Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 545/2017-T
Data da decisão: 2018-04-12  IVA  
Valor do pedido: € 24.955,96
Tema: IVA- transacções intracomunitárias de bens - isenção prevista no artigo 14º alínea a) do RITI.
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Decisão Arbitral

               

 

I.RELATÓRIO

 

1. A…, S.A., pessoa colectiva nº…, com sede na Av…, … de …, …-… … (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 2017-10-10 pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e artigo 10º nºs 1 e 2, ambos do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira  (doravante designada por Requerida ou  AT), com vista à declaração de nulidade dos actos de liquidação de IVA, referentes aos anos de 2012,2013,2014 e 2015, bem como a declaração de ilegalidade e consequente  anulação da decisão de indeferimento parcial da  reclamação graciosa a que coube o número …2017… .

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 2017-10-10.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. Em 2017-11-28 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados do artigo 11º, nº1 alíneas a) e b) da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2017-12-20, em consonância com a prescrição da aliena c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6. Devidamente notificada para tanto, em 2018-02-05 a Requerida procedeu à apresentação da sua resposta e à junção do processo administrativo.

 

7. Por despacho arbitral proferido em 2018-02-05, e pelas razões que do mesmo constam, foi, para além do mais: (i) tido como desnecessário o reenvio prejudicial, (ii) dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, (iii) dispensada a apresentação de alegações e, (iv) indicada como data limite para a prolação da decisão e sua notificação às partes o dia quinze de Abril de dois mil e dezoito.

 

8.A fundamentar o seu pedido, a Requerente, invoca em síntese, e com relevo para o que aqui importa o seguinte, (que se menciona maioritariamente por transcrição);

 

8.1.(…) que foi notificada do indeferimento parcial da reclamação graciosa nº …2017…, que não procedeu à anulação de liquidações de IVA no valor global de 24.955,95 €,

 

8.2. “(…) A Requerente tem vindo a efectuar vendas directamente aos seus clientes localizados em Espanha, (cfr. artigo 7 do pedido de pronúncia arbitral),

 

8.3. Aquando destas vendas para Espanha (...) tem isentado de IVA as transmissões intracomunitárias de bens para este mercado, ao abrigo do artigo 14º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (“RITI”), [cfr. artigo 8 do pedido de pronúncia arbitral],

 

8.4. (….) A Requerente foi alvo de “um processo de inspecção tributária no âmbito da qual foram analisadas as transmissões intracomunitárias de bens, relativas aos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, através da qual detectou situações anómalas de idêntica natureza para todos estes anos” (cfr. artigo 10º do pedido de pronúncia arbitral),

 

8.5. “(…) foram identificados pela DIT II alguns clientes espanhóis cujos NIF´S não se encontravam registados, se encontravam cessados antes da data das respectiva transmissões ou cuja data de registo no VIES, só ocorreu depois da transmissão consumada” (cfr. artigo 13º do pedido de pronúncia arbitral),

 

8.6.”(…) concluiu a DIT II que, perante os adquirentes espanhóis que não se encontravam devidamente registados para efeitos de VIES, e, consequentemente, não se encontravam abrangidos por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens em Espanha, tinha a [Requerente] a obrigação de liquidar imposto nas transmissões intracomunitárias de bens efectuadas com destino aos mesmos (cfr. artigo 16º do pedido de pronúncia arbitral),

 

8.7. “(…) não tendo […] efectuado qualquer correcção relativamente às anomalias relacionadas com os seus clientes espanhóis, foi, após a emissão do relatório final da inspecção tributária, notificada para proceder ao pagamento de liquidações adicionais de IVA bem como os respectivos juros compensatórios” no montante de 56.946,83 € (cfr. artigo 17 do pedido de pronúncia e quadro com o mesmo inserto),

 

8.8.(…) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IVA, junto de Direcção de Finanças de …, a que veio a caber o nº …2017…,

 

8.9. Reclamação essa que veio a ser parcialmente indeferida (cfr. artigos 19º e 20º do 

pedido de pronúncia arbitral),

 

8.10. A Requerente procede ainda ao longo do seu articulado a várias considerações de direito acerca do regime da isenção do IVA nas transacções intracomunitárias, tendo por base a Directiva IVA, convocando expressamente os seus artigos 131º e 138º e o artigo 14º do RITI, concluindo (artigo 50 do pedido de pronúncia arbitral) que “o registo do adquirente para efeitos de VIES é apenas uma medida instrumental e acessória ao IVA (…)”

 

8.11. Convoca ainda a Requerente a jurisprudência do TJUE respeitante à isenção do IVA aplicável às TIB´S, e mais concretamente o Acórdão de 9/2/2017, Processo C-21/16, Euro Tyre BV- Sucursal em Portugal e o Acórdão de 20/10/2016, Processo C-24/15, Plöckl.

 

Peticiona a Requerente, como se extrai do seu pedido, que seja anulada a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa nº …2017…, bem assim como anuladas as liquidações de IVA, dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015,no valor global de 24.955.96 €, e ainda que a AT seja condenada à restituição de tal imposto, acrescida de juros indemnizatórios, bem assim como condenada quanto aos juros indemnizatórios calculados obre o valor de 31.990,88 € correspondente às liquidações anuladas em consequência do procedimento da reclamação graciosa.

 

9.A AT devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, remetendo para as conclusões de Relatório Final de Inspecção e resposta à Reclamação graciosa nº …2017…, pugnando pela improcedência do pedido.

 

10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigo 3º,6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº1 do RJAT.

 

11. O processo não enferma de quaisquer nulidades, não tendo sido suscitadas quaisquer excepções, inexistindo qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a. A Requerente é uma sociedade comercial de gira sob a denominação de “A…, S.A.”.

 

b. Para efeitos fiscais encontra-se abrangida em sede de IRC adoptando um período de tributação diferente do ano civil, nos termos do nº 2 do artigo 8º do CIRC e, em sede de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.

 

c. Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs OI2016…/…/…/… da Direcção de Finanças de … foi sujeita a um procedimento de inspecção de carácter parcial relativamente aos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015.

 

d. A acção inspectiva surgiu em consequência de um ofício da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE) comunicando a existência de anomalias nas transmissões intracomunitárias.

e. Em resultado do procedimento inspectivo foram efectuadas correcções adicionais em sede de IVA e juros compensatórios,

 

f. Tendo, em consequência sida emitidas as respectivas notas de liquidação de IVA e juros compensatórios no valor global de 56.946,83 €.

 

g. Através do ofício nr. … de 15/09/2016 foi a Requerente notificada, nos termos do artigo 62º do RCPIT do Relatório de Inspecção Tributária emanado da Divisão de Inspecção Tributária II da Direcção de Finanças de … .

 

h. Do relatório de inspecção tributária, cujo teor aqui se dá por reproduzido, consta, para além do mais o seguinte, para o que aqui releva:

 

“(…) não tendo sido fornecido, pelo adquirente, um número de identificação fiscal válido, para efeitos de aquisições intracomunitárias no seu Estado membro, conclui-se pela obrigatoriedade, para o fornecedor, neste caso a A…, de liquidar imposto”.

(…)

“Assim, foi elaborado um quadro resumo, por cada ano, que identifica as transmissões intracomunitárias de bens que não beneficiam de isenção de IVA por não cumprirem o disposto no artº 14º, a) do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, com recurso aos extratos de conta corrente destes clientes fornecidos pela A… (para a designação dos contribuintes não registados utilizamos a que consta nestes extratos de conta corrente”.

 

i. A Requerente foi notificada das correcções resultantes da acção de inspecção através do Ofício nº … emanado da Divisão de Inspecção Tributário II (DIT II) da Direção de Finanças de …, datado de 15 de Setembro de 2016.    

 

j. Em 22/03/2017 a Requerente apresentou reclamação graciosa, junto do Serviço de Finanças de … .

 

k. A reclamação graciosa foi parcialmente deferida por despacho proferido pela Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências, com data de 12/07/2017, onde a AT procedeu à anulação de liquidações de IVA no montante de 31.990,88 €.

 

l. No projecto de decisão da reclamação graciosa, entretanto tornada definitiva, consta, para além do mais, o seguinte:

 

“ IVA não liquidado – Transmissões intracomunitárias de bens que não beneficiam de isenção para os exercícios de 2012 a 2015, no montante de € 56.946,83

Em cumprimento do despacho da Subdirectora-Geral da ITA, datado de 05-10-2015, foi remetida à Direção de Finanças de …, a coberto do Ofício Nº DSIFAE/…/2015, de 08-10-2015, cópia da Informação nº…, de 10-09-2015 da DSIFAE (Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais), referente à análise de transmissões intracomunitárias de bens (TIB´S) dos anos de 2012 a 2015, tendo sido detetadas anomalias de idêntica natureza em todos estes anos.

Relativamente às transmissões intracomunitárias de bens, realizadas a clientes espanhóis, o sujeito passivo não deu qualquer justificação para as mesmas terem ocorrido a clientes com NIF´S não registados, cessados antes da data das respetivas transmissões ou cuja data de início, para efeitos de operações intracomunitárias, só ocorreu depois da transmissão consumada.

Uma vez que foram identificados vários adquirentes de bens que não se encontravam devidamente registados para efeitos de VIES ou seja, não se encontravam abrangidos por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens em Espanha, conforme dispõe o nº 2.2. do processo nº T…, com Despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, de 31-03-2009 e do artº 14º a) do RITI, deveria ter sido liquidado IVA”

 

“(…) O número de identificação fiscal de IVA válido para a realização de operações intracomunitárias é uma obrigação substancial, constituindo, assim, um elemento absolutamente indispensável  para que se efetiva a isenção do imposto nas transmissões, como impõe p artº 14º do RITI.

O registo no sistema VIES é a formalização dessa substância.

“(…) Ora, no caso presente as liquidações adicionais de IVA tiveram única e exclusivamente como fundamento o facto de alguns dos seus adquirentes espanhóis não se encontrarem devidamente registados no sistema VIES aquando das transações intracomunitárias de bens”.

 

m. A Requerente ao abrigo do “PERES” (Plano Especial de Redução do Endividamento do Estado- Decreto – Lei nº 67/2016, de 3 de Novembro), pagou as quantias liquidadas de IVA.

 

n. Em 2017-10-10 a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão inexistem factos que devem considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º, nº2 do CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi artigo 39º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)]-

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhido e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da(s) questão(ões) de direito. (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

B. DO DIREITO

do reenvio prejudicial

 

Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (ex. artigo 234º da TCE), o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir a título prejudicial, sobre a interpretação dos actos adoptados pelos órgãos e instituições da comunidade, podendo os órgãos jurisdicionais dos Estados – Membros pedir-lhe que se pronuncie, sempre que uma questão dessa natureza seja perante os mesmos suscitada, se o considerarem necessário ao julgamento da causa, sendo obrigados a fazê-lo quando as suas decisões não admitam recurso judicial no direito interno.

Ter-se-á presente que perante matéria que está indissociavelmente “ligada” com a aplicação do direito da União Europeia, e no caso concreto com as isenções aplicáveis às transmissões intracomunitárias de bens (TIB ´S) previstas no artigo 138º da Directiva IVA, haverá que ter em conta a previsão do artigo 8º, nº 4 do Constituição da República Portuguesa ao dispor que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”.

Daqui decorrendo a supremacia do direito da União Europeia sobre o direito interno nacional que acolher a jurisprudência do TJUE.

 

Pois bem:

 

A Requerente na parte final do seu articulado veio suscitar a viabilidade de reenvio prejudicial para o TJUE, já que está em causa a aplicação de normas comunitárias, designadamente normas da Directiva nº 2006/112/CE, de 28 de Novembro do Conselho, tendo avançado com a formulação das questões que poderiam ser colocadas junto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Salvo o devido respeito, não sendo esta a sede adequada para a análise das questões que o reenvio prejudicial suscita, nomeadamente, as concernentes ao seu carácter facultativo ou obrigatório, objecto da questão em causa, fase do processo em que o mesmo deverá ser suscitado, admissibilidade, ou não, de recurso ordinário da decisão a proferir pelo tribunal nacional, e outras, a verdade é que “preliminarmente” no despacho proferido em 2018-02-05 entendeu-se como desnecessário o reenvio prejudicial.

As razões que presidiram a esse entendimento, que naturalmente aqui se reiteram e densificam, têm a ver, fundamentalmente, com o facto de sobre a questão em causa haver já pronúncia na jurisprudência europeia.

Convocando-se sobre esta concreta questão, o Acórdão Cilfit de 06-10-182 (Processo 283/81): “a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando: i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente (“teoria do acto claro”, cujos exigentes e cumulativos critérios de verificação foram igualmente definidos no mesmo acórdão”.

 

Conforme se escreveu no processo arbitral nº 364/2015- T de 16/02/2017 que, antecipamos já, seguiremos de perto, “(…) os tribunais nacionais podem decidir a questão sem reenviar para o TJUE quando decisões anteriores deste Tribunal já tenham tratado do aspecto jurídico em causa, independentemente dos procedimentos que conduziram a tais decisões”.

Ora,

No processo arbitral sinalizado, tendo sido decidido submeter à pronúncia do TJUE questões de inegável similitude com as que subjazem nos presentes autos, foram as mesmas já decididas no âmbito do Acórdão de 09/02/2017, proferido no processo nº C-21/16 (Euro Tyre BV- Sucursal em Portugal) a cuja transcrição parcial procederemos infra, ficando nesta sede, melhor explicitada a razão quanto ao entendimento deste tribunal, quanto à desnecessidade do reenvio prejudicial para o TJUE de que se deu conta no despacho de 2018-02-05, como supra referido.

 

do mérito

 

A questão que se coloca nos presentes autos prende-se, fundamentalmente, em saber se perante a matéria de facto dado como provada, estão, ou não preenchidos os pressupostos do artigo 14º alínea a) do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI) que dispõe como segue:

 

Artigo 14º

Isenções nas transmissões

Estão isentas do imposto:

 

a).As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n 1 do artigo 2, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir de território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens”.

 

É consensualmente adquirido que o normativo em causa, encerra para verificação da isenção do imposto, como requisitos que;

 

(i)  o transmitente seja sujeito passivo de IVA no seu estado de residência,

 

(ii) que o mesmo se verifique relativamente ao adquirente, ou seja, que este seja residente num outro Estado Membro, e que utilize o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição,

 

(iii) que os bens sejam efectivamente expedidos ou transportados para o Estado Membro da residência do adquirente, com destino a este.

 

No caso sub judice o que está em causa, plasmado desde logo no Relatório da Inspecção Tributária e na decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa é a desconsideração do (s) adquirente (s): “tendo-se identificado vários adquirentes que não se encontram devidamente registados para efeitos do VIES”(…) “não está cumprido um dos requisitos de isenção de IVA, conforme dispõe a alínea a) do artº 14º do RITI”.

 

É pois clara, inequívoca e incontroversa a razão pela qual a AT desconsiderou como transmissões intracomunitárias de bens, as que estão na origem das liquidações impugnadas – ausência de registo no VIES dos adquirentes.

 

Relativamente ao VIES (VAT Information Exchange System) não pode deixar de assinalar-se desde já, o que emerge do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/04/2014 (processo nº 07020/13 a respeito:

 

“(…) ix. O VIES padece de fragilidades associadas à falta de harmonização das normas nacionais de registo de não residentes e ao atraso com que os modelos da IVA são preenchidos, em combinação coma isenção de IVA nas transmissões intra- EU, que permitem que o sistema da fraude carrossel se complete antes que o missing trader desapareça.

x. A fiabilidade dos dados transmitidos pelo VIES não é total, pois estes dependem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos.

xi. As informações do VIES devem, por regra, ser apoiadas em elementos complementares obtidos em território nacional que demonstrem a existência das operações ou, pelo menos, a sua plausibilidade e que permitam suportar, designadamente, uma liquidação adicional decorrente de uma acção inspectiva.”

 

****

 

Cumprirá pois analisar se a falta de tal requisito “(…) não se encontram devidamente registados para efeitos do VIES (…)”nos dizeres da AT, é motivo bastante, desta feita à luz da jurisprudência do TJUE, para afastar a isenção de IVA prevista na alínea a) do artigo 14º do RITI. 

 

Retomamos e socorremo-nos para tanto do acórdão proferido em 16/02/2017 no âmbito do processo nº 364/2015-T do CAAD, com particular enfoque para as questões que foram colocadas no reenvio prejudicial, que foram as seguintes:

 

“i- Os artigos 131º e 138º, nº 1 da Directiva nº 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado-Membro recuse conceder uma isenção da IVA numa entrega intracomunitária, a um alienante sedeado nesse Estado-Membro, por o adquirente, sedeado noutro Estado-Membro, não se encontrar registado no VIES nem estar aí abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, embora disponha, no momento da transacção, de um número de identificação válido, para efeitos de IVA, nesse outro Estado-Membro, número esse que foi utilizado nas facturas das transacções, quando os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária estejam, cumulativamente verificados isto é, quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado – Membro e que, na sequência dessa expedição ou desse transporta, o mesmo saiu fisicamente do território do Estado – Membro de entrega para um adquirente sujeito passivo ou pessoa colectiva agindo como tal num Estado – Membro que não o de partida dos bens ?”

 

“i- O princípio da proporcionalidade opõe-se a uma interpretação do artigo 138º, nº1 do Directiva nº 2006/112/CE no sentido de a isenção ser recusada numa situação em que um alienante sedeado num Estado – Membro, sabia que o adquirente, sedeado noutro Estado – Membro, apesar de ser titular de número identificação válido, para efeitos de IVA, nesse outro Estado – Membro, não se encontrava registado no VIES nem estava aí abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, mas tinha a expectativa de que o registo como operado intracomunitário lhe viesse a ser concedido, de forma retractiva ?

 

O TJUE explicitou sobre estas questões no Acórdão C-21/16 de 09/02/2017 o seguinte:

 

(…)

“23. Antes de mais, há que recordar que o artigo 138º, nº 1, da Diretiva IVA prevê a obrigação de os Estados – Membros isentarem as entregas de bens que satisfaçam as condições aí enumeradas (acórdão de 9 de Outubro de 2014, Traum, C-492/13, EU:C:2014:2267, nº 46).

24. Nos termos desta disposição, os Estados – Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território mas na União Europeia, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado – Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.

25. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a isenção da entrega intracomunitária de um bem só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o alienante prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado – Membro e que, na sequência dessa expedição, ou desse transporte, o mesmo bem saiu fisicamente do território do Estado-Membro de entrega (acórdão de 6 de Setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, nº 31 e jurisprudência referida).

26. No caso em apreço, resulta dos elementos que constam da decisão de reenvio que as questões submetidas assentam na premissa de que os requisitos materiais de uma entrega comunitária na aceção do artigo 138º, nº 1, da Diretiva IVA, como recordados nos nºs 24 e 25 do presente acórdão, estavam verificados. A isenção de IVA foi recusada apenas pelo facto de, no momento das vendas em causa no processo principal, o adquirente não estar registado para efeitos da realização de operações intracomunitárias em Espanha nem inscrito no sistema VIES. Nesse Estado – Membro, o adquirente apenas dispunha de um número de identificação IVA válido para a realização de operações no referido Estado e não para a realização de operações intracomunitárias.

27. A este respeito, há que salientar que, na verdade, no âmbito do regime transitório da tributação do comércio da União, a identificação dos sujeitos passivos de IVA através de números individuais visa facilitar a determinação do Estado - Membro  onde ocorre o consumo final dos bens entregues (acórdãos de 6 de Setembro de 2012, Mecsek –Gabona, C-273/11, nº 57, e de 14 de março de2012, Ablessio, C-527/11, EU:C:2013:169, nº 19). Com efeito, o artigo 214º, nº 1, alínea b) da Diretiva IVA, impõe aos Estados – Membros que tomem todas as medidas necessárias para que  sejam identificados através de um número individual, nomeadamente, todos os sujeitos passivos ou pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos que efetuem aquisições intracomunitárias.

28. O registo dos sujeitos passivos que realizam operações intracomunitárias no sistema VIES apresenta igualmente uma importância incontestável neste contexto. Este sistema visa permitir aos operadores obter a confirmação do número de identificação IVA dos seus parceiros comerciais e às Administrações Fiscais nacionais fiscalizar as operações intracomunitárias e detetar eventuais irregularidades. O referido sistema responde, assim, à exigência, prevista no artigo 27º do Regulamento nº 1798/2003 e, a partir de 1 de janeiro de 2012, no artigo 17º do Regulamento nº 904/2010, de os Estados – Membros disporem de uma base de dados eletrónica contendo um registo de pessoas a quem atribuíram um número de identificação IVA.

29. No entanto, nem o artigo 138, nº 1,da Diretiva IVA nem a jurisprudência do Tribunal de Justiça referem, entre os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária enumerados exaustivamente, a obrigação de o adquirente dispor de um número de identificação IVA (v., neste sentido, acórdão de 6 de Setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU;C:2012:547, nº 59) ou a fortiori, a obrigação de este estar registado para efeitos da realização de operações intracomunitárias e de estar inscrito no sistema VIES.

30. Contrariamente ao que os Governos português e polaco alegaram, em substância, perante o Tribunal de Justiça, essas obrigações não podem ser deduzidas do requisito de que o adquirente deve ser um sujeito passivo agindo como tal num Estado – Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporta dos bens (v., por analogia, acórdão de 27 de Setembro de 2012, VSTR, C-587/19, EU:C:2012;592, nº 40),

31. Com efeito, a definição do sujeito passivo, enunciado no artigo 9º, nº 1, da Diretiva IVA, visa apenas uma pessoa que executa, de forma independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade  sem fazer depender esta qualidade do facto de essa pessoa dispor de um número de identificação IVA (v., neste sentido, acórdão de 27 de Setembro de 2012, VSTR, C-587/10, EU:C:2012:592, nº 49 e jurisprudência referida), específico, se for caso disso, para a realização de operações intracomunitárias, ou de a referida pessoa estar registada no sistema VIES. Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um sujeito passivo age nessa qualidade quando efetua operações no âmbito da sua atividade tributável (v., neste sentido, acórdão de 27 de Setembro de 2012, VSTR, C-587/10, EU:C:2012:592, nº 49 e jurisprudência referida).

32. Por conseguinte, nem a obtenção, pelo adquirente, de um número de identificação IVA válido para a realização de operações intracomunitárias nem o seu registo no sistema VIES constituem requisitos materiais da isenção de IVA de uma entrega intracomunitária. São apenas exigências formais que não podem pôr em causa o direito do alienante à isenção de IVA, na medida em que os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária estejam verificados (v., por analogia, acórdãos de 6 de setembro de  2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, nº 60; de 27 de Setembro de 2012, VSTR, C-587/10, EU:C:2012:592, nº 51; e de 20 de outubro de 2016, Plockl,C-24/15, EU:C:2016:791, nº 40).

33. A este respeito, há que recordar que, na falta de uma disposição concreta na Diretiva IVA quanto às provas que os sujeitos devem fornecer para beneficiarem da isenção de IVA, cabe aos Estados-Membros fixar, em conformidade com o artigo 131º desta diretiva, os requisitos de isenção das entregas intracomunitárias para garantir a aplicação correta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos. Contudo, no exercício dos seus poderes, os Estados-Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União (v.,. acórdãos de 6 de Setembro de 2012,Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, nº 36 e jurisprudência referida, e de 9 de outubro de 2014,Traum, C-492/13, EU: C: 2014:2267, nº 27).

34. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma medida nacional vai além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto de fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta as exigências de fundo e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estas foram respeitadas. Com efeito, as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas (acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C-24/15, EU:C: 2016:791, Nº 37 e jurisprudência referida).

35. Ora, no que se refere às característica objetivas de uma entrega intracomunitária, decorre dos nºs 23 a 25 do presente acórdão que se uma entrega de bens cumprir os requisitos previstos no artigo 138º, nº 1, da Diretiva IVA, essa entrega está isenta de IVA (v., neste sentido, acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C-24/15, EU:C:2016:791, nº 38 e jurisprudência referida).

36. Daí decorre que o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção seja concedida se os requisitos de fundo foram cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais (acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C-24/15, EU:C:2016:791, nº 39).

37. Por conseguinte, a Administração de um Estado-Membro não pode, em princípio, recusar a isenção de IVA de uma entrega intracomunitária pelo simples motivo de o adquirente não estar inscrito no sistema VIES nem se encontrar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias.

38. Assim, há que salientar que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, apenas existem dois casos em que o desrespeito de uma exigência formal pode implicar a perda do direito à isenção de IVA (v., neste sentido, acórdão de 20 de outubro de 2016, Plockl C-24/15, EU:C:2016:791, nº 43).

39. Por outro lado, o princípio da neutralidade fiscal não pode ser invocado, para efeitos da isenção de IVA, por um sujeito passivo que tenha participado intencionalmente numa fraude fiscal que pôs em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA (v. acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C-24/15, EU:C:2016:791, nº 44 e jurisprudência referida).

40. Há que salientar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é contrário ao direito da união exigir que um operador aja de boa – fé e tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não implica a sua participação numa fraude fiscal (acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek- Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, nº 48 e jurisprudência referida). Na hipótese de o sujeito passivo em causa saber ou dever saber que a operação que efetuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e de não ter tomado as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar esta fraude, devia ser-lhe recusado o direito à isenção de IVA (acórdão de 6 de setembro de 2012. Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, nº 54).

41. No caso vertente, a mera circunstância, invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de o alienante, por um lado, saber que, no momento das operações, o adquirente não estava registado no sistema VIES nem se encontra abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias e, por outro, ter a expectativa de que, posteriormente, o adquirente seria registado, de forma retroativa, como operador intracomunitário não poder permitir à autoridade fiscal nacional recusar a isenção de IVA. Com efeito resulta dos elementos dos autos transmitidos pelo órgão jurisdicional de reenvio e salientados no nº 20 do presente acórdão que, no caso em apreço, não existia fraude nem evasão fiscal por parte de Euro Tyre.

42. Por outro lado, a violação de uma exigência formal pode levar a uma recusa de isenção de IVA se essa violação tiver por efeito impedir a produção da prova incontestável do cumprimento da exigências de fundo (v., acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C-24/15, EU:C:2016;791, nº 46 e jurisprudência referida).

43.Neste caso, como resulta, em substância, do nº 26 do presente acórdão, as questões submetidas assentam na premissa de que os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária na aceção do artigo 138º, nº 1, da Diretiva IVA estavam preenchidos. Além disso, nenhum elemento dos autos transmitidos ao Tribunal de Justiça indica que a violação da exigência formal em causa no processo principal tenha impedido de concluir que assim era. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações necessárias a este respeito.

44. À luz das considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 131º e o artigo 138º, nº 1, da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado-Membro recuse isentar de IVA uma entrega intracomunitária pelo simples motivo de, no momento dessa entrega, o adquirente, sedeado na território do Estado-Membro de destino e titular de um número de identificação IVA válido para as operações nesse Estado, não estar inscrito no sistema VIES nem se encontrar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias, ainda que não exista nenhum indício sério que sugira a existência de fraude e que esteja demonstrado que os requisitos materiais da isenção estão verificados. Neste caso, o artigo 138º, nº 1, da Diretiva IVA, interpretado à luz do princípio da proporcionalidade, opõe-se igualmente a essa recusa quando o alienante tinha conhecimento das circunstâncias que caracterizavam a situação do adquirente tendo em conta a aplicação do IVA e tinha a expectativa de que, posteriormente, o adquirente seria registado, de forma retroativa, como operador intracomunitário.”

 

“ Pelos fundamentos expostos, o Tribunal da Justiça (Nona Secção) declara:

 

O artigo 131º e o artigo 138, nº 1 da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado-Membro recuse isentar de imposto sobre o valor acrescentado uma entrega intracomunitária pelo simples motivo de, no momento dessa entrega, o adquirente, sedeado no território do Estado-Membro de destino e titular de um número de identificação de imposto sobre o valor acrescentado válido para as operações desse Estado, não estar inscrito no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, nem se encontrar abrangido por um sistema de tributação das aquisições intracomunitárias, ainda que não exista nenhum indício sério que sugira a existência de fraude e que esteja demonstrado que os requisitos materiais da isenção estão verificados. Neste caso, o artigo 138º, nº 1, desta diretiva, interpretado à luz do princípio da proporcionalidade, opõe-se igualmente a essa recusa quando o alienante tinha conhecimento das circunstâncias que caracterizavam a situação do adquirente tendo em conta a aplicação do imposto sobre o valor acrescentado e tinha expectativa de que, posteriormente, o adquirente seria registado, de forma retroativa, como operador intracomunitário”

 

Resulta claro, e sem necessidade de quaisquer outras considerações por desnecessárias. que a circunstância de o(s) adquirente(s) não se encontrar (em) inscrito (s) no VIES nem se encontrarem abrangidos por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias não inviabiliza a isenção (completa) de IVA prevista na aliena a) do artigo 14º do RITI, recordando a título conclusivo e uma vez mais, que no caso em apreço a AT desconsiderou as isenções em causa, com o único argumento evidenciado ou seja, desqualificação de alguns clientes espanhóis da Requerente, pelo facto de não se encontrarem devidamente registados para efeito do VIES.

 

Constituindo a inscrição no VIES um requisito formal no âmbito da isenção de IVA que vimos de analisar, não podemos deixar se concordar com a Requerente, ao afirmar tendo como referência o Acórdão de 09/02/2017- Processo C-21/16. Euro Tyre BV- Sucursal em Portugal, que “não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira fazer depender o direito à isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens do cumprimento de meros requisitos formais, nomeadamente do registo dos adquirentes no sistema VIES ou do seu registo para efeitos da realização de operações intracomunitárias de bens no país de destino dos mesmos.”

 

Concluindo-se, consequentemente, que as liquidações de IVA impugnadas são ilegais por vício de lei, justificando-se a sua anulação.

 

III- DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo a até ao termo do prazo para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, aplicável ex vi aliena a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

“A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”,

 

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

Face ao que vem dito, o nº 5 do artigo 24º do RJAT ao afirmar que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

 

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

 

Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa já sinalizado, decide este tribunal arbitral singular em condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre 24.955,96 € bem assim como ao pagamento dos juros indemnizatórios calculados sobre o valor de 31.990,88 € correspondente às liquidações anuladas em consequência do procedimento da reclamação graciosa.

 

 

IV- DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

i – julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

 

ii – anular as liquidações de IVA impugnadas dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2025, no montante de 24.955,96 €,

 

iii – declarar a ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento parcial da  reclamação graciosa a que coube o número …2017…;

 

iv – julgar procedente o pedido de reembolso das quantias indevidamente pagas, bem como

 

v- julgar procedente o pedido de pagamento dos juros indemnizatórios calculados sobre o valor de 31.990,88 € correspondente às liquidações anuladas em consequência do procedimento da reclamação graciosa:

 

vi- condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento das custas do processo.

 

 

V- VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º -A) nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 24.955,96 €.

 

VI- CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º.nº 4 do RJAT, e artigo 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 1.530.00 €.

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.

 

Doze de Abril de dois mil e dezoito.

 

O árbitro

 

 

(José Coutinho Pires)