Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 543/2020-T
Data da decisão: 2021-07-06  Selo  
Valor do pedido: € 16.158,25
Tema: Imposto do Selo – Isenção –Sociedade Gestora de Participações Sociais
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SUMÁRIO

 

Nos termos da legislação da União Europeia, uma sociedade gestora de participações sociais era, até à data da produção de efeitos do Regulamento (UE) 2019/876, do Parlamento Europeu e do Conselho - 27.06.2019, qualificada como instituição financeira, sendo essa qualificação relevante para efeito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I. Relatório

 

1. A...– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. NIPC..., com sede em ..., ..., ...-..., ..., ..., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 15-10-2020, tem como objeto imediato a declaração de ilegalidade do indeferimento expresso de reclamação graciosa e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação de atos tributários de liquidação de Imposto do Selo efetuados pelo B... e repercutidas à Requerente, nos termos dos artigos 2.º, n.º1 e 23.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo e Verbas 10 e 17, da respetiva Tabela Geral, no montante global de € 16 158,25.

 

3. A Requerente pede também a devolução da importância acima referida, que considera indevidamente cobrada.

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta a Requerente, em síntese, que os atos tributários impugnados são ilegais por erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que se fundamentam, porquanto as operações sobre que incidiu a tributação, sujeitas embora a imposto do selo, beneficiam de isenção ao abrigo do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

 

5. Em resposta ao que é pedido, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado, por impugnação, no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, que as liquidações controvertidas consubstanciam uma correta aplicação do direito aos factos devendo, como tal, manterem-se na ordem jurídica.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 13-01.2021.

 

 

11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando o disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição arbitral por remissão expressa do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, decidiu, por despacho de 27-06-2021, dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a junção de alegações, por desnecessárias.

 

12. Pelo mesmo despacho foi indicado o dia 19-07-2021 como data limite para prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

13. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

14. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art. 4.º e n.º 2 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

15. Não se suscitam quaisquer questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

III. Matéria de facto

 

16. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

16.1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30/12 (cf. Doc.2).

 

16.2. De acordo com os seus estatutos, tem como objeto “a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas.”(Cf. Doc.3)

 

16.3. No quadro da sua atividade e na prossecução do seu objeto social, tem vindo a recorrer a financiamentos junto de uma instituição de crédito – Banco B...” – com a qual contratou a prestação de garantias bancárias bem como outros serviços financeiros.

 

16.4. No âmbito dos referidos contratos de financiamento, aquela instituição de crédito, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, liquidou e entregou nos cofres do Estado Imposto do Selo considerado devido nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 23.º. n.º 1, do Código do Imposto do Selo e Verbas 10 e 17 da respetiva Tabela.

 

 

16.5. Assim, com referência a essas operações, compreendidas entre janeiro e dezembro de 2018, a Requerente suportou o imposto do selo, que lhe foi repercutido pela referida instituição de crédito, nos seguintes montantes:

 

 

16.6. Todavia, considerando que as liquidações em causa não se encontram conformes com a legislação aplicável, porquanto, em seu entender, beneficiam da isenção consagrada no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, a Requerente deduziu tempestiva reclamação graciosa, autuada sob o número ...2020..., da Direção de Finanças de Lisboa.

 

16.7. Como fundamento do pedido de anulação das liquidações em causa e restituição do imposto pago, a Requerente alega, em síntese, encontrar-se abrangida pela referida isenção, porquanto:

a) A definição de “instituição financeira” prevista na legislação comunitária abrange uma empresa cuja atividade principal é a aquisição de participações;

b) As SGPS, tal como definidas em Portugal no âmbito do DL 495/88, têm por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas, enquadrando-se na noção de instituição que tem como atividade principal a aquisição de participações.

 

16.8. Por despacho de 22-07-2020 do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, no uso de subdelegação de competência, foi indeferida a reclamação com base na fundamentação constante de informação técnica, de que se destaca:

“ (...) a al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, consagra que estão isentos de imposto de selo “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”.

4. Contudo, esta isenção “apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea” (artigo 7.º, n.º 7 do CIS, aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30/03, tendo sido atribuído a esta norma carácter interpretativo).

5. Assim, daquela norma resulta que a sua aplicação depende da qualificação jurídica efetuada pela legislação comunitária ao titular do encargo do imposto.

6. Contudo, da conjugação do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2013/36 com o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 não se extrai da definição de “instituição financeira” nele contida que as SGPS integrem o conceito fornecido pela legislação comunitária.

7. Assim, a Reclamante não poderá ser considerada uma entidade financeira “lato sensu”, dado que não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou nos serviços financeiros, pelo que para o exercício da sua atividade não está, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu.

8. A Reclamante é uma SGPS, com o Código de Atividades Económicas (CAE), Rev. 3, n.º 64202, respeitante a atividades das sociedades gestoras das participações sociais não financeiras, não praticando qualquer atividade estritamente relacionada com o mercado bancário e mercado de serviços financeiros, porque lhe está vedada.

9. Se fosse entendido que uma SGPS, através do seu objeto social, configurasse por si só uma “instituição financeira”, nos termos e para os efeitos de aplicabilidade da isenção consagrada na norma prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, mais do que fazer uma interpretação extensiva das normas, seria uma interpretação analógica das normas que consagram benefícios fiscais, violando os mais elementares preceitos legais e constitucionais que estabelecem a sua proibição (art. 10.º EBF).

10. Pelo exposto, conclui-se que a Reclamante, enquanto SGPS, não se qualificando, face à legislação comunitária, como “instituição financeira”, não preenche o pressuposto subjetivo de isenção previsto na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, ficando, consequentemente, prejudicada a análise dos restantes pressupostos da norma.

11. Do que antecede, é nosso parecer que não existe qualquer ilegalidade nos atos de liquidação de Imposto de Selo aqui contestados, pelo que a pretensão da Reclamante não possui qualquer fundamento, propondo-se o indeferimento do pedido.”

 

16.9. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente em 23-07-2020.

 

17. Os factos provados baseiam-se nos elementos constantes dos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito

 

18. A questão essencial de direito que se coloca no presente processo consiste em saber se a isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do respetivo Código, é aplicável às operações no mesmo referidas quando, sendo realizadas por uma instituição de crédito, tenham como destinatárias sociedades gestoras de participações sociais. Por outras palavras, a questão que se coloca consiste em saber se, de acordo com a legislação da União Europeia, tais sociedades de qualificam como “instituições financeiras”.

 

19. Segundo a Requerente, as operações a que se referem as liquidações impugnadas resultaram da prestação de “garantia das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma (Verba 10, da TGIS), de utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título (Verba 17.1 da TGIS) e de outras operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outros entidades a ela legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, tais como juros, prémios e juros, comissões por garantias prestadas, outras concessões e contraprestações por serviços financeiros.

 

20. A isenção em causa, constante da norma acima citada, na redação vigente à data dos factos, abrange, pois, os juros cobrados, as comissões cobradas, a utilização de crédito e as garantias prestadas nos seguintes termos: “ 1 - São também isentos do imposto: (...) e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

 

21. Adianta a Requerente que nenhuma dúvida também existe, nem tal é suscitado pela AT na fundamentação do indeferimento da reclamação, que o outro requisito da isenção se encontra preenchido, já que os juros e as comissões, bem como as garantias e a utilização de crédito, foram concedidas por “instituições de crédito”.

 

22. Assim, a questão que resta, e que se encontra na base do indeferimento da reclamação, é apenas a de saber se a entidade a quem foram concedidos créditos, prestadas garantias, cobrados juros e comissões é uma sociedade ou entidade cuja forma e objeto preenche os tipos de instituição de crédito, sociedade financeira ou instituição financeira, previstos na legislação comunitária.

 

23. Segundo a Requerente, a resposta a esta questão é afirmativa, sustentando este entendimento com base na seguinte fundamentação: “26. Em face da expressa remissão feita pelo legislador português para a legislação comunitária sobre o conceito de instituição financeira é, naturalmente, dessa legislação comunitária que nos temos de socorrer.

27. A Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 2013/36/EU – adiante Directiva 2013/36 – de 26/6/2013, directiva que disciplina o acesso à actividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, em sede específica de “Definições”, remete (art.3.º, ponto 22) para a definição de instituição financeira constante do Regulamento (UE) n-º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (adiante, “Regulamento 575/2013”) de 26/6/2013, prevista no art.4.º, n.º 1, ponto 26.

28. E como é que a instituição financeira é definida nesse ar.4.º do Regulamento 575/2013? Do seguinte modo:

- instituição financeira é uma empresa que não seja uma instituição, cuja actividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no Anexo I, ponto 2 a 12 e 15 da Directiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, ma acepção da Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa ao serviço de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de activos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no sector dos seguros  as sociedades gestoras de particiapações de seguros mistas na acepção do artigo 212.º, n.º 1, pontos f) e g), respectivamente, da Directiva 2009/138/CE – nosso sublinhado.

29. Está, pois, em causa, saber se a ora Requerente é uma empresa “cuja actividade principal é a aquisição de participações”, pois é este o conceito de instituição financeira estabelecido na legislação comunitária.

30. Repare-se que não há mais qualquer limitação ou restrição – para além das sociedades gestoras de participações no sector dos seguros ou das sociedades gestoras de participações de seguros mistas, que estão expressamente excluídas do conceito – quanto à fixação do conceito de instituição financeira.

31. Tudo está, portanto, em saber se a Requerente tem como actividade principal a aquisição de participações.

32. Decorre do regime legal das SGPS, que estas têm como único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, o que, naturalmente, implica, entre outras operações, a aquisição de participações sociais, a alienação de participações sociais, a eventual prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades em que detém participações, como decorre do regime jurídico das SGPS.

33. É, assim, evidente que a Requerente, enquanto SGPS, tem como “actividade principal (...) a aquisição de participações sociais” (art. 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento 575/2013).

34. Quer dizer: estão preenchidos todos os pressupostos da isenção estabelecida no art.7.º, n.º 1, e), do CIS.”

 

24. Na sua respostas, a AT refuta o entendimento a Requerente, alegando, no essencial, que: “(...) contrariamente ao alegado pela Requerente, consideramos que da conjugação do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2013/36 com o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, na redação à data dos factos (1), que por uma questão de clareza de seguida de transcreve: “26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007,relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE;”

17. Não se extrai da definição de “instituição financeira” nele contida que as SGPS integrem o conceito fornecido pela legislação comunitária.

18. Com efeito, não é pelo facto de o legislador comunitário ter delimitado negativamente a definição de “instituição financeira”, dela excluindo expressamente as empresas que não sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”, que se pode concluir que, desta definição, conjugada com RJSGPS, as SGPS cabem no conceito de “instituição financeira” previsto no Regulamento n.º 575/2013. 19. Acolher sem sentido critico que uma definição por si só é suficiente para determinar o que é ou não é, pode ou não pode ser, uma “instituição financeira”, é o mesmo que dizer que todos os restantes aspetos da regulamentação comunitária (e nacional) que enquadra o funcionamento do sistema financeiro, nomeadamente regras e condições para o exercício da atividade financeira, são “letra morta”, não devendo ser levados em conta pelo destinatário ou intérprete. 20. Razão pela qual se rejeita liminarmente a tese da Requerente de que “o que releva é isto: a norma de isenção de I. do Selo (art.º 7.º, n.º 1, e) do CIS, remete, sem mais, para a legislação comunitária, a definição das “entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituição de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras” e a legislação comunitária à data dos factos, definia, sem mais, as instituições financeiras como empresas “cuja atividade principal é a aquisição de participações” , pelo que a conclusão só pode ser a da aplicação da norma de isenção em causa à ora impugnante. Ao invés do que decorre do indeferimento da reclamação, a legislação comunitária não define as instituições financeiras como aquelas que exercem “atividade bancária” ou atuam no “mercado bancário” ou “nos serviços financeiros”, como, além disso, a mesma legislação bancária não estabelece como pressuposto do conceito de “instituição financeira” o estar sujeito a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central.”

(...)

24. Sucede que, a Requerente não é uma entidade financeira, não faz parte nem exerce nenhuma atividade dentro do sistema financeiro, nem tão-pouco atua no mercado bancário ou dos serviços e produtos financeiros.

25. Na verdade, a Requerente é uma SGPS, cujo CAE 64202 do Código das Atividades Económicas, Rev.3, respeita a atividades das sociedades gestoras de participações sociais não financeiras, não praticando por isso, porque lhe vedada face ao quadro legal referido, qualquer atividade estritamente relacionada com o mercado bancário e de serviços financeiros.

26. Por esse facto, não está sujeita, como não podia deixar de ser, face ao exercício da sua atividade, ao específico e rigoroso quadro regulatório, sancionatório e de supervisão financeira, aplicável às entidades regulamentadas e autorizadas a funcionar dentro do sistema financeiro.

27. Aliás, pergunta-se, já que que a Requerente se arroga no direito de ser considerada uma instituição financeira, quais dos requisitos prudenciais gerais estabelecidos no artigo 1.º do Regulamento UE n.º 575/201, aplicáveis às instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2013/36/UE cumpria à data dos factos aqui sindicados? Arriscamo-nos a responder nenhum, porque a tal não está, nem nunca esteve, obrigada.

28. Perante uma atividade tão fortemente regulada e fiscalizada, reservada, em exclusivo, a entidades que, e qualquer forma, estão condicionadas para o seu exercício a cumprir exigentes condições de acesso e supervisão, impostas pelas autoridades de supervisão competentes com responsabilidades no sistema financeiro em geral, e bancário em particular, forçoso é concluir que a Requerente não pode ser enquadrada no conceito de “instituição financeira” presente na legislação, quer comunitária, quer nacional.

29. De onde, a isenção prevista alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, é-lhe inaplicável por não preenchimento do pressuposto subjetivo de que depende a operacionalidade do benefício.”

 

25. Equacionadas, nas suas linhas essenciais, as posições das Partes, importa, antes de mais, uma ainda que breve incursão pela legislação relevante.

 

26. Na redação conferida pela Lei n.º 107-B/2003, de 30/09, dispõe o artigo 7.º, n.º, alínea e), do Código do Imposto do Selo, que “1 - São também isentos do imposto: (...) e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.”

 

27. Sobre o âmbito de aplicação desta isenção, a Lei n.º 7-A/2016, de 30/03, aditou àquele artigo 7.º, com natureza interpretativa, um n.º 7, com a seguinte redação: “7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

 

28. A isenção em causa comtempla, assim, os seguintes requisitos:

- um, de natureza objetiva, incidente sobre os juros e comissões cobradas pela concessão e utilização do crédito concedido, bem como pelas garantias prestadas e operações financeiras diretamente destinadas à concessão do crédito;

- outro, de natureza subjetiva, respeitante quer às entidades financeiras (instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras) que cobram os juros e comissões, recebem as garantias e concedem crédito, quer às entidades destinatárias do crédito concedido, nestas se compreendendo as

sociedades de capital de risco, bem como as sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

 

29. A estes requisitos acresce um outro: as entidades intervenientes nas operações devem estar domiciliadas nos Estados-Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, conforme definidos por Portaria do Ministro das Finanças.

 

30. No âmbito subjetivo da isenção incluem-se, conforme expressamente decorre da norma que a consagra, as “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”.

 

31. A remissão para o direito da União Europeia implica, conforme de resto entendem ambas as Partes, que se tome como referência, essencialmente, a Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26-06-2013,relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que, por sua vez, em matéria de definições, remete para o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26-06-2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento.

 

32. De acordo com o artigo 3.º, n.º1, ponto 22, daquela Diretiva, para os efeitos na mesma previstos, é qualificada como instituição financeira “uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013".

 

33. Por seu lado, o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do citado Regulamento, na sua redação inicial, define como “Instituição financeira”: uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno (1), e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.o, n.o1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE;

 

34. A questão de saber se, no quadro legal acima referido, se incluem ou não as SGPS tem sido objeto de decisões arbitrais contraditórias. Pela afirmativa pronunciam-se as decisões proferidas nos processos 911/2019-T, 3/2020-T, 110/2020-T, 836/2020-T, 110/2020. Entendimento diverso é o que se pode ler nas decisões proferidas nos processos 856/2019-T e 37/2020-T, que, em termos conclusivos, se pronunciam no sentido de se não poder extrair daquelas normas comunitárias, conjugadas com o regime jurídico das SGPS, que estas integrem o conceito de “instituição financeira”.

 

35. Acompanhando-se o sentido das posições maioritariamente assumidas na jurisprudência arbitral no sentido da qualificação, para efeitos da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea c), do CIS, das SGPS como “instituições financeiras”, salienta-se a decisão proferida no processo 911/2019-T de que, com a devida vénia, se transcreve: “(...) para efeitos da aplicação da isenção do imposto de selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto de selo.

Segundo o disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), estas sociedades, conforme o seu artigo 1.º, "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas" (n.º 1), sendo que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (n.º 2).

Os contratos pelos quais se constituem as SGPS devem mencionar expressamente como objeto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (artigo 2.º, n.º 2), sendo permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação (artigo 4.º, n.º 1).

Tratando-se de sociedades que têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, não oferece dúvidas que as sociedades gestoras de participações sociais se enquadram no conceito de "instituição financeira", tal como se encontra definido no direito europeu, e, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

 

36. Sendo esta conclusão válida relativamente a situações ocorridas na vigência do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) 5757/2013, na sua redação inicial, já o não será a partir da data de produção de efeitos da nova redação que lhe foi dada pelo Regulamento (UE) 2019/876, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20-05-2019.

 

37. Com efeito, aquele preceito foi alterado pelo citado Regulamento, sendo-lhe conferida a seguinte redação: “26) Instituição financeira”: uma empresa que não seja uma instituição nem uma sociedade gestora de participações no setor puramente industrial, cuja atividade principal seja a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção do artigo 4.o, ponto 4), da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros mistas, na aceção do artigo 212.o, n.o 1, alíneas f) e g), respetivamente, da Diretiva 2009/138/CE;

 

38. De acordo com a norma acima transcrita, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial deixaram de ser qualificadas como “instituições financeiras”.

 

39. Salienta-se que, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea b), do Regulamento (UE) 2019/876, esta nova definição é aplicável a partir 27-06-2019, não sendo atribuída natureza interpretativa à alteração introduzida.

 

40. Do exposto, pode-se concluir que, sendo a Requerente uma SGPS, como tal regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30/12, domiciliada em território português era, à data da ocorrência dos factos tributários a que se reportam as liquidações impugnadas – 2018 - qualificada como “instituição financeira”.

 

41. Consequentemente, as operações financeiras em causa, preenchendo os respetivos requisitos objetivos e subjetivos, estão abrangidas pela isenção prevista no artigo 7´º, n.º 1, alínea e), do CIS, pelo que, sendo ilegais, devem as liquidações impugnadas ser objeto de anulação.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

42. A par da anulação dos atos de liquidação e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

43. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

44. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

45. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.

 

46. Julgando-se, assim, a ilegalidade das liquidações impugnadas, reconhece-se à Requerente o direito aos juros indemnizatórios. Todavia, estando em causa, atos de retenção na fonte, de que, em princípio, está afastada a existência de erro imputável aos serviços da administração fiscal por se tratar de liquidações efetuados por substituto, o erro passa a ser imputável à AT na sequência de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra essas liquidações.

 

47. No presente caso, tendo a Requerente deduzido reclamação graciosa contra as liquidações ora impugnadas e sendo a mesma objeto de indeferimento por despacho de 27-02-2020, são-lhe devidos juros contados a partir desta data e até ao momento do efetivo reembolso das importâncias indevidamente cobradas (Cfr. LGT, art. 43.º, n.º 1, e CPPT, art. 61.º).

 

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral e, assim, determinar a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa bem como a anulação das liquidações impugnadas, com a consequente devolução das importâncias indevidamente cobradas, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 16 158,25, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 224,00, a cargo do Requerida.

 

Lisboa, 6 de julho de 2021,

O árbitro, Álvaro Caneira