Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 542/2020-T
Data da decisão: 2021-07-14  IRC  
Valor do pedido: € 29.275,55
Tema: IRC – Imposto de Selo – Financiamentos – Instituição financeira – Sociedade Gestora de Participações Sociais.
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O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

A.

1.            No dia 15 de outubro de 2020, a A...– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., com o número de identificação fiscal ..., com sede em ..., ..., ...-... ..., ... (Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), pedindo que sejam anulados os indeferimentos dos pedidos de revisão oficiosa nº ...2020... e nº ...2020..., que mantiveram na ordem jurídica as liquidações de imposto de selo incidentes sobre financiamentos contratados junto do B..., nos anos de 2016 e 2017, respetivamente, nos montantes de 11.589,33 € e de 17.686,22 €, e consequente reembolso.

2.            No dia 16 de outubro de 2020 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerente e à AT.

3.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.            Em 10 de dezembro de 2020 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

5.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 13 de janeiro de 2021.

6.            No dia 26 de abril de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

7.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas.

8.            Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 30 de julho de 2021.

 

B. Posição das partes

 

                Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que, é uma sociedade cuja atividade é a gestão de participações sociais, tendo por objeto “a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas”. Em 2016 e em 2017, para realizar a sua atividade e na prossecução do seu objeto social, a Requerente recorreu a financiamentos bem como contratou a prestação de garantias bancárias e ainda outros serviços financeiros junto do B..., tendo esta liquidado IS à Requerente, respetivamente, € 11.589,33 e € 17.686,22, ao abrigo dos arts. 2.º, 1, e 23.º,  1, do Código do Imposto do Selo (CIS) e das verbas 10 e 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

                Ora, as operações referidas estão isentas de IS, face ao disposto no art. 7.º, 1, e), CIS, pois, a Requerente é uma sociedade ou entidade cuja forma e objeto preenche os tipos de instituição de crédito, sociedade financeira ou instituição financeira previstos na legislação comunitária, considerando o art. 3.º, ponto 22, da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho 2013/36/UE — adiante, “Diretiva 2013/36” — de 26-06-2013, que remete, por sua vez, para o art. 4.º, 1, ponto 26, do Regulamento (UE) nº 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (adiante, “Regulamento 575/2013”), de 26-06-2013.

                Com efeito, a ora Requerente é uma instituição financeira, porque a sua "actividade principal é a aquisição de participações”, sendo este o conceito de instituição financeira estabelecido na legislação comunitária. Efetivamente, decorre do regime legal das SGPS, que estas têm como único objeto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, o que, naturalmente, implica, entre outras operações, a aquisição de participações sociais, a alienação de participações sociais, a eventual prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades em que detém participações, como decorre do regime jurídico das SGPS. Assim, é evidente, que a Requerente, enquanto SGPS, tem como “atividade principal (…) a aquisição de participações sociais” (art. 4.º, 1, ponto 26, do Regulamento 575/2013). Logo, encontram-se preenchidos todos os pressupostos da isenção estabelecida no art. 7.º, 1, e), do CIS.

                Consequentemente, a AT incorreu em vício de violação de lei ao admitir as liquidações do IS aqui em causa, por violação da norma de isenção consagrada no art. 7.º, 1, e), CIS.

                Por sua vez, a AT defende-se por impugnação, alegando que a Reclamante não poderá ser considerada uma entidade financeira “lato sensu”, dado que não exerce qualquer atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou nos serviços financeiros, pelo que para o exercício da sua atividade não está, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu, não preenchendo o pressuposto subjetivo de isenção previsto na al. e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS.

Assim, pugna pela legalidade das liquidações já identificadas.

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

III FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

A) A. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), com o Código de Atividades Económicas (CAE) n.º 64202, desde 02/01/2008, com sede em Portugal.

B) A Requerente tem por objeto social "a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas".

C) No exercício da sua atividade social a Requerente celebrou a 31/01/2001 com o B... (o Banco) contrato de abertura de crédito (“Contrato...”), tendo o crédito sido utilizado quer na modalidade de conta corrente caucionada, quer na modalidade de descoberto bancário, tendo a partir de 2012 sido utilizado integralmente como “conta corrente caucionada”.

D) Na sequência do ponto anterior, nos períodos compreendidos entre janeiro e dezembro de 2016 e entre janeiro e dezembro de 2017 a Requerente recorreu a financiamento bancário.

E) A Requerente suportou IS que o Banco liquidou e entregou ao Estado no montante de € 11.589,33, referente a 2016, a que corresponderam os seguintes documentos:

 

 

 

F) A Requerente suportou IS que o Banco liquidou e entregou ao Estado no montante de € 17.686,22, referente a 2017, a que corresponderam os seguintes documentos:

 

G) A instituição de crédito repercutiu o IS liquidado na esfera jurídica da Requerente, enquanto entidade mutuária, que suportou integralmente o imposto.

H) A Requerente apresentou pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários identificados junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, com os nº ...2020... e nº ...2020..., alegando a ilegalidade das referidas liquidações.

I) A AT, pelos despachos com datas de 16-07-2020 e de 21-07-2020, veio indeferir os pedidos apresentados.

 

A.2. Factos dados como não provados

                Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

                Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

                Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

                Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, 7, do CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

                Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DE DIREITO

                B.1 - Do mérito

                A questão em apreciação consiste em saber se a Requerente, enquanto SGPS, deve ou não deve ser qualificada como 'instituição financeira' para os efeitos de ficar abrangida pelo regime de isenção de IS nos termos do art. 7.º, 1, e), CIS, com relação a contratos de financiamento que celebrou com o B... .

                Como resulta dos autos, as liquidações em crise fundamentam-se na aplicação da Verba 10 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) (Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor e o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente - sobre o respectivo valor, em função do prazo, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo do contrato), da Verba 17.1 (Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato) e ainda de outras operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a ela legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, tais como “juros”, “prémios e juros”, “comissões por garantias prestadas”, “outras concessões e contraprestações por serviços financeiros” (verba 17.3).

                Determina o art. 7.º, 1, e), CIS, que "São também isentos do imposto (...) os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças".

                Este preceito visa isentar as operações financeiras stricto senso realizadas no decurso da atividade bancária e de intermediação financeira pelas instituições de crédito e sociedades financeiras (mutuantes) a favor de, entre outras entidades, instituições financeiras (mutuárias).

                Portanto, estamos perante isenções subjetivas, isto é, a isenção considera a natureza do sujeito que faculta o crédito e a natureza do sujeito que beneficia do crédito — uma 'instituição financeira'.

                Ora, na perspetiva da Requerente, uma SGPS deve ser qualificada, para os efeitos do citado artigo, face ao direito da União Europeia, como uma instituição financeira, in casu, com a qualidade de mutuária.

                Alega, desde logo, o art. 4.º, 1, ponto 26, do “Regulamento 575/2013, ex vi, art. 3.º, ponto 22, da Directiva 2013/36, que define instituição financeira como “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações (...)". A Requerente, sendo uma SGPS, tem como atividade principal a aquisição de participações sociais, desde logo, porque isso mesmo decorre do regime legal destas entidades. Depois, para o direito comunitário, na Proposta da Diretiva tendo em vista a cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras (COM(2013) 71 final, 14/2/2013) define-se instituição financeira como empresa “que desenvolva uma ou mais das seguintes actividades (…), iii) aquisição de participações em empresas (…)”. Além disso, porque a legislação que alterou o Regulamento 575/2013 (Regulamento (UE) 2019/876 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2019), deixou, por força dessas alterações, de considerar instituição financeira “uma sociedade gestora de participações no sector puramente industrial” (ponto 26 do art. 4.º). Ora, essa alteração só reforça o entendimento anterior.

                Na perspetiva da AT, como vimos, essa qualificação não pode ocorrer, desde logo porque "só nos casos em que o exercício dessa atividade tem conexão com a atividade bancária ou mercados financeiros, como é o caso das sociedades gestoras de participações sociais cujas participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras, é que ficam sujeitas a autorização ou supervisão do Banco de Portugal.". E só neste particular caso o regime de isenção que está sob escrutínio se aplica.

                Vejamos.

                A questão sub iudice é interpretativa. Imposta esclarecer o que se deve entender como "instituições financeiras previstos na legislação comunitária", tal como resulta do art. 7.º, 1, e), CIS.

                Determina o art. 11.º, 1, LGT, que "Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.".

                Por sua vez, o n.º 2, idem, prescreve que "Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.”

                O art. 9.º, 1, CCiv., dá-nos as linhas orientadoras: "A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.".

                Ora, o citado art 7.º, 1, e), remete-nos indubitavelmente para o direito comunitário (recordemos, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária).

                O acórdão 911/2019-T, CAAD, de Carlos Fernandes Cadilha, Luís Menezes Leitão e Rui Ferreira Rodrigues, trata situação exatamente idêntica. Dada a sua importância, importa transcrevê-lo.

                "À data da entrada em vigor da nova redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, o dispositivo aplicável era o do artigo 1.º, n.º 5, da Diretiva 2000/12/CE, que caracterizava como uma instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja atividade principal consista em tomar participações ou exercer uma ou mais atividades referidas nos pontos 2 a 12 da lista do anexo”.

 Essa Diretiva foi entretanto substituída pela Diretiva 2006/48/CE, por sua vez revogada pela Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que, juntamente com o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, constitui o atual enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade das instituições de crédito e que estabelece o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.

 A Diretiva 2013/36/EU, no seu artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), declara como sendo uma instituição financeira, para efeitos da diretiva, “uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.

 Por sua vez, o Regulamento (UE) n.º 575/2013 — para que é efetuada a remissão —, no seu artigo 4.º, sob a epígrafe “Definições”, e na parte que mais interessa considerar, prescreve o seguinte:

 Artigo 4.º

Definições

1.            Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

(...)

1) “Instituição de crédito”: uma empresa cuja atividade consiste em aceitar do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria;

3) "Instituição": uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento;

(...)

26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.

 A Diretiva 2013/2013/EU foi transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º  157/2014, de 24 de outubro, que, para esse efeito, procede à alteração do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

 Uma das disposições aditadas por esse diploma é do artigo 2.º-A, que sob a epígrafe “Definições”, na parte relevante, é do seguinte teor:

 Para efeitos do disposto presente Regime Geral, entende-se por:

(…)

z) «Instituições financeiras», com exceção das instituições de crédito e das empresas de investimento:

 i) As sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas;

 ii) As sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013;

 iii) As instituições de pagamento;

(…).

 Este preceito correlaciona-se com o artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, sob a epígrafe “Sociedades Gestoras de Participações Sociais, dispõe o seguinte:

 1 - Ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras.

2 - O Banco de Portugal pode ainda sujeitar à sua supervisão as sociedades gestoras de participações sociais que, não estando incluídas na previsão do número anterior, detenham participação qualificada em instituição de crédito ou em sociedade financeira.

3 - Excetuam-se da aplicação do número anterior as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal.

4 – O disposto nos artigos 30.º a 32.º, com as necessárias adaptações, 42.º-A, 43.º-A e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 115.º é aplicável às sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.

Efetuando o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo uma remissão para as “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”, quando se refere a entidades beneficiárias da concessão do crédito,  parece claro que o preceito pretende remeter para as disposições de direito europeu aplicáveis, e,  na atualidade, no que se refere às instituições financeiras, essas disposições são  — como se viu — a do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU e, por via de remissão,  a do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 No preceito para que se efetua a remissão, o Regulamento define como "instituição financeira" uma empresa que não seja uma instituição [de crédito], cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.

Torna-se assim evidente que a remissão da norma que estabelece a isenção de imposto de selo é feita para o direito europeu e, especificamente, para sobreditas disposições da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, havendo de reconhecer-se, neste contexto normativo, que uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas atividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal atividade é a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

Certo é que na transposição da Diretiva 2013/36/EU para o direito interno, o legislador nacional adotou um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, caracterizando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.

No entanto, para efeitos da aplicação da isenção do imposto de selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto de selo.

Segundo o disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), estas sociedades, conforme o seu artigo 1.º, “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas” (n.º 1), sendo que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (n.º 2).

Os contratos pelos quais se constituem as SGPS devem mencionar expressamente como objeto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (artigo 2.º, n.º 2), sendo permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação (artigo 4.º, n.º 1).

Tratando-se de sociedades que têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, não oferece dúvidas que as sociedades gestoras de participações sociais se enquadram no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito europeu, e, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo."

                Em sentido contrário, foi decidido por intermédio do acórdão 856/2019-T, CAAD, (Fernanda Maçãs, Nuno Cunha Rodrigues, Arlindo José Francisco), que uma SGPS não tem de se encontrar abrangida pela isenção do art. 7.º, n.º 1, e), CIS, quando as participações por esta detidas, direta ou indiretamente, não lhes confere a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras. Se, pelo contrário, essa maioria ocorre, passarão a estar submetidas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e, nesse caso, já poderão ser qualificadas como 'instituições financeiras'.

                Entendemos que a posição assumida no acórdão primeiramente citado é aquele que se aproxima da melhor interpretação, e isto por uma razão muito simples, conforme já mencionámos: é que o art 7.º, 1, e), remete-nos para o direito da União Europeia ("instituições financeiras previstos na legislação comunitária").

                Portanto, aderimos na integra à posição manifestada pelo acórdão 911/2019-T. Também nós entendemos que, remetendo o art. 7.º, n.º 1, e), CIS, expressamente para a legislação comunitária, é nesta que temos de procurar a melhor interpretação para o preceito em causa: o Regulamento define como "instituição financeira" uma empresa que não seja uma instituição (de crédito), cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do art. 212.º, 1, ponto g), da Diretiva 2009/138/C.

                Daqui se retira também que a definição constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, é relevante para outros efeitos da regulação das SGPS mas não para o o tema da isenção de IS que o art. 7.º considera.

                Como resulta assente dos pontos A) e B) da matéria de facto, a Requerente é uma SGPS, está sujeita ao regime do DL 495/88, de 30.12, entretanto alterado pelo DL 318/94, de 24.12, e pelo DL 378/98, de 27.11, e está domiciliada em Portugal. Consequentemente, subjetivamente encontra-se abrangida pelo art. 7.º, 1, e), do CIS, pois qualifica-se como instituição financeira nos termos definidos pela legislação comunitária na altura em vigor.

                Face ao exposto, apenas nos resta concluir pela ilegalidade da atuação da Requerida, julgando procedente o pedido arbitral.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Decidir pela anulação dos atos tributários de autoliquidação do imposto do selo, no montante de € 11.589,33, referente a 2016, e de € 17.686,22, referente a 2017, bem como dos despachos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa n.º ...2020... e n.º ...2020...;

b)           Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago pela Requerente;

c)            Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

D. Valor do processo

                Fixa-se o valor do processo em € 29.275,55, nos termos do artigo 97.º-A, 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

                Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, 4, RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de julho de 2021

 

O Árbitro Singular

(Ricardo Marques Candeias)