em 15 de Novembro de 2021, Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Fernando Marques Simões (árbitro vogal) e Júlio Tormenta (árbitro vogal), acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO:

 

1.            A...– UNIPESSOAL, LDA., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua..., n.º... –...-... ... (doravante, Requerente), apresentou, em 1.9.2021, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e nos nºs 1 e 2 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) e ainda os artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

2.            No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

3.            Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.            Em 25.10.2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

5.            Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 15.11.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.

6.            Em 15.12.2021, a Requerida apresentou Resposta defendendo-se por impugnação, refutando o vício imputado pela Requerente às liquidações de IRS e JC de 2016 colocadas em crise.

7.            Por despacho de 20.12.2021 e por não se mostrar o processo especialmente complexo no plano da tramitação processual e ainda por não haver sido suscitada matéria de excepção, nem irregularidades a suprir e por não haver prova adicional a produzir, foi dispensada a reunião prevista no art.º 18º do RJAT; podendo a matéria de facto relevante para a decisão ser fixada com base na prova documental e estando em causa matéria de direito claramente exposta e desenvolvida no Pedido de Pronúncia Arbitral e na Resposta, foi igualmente dispensada a produção de alegações escritas; foi fixado o dia 15 de Março de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.   

8.            A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa entretanto apresentado e dirigido ao acto tributário de liquidação de IRC e JC, referente ao período de tributação 2008,; ii) bem como na consequente declaração de ilegalidade daquele mesmo acto de liquidação, por enfermar igualmente de ilegalidade, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito por desconsideração ilegal dos prejuízos reportados ao ano de 2002, na medida em que, sustenta a Requerente, in casu, era inaplicável o n.º 4 do art.º 47.º do CIRC; iii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daquele acto de liquidação, na restituição à Requerente do valor de IRC indevidamente pago; iv) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43.º da LGT em particular do seu n.º 1, contados desde a data do pagamento da quantia referida até à restituição do imposto pago em excesso com referência àquele período de tributação.

 

9.            Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE:

 

9.1.        Começa a Requerente por dizer que é a sociedade dominante do grupo designado B..., tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), que, no exercício de 2008, agregava os seus resultados fiscais de várias empresas, entre as quais a sociedade comercial por quotas C..., Limitada.

9.2.        Prossegue aduzindo no sentido de que “A liquidação controvertida incorpora as alterações à matéria tributável do Grupo em resultado das correcções fiscais efetuadas, essencialmente, na esfera individual da C...  (correcção da matéria colectável da C... do exercício de 2008, invocando a AT para tanto a correcção ocorrida, ao prejuízo fiscal declarado pela C... no exercício de 2002).”

9.3.        Segue-se a seguinte transcrição do relatório de inspecção que está junto ao PPA como Doc. n.º 5 e que segundo a Requerente está a fundamentar a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa entretanto apresentado: “Ora, na declaração periódica de rendimentos apresentada pela A..., relativa ao apuramento do resultado fiscal do grupo para o exercício de 2008, esta considerou a dedução de um prejuízo fiscal d€ € 470.523,75. Aquele valor total de prejuízo fiscal deduzido resulta do somatório dos prejuízos deduzidos nas declarações individuais das empresas participantes no grupo de sociedades, nos seguintes montantes: C..., Lda. – €330.047,92; E..., Lda. – €6.607,03; F..., Lda. – €7.952,19;G..., Lda. – €125.916,61 €. -C..., Lda. (adiante designada de C...), OI2010..., correcção à matéria colectável de IRCX de € 330.047,92: “A C... inscreveu na sua declaração do rendimentos modelo 22 do exercício de 2008, a título do dedução de prejuízos fiscais, campo 309 do quadro 09 da referida declaração, o valor do €330.04 7,92. Verificando o campo 303 do quadro 09 do mesma declaração, conclui-se que, segundo o sujeito passivo, esse prejuízo que deduz ao lucro tributável do 2008, se reporta ao exercício n-6, ou seja, ao exercício de 2002. No entanto, verificando a liquidação vigente do exercício do 2002, constata-se que não existe qualquer prejuízo fiscal originado nesse exercício para reportar para os exercícios seguintes. As liquidações constantes do sistema do Imposto sobre a Rendimento são duas. A primeira resultou da declaração modelo 22 apresentada pelo sujeito passivo em 2003-05-30, em que apurou um prejuízo fiscal de € 9.210.539,96 originando uma liquidação com reembolso de IRC no valor do € 4.475,42. Existe depois uma nova liquidação em resultado de documento de correcção elaborado pela lnspecção Tributária em 2005.08.04, em que se apura não prejuízo fiscal mas lucro tributável (no valor de € 4.892.400,09 para esse exercício do 2002. A correcção foi apurada no âmbito do acção inspectiva determinada pela ordem de serviço n.º 012005..., cujo relatório final foi notificado ao sujeito passivo em 2005-08-23. A liquidação originada por esta correcção mantém-se vigente, não existindo, nesta data, quaisquer outros documentos de correcção elaborados para esse exercício (var quadro abaixo). Por conseguinte, e nos termos dos n.º 1 e 4 do artigo 47.° do CIRC, tendo sido efectuadas correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo para o exercício do 2002, correcções essas explicadas e notificadas ao sujeito passivo no âmbito da accão inspectiva já mencionada, que originaram nova liquidação de IRC para 2002, sem qualquer prejuízo reportável, também ela devidamente notificada ao sujeito passivo em 2005-10-26, através da notificação postal com o aviso n.º RY...PT, não haverá a possibilidade de, em relação ao exercício do 2008, deduzir prejuízos reportados de 2002. Desta forma, não pode ser considerada a dedução efectuada pelo sujeito passivo na sua declaração de rendimentos de 2008, considerando-se como matéria colectável o valor do lucro tributável apurado para esse exercício, isto é, €3.040.465,39.”

9.4.        Ora, partindo da transcrição vinda de efectivar, manifesta a Requerente absoluta discordância com a posição da AT que fundou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa entretanto apresentado, dizendo-a ilegal.

9.5.        E não se detendo, a Requerente aduz com aquele que em substância nos parece ser, agora, o argumento fundamental que está a estribar tal discordância:  “(...) 8. A AT encontra suporte legal para a correcção (e subsequente liquidação controvertida) nos n.º 1 e n.º 4 do art.º 47 (agora art.º 52) do CIRC,- Cfr. Ponto III (descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável - pág. .5). – Doc. 5. 9. Ora, o art.º 47, n.º 4 (hoje art.º 52) do CIRC diz que “Quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite.” 10. O verbo efectuar é usado no pretérito: “efectuadas”. 11. O que tem toda a lógica, pois o que se pretende é que, na decorrência da correcção dos prejuízos fiscais (do ano n-..), ocorra concomitantemente a alteração das deduções efectuadas (nos anos subsequentes) antes da referida correcção ter ocorrido.”

9.6.        E explicitando melhor as datas, tornando-as mais precisas, aduz a Requerente com o segue: “(...) verificamos que a AT corrigiu o IRC do exercício de 2002 (da C..., através da liquidação n.º 2005 ..., cuja notificação ocorreu em 28.10.2005 – Doc. n.º 6. 13. Sendo que a declaração Mod. 22 de IRC do exercício de 2008 da requerente foi entregue muito tempo depois. Apenas em 31.05.2009. — Doc. n.º 7.”

9.7.        E bem ao invés do que se passou aquando da apresentação do pedido de revisão oficiosa mesmo sem invocar a aplicabilidade do n.º 2 do art.º 45.º da LGT e a caducidade da liquidação subjacente à liquidação que adveio na sequência do tratamento da declaração modelo 22 de 2008, entregue em 31.5.2009, aduz a Requerente que, assim sendo, “(...) estaríamos perante um erro declarativo evidenciado na declaração Mod. 22 do exercício de 2008 da requerente (que o sistema informático da AT deteta automaticamente -  dedução de prejuízos fiscais que não constam da base de dados da AT — ficando a declaração automaticamente na situação de não liquidável).”

9.8.        E dizendo isto, conclui no sentido de que “(...) o art.º 47, n.º 4 do CIRC nunca se aplicaria à presente situação e não pode, consequentemente, sustentar a liquidação controvertida.”

9.9.        Inferindo daí que a AT incorreu em erro sobre os pressupostos de direito por inadequação da norma jurídica aplicada (art.º 47, n.º 4 - actual art.º 52 do CIRC), à base factual convocada, aduzindo ainda com a violação do princípio da legalidade tributária, previsto nos arts. 103°, n.º 3 da CRP e 8.º da LGT.

9.10.      Defendendo que a violação do princípio da legalidade constitui vício de violação de lei, donde, sustenta a Requerente, a liquidação encontra-se ferida de ilegalidade.

9.11.      Requer ainda a restituição do imposto indevidamente pago e indemnização, a título de juros indemnizatórios, por pagamento de prestações tributárias indevidas por subsunção no preceituado no n.º 1 do art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.  

 

10.          A Requerida apresentou resposta, na qual, em escorço, alega:

 

I.B) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERIDA:

 

10.1.      A Requerida aduz a dado passo da sua Resposta como segue: “(...) a "C..., Lda." inscreveu na sua declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2008, nº..., a título de dedução de prejuízos fiscais, campo 309 do quadro 09 da referida declaração, o valor de 330.047,92 €.” E ainda que “(...) da análise ao campo 303 do quadro 09 da mesma declaração, se concluiu que, segundo o declarado pelo sujeito passivo, esse prejuízo que deduziu ao lucro tributável de 2008, se reportava ao exercício "n-6", ou seja, ao exercício de 2002.”

10.2.      E assim sendo, diz-se na Resposta que a AT foi verificar a última liquidação do exercício de 2002, tendo constatado não existir “(...) qualquer prejuízo fiscal originado nesse exercício para reportar para os exercícios seguintes.”

10.3.      E não se detendo discorre a Requerida no sentido de que são duas as liquidações constantes dos sistema informático da AT: “[A] primeira resultou de declaração modelo 22 (nº 2003...) apresentada pelo sujeito passivo em 30.02.2003, em que apurou um prejuízo fiscal de 9.210.539,96 € originando uma liquidação com reembolso de IRC no valor de 4.475,42 €; - Existe depois uma nova liquidação em resultado de documento de correção (nº 2003...) elaborado pela inspeção tributária em 04.08.2004 em que se apura não um prejuízo fiscal, mas um lucro tributável no valor 4.892.400,09 € para esse exercício de 2002. A correção foi apurada no âmbito de ação inspetiva determinada pela ordem de serviço nº 012005..., cujo relatório final foi notificado ao sujeito passivo em 2005." E ainda: “Não existindo, (...), outros documentos de correção elaborados para esse exercício.”

10.4.      Retirando a Requerida daqui que “(...) tendo sido efetuadas correções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo para o exercício de 2002, correções essas, explicadas e notificadas ao sujeito passivo no âmbito da ação inspetiva, acima já mencionada, e que originaram nova liquidação de IRC para 2002, sem qualquer prejuízo reportável, devidamente notificada ao sujeito passivo em 26.10.2005, através de notificação postal com o aviso n.º RY...PT (conforme informação disponível na aplicação SECIN), não haverá a possibilidade de em relação ao exercício de 2008 deduzir prejuízos reportados de 2002, em harmonia com o disposto nos nºs 1 e 4 do artigo do artigo 47º do CIRC, na redação à data aplicável.” Em substância e no essencial, é este o argumentário esgrimido pela Requerida que está a estribar as suas pretensões correctivas que foram colocadas em causa pela Requerente com a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

10.5.      Não obstante e trazendo à colação a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente (que igualmente é objecto dos presentes autos) defende a Requerida que a questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se em saber se, in casu, se verifica: “(...) - a existência de um erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, e, consequentemente, se se aplica o prazo especial de caducidade do direito à liquidação dos tributos de 3 anos previsto no nº 2 do artigo 45° da LGT ; ou se, - ao invés, não se verifica qualquer erro daquele tipo, e, por conseguinte, o prazo de caducidade aplicável é o previsto no nº 3 do mesmo normativo legal, ou seja, o prazo de 6 anos, a que corresponde o prazo para efetuar o reporte de prejuízos."

10.6.      Prossegue a Requerida dizendo que a Requerente suscita a questão da caducidade do direito à liquidação com base no n.º 2 do art.º 45.º da LGT, defendendo aquela que “(...) a situação em apreço consubstancia um "erro evidenciado na declaração", argumentando que a declaração entregue para o exercício de 2008 não deveria ter sido liquidada, por manifesta incongruência dos elementos declarados. Diz ainda a Requerida que a Requerente “(...) alega que a administração tributária só poderia proceder à liquidação em causa no prazo de três anos, pelo que no caso em apreço já havia sido ultrapassado o prazo de caducidade do direito à liquidação, do IRC do ano 2008. E ainda que “(...) Continuando por defender que tendo entregado a declaração de rendimentos, dentro do prazo, ou seja, antes de 31.05.2009, a divergência consubstanciada no facto de terem sido deduzidos prejuízos que tinham sido corrigidos, era perfeitamente detetável por parte da Administração Tributária.”

10.7.      E isto dito, sustenta a Requerida que não assiste razão à Requerente.

10.8.      Desde logo, porquanto, diz a Requerida, in casu, não estamos perante um erro evidenciado na declaração, sendo o prazo de caducidade aplicável de 6 anos e não de 3 anos.

10.9.      No sentido de fundamentar que não estamos perante erro evidenciado na declaração traz a Requerida à colação a doutrina que dimana da Lei Geral Tributária, Anotada, Rei dos Livros, Edição 2001, Nota 2 ao artigo 45.º, pág. 214, de Lima Guerreiro que aqui se deve considerar reiterada e ainda o ponto IV do sumário do acórdão do STA de 10-03-2021 (processo nº 02930/10.2BELRS 08/18) que igualmente aqui se deve considerar transcrito.

10.10.    E partindo daquela posição interpretativa de que não estávamos perante erro evidenciado na declaração, obviamente, ancorada na doutrina e jurisprudência que citada, defende a Requerida que “(...) Estando perante uma correção aos prejuízos fiscais declarados pela Requerente, aplica-se o disposto no nº 4 do artigo 47° do CIRC, na redação à data aplicável, que refere que quando se efetuarem correções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, as deduções efetuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro respeite.”

10.11.    Por outro lado, defende ainda a Requerida que estando em causa uma correção ao montante dos prejuízos reportáveis, o prazo de caducidade aplicável era o estabelecido no nº 3 do artigo 45° da LGT, ou seja, o prazo que corresponde ao prazo do exercício do direito, no caso, 6 anos, pelo que cabia à AT corrigir a utilização indevida em 2008 dos prejuízos fiscais incorridos em 2006. E ancorando mais uma vez tal posição interpretativa traz a Requerida à colação a doutrina que dimana do Acórdão do TCAN, de 18.5.2006, Processo n.º 00137/04) e ainda a que dimana do Acórdão do STA de 10.3.2021 (processo n.º 02930/10.2BELRS 08/18) cujo sumário em parte transcreve e que aqui igualmente se deve considerar reiterado.

10.12.    Em face do aduzido, peticiona a Requerida seja julgado improcedente por não provado o Pedido de Pronúncia Arbitral sub judice, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação de IRC de 2008, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida dos pedidos formulados pela Requerente. 

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

11.          Cabe ao Tribunal conhecer os vícios imputados pela Requerente aos actos tributários de liquidação sub judicio e ao pedido de revisão oficiosa que constituem o objecto do presente processo.

12.          Não havendo excepções a apreciar, empreender-se-á julgamento de mérito sobre o objecto do pedido de pronúncia arbitral, ou seja, resolver-se-á a questão de saber se a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente com vista à contestação dos actos tributários de liquidação de IRC e JC de 2008, está eivada de ilegalidade e ainda se os aludidos actos de liquidação, enfermam igualmente de ilegalidade, com fundamento em erro de direito por desconsideração ilegal dos prejuízos reportados ao ano de 2002.

13.          Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

14.          O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da eventual ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IRC e JC, respeitantes aos exercícios de 2008, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT. Senão vejamos,

15.          O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de actos tributários constitui um acto administrativo à face da definição fornecida pelo art.º 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art.º 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária, 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

16.          Trata-se de acto em matéria tributária pois nele é feita a aplicação de normas de direito tributário.

17.          Assim, o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um “acto administrativo em matéria tributária”.

18.          Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) infere-se a regra de que a impugnação de actos administrativos em matéria tributária deve ser feita no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art.º 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.

19.          Como excepção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. Neste sentido veja-se o Acórdão do STA de 2.4.2009, tirado no Processo n.º 0125/09.

20.          Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. A título meramente exemplificativo se refere o n.º 13 do art.º 22º do CIVA que prevê a utilização da impugnação judicial para a impugnação de actos de indeferimento de pedidos de reembolsos de IVA.

21.          Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa.

22.          Face àquele critério de repartição, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa apenas serão arbitráveis ou objecto de impugnação através de processo de impugnação judicial quando comportem, na revisão, a apreciação da legalidade daqueles mesmos actos.

23.          Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não comporta a apreciação da legalidade dos actos tributários ali controvertidos não será arbitrável e será aplicável a acção administrativa que sucedeu ao recurso contencioso. Nesse sentido vejam-se, por todos, os Acórdãos do STA de 20.5.2003, Processo n.º 638/03; de 8.10.2003, Processo n.º 870/03; de 15.10.2003, Processo n.º 1021/03.

24.          Sendo que a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, apreciou, efectivamente, a legalidade do acto de liquidação do IRC e JC, de 2008, que ali estava a ser controvertido, na sequência até da decisão prolatada na acção administrativa especial que correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, Processo nº 1840/14.9BEBRG, que condenou a AT a apreciar o mérito do pedido de revisão oficiosa.

25.          Assim sendo, o presente Colectivo considera-se competente para apreciação da pretensão formulada pela Requerente no PPA, já que o que ali se peticiona é a apreciação da legalidade da decisão administrativa de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado com referência ao acto tributário de liquidação de IRC, de 2008, tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento, apreciado a legalidade daquele concreto acto de liquidação.

26.          As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

27.          A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). Vejamos,

28.          Indaguemos, para já, a questão da tempestividade associada à interposição do PPA, já que o indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa foi notificado à Requerente em 4.6.2021, sendo que o dies a quo para apresentação do PPA se fixaria em 5.6.2021, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT e o dies ad quem, em 2.9.2021, tendo o PPA sido apresentado exactamente em 1.9.2021, 14:40 horas, tal como se pode intuir dos pontos Y), Z) e AA) do probatório.

29.          A Requerida não se pronunciou sobre esta temática na sua resposta.

30.          Atendendo a que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado reabre a via contenciosa, in casu a arbitral, e sendo expresso esse indeferimento, o Tribunal Arbitral Singular tem necessariamente de avaliar se estavam preenchidos os pressupostos processuais legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito da causa.

31.          Assim sendo, in casu, a questão de (in)tempestividade a apreciar e da eventual caducidade do direito de acção, reduz-se a saber se estavam reunidos os requisitos para a Requerente formular um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo n.º 1, 2.ª parte, do artigo 78.º da LGT.

32.          O n.º 1 do artigo 78.º da LGT permite a revisão oficiosa com fundamento em qualquer ilegalidade dentro do prazo da reclamação administrativa (1.ª parte daquele n.º 1) e, se o tributo foi pago, no prazo de quatro anos, apenas com fundamento em erro imputável aos serviços (2.ª parte daquele n.º 1).

33.          E que a Requerente poderia socorrer-se daquele meio de discussão da legalidade do acto de liquidação que ali se controvertia, parece não estarem dúvidas, desde logo, na sequência até da decisão prolatada na acção administrativa especial que correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, Processo nº 1840/14.9BEBRG, que condenou a AT a apreciar o mérito do pedido de revisão oficiosa.

34.          Nessa conformidade, o tribunal arbitral constata que o Pedido de Revisão Oficiosa foi apresentado à AT em tempo e em face estatuído na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT e nos pontos Z) e AA) do probatório igualmente foi igualmente apresentado em tempo o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem aos presentes autos, pelo que, assim sendo, nada obsta a que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da questão que lhe foi submetida para julgamento.

35.          O processo não enferma de nulidades.

36.          Não existem excepções a apreciar.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS:

 

37.          Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

 

A)           A Requerente era, no exercício de 2008, a sociedade dominante do perímetro do grupo designado B..., tributado de acordo com as regras previstas no RETGS (cfr. art.ºs 69º a 71º do CIRC), grupo este onde se inseria a sociedade "D..., Lda." (atualmente "C..., Lda."). (Acordo das partes. Cfr. Ponto 4. da petição que está a consubstanciar o pedido de pronúncia arbitral e artigo 3º da Resposta).

B)           A D..., Lda." (doravante.C.., Lda.) passou a integrar o perímetro do grupo em 2006.

C)           A C..., Lda. foi objecto de procedimento inspectivo ao abrigo da ordem de serviço nº OI2005..., abrangendo o exercício de 2002, do qual resultaram alterações à sua situação tributária. (Acordo das partes. Cfr. Ponto 5. da petição que está a consubstanciar o pedido de pronúncia arbitral e artigo 4º da Resposta).

D)           Em resultado do aludido procedimento inspectivo, dealbado para o exercício de 2002, advieram correcções que vieram a dar origem à liquidação n.º 2005 ... que foi notificada à C..., Lda. em 26.10.2005 e foi recepcionada por aquela em 7.11.2005, sendo que, a demonstração do acerto de contas correspondente foi recebida em 28.10.2005, tal como se pode inferir da leitura do Doc. n.º 6 junto ao PPA. 

E)            A liquidação sub judicio, de IRC e JC relativa ao exercício de 2008, n.º 2010 ... (cfr. Doc. n.º 2 junto ao PPA) e que veio a dar origem à demonstração do acerto de contas que está junta ao PPA como Doc. n.º 3, onde se inscreve um valor a pagar de 121.936,95 €, incorpora as alterações à matéria colectável do grupo B... em resultado também das correcções fiscais efectuadas na esfera individual da C..., Lda.

F)            Na declaração periódica de rendimentos apresentada pela A... relativa ao apuramento do resultado fiscal do grupo para o exercício de 2008, esta considerou a dedução de um prejuízo fiscal de € 470.523,75.

G)           Tal como está na transcrição operada no ponto 6. do PPA do Relatório de inspecção que está ali junto como Doc. n.º 5: “[A]quele valor total de prejuízo fiscal deduzido resulta do somatório dos prejuízos deduzidos nas declarações individuais das empresas participantes no grupo de sociedades, nos seguintes montantes: C..., Lda. – €330.047,92;E..., Lda. – €6.607,03;F..., Lda. – €7.952,19;G..., Lda. – €125.916,61 €. – C..., Lda. (adiante designada de C...), OI2010..., correcção à matéria colectável de IRC de € 330.047,92: “A C... inscreveu na sua declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2008, a título do dedução de prejuízos fiscais, campo 309 do quadro 09 da referida declaração, o valor do €330.047,92. Verificando o campo 303 do quadro 09 do mesma declaração, conclui-se que, segundo o sujeito passivo, esse prejuízo que deduz ao lucro tributável do 2008, se reporta ao exercício n-6, ou seja, ao exercício de 2002.(...).”

H)           Tal como referido no ponto D) do probatório, relativamente ao exercício de 2002 e na sequência de procedimento inspectivo aberto à C..., Lda., foram empreendidas correcções que vieram a dar origem à liquidação n.º 2005... .  

I)             Prosseguindo a transcrição operada no ponto 6. do PPA como segue: “[N]o entanto, verificando a liquidação vigente do exercício do 2002, constata-se que não existe qualquer prejuízo fiscal originado nesse exercício para reportar para os exercícios seguintes. As liquidações constantes do sistema do Imposto sobre a Rendimento são duas. A primeira resultou da declaração modelo 22 apresentada pelo sujeito passivo em 2003-05-30, em que apurou um prejuízo fiscal de € 9.210.539,96 originando uma liquidação com reembolso de IRC no valor do € 4.475,42. Existe depois uma nova liquidação em resultado de documento de correcção elaborado pela lnspecção Tributária em 2005.08.04, em que se apura não prejuízo fiscal mas lucro tributável (no valor de € 4.892.400,09 para esse exercício do 2002. A correcção foi apurada no âmbito do acção inspectiva determinada pela ordem de serviço n.º 012005..., cujo relatório final foi notificado ao sujeito passivo em 2005-08-23. A liquidação originada por esta correcção mantém-se vigente, não existindo, nesta data, quaisquer outros documentos de correcção elaborados para esse exercício (ver quadro abaixo). Por conseguinte, e nos termos dos n.º 1 e 4 do artigo 47.° do CIRC, tendo sido efectuadas correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo para o exercício do 2002, correcções essas explicadas e notificadas ao sujeito passivo no âmbito da accão inspectiva já mencionada, que originaram nova liquidação de IRC para 2002, sem qualquer prejuízo reportável, também ela devidamente notificada ao sujeito passivo em 2005-10-26, através da notificação postal com o aviso n.º RY...PT, não haverá a possibilidade de, em relação ao exercício do 2008, deduzir prejuízos reportados de 2002. Desta forma, não pode ser considerada a dedução efectuada pelo sujeito passivo na sua declaração de rendimentos de 2008, considerando-se como matéria colectável o valor do lucro tributável apurado para esse exercício, isto é, €3.040.465,39.”

J)            A C..., Lda. inscreveu na sua declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2008, nº..., a título de dedução de prejuízos fiscais, campo 309 do quadro 09 da referida declaração, o valor de 330.047,92 €. Da análise ao campo 303 do quadro 09 da mesma declaração, concluiu-se que, segundo o declarado pelo sujeito passivo, esse prejuízo que deduziu ao lucro tributável de 2008, se reportava ao exercício "n-6", ou seja, ao exercício de 2002. Verificando-se a última liquidação do exercício de 2002, constata-se que não existe qualquer prejuízo fiscal originado nesse exercício para reportar para os exercícios seguintes. (Acordo das partes. Cfr. Ponto 6. da petição que está a consubstanciar o pedido de pronúncia arbitral e artigos 11.º, 12.º e 13.º da Resposta).

K)           Do sistema informático da AT consta uma primeira liquidação do IRC de 2002 cujo sujeito passivo é a C..., Lda. e que resultou de declaração modelo 22 (nº 2003...) apresentada em 30.02.2003, em que se apurou um prejuízo fiscal de 9.210.539,96 €, originando uma liquidação com reembolso de IRC no valor de 4.475,42 €;

L)            Do sistema informático da AT consta uma segunda liquidação do IRC de 2002 cujo sujeito passivo é a C..., Lda. que adveio em resultado do tratamento do documento de correção nº 2003..., elaborado pela inspeção tributária em 04.08.2004 em que se apura não um prejuízo fiscal, mas um lucro tributável no valor 4.892.400,09 € para esse exercício de 2002. A correção foi apurada no âmbito de ação inspetiva determinada pela ordem de serviço nº 012005... (referida no ponto C) do probatório), cujo relatório final foi notificado ao sujeito passivo em 2005 e cujos actos tributários foram também notificados à. C..., Lda. tal como está no ponto D) do probatório.

M)          A Requerente entregou a declaração de rendimentos Modelo 22 do grupo relativa a 2008, enquanto sociedade dominante, utilizando o reporte originado no exercício de 2002 pela C..., Lda. (Acordo das partes. Cfr. Ponto 5. da petição que está a consubstanciar o pedido de pronúncia arbitral e artigo 7º da Resposta).

N)           Ao abrigo da ordem de serviço OI2010..., de 4.6.2010, a Direcção de Finanças de Braga, Divisão de Inspecção tributária II – Equipa A, iniciaram um procedimento inspectivo interno, de âmbito parcial, que incidiu sobre o IRC do exercício de 2008 (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA).

O)           Foi emitido o RIT definitivo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual consta a fundamentação relativa à matéria em discussão nos presentes autos arbitrais e, no essencial, acima transcrita nos pontos G) e I) do probatório, destacando-se a conclusão a fls. 9 do Relatório (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA) que diz: “[Q]uer isto dizer, que na declaração fiscal consolidada do grupo, a A... passa a deixar de ter um prejuízo dedutível de €470.523,75 passando a poder deduzir, apenas, € 5.358,75 ao valor líquido da soma algébrica dos resultados fiscais das empresas integrantes do grupo tributado pelo regime especial (campo 382 da declaração modelo 22: €3.848.146,55).” Reproduzindo-se o seguinte Quadro-Resumo:

 

P)           Na sequência desta ação inspetiva foi emitida a liquidação nº 2010 ... de 6.09.2010, recepcionada pela Requerente em 01.10.2010, e a respetiva nota demonstração de acerto de contas, de onde resultou imposto a pagar no montante de € 121.936,95, recepcionada pela Requerente em 6.10.2010 e aqui sindicada. (Cfr. Docs. n.ºs 2 e 3 juntos ao PPA).

Q)           Em 21.02.2011, a Requerente apresentou reclamação graciosa (nº ...2011...) contra a referida liquidação nº 2010..., sobre a qual recaiu despacho de indeferimento proferido em 02.05.2011. (Cfr. artigo 17.º da Resposta – factualidade não impugnada pela Requerente).

R)           Do indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente interpôs recurso hierárquico, o qual foi indeferido por despacho de 09.12.2011. (Cfr. artigo 18.º da Resposta – factualidade não impugnada pela Requerente).

S)            A Requerente apresentou, em 07.08.2013, um pedido de revisão oficiosa junto do Serviço de Finanças de..., nos termos do artigo 78° da LGT. (Cfr. artigo 19.º da Resposta – factualidade não impugnada pela Requerente e ainda fls. 3 a 10 da Parte 1 do Processo Administrativo junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro [doravante simplesmente PA] junto aos autos).

T)            Analisado o pedido de revisão oficiosa (cfr. informações nºs 751/2014 e 1152/2014, de 27.03.2014 e de 26.05.2014, respetivamente), concluiu a AT que aquele pedido era intempestivo, não se encontrando, ademais, reunidos os pressupostos para a revisão com fundamento em erro imputável aos serviços. (Cfr. artigo 20.º da Resposta – factualidade não impugnada pela Requerente e ainda fls. 27 a 33 da Parte 1 do PA junto aos autos).

U)           Não se conformando com esta decisão, a Requerente apresentou ação administrativa especial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (processo nº 1840/14.9BEBRG), na qual foi proferida sentença condenando a AT a apreciar o mérito do pedido de revisão oficiosa. (Cfr. artigo 21.º da Resposta – factualidade não impugnada pela Requerente e ainda fls. 1 a 17 da Parte 2 do PA junto aos autos).

V)           Apreciado o mérito da pretensão deduzida, foi notificada a Requerente do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, para cuja fundamentação se remete e se dá aqui por integralmente reproduzida, não tendo, contudo, sido exercido o respetivo direito de audição. (Cfr. artigo 22.º da Resposta – factualidade não impugnada pela Requerente e ainda fls. 1 a 21 da Parte 3 do PA junto aos autos).

W)          Notificada a Requerente da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, para cuja fundamentação se remete e se dá aqui por reproduzida (fls. 22 a 24 da Parte 3 do PA junto aos autos) e não se conformando a Requerente com a mesma, apresentou o pedido de pronúncia arbitral aqui submetido a julgamento.

X)           O pedido de revisão Oficiosa foi indeferido por despacho de 19.5.2021, da Exm.ª Senhora Chefe de Divisão (em regime de substituição) da Divisão de Administração da Direcção de Serviços do Imposto sobre o rendimento das pessoas Colectivas. (cfr. fls. 22 a 24 da Parte 3 do PA junto aos autos)

Y)            A notificação a coberto da qual chegou ao conhecimento da Requerente a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa está datada de 1.6.2021. Tal como está no Doc. n.º 1 junto ao PPA, a notificação foi empreendida através de carta registada e aplicando-se o n.º 1 do art.º 39º do CPPT, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, ou seja, admitindo-se que a carta foi depositada nos CTT em 1.6.2021, a Requerente presume-se notificada em 4.6.2021.

Z)            O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, o dia 5.6.2021 e o dies ad quem, o dia 2.9.2021;  

AA)        Em 1.9.2021, 14:40 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

IV.B) FACTOS NÃO PROVADOS:

 

38.          Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

 

39.          Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

40.          Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).

41.          A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária; na prova documental junta aos autos e no processo administrativo tributário junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

IV.D) DO DIREITO - DA (I)LEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO SUB JUDICIO:

 

42.          As liquidações de IRC e JC, relativas ao exercício de 2008, submetidas a julgamento têm por fundamento a não aceitação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira da dedução ao lucro tributável apurado e declarado pela Requerente no exercício de 2008 de prejuízos fiscais incorridos pela C..., Lda. e que se cifravam em 470.523,75 € (reportados ao ano de 2002).

43.          A questão decidenda passa, portanto, por se determinar se os prejuízos utilizados pela aqui Requerente em 2008 e que foram declarados pela C..., Lda. (em 2002) foram ou não bem corrigidos pela AT.

44.          Dizendo de outro modo: saber se a Requerente poderia, em 2008, utilizar aqueles prejuízos ou, correspectivamente, determinar se a AT poderia ter rejeitado o reporte dos referidos prejuízos e a sua utilização nos exercícios posteriores e nomeadamente a sua utilização no sexto ano subsequente à sua incorrência. 

45.          Tal como resulta do ponto D) do probatório, a  C..., Lda. foi objecto de procedimento inspectivo que teve por âmbito temporal o exercício de 2002 e do qual resultaram relevantes alterações à sua situação contributiva.

46.          Em resultado daquele procedimento inspectivo, foram efectivamente promovidas correcções ao lucro tributável da C..., Lda., emergindo a liquidação n.º 2005 ... que foi notificada àquela em 26.10.2005. 

47.          Tais correcções e na parte que aqui nos interessa relevar, resultaram na correcção do prejuízo fiscal apurado pela C..., Lda. e reportado ao ano de 2002, que se cifrava em 9.210.539,96 € e na consideração de um lucro tributável (e já não de um prejuízo fiscal) para aquele mesmo exercício de 4.892.400,09 €.

48.          Inferindo-se daqui, incontornavelmente, que foram corrigidos os prejuízos fiscais incorridos pela C..., Lda., sendo que, a AT, não só notificou aquela do relatório inspectivo que estava a fundamentar a correcção aos prejuízos fiscais declarados no âmbito da acção inspectiva iniciada pela ordem de serviço n.º OI2005..., em 23.8.2005, como a notificou dos actos tributários de liquidação correspondentes.

49.          Ora, assim sendo, o Tribunal não pode deixar de concluir no sentido da constatação de que os prejuízos fiscais utilizados pela aqui Requerente e incorridos pela C..., Lda. e reportados ao ano de 2002, se não mantiveram válidos na sequência da referida inspecção, ou seja, a sua desconsideração pela AT, no exercício de 2008, está, em princípio, em conformidade com a lei, donde, tal como veremos adiante, nenhuma censura se poderá produzir relativamente à actuação da AT.  

50.          A AT não só fez surgir na ordem jurídica um acto decisório que determinou a correcção dos prejuízos fiscais incorridos pela C..., Lda., reduzindo-os a zero no que tange ao exercício de 2002, como o notificou validamente à respectiva destinatária.       

51.          A Requerente, enquanto sociedade dominante do grupo que lidera, deu cumprimento à obrigação declarativa anual em sede de IRC, procedendo à entrega da Declaração Modelo 22 do grupo e relativa ao exercício de 2008, utilizando prejuízos fiscais incorridos por algumas das sociedades que integram o grupo.

52.          A Requerente, na determinação do lucro tributável do grupo reportado ao exercício de 2008, considerou a dedução de um prejuízo fiscal de 470.523,75 €. Tal valor resulta do somatório dos seguintes prejuízos fiscais deduzidos na declarações individuais das sociedades participantes no grupo: i) E..., Lda. – 6.607,03 €; ii) F..., Lda. – 7.952,19 €; iii)G..., Lda. – 125.916,61 € e, finalmente, iv). C..., Lda. – 330.047,92 €.

53.          No âmbito do procedimento de revisão oficiosa cuja decisão de indeferimento aqui igualmente se sindica, suscitou-se a questão da caducidade do direito à liquidação fundada no que dispõe o n.º 2 do art.º 45º da LGT, defendendo a aqui Requerente haver sido praticado um erro evidenciado na declaração e que, por isso, relativamente ao ano de 2008, a AT só poderia proceder à liquidação de imposto no prazo de três anos, pelo que, no momento em que levou ao conhecimento da Requerente a liquidação de 2008 (aqui sindicada), já havia decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação.

54.          Defendendo também que uma vez cumprido o acto declarativo antes de 31.5.2009, a circunstância de ali haverem sido utilizados prejuízos reportados a 2002 que entretanto haviam sido corrigidos, seria detectável pela AT por mera leitura da declaração de rendimentos, aplicando-se, por isso, o aludido prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 43.º da LGT.   

55.          Da mera análise da declaração de IRC, reportada ao exercício de 2008, parece impossível inferir-se a existência do erro que justificou a correcção que veio dar origem à liquidação que aqui se sindica, motivo pelo qual se mostra inaplicável o prazo de caducidade de três anos previsto no nº 2 do artigo 45° da LGT, sendo antes aplicável o prazo de quatro anos previsto no nº 1 do mesmo preceito legal.

56.          Da simples análise do valor dos prejuízos constantes da declaração modelo 22 do grupo que a Requerente representa não decorria evidenciado o erro que a administração tributária veio corrigir.

57.          Louvando-se o tribunal arbitral colectivo para assim decidir no entendimento sufragado no acórdão do STA de 14.06.2012, Proc. n.º 00402, que vai no sentido de que o erro a que se refere o n° 2 deste art.º 45° é “(...) aquele que é detectável mediante simples análise da declaração.” (cfr. Diogo Leite campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral tributária, Comentada e Anotada, 3.ª Edição, 2003, Anotação 9 ao art.º 45.º) ou no dizer de Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária, Anotada, Rei dos Livros, Nota 2 ao art.º 45°, pág. 214, “(...) O erro que a AT possa detectar por mero exame de coerência dos seus elementos sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando este esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspeção interna ou externa ou por meio de qualquer outra natureza.” considerou-se que «a situação abrangida pelo n° 2 do artigo 45° da LGT é aquela em que a declaração, de per si e sem necessidade de cruzamento com elementos adicionais (sejam eles o dossier fiscal, a IES ou elementos contabilísticos) evidencia erro. (...)”.

58.          Nessa conformidade, entende o tribunal arbitral que a expressão material dos prejuízos a considerar no acto de autoliquidação em causa não decorre simplesmente de uma análise da declaração modelo 22, exigindo-se o recurso a outros elementos adicionais (mesmo que alguns deles sejam declarativos, como a informação constante da IES) no sentido de se apurar da adequação da sua inscrição que releva para efeitos de apuramento do lucro tributável respectivo.

59.          Assim sendo, entende o tribunal que não estamos efectivamente perante um erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, não ocorrendo qualquer erro que fosse detectável mediante simples análise da declaração modelo 22 (correspondente ao exercício de 2008), não se podendo também afirmar que houvesse existido um erro que a AT pudesse detetar por mero exame de coerência dos elementos constantes da referida declaração anual de rendimentos sem recurso a qualquer outra documentação externa mesmo que em poder da AT, motivo pelo qual é de aplicar não o prazo previsto no n° 2 do art.º 45° da LGT, mas sim o prazo previsto no n° 1 da mesma disposição legal.

60.          Além de que nota o tribunal que a Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral já não invoca (ao menos expressamente) a excepção peremptória da caducidade da liquidação submetida a julgamento por aplicação do n.º 2 do art.º 45º da LGT, ou seja, por aplicação do prazo de 3 anos. E assim será, certamente, porquanto estamos perante correcções ao IRC de 2008, cujo facto gerador do imposto se mostrava verificado no último dia do período de tributação em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 8º do CIRC e que, in casu, coincidiria com o dia 31.12.2008, donde, mesmo levando-se em consideração o prazo de caducidade de 3 anos e atendendo a que a notificação da liquidação sindicada, reportada ao ano de 2008, foi notificada à Requerente (cfr. ponto P) do probatório) em 1.10.2010 e que o prazo de caducidade do direito à liquidação só ocorreria em 31.12.2011, a notificação dos actos de liquidação aqui sindicados sempre teria de se considerar realizada em tempo e em respeito pelo prazo de caducidade previsto no n.º 2 do art.º 45.º da LGT, mesmo considerando o tribunal que tal prazo não é aqui aplicável.   

61.          Isto dito, conclui o tribunal que no que tange à liquidação aqui sindicada (produzida pela AT em 2010 e reportada ao exercício de 2008) não há violação do prazo de caducidade do direito à liquidação. 

62.          Por outro lado, estatuía o art.º 47.º do CIRC, na sua redacção à data dos factos que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12, a possibilidade de os prejuízos fiscais apurados pelas pessoas colectivas em determinado exercício, serem deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.

63.          O seu n.º 4 estabelecia ainda a obrigatoriedade de se alterarem, em conformidade, as deduções efectuadas, “quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo contribuinte”.

64.          Podendo consubstanciar-se tal alteração na anulação do imposto antes liquidado ou até na liquidação, ainda que adicional, do imposto respectivo, desde que, não tivessem decorrido mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeitasse.

65.          Assim sendo, a inspecção tributária ao detectar que a Requerente, relativamente ao exercício de 2008, havia deduzido prejuízos fiscais simplesmente inexistentes e reportados ao exercício de 2002 (que haviam sido obliterados na sequência de procedimento inspectivo realizado à C..., Lda. e donde resultaram correcções que transmutaram os prejuízos declarados por aquela em lucro tributável), encontrou motivos para corrigir os prejuízos fiscais declarados nesse exercício.

66.          Sendo que, entende o Tribunal, a AT não podia deixar de aferir da regularidade dos montantes a tal título declarados, a fim de, nomeadamente, conferir se o montante utilizado em 2008 estava ou não correcto.

67.          A questão que se pode colocar é a de saber se a AT estava impedida de aferir sobre tal regularidade em conformidade com o disposto no n.º 1 e 4 do art.º 47.º do CIRC, por ter corrigido a liquidação respeitante ao IRC de 2002, em 2005 (a AT enviou à Requerente a liquidação n.º 2005 ... que foi pela Requerente recebida em 28.10.2005, cfr. Doc. n.º 6 junto ao PPA) e a Requerente só haver entregue a declaração Modelo 22 para o exercício de 2008 (onde foram utilizados os aludidos prejuízos fiscais inexistentes) em 31.5.2009 (cfr. Doc. n.º 7 do PPA).

68.          Ou seja, a tese sustentada pela Requerente vai no sentido de que se a dedução ao lucro tributável dos prejuízos fiscais reportados ao ano de 2002 (apesar de inexistentes) foi empreendida posteriormente à correcção dos prejuízos (o que, in casu, se efectivou, como visto, em 28.10.2005), então, a AT, já não poderia corrigi-los com fundamento para afastar a dedutibilidade dos prejuízos fiscais de 2002 no n.º 4 do art.º 47.º do CIRC (na sua redacção reportada à data dos factos que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000,  de 29.12), não se percebendo que outro fundamento legal poderia estribar a sua desconsideração, sabendo-se que eles eram rigorosamente inexistentes em face do que acima se deixou exposto e nomeadamente por referência ao procedimento inspectivo onde a AT empreendeu a sua correcção, resultando daí não uma amputação parcial dos prejuízos fiscais apurados pela Requerente mas a sua eliminação e a determinação de relevante lucro tributável para o período de tributação de 2002.     

69.          Do ponto de vista do Tribunal, o n.º 4 do art.º 47.º do CIRC, na sua redacção à data dos factos que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12, deve ser interpretado no sentido de ser irrelevante o circunstancialismo das deduções efectuadas terem sido efectivadas até à data da decisão que ordenou a correcção dos prejuízos ou posteriormente a essa data.

70.          A invocação do n.º 4 do art.º 47.º do CIRC para afastar a dedutibilidade (no ano n) dos prejuízos corrigidos (e reportados ao ano n-6) é perfeitamente justificada, independentemente da utilização desses prejuízos fiscais haver sido concretizada antes ou depois da comunicação ao respectivo destinatário da decisão de correcção dos prejuízos.

71.          O que releva não é o momento da utilização dos prejuízos, mas sim e ao invés, a circunstância dos prejuízos (inexistentes) haverem sido (ou não) utilizados, materializando-se assim a dedução ao lucro tributável dos mesmos, ou seja, na sugestiva tradução na letra da lei: efectuadas correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, “as deduções efectuadas”, independentemente delas haverem sido empreendidas num momento ou noutro, mas sempre em respeito pelo prazo de 6 anos referido naquele normativo.

72.          O n.º 4 do art.º 47.º do CIRC, contém, por isso, um outro requisito de verificação obrigatória: efectivamente, não pode proceder-se a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se tiverem decorrido mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro respeite.

73.          Quanto à dimensão temporal da utilização dos prejuízos, encerrava o referido n.º 4 do art.º 47.º do CIRC, na sua redacção à data dos factos que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12, um prazo de caducidade da correcção de prejuízos fiscais que redundava num especial prazo de caducidade do direito à liquidação, caso ela tivesse por objecto a correcção de prejuízos fiscais indevidamente utilizados.

74.          Volvendo para o caso e respeitando a questão sub judicio à correcção de prejuízos reportados de 2002 que foram utilizados em 2008, o prazo de caducidade do direito à liquidação no que tange agora a tal correcção só podia ser o que é referido no n.º 3 do art.º 45º da LGT, conjugado com o disposto no n.º 4 do art.º 47.º do CIRC (na sua redacção reportada à data dos factos que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000,  de 29.12), ou seja, o prazo correspondente ao do exercício do direito.  

75.          O n.º 3 do art.º 45.º da LGT tem como objectivo estabelecer um específico prazo de caducidade para a hipótese de ter sido efetuado reporte de prejuízos (e/ou de qualquer outra dedução ou crédito de imposto), firmando a regra da equivalência ao prazo do exercício desse direito de reporte.

76.          Tal normativo, à semelhança dos anteriores n.ºs 1 e 2 da mesma disposição, limita-se a prever, para determinado universo de casos, um prazo de caducidade do direito à liquidação, sem qualquer determinação ao nível da respectiva contagem, pelo que, do seu teor somente se pode retirar o princípio de igual duração dos prazos fixados, nas leis dos diversos tributos, para exercer eventual reporte de prejuízos registados na operação de cada imposto e do prazo de caducidade da correspondente liquidação. Em sede de IRC, na sua redacção à data dos factos, os prejuízos registados pelos sujeitos passivos podiam ser deduzidos, por reporte, durante 6 anos, ou seja, durante os 6 períodos de tributação subsequentes à sua determinação, do que decorre ser, também, de 6 anos, em vez dos 4 anos da regra geral prevista no n.º 1 do art.º 45.º da LGT, o competente prazo de caducidade do direito de liquidação desse tributo no que tange à correcção de prejuízos fiscais indevidamente utilizados. Nesta parte, louva-se o tribunal na jurisprudência que dimana do Acórdão do TCA Sul de 22.1.2013, Processo n.º 02857/09, que pode ser consultado in

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77.          Intuindo-se daqui que o n.º 3 do art.º 45.º da LGT consubstancia a fixação, pela lei, de um período de caducidade com duração diferente do prazo normal de 4 anos (imposto no seu n.º 1), pelo que, a correcção aos prejuízos fiscais incorridos em 2002 e utilizados na liquidação de 2008 poderia ser empreendida pela AT, porquanto, dentro do sexto ano seguinte àquele a que o lucro tributável a corrigir respeitava, ou seja, o que, in casu, foi feito, emanando a AT a liquidação de IRC n.º 2010 ... ( ), de 6.9.2010, notificada à Requerente em 1.10.2010, i.e., claramente dentro do prazo de caducidade de 6 anos aqui aplicável à correcção dos prejuízos fiscais indevidamente utilizados.

78.          Inferindo-se daqui que a correcção empreendida pela AT foi efectivamente produzida em respeito pelo prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 3 do art.º 45.º da LGT e igualmente em respeito pelo prazo fixado no n.º 4 do art.º 47.º do CIRC (na sua redacção à data dos factos que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12). Vejamos,

79.          Efectivamente, os prejuízos fiscais corrigidos reportam-se ao ano de 2002.

80.          Já as deduções efectuadas ao lucro tributável pela aqui Requerente foram efectivadas no acto declarativo anual (Modelo 22) reportado ao exercício de 2008.

81.          Tomando a declaração Modelo 22 como reportada ao ano n, os prejuízos fiscais utilizados reportam-se, necessariamente, ao ano n-6.

82.          Isto dito se conclui que também aquele requisito legal para que a correcção dos prejuízos fiscais indevidamente utilizados se pudesse efectivar em conformidade com o disposto no n.º 1 e n.º 4 do art.º 47.º do CIRC se mostra igualmente cumprido.      

83.          Ademais, conclui o tribunal que não há violação alguma dos prazos de caducidade do direito à liquidação, pelo que a decisão que indeferiu o pedido de revisão apresentado pela Requerente não merece censura, donde, não enferma aquela decisão de qualquer ilegalidade.

84.          Face ao exposto, entende o Tribunal ser de proceder a pretensão correctiva da Requerida, no que respeita ao acto de liquidação do IRC e JC de 2008, restando concluir, sem mais, que o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (apresentado pela aqui Requerente) não enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por inadequação da norma jurídica aplicada, mais concretamente, o n.º 1 e 4 do art.º 47.º do CIRC, na sua redacção à data dos factos que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000,  de 29.12, o que justifica a sua manutenção na ordem jurídica, sendo que, nessa decorrência, os actos tributários de liquidação aqui em causa não enfermam, efectivamente, de ilegalidade por violação do princípio da legalidade que constitui vício de lei, devendo improceder o presente pedido de pronúncia arbitral e devendo a Requerida ser absolvida de todos os pedidos formulados pela Requerente.

 

V. DECISÃO:

 

NESTES TERMOS E COM A FUNDAMENTAÇÃO SUPRA, O TRIBUNAL ARBITRAL COLECTIVO DECIDE:

 

A)           JULGAR TOTALMENTE IMPROCEDENTE O PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, MANTENDO-SE NA ORDEM JURÍDICA A DECISÃO DE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA E AS LIQUIDAÇÕES  SINDICADAS DE IRC E JC, DE 2008, ABSOLVENDO-SE A REQUERIDA DOS DEMAIS PEDIDOS;

B)           FIXAR O VALOR DO PROCESSO EM 121.936,95 €, EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO N.º 1, DO ART.º 97.º-A DO CPPT, APLICÁVEL POR REMISSÃO DO ART.º 3º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS NOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA (RCPAT).

 

VI. CUSTAS:

 

FIXAMOS O VALOR DAS CUSTAS EM 3.060,00 €, CALCULADAS EM CONFORMIDADE COM A TABELA I DO REGULAMENTO DE CUSTAS DOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM FUNÇÃO DO VALOR DO PEDIDO E NÃO CONTRADITADO PELA REQUERIDA, A CARGO DA REQUERENTE, POR DECAIMENTO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 12º, N.º 2, E 22, N.º 4 DO RJAT E AINDA ARTIGO 4º, N.º 5 DO RCPAT E ARTIGO 527º, N.ºS 1 E 2 DO CPC, EX VI DO ARTIGO 29.º, N.º 1, ALÍNEA E) DO RJAT.

 

NOTIFIQUE-SE.

 

Lisboa, 17 de Janeiro de 2022.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

O Árbitro Presidente,

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

O Árbitro Vogal e Relator,

(Fernando Marques Simões)

 

O Árbitro Vogal,

(Júlio Tormenta)