Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 544/2019-T
Data da decisão: 2020-04-23  IVA  
Valor do pedido: € 156.483,47
Tema: IVA – Prestações de serviços de nutrição – Isenção – Art. 9.º, 1) do CIVA. Reenvio a título prejudicial; Indemnização por garantia indevida. Recurso de revisão de decisão arbitral; Reenvio a título prejudicial – Decisão arbitral (anexa à decisão).
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Sumário:

O TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da interposição do recurso de revisão, com fundamento no artigo 696.º, alínea f), do CPC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 696.º, alínea f), do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPT, com fundamento no acórdão do TJUE tirado no Processo n.º C-581/19, no âmbito do reenvio prejudicial suscitado no Processo 504/2018-T CAAD.

 

Em requerimento avulso apresentado sem prévio despacho arbitral, a Requerente pronunciou-se no sentido do indeferimento liminar do recurso de revisão por considerar que é ao tribunal nacional que compete a resolução definitiva do litígio, não podendo o TJUE ser tido como uma instância de recurso, para efeitos do artigo 696.º do CPC, quando intervenha em sede de reenvio prejudicial.

 

2. Conforme a tramitação regulada no artigo 699.º do CPC, “o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão” (n.º 1), havendo lugar à notificação pessoal do recorrido para responder apenas quando o recurso seja admitido (n.º 2).

 

E, assim sendo, previamente ao processamento do recurso, cabe proferir decisão liminar sobre a sua admissibilidade.

 

Refere o citado artigo 696.º, alínea f), do CPC, que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”.

 

No entanto, o TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, constituindo antes um mecanismo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus para garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito europeu (LUÍSA LOURENÇO, “O reenvio prejudicial para o TJUE e os pareceres consultivos do tribunal EFTA”, in Revista Julgar n.º 35, página 189).

 

                Mesmo o Tribunal de Justiça tem entendido que o artigo 234.° CE (actual artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) (TFUE) não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.°(acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo n.º C-344/04, parágrafo 28).

 

                Basta considerar que o reenvio prejudicial não pode ser solicitado pelas partes, mas apenas invocado pelo tribunal nacional em caso de dúvida sobre a interpretação do direito europeu, e a interpretação que venha a ser formulada pelo TJUE é sempre feita sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à factualidade aplicável ao caso, pelo que é sempre o tribunal nacional que decide o litígio.

 

Com efeito, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça na sequência da questão prejudicial formulada pela jurisdição nacional não vai resolver o litígio que decorre perante o tribunal nacional. O sentido da resposta dada pelo Tribunal de Justiça é o de fornecer elementos para a interpretação ou a apreciação da validade de uma norma de direito europeu, sendo que o esse tribunal não interfere directa e imediatamente na solução do caso concreto (MIGUEL GORJÃO HENRIQUES, Direito Comunitário, 4.ª edição, Coimbra, pág. 367).

 

Certo é que o acórdão do STA de 2 de Julho de 2014 (Processo n.º 0360/13) considerou que, com a nova alínea f) do artigo 771º do CPC (actual artigo 696.º), o legislador pretendeu estender o recurso de revisão não só aos casos em que decisão interna seja inconciliável com uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como também aos casos em que se verifique inconciabilidade com qualquer decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português. E, nesse sentido, concluiu que um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de processo por incumprimento movido contra Portugal assume carácter vinculativo para o Estado Português e pode ser invocado como fundamento de recurso revisão ao abrigo da alínea f) do artigo 771º do CPC, verificados que sejam os demais pressupostos, nomeadamente a inconciabilidade com decisão interna transitada em julgado.

 

No entanto, na situação do caso, estava em causa um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de uma acção por incumprimento movido contra Portugal, que assume carácter vinculativo para o Estado Português (artigo 260.º do TFUE), o que não é aplicável quando se trata de acórdão proferido em reenvio prejudicial.

 

Acresce que, como se assinalou no acórdão proferido no Processo n.º 159/2019, em situação similar, os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC são taxativos e tratando-se de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado, não são passíveis de aplicação analógica a situações não previstas.

 

                Há assim lugar ao indeferimento liminar do recurso de revisão por não se verificar o pressuposto a que se refere o artigo 696.º, alínea f), do CPC, uma vez que a decisão do TJUE invocada como fundamento do recurso por não ser entendida como tendo sido proferida por uma instância internacional de recurso.

 

                3. Termos em que se indefere o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

                Notifique.

 

Lisboa, 22 abril de 2021

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Paulo Lourenço

 

O Árbitro vogal

Olívio Mota Amador

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

Os Árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Árbitro Presidente), Dr. Paulo Lourenço (Árbitro Vogal) e Dr. Olívio Mota Amador (Árbitro Vogal) designados pelo Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

 

1. A..., Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ... n.º..., Porto, (doravante designada por “Requerente”) apresentou, em 16-08-2019, um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/201, de 22 de março.

2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com os n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., e os respetivos de juros compensatórios com os n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao exercício de 2015, no montante total de €156.483,47 (cento e cinquenta e seis mil quatrocentos e oitenta e três euros e quarenta e sete cêntimos) bem como do despacho do Diretor Adjunto da Direção de Finanças do Porto, de 27-05-2019, ao abrigo de Subdelegação de Competências, que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2019..., e ainda, o pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite, em 19-08-2019, e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”, adiante designada por “Requerida”).

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro presidente e os árbitros auxiliares do tribunal arbitral coletivo, tendo os signatários comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

6. As partes foram notificadas das designações do árbitro presidente e dos árbitros auxiliares, em 07-10-2019, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 28-10-2019.

8. A Requerida, devidamente notificada para o efeito através do despacho arbitral, de 30-10-2019, apresentou a sua resposta, em 02-12-2019, e remeteu, na mesma data, o processo administrativo.

9. O Tribunal Arbitral por despacho, de 12-12-2019, marcou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 22-01-2020, às 14h30m.

10. A requerente, em 17/01/2020, requereu a junção de um documento aos presentes autos arbitrais.

11. O Tribunal Arbitral, em 22-01-20120, conforme ata que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos, como integralmente reproduzida, procedeu à inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente B..., C... e às declarações de parte, de acordo com o disposto no artigo 466.º do Código de Processo Civil, de D... . A Requerente prescindiu da inquirição da testemunha J... . Na referida reunião o Tribunal deliberou: (i) admitir a junção aos autos do documento apresentado pela Requerente, em 17-01-2020, após a AT ter sido ouvida e manifestado nada ter a opor à junção do referido documento; (ii) notificar a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem as alegações escritas no prazo de 15 dias; (iii) designar o dia 28-04-2020 como data para a prolação da decisão arbitral.

12. A Requerente, em 05-02-2020, requereu a prorrogação, por mais três dias, do prazo para a apresentação das alegações. Por despacho do Tribunal Arbitral, de 06-02-2020, ao abrigo do princípio da autonomia do tribunal na condução do processo foi deferida a prorrogação do prazo.

13. As alegações foram apresentadas pela Requerente, em 11-02-2020, e pela Requerida, em 21-02-2020.

14. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

14.1. A Requerente não entende a razão para a AT concluir estar perante operações simuladas considerando que o próprio Relatório de Fiscalização reconhece que (i) a Requerente faturou a disponibilização de serviços de nutrição, que (ii) foram contratadas nutricionistas para prestar esses serviços, que (iii) a Requerente tinha instalações e equipamentos próprios e necessários para prestar os serviços de nutrição e que (iv) os sócios efetivamente usufruíram dos serviços. Por outro lado, o facto de haver sócios que optaram por não usufruir dos serviços de nutrição contratados não implica que se considere que a prestação de serviços seja simulada, ou que a mesma não foi realizada pelo prestador de serviços e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.

 

14.2. A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta. Neste sentido, se pronunciou o TJUE, nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23/12/2015, e Meio C-295/17, DE 22/11/2018, de acordo com o qual, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supra mencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.

14.3. Relativamente à afirmação constante no Relatório de que “a mera disponibilização dos serviços (direito de usufruir de uma consulta) não se insere no conceito de prestação de serviço médico ou para médico”, deverá concluir-se que a mesma não corresponde à correta interpretação da lei aplicável. Com efeito, constitui Jurisprudência pacífica do TJUE que a forma como o serviço é prestado e pago não afeta a sua natureza e consequentemente o seu enquadramento em sede de IVA. Ou seja, as prestações de serviços de cuidados de saúde, não perdem essa natureza, e consequentemente não deixam de estar isentas, pelo facto de não serem definidas antecipadamente, nem individualizadas, e de a remuneração ser paga sob a forma de um montante fixo (cfr. Acs. do TJUE Kennemer, Le Rayon d’Or e Proc. 463/14).

14.4. Ao contrário do que concluiu a AT não há dúvidas que os serviços de nutrição disponibilizados e prestados pela Requerente têm e tiveram uma finalidade terapêutica. Com efeito, como foi sobejamente referido pelas testemunhas as consultas de nutrição tinham como objetivo avaliar o estado físico das pessoas e aconselhá-las a novos e melhores hábitos alimentares tendo por objetivo máximo a promoção da saúde e do bem estar e a prevenção de doenças como seja o caso das diabetes, doenças cardiovasculares, obesidade etc

 

14.5. A AT alega que a disponibilização dos serviços de ginásio e dos serviços de nutrição constitui uma prestação única. Como tem vindo a entender o TJUE estamos perante uma prestação única quando as prestações fornecidas pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligadas que são objetivamente uma prestação económica indissociável. Assim, a prestação deve ser considerada acessória quando não constitua para o cliente um fim em si mesma, mas apenas um meio de beneficiar em melhores condições do serviço principal do prestador.

14.6. A alegada desproporcionalidade entre a estrutura de custos e os rendimentos, referida pela AT, não tem qualquer relevância na análise do carácter acessório das prestações, não sendo critério na distinção entre prestações únicas e prestações acessórias. Por outro lado, a decisão da Requerente de conceder um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, e que naturalmente não retira a natureza dos serviços prestados, bem como do seu enquadramento em sede de IVA (Cfr. Acórdão do CAAD 373/2018, pág. 39).

14.7. Não obstante existir uma complementaridade entre os serviços de ginásio e os serviços de nutrição, tratam-se de prestações autónomas e independentes porque: (i) os serviços de nutrição não são necessários, nem indispensáveis à prestação dos serviços de ginásio, nem para que o objetivo visado pela utilização do ginásio seja atingidos; (ii) as pessoas podem contratar os serviços de ginásio, sem contratarem os serviços de nutrição, e os serviços de nutrição podem ser prestados sem que seja necessário contratar os serviços de ginásio; (iii) os serviços de nutrição não permitem que o cliente beneficie de melhores condições nos serviços de ginásio. Com efeito, resulta provado que o valor final a pagar pelo cliente é igual quer o mesmo opte, ou não, pelos serviços de nutrição, e ainda que os serviços de ginásio são usufruídos pelos sócios de forma igual, quer optem, ou não, pelos serviços de nutrição.

14.8. A Recorrente sabe que muitos concorrentes que disponibilizam serviços de ginásio também disponibilizam serviços de nutrição e também consideram que os serviços de nutrição estão isentos de IVA. Esses concorrentes também foram objeto de correções semelhantes à aqui em apreço que deram origem a pedidos de pronúncia arbitral que foram todos decididos no sentido da aplicação da isenção aos serviços de nutrição (cfr. Acórdão CAAD Processos 454/2017, 373/2018, 504/2018, 570/2018, 159/2019, 164/2019, 169/2019 e 181/2019.

14.9. A conduta da Requerente não acarreta a violação do princípio da neutralidade, na medida em que os concorrentes estarão em igualdade de condições com a mesma, desde que exerçam a sua atividade nos mesmos termos que aquela, sendo livres de se organizarem, estruturarem e oferecer serviços da mesma forma que a Requerente, e tendo, nesse caso, direito ao mesmo tratamento fiscal.

14.10. O Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa mantém no essencial os fundamentos de facto e de direito constantes no Relatório de Fiscalização, e de forma indevida, acrescenta novas razões pelas quais no seu entender a isenção não deve ser aplicada, a saber: a) O facto das nutricionistas que prestavam serviços no ginásio E... não possuírem as qualificações profissionais necessárias para prestar esse tipo de serviços; b) O facto das nutricionistas receberem uma comissão sobre os suplementos desportivos comercializados pela Requerente.

14.11. Ora, considerando que tais factos não serviram de fundamento para a emissão dos atos de liquidação, como se pode verificar pelo Relatório de Inspeção e resulta dos pontos 1 a 16 do Despacho de Indeferimento, não podem os mesmos serem aqui considerados sob pena de violação da obrigação da fundamentação contextual e contemporânea ao ato e da proibição da fundamentação a posteriori ou sucessiva. Assim considerando que a AT na fundamentação dos atos de liquidação adicional não alega a suposta falta de habilitações das nutricionistas como fundamento para a correção, também já não o poderá fazer em sede de Reclamação Graciosa, ou fazendo-o, tal argumentação não é válida, nem pode ser considerada na apreciação que se faça da legalidade dos atos de liquidação aqui em causa.

14.12. Caso se entenda pela não aplicação da referida isenção de IVA aos serviços de nutrição deverá ainda o imposto adicionalmente liquidado ser corrigido, consequentemente o imposto a entregar pela Requerente deverá ser apurado por dentro, isto é, no cálculo do imposto adicional deverá assumir-se que o valor pago pelos clientes da Requerente já inclui o IVA. Face ao exposto, e caso se conclua pela não aplicação da referida isenção de IVA aos serviços de nutrição, as liquidações adicionais devem ser parcialmente anuladas por erro no cálculo do imposto devido pela Requerente.

14.13. A Requerente prestou garantia bancária, com o objetivo de suspender os processos executivos instaurados pela AT por não pagamento das liquidações aqui em causa. Tendo a Impugnante prestado garantia bancária, junta aos presentes autos, vem a mesma ao abrigo do disposto no artigo 170.º, n.º 2, do CPPT e 53.º da LGT solicitar a respetiva indemnização.

15. A defesa da Requerida por impugnação, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

15.1. No que respeita ao caso concreto, cabe aferir se os serviços de nutrição adquiridos em conjunto e na dependência do contrato de adesão para usufruto do ginásio, fornecidos pela Requerente aos seus clientes constituem, para estes, um fim em si mesmo ou se, por outro lado, constituem apenas um meio de beneficiar de melhorias nas condições do serviço principal do prestador.

15.2. Como, aliás, a Requerente admite “A AT bem sabe que os valores faturados não respeitam a consultas de nutrição, mas sim à disponibilização de um serviço que permite ao cliente aceder às consultas de nutrição, sendo que o valor é sempre devido, independentemente do cliente vir, ou não, a frequentar essas consultas”.

15.3. Das condições gerais dos contratos de adesão, bem como das fichas de inscrição e da faturação, é possível confirmar e identificar a relação de dependência e complementaridade em que se encontra a prestação dos serviços de nutrição face à disponibilização das instalações desportivas.

15.4. Assim, quer o modo de faturação, quer as cláusulas contratuais constituem elementos que permitem aferir o carácter acessório da prestação de serviços de nutrição associada à prestação de utilização do ginásio.

15.5. Não assiste razão à Requerente quando alega que “(…) não existe aqui acessoriedade dos serviços de nutrição em relação aos serviços de ginásios”. Efetivamente, não se trata de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a “disponibilização” de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente “procurar” esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado.

15.6. Com esse fim, de apoio/complemento à atividade física, estas consultas não são autonomizáveis.

15.7. A jurisprudência do TJUE afirma que deve ser efetuado o exercício específico de determinar se o sujeito passivo fornece uma prestação única num caso concreto em particular e de fazer todas as apreciações de facto definitivas quanto a isso, em obediência aos critérios facultados por este Tribunal quanto à identificação de uma operação complexa.

15.8. Entende-se que os serviços de nutrição tal como definidos e configurados no respetivo contrato, com direito à consulta trimestral, não são nem independentes nem autonomizáveis, não podem ser fornecidos de forma isolada, pelo que o nexo com a prestação principal não é apenas artificial, devendo dar lugar a tributação como operação única. Efetivamente, como se pode verificar, e a própria Requerente admite, o serviço de nutrição é disponibilizado trimestralmente e, consequentemente, faturado, independentemente de os clientes terem ou não as consultas.

15.9. Da análise à documentação disponibilizada pela Requerente, verificou-se que a quase totalidade do valor dos créditos referentes a prestações de serviços de nutrição é resultante da inclusão dos primeiros na globalidade dos serviços disponibilizados pelo simples facto de se tornarem sócios e frequentarem o ginásio. Por contraposição aos relativos às consultas de nutrição adquiridas avulso que constituem, um valor muito residual.

15.10. Assim, dúvidas não existem de que se trata de um só serviço, cuja decomposição reveste um carácter artificial, constituído por uma prestação principal, o ginásio, embora com diversas prestações acessórias quanto a esta, como sejam o acompanhamento nutricional.

15.11. Em conclusão, os contratos efetuados pela Requerente com os seus clientes, preveem um conjunto de serviços, contratados em conjunto. Desses serviços, o principal é o da prática desportiva, revestindo o da nutrição um serviço acessório, na medida em que facilitando/acelerando o resultado pretendido, ficar em forma, não pode ser autonomizado da prestação principal por não constituir para os clientes um fim em si mesmo, mas antes uma forma de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal.

15.12. Não há, deste modo, qualquer erro na aplicação e interpretação do estatuído no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA. 

15.13. É possível concluir estarmos perante operações cuja natureza foi simulada para efeitos de enquadramento tributário ainda que parcialmente não correspondendo tais faturas a operações que tenham tido efetivamente lugar, pelo menos nos termos que decorrem das mesmas faturas.

15.14. Conclui-se que a correção efetuada pela AT não enferma de qualquer vício que inquine a sua validade, pelo que deve o presente pedido improceder e a Requerida ser absolvida dos pedidos formulados.

               

16. Na Resposta a Requerida formulou um pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que é, em síntese, o seguinte:

16.1. Se o Tribunal Arbitral tiver um entendimento diferente do expresso pela Requerida, que está fundamentado em Jurisprudência do TJUE, particularmente no Acórdão, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98 no sentido de que, “as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas”, deve o Tribunal Arbitral, colocar ao TJUE em primeiro lugar a seguinte questão:

Os ginásios, que prestem serviços de sessões de dietista/nutricionista, a destinatários, que não tenham (porquanto não está alegado e logo muito menos provado o contrário nos presentes autos), qualquer doença, beneficiam da isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE?

16.2. Independentemente da resposta à questão anterior, deve ser colocada ao TJUE a questão de: Numa prestação de serviços em que se incluem serviços como os vulgarmente prestados por ginásios, (que podem ou não compreender a utilização dos ginásios, aulas de diferentes tipos como por exemplo, fitness, yoga, pilates, cardio, cycling, etc., utilização de balneários, banhos turcos, jacuzzis, piscinas, duches tropicais, etc.) e, associados a tais serviços (sujeitos e não isentos), forem também prestados, serviços de sessões de dietista/nutricionista (isentos, se o forem), sem possibilidade de destacamento na contratação (seja porque como no caso dos autos a contratação destes serviços está dependente da contratação daqueles primeiros, ou como noutros casos, porque a globalidade dos serviços fazem parte de um pack, que não permita destacar a os serviços de dietista/nutricionista, com a consequente redução do valor dos mesmos ao valor do pack), constitui ou não, uma decomposição artificial da prestação de serviços única em que o serviço principal é a utilização do ginásio e as sessões de dietista/nutricionista, são uma prestação de serviços acessória, em relação àquela, a faturação das consultas de nutrição em separado, aplicando a isenção de IVA a esta parte.

16.3. Em caso de resposta afirmativa a esta questão, deve a prestação de serviços acessória, de nutrição, seguir o enquadramento em sede de IVA da prestação principal?

16.4. Por último, e independentemente da resposta às questões anteriores, deve ser colocada a questão: Quando um sujeito passivo misto, celebre um contrato de prestação de serviços (isentos), sendo que este contrato só é celebrado e apenas é válido, na pendência de um outro contrato relativo à prestação de serviços sujeitos e não isentos com o mesmo destinatário de serviços, faturando uma quantia (isenta de IVA) e, atribuindo em virtude de tal contratação, um desconto de montante equivalente à prestação isenta, nos montantes que tenha a auferir relativo ao contrato que está sujeito e não isento de IVA, esta forma de faturação constitui uma utilização da isenção, suscetível de criar distorções na concorrência (perante os demais atuais e potenciais operadores que pretendam prestar apenas os serviços sujeitos e não isento e, como tal, contrária à Diretiva 2006/112/CE?

17. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

A cumulação de pedidos é admissível, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, atendendo a que são idênticas as circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico aplicável.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

II. MATÉRIA DE FACTO

18. Factos dados como provados

 

A)           A Requerente é uma sociedade de direito português com início de atividade em 13-08-2008, cujo objeto social, reportado em 06-08-2008, consiste na “Exploração de ginásios. Comercialização de artigos de desposto, suplementos alimentares. Formação desportiva. Aluguer de espaços desportivos. Organização de eventos.” 

(vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 3, integrante do Processo Administrativo a fls. 56 a 79 constante dos presentes autos arbitrais e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

B)           A Requerente, em 03-01-2013, efetuou uma alteração ao contrato de sociedade onde incluiu as atividades seguintes: “Exploração de health clubs. Prestação de cuidados médicos em toda a sua vertente, avaliação, prevenção e reabilitação médico desportivo e outras atividades complementares relacionadas com a saúde humana. Representação e comercialização de programas de fitness, ginástica, musculação e avaliação física. Importação, exportação e comercialização de equipamentos e vestuário e artigos de desporto e produtos e suplementos alimentares para desporto. Consultadoria e serviços de gestão para formadores, instrutores, ginásios, spas e outras atividades desportivas. Formação profissional na área do desporto e do fitness. Ensino desportivo e recreativo ao público em geral. Organização, realização e produção de eventos desportivos. Cedência de espaços em imóveis próprios ou alheios. Exploração de estabelecimentos de spas, cabeleireiros e estética, bem como de bar de apoio à atividade dos health clubs.” (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 3);

 

C)           A Requerente está registada para o exercício das seguintes atividades: Código de Atividade Económica (CAE) Principal 93130 – “Atividades de ginásio (fitness)” e CAE Secundário 86906 – “Outras atividades de saúde humana, n.e.” (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 2);

 

D)           A Requerente possui contabilidade organizada e, em termos cadastrais para efeitos de IVA, está enquadrada no regime normal mensal por opção com transações que conferem direito a dedução (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 3 e 10);

 

E)            A Requerente coloca à disposição dos seus clientes serviços de ginásio e serviços de nutrição (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 3, 24 e 27 depoimento das testemunhas B... e C... e declarações de parte de D...);

 

F)            Os serviços de nutrição visavam a proteção da saúde dos clientes numa perspetiva de promoção de estilos de vida saudáveis no âmbito de uma abordagem multissetorial inserida na estratégia comercial da Requerente (vd., depoimento das testemunhas B... e C... e declarações de parte de D...);

 

G)           A atividade da Requerente, à data dos fatos, era exercida em duas localizações diferentes: ... n.º..., ... (com designação comercial de “F... Health Club”- espaço com um total de 1600 m2 onde existia um gabinete de nutrição com 10 a 12 m2) e Rua ... n.º ... (com designação comercial de “E...”- espaço com um total de 1800m2 onde existia o gabinete médico, que servia para as consultas de nutrição, com 15 a 20 m2) (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 3, 9 e 10);

 

H)           Os clientes da Requerente para acederem aos serviços, identificados na alínea E), têm que se tornar sócios, mediante assinatura de contrato de adesão e pagamento da inscrição e de uma mensalidade, semestralidade ou anualidade, cujo valor depende dos serviços pretendidos, do número de vezes da frequência na utilização dos serviços, dos horários escolhidos e da modalidade de pagamento (transferência mensal, semestral ou anual, débito bancário ou pagamento ao balcão) (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 16 e declarações de parte de D...);

I)             Existiam sócios da Requerente que acediam apenas aos serviços de ginásio (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 27);

J)            No âmbito da sua estratégia comercial a Requerente determinou que os sócios que acediam aos serviços de ginásio e aos serviços de nutrição tinham: (i) desconto nos serviços de ginásio no valor de €12; (ii) direito a uma consulta de nutrição por trimestre. (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 21 e 25, e declarações de parte de D...);

K)           Os sócios da Requerente podiam contratar os serviços de nutrição não incluídos na sua subscrição, pagando à parte, o valor de € 15,00 por consulta (vd., depoimento da testemunha B... e declarações de parte de D...);

L)            Os serviços de nutrição podiam ser prestados a clientes da Requerente, que não possuíam a qualidade de sócios, mediante o pagamento do valor de € 20,00 por consulta (vd., depoimento da testemunha B... e declarações de parte de D...);

M)          Nas faturas emitidas pela Requerente os serviços de ginásio e os serviços de nutrição estão identificados em duas parcelas distintas com os regimes de IVA diferenciados, sendo aplicado aos serviços de nutrição a isenção de IVA prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA e aos serviços de ginásio a taxa norma de IVA de 23% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 21 e 22);

N)           Os serviços de nutrição foram prestados: (i) No F... Health Club pela Drª.G...; (ii) No E... pela Dra. H..., Drª. C... e Drª. I...(vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 27 a 31; depoimento das testemunhas B... e C... e declarações de parte de D...);

O)           As consultas de nutrição foram prestadas no espaço E... a partir do mês de maio de 2015 (vd., depoimento das testemunhas B... e C... e declarações de parte de D...);

P)           A nutricionista Drª. G... prestou os serviços ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, a Drª. H... e a Drª. C... prestaram os serviços ao abrigo de um contrato de estágio do IEFP e estágio da Ordem dos Nutricionistas e a Dra. I... prestou serviços ao abrigo do estágio não remunerado da Ordem dos Nutricionistas (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 28, 30 e 31 e depoimento das testemunhas B... e C... e declarações de parte de D...);

Q)           Os contratos de estágios do IEFP relativos à Drª. C..., Drª. H... e Drª. I... foram aprovados em abril de 2015 mas só foram formalizados em julho de 2015 tendo estas nutricionistas começado a prestar serviços à Requerente em maio de 2015, (vd., declarações de parte de D...);

R)           Os Serviços de Inspeção Tributária (Área de Inspeção Tributária-I) da Direção de Finanças do Porto iniciaram, em 08-01-2018, uma ação inspetiva à Requerente, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2017..., de âmbito parcial, abrangendo o ano de 2015, com a finalidade de “comprovação e verificação, visando a confirmação da situação tributária e do cumprimento das obrigações do sujeito passivo e demais obrigações tributárias” (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 1);

S)            O motivo do procedimento de inspeção foi: “1. Após consulta efetuada verificou-se que a esmagadora maioria das faturas emitidas e comunicadas mensalmente pela entidade inspecionada contêm uma parcela isenta de IVA, sem aparente razão que justifique esse facto face às disposições constantes quer do CIVA (Código do IVA) quer de legislação avulsa; 2. Assim, no sentido de esclarecer o exposto, foram emitidas as competentes ordens de serviço que credenciam o presente procedimento inspetivo.” (vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp. 2);

T)            A Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção para exercer o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, prevista no artigo 60.º da LGT, tendo exercido o seu direito, em 05-09-2018 (vd., Relatório de Inspeção Tributária, ponto VIII. Direito de audição, pp. 43);

 

U)           O Relatório de Inspeção Tributária foi notificado à Requerente, nos termos do artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), através do ofício n.º 2018..., de 27-09-2018, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto (vd., fls. 54 do Processo Administrativo);

 

V)           O Relatório de Inspeção Tributária, identificado na alínea anterior, concluiu que a Requerente isentou indevidamente uma parte do valor dos serviços que prestou nos seguintes termos:

“(…) fica demonstrado que a A..., Lda usufruiu de forma indevida de uma isenção de IVA, que originou falta de liquidação, à taxa de 23% nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º CIVA e consequentemente falta de pagamento de imposto por parte do sujeito passivo, na parte correspondente às intituladas prestações de serviço de nutrição, faturadas no âmbito da mensalidade única contratada pela não aplicabilidade da isenção constante no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA. Quanto às consultas de nutrição prestadas isoladamente e com carácter ocasional fora dos contratos celebrados com os seus clientes/sócios, aceite-se a isenção.

Adicionalmente, após cruzamento entre os montantes declarados pelo sujeito passivo no quadro 06-A e os valores constantes da contabilidade foram apuradas as seguintes divergências/omissões que serão também alvo de correção:

A)           Omissão na declaração periódica do mês de janeiro no campo 97 (operações efetuadas por entidades residentes em países comunitários), no montante de € 2.573,58, que por sua vez tem reflexo direto pelo mesmo valor na base tributável declarada (campo 3), por se tratar de uma operação localizada em Portugal em que, na qualidade de adquirente, o sujeito passivo liquidou o IVA devido;

B)           Divergências nas declarações periódicas dos meses de fevereiro e abril, em que foram declarados no campo 98 (operações efetuadas por entidades residentes em países terceiros) os montantes de € 3.038,41 e € 2.845,76, quando estes mesmos montantes deveriam ter sido declarados no campo 97 (operações efetuadas por entidades residentes em países comunitários);

C)           Omissões nas declarações periódicas dos meses de janeiro e julho no campo 102 (serviços de construção civil – alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA), nos montantes de € 148.117,98 e € 11.639,09 respetivamente, que por sua vez tem reflexo direto pelos mesmos valores nas bases tributáveis declaradas (campo 3), por se tratarem de operações em que liquidou o IVA devido por aplicação da regra de inversão do sujeito passivo.

No entanto, destaca-se que tais divergências/omissões declarativas não influenciam o apuramento do IVA nos períodos identificados, pois o contribuinte liquida e deduz simultaneamente o IVA apurado com base nos montantes acima identificados, sendo que este tipo de operações são consideradas nulas em termos de apuramento de IVA.

(…)

O montante do imposto em falta (diferença entre IVA liquidado e IVA dedutível) das correções acima ascende o montante total de € 139.871,96 conforme se pode verificar no quadro seguinte:

Mês       Imposto em falta

Janeiro 5.462,78

Fevereiro            5.779,35

Março   6.332,97

Abril      6.820,34

Maio     13.430,92

Junho   14.133,48

Julho     13.502,04

Agosto 11.341,45

Setembro           14.362,95

Outubro              16.276,93

Novembro         16.776,05

Dezembro          15.652,70

Total      139.871,96

 

(vd., Relatório de Inspeção Tributária, pp.39 a 42)

 

W)          Subsequentemente, a Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários, referentes ao ano de 2015, no montante total de €156.483,47 (vd., fls. 31 a 53 do Processo Administrativo);

 

i)             Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-01, com o valor a pagar de € 5 505,82, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 774,73, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;

ii)            Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-02, com o valor a pagar de € 5 092,39, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 699,26, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;

iii)           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-03, com o valor a pagar de € 7 037,26, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 942,30, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;  

iv)           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-04, com o valor a pagar de € 3 488,14, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 455,27, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;  

v)            Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-05, com o valor a pagar de € 16 763,12, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 2 134,65, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;  

vi)           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-06, com o valor a pagar de € 14 133,48, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1 751,77, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;  

vii)          Liquidação de IVA n.º 2018... datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-07, com o valor a pagar de € 11 521,98, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1 388,95, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;  

viii)         Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-08, com o valor a pagar de € 10 006,59, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1 171,18, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;  

ix)           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-09, com o valor a pagar de € 17 677,86, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 2 012,85, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;  

x)            Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-10, com o valor a pagar de € 16 276,93, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1 799,82, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;  

xi)           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-11, com o valor a pagar de € 16 776,05, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1 796,18, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;  

xii)          Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 05-10-2018, referente ao período de 2015-12, com o valor a pagar de € 15 652,70, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1 624,19, em ambos os casos com data limite de pagamento de 16-11-2018;     

 

X)           A Requerente, em 01-03-2019, interpôs reclamação graciosa, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º e 102.º do CPPT, dirigida ao Diretor de Finanças do Porto relativamente às liquidações identificadas na alínea anterior, que recebeu o n.º ...2019... (vd., Documento n.º 3, anexo ao pedido de pronuncia arbitral);  

 

Y)            A Requerente foi notificada, em 06-05-2019, através do ofício n.º 2019..., da Direção de Finanças do Porto, de 30-04-2019, do projeto de Decisão da reclamação graciosa para exercer o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, mas não exerceu esse direito (vd., fls.80 e 88 do Processo Administrativo);

 

Z)            A reclamação graciosa, identificada na alínea anterior, foi indeferida por Despacho do Diretor Adjunto do Diretor e Finanças do Porto, de 27-05-2019, proferido ao abrigo de subdelegação de competências, e notificado à ora Requerente através do ofício n.º 2019..., de 28-05-2019 (vd., fls. 81 e 88 do Processo Administrativo);

19. Factos dados como não provados

A Requerente não provou ter prestado garantia bancária com o objetivo de suspender os alegados processos executivos instaurados pela AT por não pagamento das liquidações, conforme alegou no pedido de pronúncia arbitral (cfr., n.º 157 do pedido de pronuncia arbitral). Efetivamente, o documento n.º 6, indicado n.º 158 do pedido de pronúncia arbitral, como comprovativo da referida garantia bancária, não foi junto pela Requerente com o pedido nem foi posteriormente entregue no decurso do processo arbitral.

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

20. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto cabe ao Tribunal o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, não tendo que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Nestes termos, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos presentes autos arbitrais e, sempre que aplicável, na prova testemunhal. Em especial, os factos dados como provados nas alíneas E), F), H), J), K), L), N), O), P) e Q) do n.º 18 supra assentam nos depoimentos das testemunhas inquiridas, B..., C... e no depoimento de parte de D... . Os respetivos depoimentos foram objetivos, consistentes e revelaram conhecimento detalhado dos factos relatados.

 

III. MATÉRIA DE DIREITO

21. Importa começar por analisar a questão, suscitada pela Requerente, da fundamentação à posteriori do ato de indeferimento da reclamação graciosa.

Depois, as questões centrais nos presentes autos consistem em saber se os serviços de nutrição se enquadram ou não na isenção prevista no artigo 9.º, 1), do CIVA e se as prestações de serviços de nutrição, disponibilizados pela Requerente, podem ser qualificadas ou não como acessórias em relação aos serviços de ginásio que a Requerente também disponibiliza aos seus clientes.

Em seguida, impõe-se apreciar o pedido de reenvio a título prejudicial para o TJUE formulado pela Requerida.

Por fim, cumpre analisar o pedido da Requerente de indemnização por prestação de garantia indevida.

22. A Requerente afirma que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa acrescenta, de forma indevida, nova fundamentação que não consta do Relatório de Inspeção Tributária a saber: a) O facto das nutricionistas que prestavam serviços no ginásio E... não possuírem as qualificações profissionais necessárias para prestar esse tipo de serviços; b) O facto das nutricionistas receberem uma comissão sobre os suplementos desportivos comercializados pela Requerente.

Assim, conclui a Requerente que tais factos não serviram de fundamento para a emissão dos atos de liquidação e não podem ser considerados no indeferimento da reclamação graciosa, sob pena de violação da proibição da fundamentação a posteriori ou sucessiva.

Vejamos.

A este respeito importa sublinhar a posição do Supremo Tribunal Administrativo expressa no Acórdão proferido no processo n.º 01436/15, 2.ª Secção, em 06-07-2016, nos seguintes termos:

“É sabido que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário).

E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta» (ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13).

E a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede do adequado meio processual.

(…)

Na verdade, como bem se decidiu, a AT não pode aditar fundamentação a posteriori relativamente às liquidações a que procedeu, nem pode legalmente apelar a fundamentos que antes não foram avocados.”

 

A fundamentação a posteriori acarreta uma manifesta ilegalidade, em virtude de, no contencioso de mera legalidade, o tribunal ter de se limitar a ajuizar da legalidade do ato impugnado nos estritos moldes em que este ocorreu e, em consequência, proceder à apreciação da respetiva conformidade legal perante a fundamentação integrante do próprio ato e não de outra invocada a posterior.

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que as questões identificadas pela Requerente como aditadas em sede de reclamação graciosa constam já do Relatório de Inspeção Tributária (vd., Relatório de Inspeção Tributária, III 1.2.1. Quadro de pessoal e demais colaboradores p. 8-9, III. 1.2.8. Prestação de serviço de nutrição p. 27-31).

Nestes termos, improcede o alegado pela Requerente relativamente à fundamentação a posteriori do indeferimento da reclamação graciosa.

23. Importa agora verificar se os serviços de nutrição estão enquadrados ou não na isenção prevista no artigo 9.º, 1), do CIVA.

A norma do CIVA, supra referida, tem o seguinte teor:

 “Artigo 9.º

Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

(…)”

 

O artigo 9.º, 1), do CIVA constitui a transposição do artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva

2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor

acrescentado” na União Europeia (designada em seguida por “Diretiva IVA”).

O objetivo desta isenção, inserida no âmbito das isenções em benefício das atividades de interesse geral, é reduzir o custo dos cuidados de saúde contribuindo para melhorar a proteção no acesso à saúde. Este objetivo foi reconhecido pelo TJUE, nomeadamente nos acórdãos nos casos Dornier, C-45/01, de 6 de novembro de 2003, e Kügler, C-141/00, de 10 de setembro de 2002.

24. A norma do CIVA, transcrita no n.º anterior, refere-se no final a “outras profissões paramédicas” o que leva a indagar se esse conceito inclui a profissão de nutricionista.

As atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de julho

Nessas atividades está incluída, segundo o disposto no artigo 1.º, n.º 3, do referido diploma e n.º 5 da sua Lista anexa, a dietética, que é definida como a “ aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” (sublinhado nosso).

A profissão de dietista está incluída no âmbito das profissões de diagnóstico e terapêutica, segundo o disposto no Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto.

O exercício da profissão denominada de “dietista” ou “nutricionista” está dependente de título profissional atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, que foi criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro, e sujeita a regras técnicas e deontológicas.

A profissão de dietista ou de nutricionista pode ser exercida de forma liberal, quer a título individual quer em sociedade, ou por conta de outrem, nos termos do disposto no artigos 2.º e 3.º, n.º 1, do Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionista, n.º 308/2016, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 23 de março.

A Ordem dos Nutricionistas define o nutricionista como o profissional de saúde “(…) que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação.” cf. http://www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=0A0D.

Conforme resulta do exposto, os serviços de nutrição, exercidos por nutricionistas, estão inseridos na prestação de cuidados de saúde na área da alimentação humana com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a hábitos alimentares incorretos.

Pelo exposto, a nutrição é legalmente considerada uma atividade paramédica. Assim a prestação de serviços de aconselhamento nutricional, nomeadamente consultas presenciais, enquadra-se no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, é subsumível à norma de isenção do artigo 9.º, 1), do CIVA.

25. Sobre as condições para a aplicação da norma de isenção de IVA acima referida, o presente Tribunal Arbitral subscreve a posição expressa na Decisão Arbitral n.º 373/2018-T, de 14 de julho de 2019, desenvolvida nos seguintes termos:

“As isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu que

têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. No que respeita à isenção em análise, aplicável aos serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, importa considerar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça estes têm de se configurar como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”–Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00;e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.

O Tribunal de Justiça esclarece ainda que a finalidade terapêutica não tem de ser compreendida numa aceção particularmente restrita, considerando que as prestações efetuadas para fins de prevenção, que visem proteger a saúde humana, também são abrangidas.

Com efeito, mesmo nos casos em que as pessoas sejam objeto de exames ou de outras

intervenções médicas e paramédicas de carácter preventivo e não sofram de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de assistência é conforme ao objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde subjacente à isenção do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA. “Portanto, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção” – Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 8 de agosto de 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20 de novembro de 2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20 de novembro de 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11 de janeiro de 2001. (realce nosso)

Relativamente à forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas previstas na isenção de IVA, que no caso em apreciação é uma sociedade comercial, o Tribunal de Justiça também clarificou que a isenção não se limita às pessoas singulares, pois tal restrição não resulta do elemento gramatical e contraria o objetivo da isenção que é justificado pela necessidade de reduzir as despesas médicas e de favorecer o acesso à proteção da saúde, para além de que não se coordena ao princípio da neutralidade fiscal que postula idêntico tratamento para as pessoas singulares e para as pessoas coletivas. Segundo o Tribunal de Justiça, “basta que sejam preenchidas duas condições, a saber, que se trate de prestações médicas e que estas sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.” – Acórdão Kugler, C-141/00.

(…)

Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer supra citado “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”

Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.

Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.

Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.”

Atendendo à factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd., n.º 18. supra) verifica-se que as consultas de nutrição disponibilizadas pela Requerente consubstanciam prática clínica e visam a proteção da saúde dos clientes numa perspetiva de promoção de estilos de vida saudáveis no âmbito de uma abordagem multissetorial inserida na estratégia comercial da Requerente.

26. O caráter acessório dos serviços de nutrição, defendido pela AT nos presentes autos, acarreta como consequência o seu enquadramento na prestação principal, ou seja, nos serviços de ginásio deixando de estar abrangidos pela isenção de IVA.

Cumpre apreciar.

Os critérios de determinação do caráter acessório de uma operação relativamente a outra dita “conexa” tem sido desenvolvidos pelo TJUE. A este propósito a citada Decisão Arbitral, afirma, de forma pertinente, o seguinte:

 “O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 20074. (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.”

 

Conforme resulta da matéria de fato provada (vd., n.º 18 supra) a Requerente presta nas suas instalações serviços de ginásio e serviços de nutrição que estão relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável.

Só que as prestações de serviços de ginásio e serviços de nutrição são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. As consultas de nutrição têm objetivos próprios e metodologia específica não dependendo da prática de exercício físico e da utilização das instalações desportivas da Requerente. Aliás, existem sócios que podem não aderir aos referidos serviços de nutrição e, por isso, acedem apenas aos serviços de ginásio. Além disso, os referidos serviços de nutrição podem ser prestados a clientes da Requerente que não têm sequer a qualidade de sócios. Assim, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

O facto de a Requerente no âmbito de uma estratégia comercial ter estabelecido condições vantajosas que incentivam a adesão aos serviços de nutrição não determina que esses serviços sejam meramente acessórios dos serviços do ginásio. Ora, salvo melhor opinião, não cabe à AT sindicar a estratégia comercial da Requerente e interferir na liberdade de gestão da Requerente na determinação do preço dos seus serviços.

27. De acordo com o exposto, este Tribunal considera que a prestação de serviços de nutrição pela Requerente é autonomizável da prestação de serviços de ginástica integrante da sua atividade.

Em conclusão, não se verifica-se a acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de ginástica e, desta forma, encontram-se reunidos, no presente caso, os requisitos suficientes à aplicação da isenção de IVA, prevista no artigo 9.º, 1), do CIVA, de acordo com o preconizado pela jurisprudência do TJUE.

Nestes termos, este Tribunal considera que é aplicável às consultas de nutrição a isenção prevista no artigo 9.º, 1), do CIVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados.

28. A Requerida, na Resposta, solicita que seja ordenado o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre Funcionamento da União Europeia (TFUE) (vd., n.º 16 supra)

Cumpre sublinhar que o TJUE no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), publicada no Jornal Oficial da União Europeia, C 330, de 6 de novembro de 2012, afirma o seguinte:

“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

Acresce que o ponto 12. das referidas recomendações afirma que o reenvio prejudicial para o TJUE não deverá ocorrer quando: (i) já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou (ii) quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Em consequência, o ponto 13. estabelece:

“(…) um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece. Todavia, um reenvio prejudicial pode ser particularmente útil quando se trate de uma questão de interpretação nova que apresente um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União, ou quando a jurisprudência existente não se afigure aplicável a um quadro factual inédito.

Aliás, o ponto 18. das mesmas recomendações dispõe:

“O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.

Tendo em conta o exposto, o Tribunal Arbitral, no presente caso, não considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária para proferir a sua decisão. Efetivamente, como se pode comprovar (vd., n.º s 23, 25 e 26 supra), a jurisprudência do TJUE esclarece, em termos suficientes, as questões suscitadas nos presentes autos arbitrais e, em consequência, permite a este Tribunal decidir da interpretação correta do direito da União Europeia e a sua aplicação à matéria de fato que importa para a decisão da causa.

Nestes termos, afigura-se que a situação em análise, que já se encontra suficientemente desenvolvida pela jurisprudência do TJUE, não suscita nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar a jurisprudência do TJUE ao caso concreto

Deste modo, e pelo exposto, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial apresentado pela Requerida.

29. A Requerente afirma, no pedido de pronúncia arbitral, que prestou garantia bancária com o objetivo de suspender os processos executivos instaurados pela AT por não pagamento das liquidações em causa nos presentes autos e, por isso, solicita a respetiva indemnização (vd., n.º 14.13 supra).

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

 

Como já tivemos ocasião de referir (vd., n.º 19 supra) não ficou provado que a Requerente tenha prestado garantia bancária com o objetivo de suspender os alegados processos executivos, cuja instauração também não foi provada nos presentes autos.

Nestes termos, não tendo sido provada a prestação de qualquer garantia, improcede o pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevidamente prestada pela Requerente.

 

IV - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os atos de liquidação adicional de IVA com os n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao exercício de 2015, os respetivos atos de liquidação de juros compensatórios com os n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., bem como o despacho do Diretor Adjunto da Direção de Finanças do Porto, de 27-05-2019, proferido ao abrigo de subdelegação de competências, que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2019..., com as devidas consequências legais;

b)           Julgar improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

V – VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €156.483,47 (cento e cinquenta e seis mil quatrocentos e oitenta e três euros e quarenta e sete cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI - CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos referidos no n.º 3.6. supra, uma vez que o pedido foi considerado procedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 23 abril de 2020

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Paulo Lourenço

 

O Árbitro vogal

Olívio Mota Amador