Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 541/2019-T
Data da decisão: 2020-12-21  IMI  
Valor do pedido: € 27.433,58
Tema: IMI - Isenção – Pessoa Colectiva Religiosa - Concordada entre a República Portuguesa e a Santa Sé de 2004 – IPSS – artº 44º do EBF – Juros indemnizatórios – Juros de mora.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:  

 

I.             Relatório

 

1.  A..., pessoa coletiva religiosa n.º...,  com sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou, em 14 de agosto de 2019, pedido de pronúncia arbitral visando a anulação parcial da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) relativa ao ano de 2018 (liquidação nº 2018...), fazendo referência às notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, no valor total de € 27.433,58 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

 

2. Pede, ainda, a Requerente o reembolso das importâncias indevidamente pagas a título de IMI no valor de € 27.433,58,00 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), a que se referem as notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 14 de agosto de 2019, e posteriormente notificado à AT.

 

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

5. Em 30 de setembro de 2019, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21 de outubro de 2019.

 

7. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, com a junção de documentos, na qual vem defender a improcedência dos pedidos, mas não remeteu o “processo administrativo”.

 

8. Por despacho de 17 de dezembro de 2020 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi determinado que, estando as questões suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, seriam desnecessárias alegações e, como tal, foi a sua produção dispensada.

 

9. Dada a situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, bem como a complexidade de algumas das questões a decidir, o Tribunal decidiu a prorrogação do prazo para a prolação da decisão arbitral, nos termos do artº 21º nº 2 do RJAT, embora aquando da prolação do primeiro despacho de prorrogação ainda faltasse quase um mês para o esgotamento do prazo de 6 meses previsto no artº 21º nº 1 do RJAT em virtude da suspensão de prazos desde 9 de março de 2020 até 2 de junho de 2020 (Despachos de 20 de junho de 2020, de 21 de agosto de 2020 e de 21 de outubro de 2020).

 

II. Saneamento

 

1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

3. O processo não enferma de nulidades.

 

4. O pedido é tempestivo.

 

5. O tribunal é competente.

 

III. Matéria de facto

 

1. Factos provados

 

Dão-se como provados os seguintes factos com potencial relevo para a decisão:

 

A)           A Requerente é, nos termos da Concordada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, uma pessoa jurídica religiosa, moral e canonicamente ereta, devidamente registada em Portugal.

 

B)           A Requerente encontra-se registada no Registo Nacional de Pessoas Colectivas desde, pelo menos, 9 de novembro de 1978 como pessoa colectiva religiosa (católica), com a Proveniência “Migração” - (cfr. doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

C)           A Requerente tem como objecto social as actividades religiosas e de ensino da religião católica; actividades de educação, ensino secundário, tecnológico, artístico e profissional (cfr. doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

D)           No ano de 2018, a Requerente era proprietária de diversos prédios urbanos situados em diversos municípios de Portugal, encontrando-se alguns isentos de IMI (cfr. 2 documentos correspondentes às notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., emitidos em nome da Requerente, relativas à primeira e à segunda prestações do IMI de 2018, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

E)            No ano de 2018, a Requerente era proprietária de um prédio urbano, sito na ..., ...-... Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, com a seguinte descrição, áreas e valor patrimonial tributário: tipo prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente; afectação Serviços; valor patrimonial tributário de € 8.161.275,00; área total do terreno: 18.001,35 m2; área de implantação do edifício: 3.383,32 m2; área bruta de construção: 13.917,28 m2; área bruta dependente: 5.342,38 m2; área bruta privativa: 8.574,90 m2 (cfr. documento n.º 4 junto pela AT com a Resposta e 2 documentos correspondentes às notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., emitidos em nome da Requerente, relativas à primeira e à segunda prestações do IMI de 2018, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

F)            O prédio urbano descrito em E), inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de..., estava isento de IMI pelo seguinte motivo: Concordata de 2004: Santa Sé, A Conf Episcopal Portuguesa, Dioceses; Início: 2015; Valor isento:  € 8.161.275,00 (cfr. documento n.º 4 junto pela AT com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

 

G)           Em 14 de fevereiro de 2018, a Requerente apresentou à AT uma Declaração modelo 1 do IMI para Inscrição ou Actualização de prédios urbanos na matriz relativa ao prédio urbano descrito em E), inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de..., com o motivo: 3 – Prédio Melhorado / Modificado / Reconstruído (cfr. documento n.º 3 junto pela AT com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido).

 

H)           Na sequência da apresentação pela Requerente da Declaração Modelo 1 do IMI para Inscrição ou Actualização de prédios urbanos na matriz relativa ao prédio urbano descrito em E), este prédio foi objecto de nova avaliação pela AT, tendo dado origem ao artigo provisório P..., que posteriormente passou a definitivo (cfr. documentos n.ºs 2, 3 e 5 junto pela AT com a Resposta, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

I)             Em 2018, a Requerente foi notificada do resultado da avaliação (cfr. documentos n.ºs 2 juntos pela AT com a Resposta, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

J)            O prédio urbano descrito em E), inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ... foi pela AT considerado desactivado a partir de 31 de Dezembro de 2018, tendo dado origem ao prédio U ... da freguesia de ... (cfr. documento n.º 4 junto pela AT com a Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

 

K)           No ano de 2018, a Requerente era proprietária de um prédio urbano, sito na ..., ...-... Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, com a seguinte descrição, áreas e valor patrimonial tributário: tipo “Outros”; afectação Serviços; valor patrimonial tributário de € 10.441.300,00; área total do terreno: 18.001,35 m2; área de implantação do edifício: 3.013,54 m2; área bruta de construção: 12.024,60 m2; área bruta dependente: 3.480,31 m2; área bruta privativa: 8.544,29 m2 (cfr. documento n.º 5 junto pela AT com a Resposta e 2 documentos correspondentes às notas de cobrança n.º 2018 ... e n.º 2018 ..., emitidos em nome da Requerente, relativas à primeira e à segunda prestações do IMI de 2018, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

L)            Em 2019, a Requerente foi notificada da liquidação de IMI n.º 2018 ..., tendo concretamente recebido a nota de cobrança n.º 2018 ... no valor de € 13.716,79 e a nota de cobrança n.º 2018 ... no valor de € 13.716,79, cujo prazos para pagamento voluntário terminaram em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, respectivamente (cfr. os 2 documentos correspondentes às notas de cobrança n.º 2018 ... e n.º 2018 ..., emitidos em nome da Requerente, relativas à primeira e à segunda prestações do IMI de 2018, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

M)          Em data não apurada, a Requerente pagou a quantia global de € 27.433,58,00 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), a que se referem as notas de cobrança n.º 2018 ... e n.º 2018 ...;

 

N)           Em 14 de agosto de 2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

Os factos provados acima elencados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e nos documentos juntos pela Requerida na Resposta, atrás identificados, cuja autenticidade não foi colocada em causa, bem como nas posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados.

 

Não se provou que a Requerida tenha revogado a isenção de IMI relativamente ao prédio urbano descrito em E) dos factos dados como provados e inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., que estava isento de IMI pelo motivo: Concordata de 2004: Santa Sé, A Conf Episcopal Portuguesa, Dioceses, - seja no momento anterior à apresentação da declaração modelo 1 do IMI, seja posteriormente quando a AT atribuiu um novo artigo provisório ao prédio (artigo ...º).

 

Com efeito, no seu pedido de pronúncia arbitral o requerente vem alegar que:

- “o artigo ... e artigo ..., ambos da freguesia de ..., correspondem à mesma descrição predial, constituindo este último uma duplicação do primeiro”;

- que “carece portanto o artigo ... de qualquer fundamento legal para a sua existência, devendo ser por isso eliminado, “a liquidação a que correspondem os documentos de cobrança 2018 ... e n.º 2018 ..., deve ser corrigida, eliminando-se a colecta correspondente ao artigo ...”;

- que” não consegue perceber, mas apenas intuir, qual foi a lei aplicável e quais terão sido os fundamentos pelos quais a AT vem entender que o prédio em causa deve ser tributado em sede de IMI”;

- que “mantem-se todos os pressupostos legais previstos para a manutenção da isenção da requerente em sede de IMI”.

 

Já na sua Resposta, a Requerida vem alegar:

- que “o actual artigo ...º da matriz predial urbana da freguesia de ... teve origem no artigo ...º, actualmente extinto”;

- “que da identificada Declaração mod. 1 (Doc. nº3) resulta que o artigo ...º da matriz predial urbana da freguesia de ...e deu origem ao actual artigo ...º da mesma freguesia, razão por que não tem fundamento a pretendida eliminação da matriz”;

- que tal “consta da “Certidão de Teor do Prédio Urbano Desactivado” do artigo ...º da freguesia de ..., que se junta como Doc nº 4, bem como, da Caderneta Predial Urbana do artigo ...º da mesma freguesia de ..., que se junta como Doc. nº5.”;

- “que o IMI a ser liquidado apenas poderá incidir sobre o artigo ...º, uma vez que o prédio que lhe deu origem encontra-se extinto, não existindo qualquer possibilidade de “se tributar duas vezes o mesmo bem.”;

 

Mas nada é alegado pela Requerida sobre a isenção de IMI que beneficiava o prédio urbano anteriormente inscrito sob o no artigo ... e que deu origem ao artigo ...º, ou qualquer justificação ou fundamentação para o novo artigo não continuar a beneficiar da isenção.

 

Não se provou que o prédio urbano descrito em E) dos factos dados como provados e inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., que foi pela AT considerado desactivado a partir de 31 de dezembro de 2018 e deu origem ao artigo ...º da freguesia de ..., tenha passado a estar afecto a fins diversos dos fins a que estava afecto até à data da sua desactivação na matriz ou a partir da data em que deu origem ao artigo ...º.

 

Com efeito, da análise dos documentos juntos pela AT com a sua Resposta, designadamente as cadernetas prediais dos prédios e os documentos relativos à nova avaliação, resulta claro que o prédio é o mesmo, manteve a sua afectação a serviços, a área total do terreno é a mesma, tendo havido apenas ajustes, em regra para menos, na área bruta de construção e na área bruta privativa. E a alteração do valor patrimonial tributária resultou da nova fórmula de cálculo do prédio também como “outros”, com unidades independentes, referindo-se expressamente como justificativo a existência de uma igreja e de um centro de apoio à juventude, e a serviços como um colégio (que já existia desde 1955) e uma residência universitária (que já existia desde 1971).

 

Não se provou que, no ano de 2018, os restantes prédios urbanos propriedade da Requerente e incluídos na liquidação de IMI em crise e que na mesma não constam como “isentos”, sejam lugares de culto ou outros prédios diretamente destinados à realização de fins religiosos, ou sejam instalações de apoio directo e excluisivo às actividades com fins religiosos, ou afectos exclusivamente a fins religiosos de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos, ou sejam seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação eclesiástica ou ao ensino da religião católica, ou sejam dependências ou anexos dos prédios acima referidos a uso de instituições particulares de solidariedade social, ou sejam jardins e logradouros dos prédios descritos atrás referidos, que não estejam destinados a fins lucrativos, ou sejam prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins.

 

Dúvidas não existem de que a liquidação de IMI de 2018, como se pode comprovar pelas notas de cobrança juntas pela Requerente, incluem além dos prédios correspondentes aos artigos ...º e ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, outros prédios da Requerente situados em território português e não isentos de IMI no ano em questão.

 

No artigo 4º do seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente limita-se a alegar que “Nos termos dos respetivos estatutos a Requerente é uma Congregação Missionária que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos.”

 

E, mais adiante (vide artºs 18º, 19º, 20º e 21º do PPA), a Requerente alega:

-  que “possui um elevado número de obras de natureza social em todo o país, que visam actuar em vários sectores carenciados da sociedade trabalhando designadamente nas seguintes áreas:

Setúbal – paróquia de ..., na qual existe um Centro Social Paroquial com apoio a idosos e crianças e as X..., com cerca de 350 utentes e 20 trabalhadores voluntários.

Lisboa –..., o qual não é uma mera residência universitária, mas de apoio logístico à formação e acompanhamento de 160 alunos do ensino superior, provenientes de pontos afastados de Lisboa, bem como das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo dos PALOP; nos seus espaços desenvolvem-se ainda acções de apoio a associações de emigrantes, apoio aos sem-abrigo e mais necessitados da cidade de Lisboa em saídas semanais e entrega de alimentos, roupa, calçado e material de higiene, a cerca de 120 pessoas; desenvolve ainda actividades culturais variadas.

Porto – ..., que acolhe 130 crianças em risco e apoia familías carenciadas e famílias de acolhimento Colégio...– frequentado por cerca de 1.500 alunos com ensino totalmente gratuito. “

 

Porém, não foram carreados para os autos quaisquer documentos ou requeridos outros meios de prova que permitam ao Tribunal identificar quais são os prédios da Requerente que constam da liquidação de IMI em crise e que não estavam isentos de IMI no ano de 2018, e aferir os fins a que os mesmos estavam destinados ou afectos. 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou o “processo administrativo” e não questiona o que é afirmado pela Requerente sobre o pagamento das notas de cobrança do IMI emitidas em nome da Requerente e juntas com o pedido de pronúncia arbitral, pelo que se considera assente que foi paga a quantia total de € 27.433,58 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos).

 

 A Autoridade Tributária e Aduaneira também não questiona o que é afirmado pela Requerente sobre os fins a que se destina o prédio prédio urbano descrito em E) dos factos dados como provados e inscrito na matriz sob o artigo  ...º, da freguesia de..., que foi pela AT considerado desactivado a partir de 31 de dezembro de 2018 e que deu origem ao artigo ...º da freguesia de ..., pelo que se tenha passado a estar afecto a fins diversos dos fins a que estava afecto até à data da sua desactivação na matriz ou a partir da data em que deu origem ao artigo ...º. A Requerente alega que se mantêm todos os pressupostos legais para a manutenção da isenção em sede de IMI. Pelo que considera assente que o prédio em questão manteve, no ano em questão de 2018, a afectação aos fins que justificaram a isenção de IMI atribuída ao mesmo em 2015.  

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

IV. Matéria de Direito

 

1.            Questão da eventual ineptidão da petição inicial 

 

Nos artigos 3º, 4º e 5º da sua Resposta a A.T. vem dizer:

- que: “De acordo com os elementos extraídos do sistema informático da AT, a liquidação de IMI, com o nº..., no montante total de 41.150,27 euros, expressa em três prestações, nº 2018..., nº 2018..., e nº 2018..., nos montantes, respectivamente de 13.716,79 euros, 13.716,76 euros, e 13.716,72 euros, com prazo de pagamento voluntário em 31.05.2019, 31.08.2019 e 30.11.2019, cfr. Doc nº1 junto aos autos, não só não corresponde ao valor global de € 49.299,60 da liquidação impugnada nos autos, nem aos documentos documentos 1 a 1b), juntos pelo Requerente.”;

- que: “para além de não se extrair, ou de alguma forma se evidenciar, quer dos elementos do sistema informático da AT, quer dos documentos juntos à Petição Inicial, o fundamento do montante de 27.433,58 euros cuja anulação parcial é pretendida”; 

- que: ”Nessa conformidade, afigura-se que a Petição Inicial não corresponde ao requisitos previstos nas als e), f) e g), do nº 2, do art. 78º do CPTA, cuja ponderação desde já se Requer a esse Tribunal.”.

 

                Sem o dizer de forma clara, a A.T. acaba por suscitar a questão da ineptidão da petição inicial.

               

Por Despacho de 20 de abril de 2020, o Tribunal determinou a notificação da Requerente para, no prazo de 10 dias, exercer, querendo, o contraditório em relação à matéria em causa (artº 5º da Resposta da AT).

 

                Notificada do despacho do Tribunal, a Requerente nada veio dizer aos autos.

 

                Dispõe o nº 1 e nº 2 do artigo 78º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), sob a epígrafe “Requisitos da petição inicial”, o seguinte:

 

1 – A instância constitui-se com a propositura da ação e esta considera-se proposta logo que a petição inicial seja recebida na secretaria do tribunal ao qual é dirigida.

2 - Na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor:

a) Designar o tribunal em que a ação é proposta;

b) Identificar as partes, incluindo eventuais contrainteressados, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, números de identificação civil, de identificação fiscal ou de pessoa coletiva, profissões e locais de trabalho, sendo a indicação desta informação obrigatória quando referente ao autor;

c) Indicar o domicílio profissional do mandatário judicial;

d) Indicar a forma do processo;

e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;

f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;

g) Formular o pedido;

h) Declarar o valor da causa.

 

Por sua vez, o artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

 

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

           

No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

 

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

           

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da ineptidão a propósito de:

e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;

f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;

g) Formular o pedido.

 

Na sua petição inicial, a Requerente começa por afirmar que “o ato objeto do pedido de pronúncia do tribunal arbitral é o ato de liquidação supra identificado, notificado à Requerente através das notas de cobrança supra identificadas, de que se juntam cópias, cuja anulação parcial se requer.”.

 

E, na fase do pedido, pede ao Tribunal que :

- seja julgado “procedente o pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis supra identificado, fundado nessa mesma norma por vício de forma por falta e insuficiência e fundamentação de direito, por erro sobre o direito aplicável, e por violação de lei imperativa.”;

- seja proferida decisão a “condenar a AT a devolver à requerente a quantia de € 27 433,58 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos)(…);

- seja julgado “procedente o pedido de juros indemnizatórios, contados, à taxa apurada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre os dias em que foram efectuados os pagamentos indevidos até à data da emissão das correspondentes notas de crédito”.

 

Sendo ainda manifesto que, ao longo da sua petição, a Requerente expôs “os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”.

 

É verdade que a Requerente, logo no início da sua petição, diz ter sido “notificada do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante IMI), no montante global final de € 49.299,60 pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), através das notas de cobrança n.º 2018...e n.º 2018... de que juntam cópias (docs. n.º 1 a 1b), cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019”.

 

E é verdade, como bem refere a A.T., que a liquidação de IMI, com o nº ..., tem o montante total de 41.150,27 euros e é expressa em três prestações, nº 2018..., nº 2018..., e nº 2018..., nos montantes, respectivamente de 13.716,79 euros, 13.716,76 euros, e 13.716,72 euros, com prazo de pagamento voluntário em 31.05.2019, 31.08.2019 e 30.11.2019.

 

Mas também é verdade que a Requerente, na com a apresentação do pedido, se refere expressamente às notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, no valor total de € 27.433,58 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), e, no pedido, solicita o reembolso das importâncias indevidamente pagas a título de IMI no valor de € 27.433,58,00 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), a que se referem as notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Ou seja, a Requerente não se refere no seu pedido, à nota de cobrança nº 2018..., no valor de € 13.716,79, com prazo de pagamento voluntário até 30.11.2019, que ainda não havia sido sequer emitida.

 

Portanto, existirá no entender do Tribunal apenas um erro de escrita na identificação do valor total da liquidação do IMI de 2018, cuja anulação e reembolso desse valor total não é objecto do pedido por parte da Requerente, bem como alguma imperfeição na forma como se concretiza o acto de liquidação em crise por referência às notas (parciais) de cobrança.

 

É também é certo que, no meio dos documentos juntos com a petição, estão as notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de maio de 2019 e 31 de agosto de 2019.

 

Conforme defende o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA a respeito da ineptidão da petição inicial, “nem toda incorrecção, nem toda a imperfeição do requerimento inicial conduz[a] à ineptidão. O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, servindo-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta».” (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário. Anotado e Comentado, Vol. II, Áreas Editora: Lisboa, 2011, p. 81).

 

            Por isso, sem necessidade de maiores considerações, não ocorre ineptidão da petição inicial.

 

2. Ordem de conhecimento dos vícios

 

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados aos actos impugnados vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a, que segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz à tutela dos interesses ofendidos.

Na apreciação dos vícios imputados ao acto cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» [artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], já que «a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

Por isso, não se apreciarão prioritariamente o vício de falta de fundamentação invocado pela Requerente, que tem natureza meramente formal e cuja procedência não afasta a possibilidade de renovação do acto com o mesmo conteúdo, começando-se por apreciar vício de violação de lei, cuja procedência impede a renovação do acto de liquidação.

 

2.1. Questão da isenção de IMI do prédio urbano descrito em E) da matéria de facto dada como provada e inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ... e da isenção de IMI do prédio a que aquele o deu origem, o prédio urbano descrito em K) da matéria de facto dada como provada e inscrito na matriz sob o artigo ...º da freguesia de ... e da legalidade da liquidação de IMI relativa ao ano de 2018

 

Na sua petição inicial, a Requerente centra-se praticamente na questão da eventual duplicação na matriz dos prédios acima identificados e na manutenção dos pressupostos de isenção de IMI.

 

A Requerente defende, em suma:

 

- que “por erro, imputável aos serviços, foi criado, inexplicavelmente, um novo artigo matricial, o artigo ...”;

- que “o artigo ... e artigo ..., ambos da freguesia de ..., correspondem à mesma descrição predial, constituindo este ultimo uma duplicação do primeiro.”;

- que “Carece portanto o artigo ... de qualquer fundamento legal para a sua existência, devendo ser por isso eliminado.”;

- que “Consequentemente a liquidação a que correspondem os documentos de cobrança 2018 ... e n.º 2018..., deve ser corrigida, eliminando-se a colecta correspondente ao artigo ... .”;

- que a lei “impõe aos serviços, face aos elementos de prova existentes, a extinção do artigo ... da freguesia de ... .”;

- que “a liquidação ora impugnada, a que correspondem os documentos de cobrança 2018 ...e n.º 2018 ..., carece de fundamento legal, já que o artigo matricial que lhe serve de base não tem correspondência cadastral ou registral.”;

- que a “AT está vinculada ao princípio da legalidade, nos termos da LGT, ora a criação da matriz predial urbana correspondente ao artigo ... da freguesia de ... acresce de fundamento de facto e de direito e deve por isso ser extinto com efeitos retroactivos, sobe pena de se tributar DUAS vezes o mesmo bem.”;

- que “nos termos da concordata de 2004, tratado internacional que vigora na ordem jurídica interna por via do artigo 8º da CRP, a requerente deve, para efeito de atribuição de direitos e benefícios, ser equiparada a IPSS, devendo beneficiar, nomeadamente, da isenção de IMI, reconhecida oficiosamente àquelas entidades.”;

- que “(…) mantem-se todos os pressupostos legais previstos para a manutenção da isenção da requerente em sede de IMI.”;

 

A A.T. defende o seguinte, em suma:

- que “Relativamente à pretendida eliminação do artigo ...º da matriz predial da freguesia de ... com efeitos retroactivos, e a consequente anulação da colecta constante das notas de cobrança nº 2018..., nº 2018..., resulta, de todos os documentos levados aos autos, que o actual artigo ...º da matriz predial urbana da freguesia de ... teve origem no artigo ...º, actualmente extinto.”; 

- que “o artigo ...º da matriz predial urbana da freguesia de ... deu origem ao actual artigo ...º da mesma freguesia, razão por que não tem fundamento a pretendida eliminação da matriz.”; 

- que tal “consta da “Certidão de Teor do Prédio Urbano Desactivado” do artigo ...º da freguesia de ..., que se junta como Doc nº 4, bem como, da Caderneta Predial Urbana do artigo ...º da mesma freguesia de ..., que se junta como Doc. nº5”; 

- que “o IMI a ser liquidado apenas poderá incidir sobre o artigo ...º, uma vez que o prédio que lhe deu origem encontra-se extinto, não existindo qualquer possibilidade de “se tributar duas vezes o mesmo bem”.”;

                Vejamos:         

                A A.T. não suscita qualquer questão de incompetência do tribunal, desde logo quando a Requerente vem dizer que o artigo ...º carece de qualquer fundamento legal para a sua existência, devendo ser por isso eliminado, e se mantêm todos os pressupostos legais previstos para a manutenção da isenção da Requerente em sede de IMI.

 

                Todavia, entende o Tribunal dever fazer algumas considerações sobre os pontos referidos.

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

 

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

 

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto - Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Como se vê, apenas em relação a matérias aduaneiras a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos por esta administrados.

 

Quanto ao resto, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT.

 

Assim, uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

 

No caso em apreço, é impugnado um acto de liquidação de IMI, que se insere na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.

 

No processo arbitral pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

 

Só não será assim, nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, como pode suceder com os actos de reconhecimento de isenções fiscais, que, nos casos das isenções não automáticas, assumem a natureza de actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa.

 

Mas, neste caso, a isenção que a Requerente entende ter sido indevidamente desatendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao praticar o acto de liquidação de IMI é  uma isenção que havia sido reconhecida ao prédio da Requerente. 

 

Sendo o acto de liquidação lesivo dos interesses da Requerente, que defende ser ilegal por não aplicar uma isenção de que entende beneficiar, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

 

Por outro lado, a questão de saber se o acto de liquidação é legal ao não reconhecer uma isenção, tem a ver com a legalidade da liquidação, pelo que deve ser apreciada nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

 

Assim, conclui-se que não está em causa declarar, com efeitos gerais, se a Requerente tem direito a uma isenção, mas apenas saber se a concreta liquidação de IMI relativa ao ano de 2018 é ilegal por não ter aplicado uma isenção de que a Requerente poderá beneficiar nesse ano.

 

O que é pedido ao tribunal arbitral é que apure se a liquidação impugnada é ilegal por não ter sido aplicada uma isenção que a Requerente entende beneficiar para um prédio e esta matéria insere-se manifestamente nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

Diversamente, o Tribunal entende que não tem competência para determinar a eliminação da matriz de um prédio inscrito.

 

Porém, essa questão não se coloca directamente ao Tribunal face à matéria de facto dada como provada.

               

                Como decorre da matéria de facto dada como provada:

 

- No ano de 2018, a Requerente era proprietária de um prédio urbano, sito na ..., ...-... Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, com a seguinte descrição, áreas e valor patrimonial tributário: tipo prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente; afectação Serviços; valor patrimonial tributário de € 8.161.275,00; área total do terreno: 18.001,35 m2; área de implantação do edifício: 3.383,32 m2; área bruta de construção: 13.917,28 m2; área bruta dependente: 5.342,38 m2; área bruta privativa: 8.574,90 m2;

 

- O prédio urbano descrito em E) dos factos dados como provados e inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., estava isento de IMI pelo seguinte motivo: Concordata de 2004: Santa Sé, A Conf Episcopal Portuguesa, Dioceses; Início: 2015; Valor isento:  € 8.161.275,00;

 

- Em 14 de fevereiro de 2018, a Requerente apresentou à AT uma Declaração modelo 1 do IMI para Inscrição ou Actualização de prédios urbanos na matriz relativa ao prédio urbano descrito em E), inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., com o motivo: 3 – Prédio Melhorado / Modificado / Reconstruído;

 

- Na sequência da apresentação pela Requerente da Declaração Modelo 1 do IMI para Inscrição ou Actualização de prédios urbanos na matriz relativa ao prédio urbano descrito em E), este prédio foi objecto de nova avaliação pela AT, tendo dado origem ao artigo provisório P..., que posteriormente passou a definitivo;

 

- O prédio urbano descrito em E) da matéria de facto dada como provada e inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ... foi pela AT considerado desactivado a partir de 31 de Dezembro de 2018, tendo dado origem ao prédio U ... da freguesia de ...;

 

- No ano de 2018, a Requerente era proprietária de um prédio urbano, sito na ..., ...-... Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, com a seguinte descrição, áreas e valor patrimonial tributário: tipo “Outros”; afectação Serviços; valor patrimonial tributário de € 10.441.300,00; área total do terreno: 18.001,35 m2; área de implantação do edifício: 3.013,54 m2; área bruta de construção: 12.024,60 m2; área bruta dependente: 3.480,31 m2; área bruta privativa: 8.544,29 m2;

 

- Em 2019, a Requerente foi notificada da liquidação de IMI n.º 2018..., tendo concretamente recebido a nota de cobrança n.º 2018 ... no valor de € 13.716,79 e a nota de cobrança n.º 2018 ... no valor de € 13.716,79, cujo prazos para pagamento voluntário terminaram em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, respectivamente;

 

Como atrás se viu, na sua Resposta, a Requerida vem alegar:

- que “o actual artigo ...º da matriz predial urbana da freguesia de ... teve origem no artigo ...º, actualmente extinto”;

- “que da identificada Declaração mod. 1 (Doc. nº3) resulta que o artigo ...º da matriz predial urbana da freguesia de ... deu origem ao actual artigo ...º da mesma freguesia, razão por que não tem fundamento a pretendida eliminação da matriz”;

- que tal “consta da “Certidão de Teor do Prédio Urbano Desactivado” do artigo ...º da freguesia de ..., que se junta como Doc nº 4, bem como, da Caderneta Predial Urbana do artigo ...º da mesma freguesia de ..., que se junta como Doc. nº5.”;

- “que o IMI a ser liquidado apenas poderá incidir sobre o artigo ...º, uma vez que o prédio que lhe deu origem encontra-se extinto, não existindo qualquer possibilidade de “se tributar duas vezes o mesmo bem.”;

 

Dispõem os artigos 9º, 10º e o nº 2 do artigo 26º da Concordada entre a República Portuguesa e a Santa Sé (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, de 16/11; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, de 16/11 - Publicação: Diário da República I-A, n.º 269, de 16/11/2004 (Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004), o seguinte: 

 

Artigo 9.º

1 - A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir, nos termos do direito canónico, dioceses, paróquias e outras jurisdições eclesiásticas.

2 - A República Portuguesa reconhece a personalidade jurídica das dioceses, paróquias e outras jurisdições eclesiásticas, desde que o acto constitutivo da sua personalidade jurídica canónica seja notificado ao órgão competente do Estado.

3 - Os actos de modificação ou extinção das dioceses, paróquias e outras jurisdições eclesiásticas, reconhecidas nos termos do número anterior, serão notificados ao órgão competente do Estado.

4 - A nomeação e a remoção dos bispos são da exclusiva competência da Santa Sé, que delas informa a República Portuguesa.

5 - A Santa Sé declara que nenhuma parte do território da República Portuguesa dependerá de um bispo cuja sede esteja fixada em território sujeito a soberania estrangeira. 

 

Artigo 10.º

1 - A Igreja Católica em Portugal pode organizar-se livremente de harmonia com as normas do direito canónico e constituir, modificar e extinguir pessoas jurídicas canónicas a que o Estado reconhece personalidade jurídica civil.

2 - O Estado reconhece a personalidade das pessoas jurídicas referidas nos artigos 1.º, 8.º e 9.º nos respectivos termos, bem como a das restantes pessoas jurídicas canónicas, incluindo os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica canonicamente erectos, que hajam sido constituídas e participadas à autoridade competente pelo bispo da diocese onde tenham a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, até à data da entrada em vigor da presente Concordata.

3 - A personalidade jurídica civil das pessoas jurídicas canónicas, com excepção das referidas nos artigos 1.º, 8.º e 9.º, quando se constituírem ou forem comunicadas após a entrada em vigor da presente Concordata, é reconhecida através da inscrição em registo próprio do Estado em virtude de documento autêntico emitido pela autoridade eclesiástica competente de onde conste a sua erecção, fins, identificação, órgãos representativos e respectivas competências.

 

Número 2 do Artigo 26.º

2 - A Santa Sé, a Conferência Episcopal Portuguesa, as dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como outras pessoas jurídicas canónicas constituídas pelas competentes autoridades eclesiásticas para a prossecução de fins religiosos, às quais tenha sido reconhecida personalidade civil nos termos dos artigos 9.º e 10.º, estão isentas de qualquer imposto ou contribuição geral, regional ou local, sobre:

a) Os lugares de culto ou outros prédios ou parte deles directamente destinados à realização de fins religiosos;

b) As instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos;

c) Os seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação eclesiástica ou ao ensino da religião católica;

d) As dependências ou anexos dos prédios descritos nas alíneas a) a c) a uso de instituições particulares de solidariedade social;

e) Os jardins e logradouros dos prédios descritos nas alíneas a) a d) desde que não estejam destinados a fins lucrativos;

f) Os bens móveis de carácter religioso, integrados nos imóveis referidos nas alíneas anteriores ou que deles sejam acessórios.

 

Dúvidas não existem de que o prédio urbano descrito em E) dos factos dados como provados e inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., estava isento de IMI pelo seguinte motivo: Concordata de 2004: Santa Sé, A Conf Episcopal Portuguesa, Dioceses; Início: 2015; Valor isento:  € 8.161.275,00.

 

Ora, se o prédio estava isento de IMI e se artigo do prédio foi desactivado pela A.T. em 31 de dezembro de 2018, o artigo urbano em questão não poderia constar, como parece constar, da liquidação em crise, mesmo com a indicação de “valor isento” e colecta 0 (zero).

 

Não tem razão a Requerente quando alega que “por erro, imputável aos serviços, foi criado, inexplicavelmente, um novo artigo matricial, o artigo ...” e que “carece o artigo ... de qualquer fundamento legal para a sua existência, devendo ser por isso eliminado.”.

 

A atribuição de um novo artigo ao prédio em questão resultou da apresentação pela Requerente de uma Declaração modelo 1 do IMI para Actualização de prédios urbanos na matriz (prédio melhorado /modificado), que foi objecto de nova avaliação pela AT e cujo resultado foi notificado à Requerente. Tal atribuição resultou da interpretação da AT sobre as normas relativas às matrizes prediais e não parece merecer censura.

 

Para aquilo que aqui interessa, entende o Tribunal que é irrelevante se o artigo anterior se deveria manter ou se deveria, como sucedeu, atribuir-se ao prédio em questão um novo artigo matricial.

 

No entender do Tribunal, o que releva é que os dois artigos matriciais não poderiam constar os dois da liquidação de IMI de 2018, aqui em crise, e, sobretudo, que o prédio deveria manter-se isento como foi reconhecido em 2015 pela A.T.

 

Como atrás se referiu, na sua Resposta nada é alegado pela Requerida sobre a isenção de IMI que beneficiava o prédio urbano anteriormente inscrito sob o no artigo ...º e que deu origem ao artigo ...º, ou qualquer justificação ou fundamentação para o novo artigo não continuar a beneficiar da isenção.

 

E não se provou que o prédio urbano descrito em E) dos factos dados como provados e inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., que foi pela A.T. considerado desactivado a partir de 31 de dezembro de 2018 e deu origem ao artigo ... da freguesia de ..., tenha passado a estar afecto a fins diversos dos fins a que estava afecto até à data da sua desactivação na matriz ou a partir da data em que deu origem ao artigo ...º.

 

Com efeito, e repentindo-nos, da análise dos documentos juntos pela AT com a sua Resposta, designadamente as cadernetas prediais dos prédios e os documentos relativos à nova avaliação, resulta claro que o prédio é o mesmo, manteve a sua afectação a serviços, a área total do terreno é a mesma, tendo havido apenas ajustes, em regra para menos, na área bruta de construção e na área bruta privativa. E a alteração do valor patrimonial tributária resultou da nova fórmula de cálculo do prédio também como “outros”, com unidades independentes, referindo-se expressamente como justificativo a existência de uma igreja e de um centro de apoio à juventude, e a serviços como um colégio (que já existia desde 1955) e uma residência universitária (que já existia desde 1971).

 

Assim, é manifesto que, no ano de 2018, o prédio urbano da Requerente, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, que teve origem no anterior artigo artigo  ...º (isento de IMI), com valor patrimonial tributário de € 10.441.300,00, está isento de IMI nos termos do número 2 do artº 26º da Concordada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, por continuar a estar afecto aos fins aí previstos, e ao constar da liquidação de IMI em crise - por ser propriedade da Requerente - deveria estar com “valor isento” e colecta 0.

 

Esclareça-se que o que aqui está em causa é o valor da colecta de € 31.323,90 (trinta e um mil trezentos e vinte e três euros e noventa cêntimos) atribuída ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa – (v.p.t de € 10.441.300,00 x taxa de 0,30% = € 31.323,90).

 

Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que a liquidação de IMI n.º 2018..., relativas ao período de tributação de 2018, que originou as notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018... invocadas pela Requerente, é ilegal, devendo ser parcialmente anulada, na parte em que inclui o prédio urbano , por vício de violação de lei (número 2 do artº 26º da Concordada Concordada entre a República Portuguesa e a Santa Sé), por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

2.2. Questão da equiparação da Requerente a uma instituição particular de solidariedade social (IPSS) e da aplicação da isenção de IMI prevista na alínea f) do n.º 1 do art.º 44 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e da legalidade da liquidação de IMI relativa ao ano de 2018

 

O Tribunal Arbitral, os termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pela Requerente ou pela Requerida, incluindo em atenção à matéria de facto dada como provada, quando a decisão fique prejudicada pela solução já proferida, como é o caso dos autos, motivo pelo qual ficariam prejudicadas para a apreciação eventuais outras questões submetidas no pedido de pronúncia.

 

Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não haveria necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados,  sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.

 

No artigo 1º da sua petição inicial, a Requerente vem dizer que “O ato objeto do pedido de pronúncia do tribunal arbitral é o ato de liquidação supra identificado, notificado à Requerente através das notas de cobrança supra identificadas, de que se juntam cópias, cuja anulação parcial se requer”. (sublinhado nosso).

 

Ora, essa anulação parcial da liquidação é conseguida com a análise e decisão da questão abordada anteriormente em 2.1.

 

Sucede, porém, que, na sua petição inicial, por um lado, a Requerente alega a existência de vícios violação de formais e procedimentais, tais como a falta de fundamentação do ato tributário de liquidação e a falta de audiência prévia, os quais, a serem julgados procedentes, implicarão a anulação integral do acto de liquidação em crise.

 

Embora quando a Requerente aborda a violação dos referidos vícios não deixa de se referir desconhecimento dos “fundamentos pelos quais a AT vem entender que o prédio em causa deve ser tributado em sede de IMI” – artº 39º do PPA, o certo é que logo de seguida vem dizer que “Assim, o ato de liquidação praticado padece de vício de forma por falta de fundamentação, obscuridade e ausência dos elementos essenciais, cuja relevação se procede em vista à declaração da sua invalidade e consequente anulação integral, o que desde já se requer” (artº 40º do PPA) (sublinhado nosso). Vide, ainda, ponto 21 das Conclusões.

 

Por outro lado, a Requerente aponta outros vícios de violação de lei, como o facto de dever “ser equiparada a IPSS” para poder “beneficiar, nomeadamente, da isenção de IMI, reconhecida oficiosamente àquelas entidades,” bem como a violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, da justiça material e da equidade na distribuição dos encargos tributários.

 

Assim, o Tribunal entende que se impõe analisar os referidos vícios alegados pela Requerente, começando pela questão da equiparação da Requerente a uma instituição particular de solidariedade social (IPSS) e da aplicação da isenção de IMI prevista na alínea f) do n.º 1 do art.º 44 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

 

A Requerente defende, em suma:

 

- que: “Tendo em conta os objectivos de solidariedade e assistência que pautam a existência da requerente, esta não pode deixar de ser considerada como sendo uma IPSS à luz do estatuto das IPSS.”;

- que:  “o artigo 1º n.º1 do Dec. Lei 119/83 de 25/2 alterado pelo DL 172- A/2014 de 14/11, que regula o regime jurídico das IPSS, estas são definidas como as “entidades constituídas sem finalidade lucrativa, por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos e desde que não sejam administradas pelo estado (…) para prosseguir, entre outros, os seguintes objectivos mediante a concessão de bens e a prestação de serviços: a) Apoio a crianças e jovens; b) Apoio à família c) Apoio à integração social e comunitária d) Protecção dos cidadãos na velhice e invalidez e em todas as situações de falha ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho e) Promoção e protecção na saúde (…) f) Educação e formação profissional dos cidadãos g) Resolução dos problemas habitacionais ais das populações”; 

                - que: “nos termos do artigo 40º do supra referido DL, as organizações e instituições religiosas e os seus institutos que, para além de fins religiosos, se proponham outras actividades, enquadráveis no artigo 1º (acima transcrito), são legalmente equiparáveis a IPSS, ficando sujeitas, quanto ao exercício daquelas actividades ao regime estabelecido para as IPSS.”; 

                - que: “As actividades prosseguidas pela requerente, enquadram-se, claramente, nas alíneas a), c) e f) do n.º 1 do art.º 1º do Dec. Lei 119/83, de 25/2, alterado pelo Dec Lei n.º 172-A/2014 de 14/11, pelo que, apesar de não ter, formalmente, o estatuto de IPSS, prossegue materialmente os fins destas entidades, encontrando-se o prédio objecto do presente requerimento afecto directamente à realização dos seus fins de assistência e solidariedade.”; 

                - que: “nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 44 do EBF, estão isentas de impostos “as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas a ela legalmente equiparadas., em relação aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins (…)” sendo esta isenção de reconhecimento oficioso.”;

- que: “a requerente deve, para efeito de atribuição de direitos e benefícios, ser equiparada a IPSS, devendo beneficiar, nomeadamente, da isenção de IMI, reconhecida oficiosamente àquelas entidades.”;

- que: “Consequentemente, mantem-se todos os pressupostos legais previstos para a manutenção da isenção da requerente em sede de IMI.”.

 

 Na sua Resposta, a A.T. nada alega especificadamente sobre esta questão.

 

Como foi atrás referido, no processo arbitral pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

               

Só não será assim, nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, como pode suceder com os actos de reconhecimento de isenções fiscais, que, nos casos das isenções não automáticas, assumem a natureza de actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa.

 

Sendo o acto de liquidação lesivo dos interesses da Requerente, que defende ser ilegal por não aplicar uma isenção de que entende beneficiar, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

 

Por outro lado, a questão de saber se o acto de liquidação é legal ao não reconhecer uma isenção, tem a ver com a legalidade da liquidação, pelo que deve ser apreciada nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

 

Mais uma vez entende o Tribunal que não está em causa declarar, com efeitos gerais, se a Requerente deve ser equiparada a instituição particular de solidariedade social e tem direito a uma isenção, mas apenas saber se a concreta liquidação de IMI relativa ao ano de 2018 é ilegal por não ter aplicado uma isenção de que a Requerente poderia beneficiar nesse ano e esta matéria insere-se manifestamente nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

Sucede que, no caso em apreço, a Requerente, ao abordar esta questão, refere-se claramente ao “prédio objecto do presente requerimento” (vide artº 26º da PPA).

 

Mas a Requerente também alega (vide artºs 18º, 19º, 20º e 21º do PPA):

-  que “possui um elevado número de obras de natureza social em todo o país, que visam actuar em vários sectores carenciados da sociedade trabalhando designadamente nas seguintes áreas:

Setúbal – paróquia ..., na qual existe um Centro Social Paroquial com apoio a idosos e crianças e as X..., com cerca de 350 utentes e 20 trabalhadores voluntários.

Lisboa – ..., o qual não é uma mera residência universitária, mas de apoio logístico à formação e acompanhamento de 160 alunos do ensino superior, provenientes de pontos afastados de Lisboa, bem como das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo dos PALOP; nos seus espaços desenvolvem-se ainda acções de apoio a associações de emigrantes, apoio aos sem-abrigo e mais necessitados da cidade de Lisboa em saídas semanais e entrega de alimentos, roupa, calçado e material de higiene, a cerca de 120 pessoas; desenvolve ainda actividades culturais variadas.

Porto – ..., que acolhe 130 crianças em risco e apoia famílias carenciadas e famílias de acolhimento Colégio ...– frequentado por cerca de 1.500 alunos com ensino totalmente gratuito. “

 

Se a questão se coloca apenas (como parece decorrer do artº 26º do PPA) relativamente o prédio urbano da Requerente, inscrito na matriz sob o artigo...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, que teve origem no anterior artigo ...º (isento de IMI), a questão da isenção de IMI já se encontra analisada e decidida em 2.1. e será ainda decidida favoravelmente à pretensão da Requerente na parte decisória da presente decisão arbitral. O Tribunal entende que tal prédio está isento de IMI, nos termos do número 2 do artº 26º da Concordada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, por continuar a estar afecto aos fins aí previstos.

 

E, por conseguinte, não se justifica analisar novamente a questão do ponto de vista da inclusão ou não do referido prédio na isenção prevista no artº 44º do EBF.

 

Com efeito, a liquidação de IMI é ilegal e deverá ser parcialmente anulada por violar uma norma de um tratado internacional, que, em termos de hierarquia de normas, prima sobre a lei ordinária interna, designadamente sobre o EBF.

 

                A questão já será diversa se a Requerente entende que os restantes prédios urbanos de que era proprietária em 2018 e constantes da liquidação de IMI como não isentos, também estão abrangidos pela isenção de IMI prevista no artº 44º do EBF por se considerar uma entidade legalmente equiparada a uma IPSS.

 

                Dispõe a alínea f) do número 1, a alínea b) do número 2 e o número 4 do artº 44º do EBF, sob a epígrafe “Isenções”, o seguinte:  

 

Artigo 44.º

Isenções

 

1 - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis:

f) As instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas a elas legalmente equiparadas, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins, salvo no que respeita às misericórdias, caso em que o benefício abrange quaisquer imóveis de que sejam proprietárias;

2 - As isenções a que se refere o número anterior iniciam-se:

b) Relativamente às situações previstas nas alíneas e) e f), a partir do ano, inclusive, em que se constitua o direito de propriedade;

4 - As isenções a que se refere a alínea b) do n.º 2 são reconhecidas oficiosamente, desde que se verifique a inscrição na matriz em nome das entidades beneficiárias, que os prédios se destinem directamente à realização dos seus fins e que seja feita prova da respectiva natureza jurídica.

 

                O Tribunal deu como provado que “No ano de 2018, a Requerente era proprietária de diversos prédios urbanos situados em diversos municípios de Portugal, encontrando-se alguns isentos de IMI (D) da matéria dada como provada).

 

                Porém, não se provou que, no ano de 2018, os restantes prédios urbanos propriedade da Requerente e incluídos na liquidação de IMI em crise e que na mesma não constam como “isentos”, sejam lugares de culto ou outros prédios diretamente destinados à realização de fins religiosos, ou sejam instalações de apoio directo e excluisivo às actividades com fins religiosos, ou afectos exclusivamente a fins religiosos de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos, ou sejam seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação eclesiástica ou ao ensino da religião católica, ou sejam dependências ou anexos dos prédios acima referidos a uso de instituições particulares de solidariedade social, ou sejam jardins e logradouros dos prédios descritos atrás referidos, que não estejam destinados a fins lucrativos, ou sejam prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins. (sublinhado nosso)

 

Dúvidas não existem de que a liquidação de IMI de 2018, como se pode comprovar pelas notas de cobrança juntas pela Requerente, incluem além dos prédios correspondentes aos artigos ...º e  ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, outros prédios da Requerente situados em território português e não isentos de IMI no ano em questão.

 

No artigo 4º do seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente limita-se a alegar que “Nos termos dos respetivos estatutos a Requerente é uma Congregação Missionária que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos.“

 

E, repetindo o atrás referido, a Requerente alega (vide artºs 18º, 19º, 20º e 21º do PPA):

-  que “possui um elevado número de obras de natureza social em todo o país, que visam actuar em vários sectores carenciados da sociedade trabalhando designadamente nas seguintes áreas:

Setúbal – paróquia ..., na qual existe um Centro Social Paroquial com apoio a idosos e crianças e as X..., com cerca de 350 utentes e 20 trabalhadores voluntários.

Lisboa – ..., o qual não é uma mera residência universitária, mas de apoio logístico à formação e acompanhamento de 160 alunos do ensino superior, provenientes de pontos afastados de Lisboa, bem como das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo dos PALOP; nos seus espaços desenvolvem-se ainda acções de apoio a associações de emigrantes, apoio aos sem-abrigo e mais necessitados da cidade de Lisboa em saídas semanais e entrega de alimentos, roupa, calçado e material de higiene, a cerca de 120 pessoas; desenvolve ainda actividades culturais variadas.

Porto – ..., que acolhe 130 crianças em risco e apoia famílias carenciadas e famílias de acolhimento Colégio...– frequentado por cerca de 1.500 alunos com ensino totalmente gratuito. “

 

Sucede, porém, que não foram carreados para os autos quaisquer documentos ou requeridos outros meios de prova que permitam ao Tribunal identificar quais são os prédios da Requerente que constam da liquidação de IMI em crise e que não estavam isentos de IMI no ano de 2018, e aferir os fins a que os mesmos estavam (diretamente) destinados ou afectos.

 

                O artigo 74.º, n.º 1, da LGT estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

 

No específico caso dos benefícios fiscais, o artigo 14.º, n.º 2, da LGT estabelece que «os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito».

 

Como foi referido na decisão do Processo 452/2018-T, no qual o signatário fez parte do Tribunal Colectivo, desta norma infere-se que o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre os contribuintes e concretiza-se através da revelação desses pressupostos ou autorização para eles serem revelados à Administração Tributária.

 

Na falta de cumprimento desse ónus, os benefícios fiscais ficam sem efeito, como estatui a parte final daquele n.º 2 do artigo 14.º.

 

O artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) confirma esta conclusão ao estabelecer, no seu n.º 1, que «salvo disposição em contrário e sem prejuízo dos direitos resultantes da informação vinculativa a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º, o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei» e, no seu n.º 5, que «a manutenção dos efeitos de reconhecimento do benefício dependem de o contribuinte facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo dos seus pressupostos de que esta não disponha».

 

Resulta, assim, destas normas que, nos casos em que a Administração Tributária não dispõe de elementos de prova dos benefícios fiscais, é o contribuinte que lhos tem de fornecer, «sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito», como determina a parte final do n.º 2 do artigo 14.º da LGT.

 

Embora estas regras estejam previstas para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo jurisdicional que se lhes seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo jurisdicional.

 

Por outro lado, embora o artigo 100.º, n.º 1, do CPPT estabeleça a regra de que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado», nos casos dos pressupostos dos benefícios fiscais não se está perante uma situação aqui directamente enquadrável, pois, ela reporta-se apenas a prova da existência do facto tributário e sua quantificação e não às isenções.

 

O facto tributário é o facto jurídico constitutivo da obrigação de imposto e «a isenção tem a natureza jurídica de um facto impeditivo autónomo e originário e não de uma delimitação negativa do facto constitutivo». (Neste sentido, ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I, 1981, páginas 247 e 282).

 

Para além disso, aquela regra do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, tem natureza de norma geral sobre o ónus da prova nos processos de natureza jurisdicional, pelo que deve ceder perante normas especiais sobre essa matéria, como é o caso das normas que se referiram sobre o ónus da prova em matéria de benefícios fiscais. Nos casos em que existem normas especiais sobre o ónus da prova que o fazem recair sobre o contribuinte no procedimento tributário, deve entender-se que ele também lhe é imposto no processo jurisdicional, pois a ponderação de interesses, baseada em regras da normalidade, que justifica a repartição do ónus da prova no procedimento tributário é a mesma que se tem de fazer no processo judicial, e, por isso, «o critério de repartição deverá ser o mesmo, como impõe a coerência valorativa e axiológica imposta pelo princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primordial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil). Com efeito, não se compreenderia que, com base num determinado critério sobre o ónus da prova, se levasse a administração tributária a praticar um acto de liquidação (que, à face deste critério, seria legal), para, depois, no processo judicial, inverter o ónus da prova sobre os mesmos factos, levando o tribunal a decretar a anulação desse acto, por ilegalidade consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto, sem que sobreviesse qualquer alteração da matéria de facto». (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2007, processo n.º 0479/07).

 

Por isso, no caso em apreço, sendo pressuposto do benefício fiscal os prédios serem  “destinados directamente à realização dos seus fins”, é sobre a Requerente que recai o ónus da prova desse destino exclusivo.

 

Consequentemente, a falta da prova desse requisito tem de ser processualmente valorada contra a Requerente, o que tem como consequência considerar, desde logo, não verificado esse requisito do benefício fiscal.

 

Assim, mesmo que o propósito da Requerente seja a sua qualificação como entidade equiparada a IPSS para beneficiar de uma eventual isenção de IMI, nos termos do artº 44º do EBF, relativamente aos restantes prédios constantes da liquidação de IMI em crise, tal pretensão da Requerente não pode proceder dado não ter provado que esses prédios estavam “destinados directamente à realização dos seus fins”, requisito do preenchimento da norma de isenção, dado que somente no caso das misericórdias é que o benefício abrange quaisquer imóveis de que sejam proprietárias.

 

Independentemente da eventual prova da respectiva natureza jurídica como entidade equiparada a IPSS, a isenção não se pode verificar para os restantes prédios da Requerente por falta de um requisito legal de que depende a isenção da alínea f) do artº 44º do EBF.

 

Termos em o Tribunal julga improcedente esta pretensão da Requerente.

 

 

2.3. Questão da violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, da justiça material e da equidade na distribuição dos encargos tributários

 

Como foi já referido, no artigo 1º da sua petição inicial, a Requerente vem dizer que “O ato objeto do pedido de pronúncia do tribunal arbitral é o ato de liquidação supra identificado, notificado à Requerente através das notas de cobrança supra identificadas, de que se juntam cópias, cuja anulação parcial se requer”. (sublinhado nosso).

 

Sendo que essa anulação parcial da liquidação é conseguida com a análise e decisão da questão abordada anteriormente em 2.1.

 

O certo é que no artº 71º da PPA, após abordar a suposta violação dos princípios enunciados, conclui que “Sendo que esta é uma questão jurídica, concreta e precisa, que torna ilegal o ato de liquidação pelos invocados vícios.”. Ou seja, o acto de liquidação como um todo.

 

Assim, o Tribunal entende que se impõe analisar os referidos vícios alegados pela Requerente, designadamente a violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, da justiça material e da equidade na distribuição dos encargos tributários.

 

A Requerente defende, em suma:

- que: “a liquidação de IMI impugnada é também ilegal por violação do princípio da igualdade, da justiça, da equidade e da capacidade contributiva”;

                - que: “a questão essencial está também em saber se é admissível, à luz do princípio da igualdade, a tributação da Requerente, proprietária do identificado imóvel.”;

                - que “Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva “(…)afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto (…)” (Casalta Nabais, Obra citada, pág. 154).”;

- que ocorre uma “ofensa dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da justiça material, bem como da equidade na repartição dos encargos tributários, que ofende, na interpretação que lhe está a ser dada, os artigos 13.º 102.º e 104.º da CRP.”.

 

Na sua Resposta, a A.T. nada alega especificadamente sobre esta questão.

 

                Salvo o devido respeito, que é muito, não vislumbra o Tribunal onde a liquidação do IMI em crise, ou do próprio regime jurídico deste imposto, resulte ofensa dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da justiça material, bem como da equidade na repartição dos encargos tributários. A não ser que o Requerente se estivesse a referir concretamente à questão inicial da suposta duplicação da matriz do prédio e da não consideração da isenção ao mesmo atribuída, que, nesta parte, já foi objecto de análise na questão 2.1.

 

                Na verdade, a Requerente não alega nenhuns factos que possam levar a que o Tribunal entenda que a liquidação do IMI em crise sofre dos vícios de violação de lei referidos, qualquer deles que seja.

 

A Requerente limita-se a proferir alegações de direito bastante genéricas, com referências várias a jurisprudência e a doutrina, sem suporte em situações concretas.

 

O Tribunal entende que das escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário não resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem.

 

                O Tribunal entende que, resolvida a questão da isenção do prédio que se encontrava isento e que deu origem a um novo artigo matricial, não existe qualquer ofensa dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da justiça material, bem como da equidade na repartição dos encargos tributários, interpretados de acordo com as normas dos artigos 13.º 102.º e 104.º da Constituição.

 

                Aliás, a Requerente era em 2018 proprietária de diversos imóveis que, constando da liquidação de IMI em crise, surgem com valor “isento”, o que já de si implica que o regime do IMI não deixa de respeitar, quando as circunstâncias de facto ou a natureza dos sujeitos o exigem, aqueles princípios constitucionais.

 

A Requerente é, digamos, até “beneficiada” (no sentido do reconhecimento de “benefícios fiscais” em sede de IMI) em comparação com outros sujeitos passivos de imposto que não beneficiam de qualquer isenção.

 

Até parece que, no entender da Requerente, só não ocorreria a violação dos princípios enunciados se todos os prédios sua propriedade ou estivessem isentos de IMI, ou tivessem valores patrimoniais bastante mais reduzidos (sem respeito pelas regras de avaliação existentes para todos os prédios urbanos ou com regras específicas para a sua situação concreta) para daí resultarem colectas de imposto também mais reduzidas.

 

O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e o artigo 104.º, n.º 3, da CRP estabelece que «a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos».

           

Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional.

 

A criação do IMI, como tributo sobre o património imobiliário, compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois as diferenças de valores patrimoniais dos prédios têm como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

 

E só dessa forma se obtém uma justiça material, bem como a equidade na repartição dos encargos tributários.

 

Em conclusão, a liquidação de IMI de 2018 da Requerente não viola manifestamente os princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da justiça material, bem como da equidade na repartição dos encargos tributários, pelo que não merece provimento a pretensão da Requerente nesta questão.

 

2.4. Questões da falta de fundamentação e da falta da notificação para o exercício da audiência prévia

 

Como foi referido, no artigo 1º da sua petição inicial, a Requerente vem dizer que “O ato objeto do pedido de pronúncia do tribunal arbitral é o ato de liquidação supra identificado, notificado à Requerente através das notas de cobrança supra identificadas, de que se juntam cópias, cuja anulação parcial se requer” (sublinhado nosso).

 

Ora, também como foi referido, essa anulação parcial da liquidação é conseguida com a análise e decisão da questão abordada anteriormente em 2.1.

 

Todavia, na sua petição inicial, a Requerente alega a existência de vícios violação de formais e procedimentais, tais como a falta de fundamentação do ato tributário de liquidação e a falta de audiência prévia, os quais, a serem julgados procedentes, implicarão a anulação integral do acto de liquidação em crise.

 

Embora quando a Requerente aborda a violação dos referidos vícios não deixa de se referir desconhecimento dos “fundamentos pelos quais a AT vem entender que o prédio em causa deve ser tributado em sede de IMI” – artº 39º do PPA, o certo é que logo de seguida vem dizer que “Assim, o ato de liquidação praticado padece de vício de forma por falta de fundamentação, obscuridade e ausência dos elementos essenciais, cuja relevação se procede em vista à declaração da sua invalidade e consequente anulação integral, o que desde já se requer” (artº 40º do PPA) (sublinhado nosso). Vide, ainda, ponto 21 das Conclusões.

 

Assim, o Tribunal entende que se impõe analisar os referidos vícios alegados pela Requerente, designadamente o vício da falta de fundamentação e o vício da falta de notificação para o exercício da audiência prévia.

 

A Requerente defende, em suma:

- que: a “liquidação impugnada não está fundamentada nem apresenta a regularidade lógica e formal indispensável à apreensão clara, suficiente e congruente das razões da mesma, já que nada se diz na liquidação que justifique de que forma o dito “terreno para construção” teria (que não tem) a afetação habitacional que é um pressuposto necessário da exigência da incidência do imposto.”;

                - que: “na nota de cobrança do IS não consta a indicação da autoridade que o praticou e por isso ocorre um vício que acarreta a sua anulação conforme artigo 135º do CPA.”; 

- que: “não foi facultado à Requerente o legítimo exercício do direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT”.

                - que: “a Requerente não consegue perceber, mas apenas intuir, qual foi a lei aplivácel e quais terão sido os fundamentos pelos quais a AT vem entender que o prédio em causa deve ser tributado em sede de IMI”;

                - que: assim ato de liquidação praticado padece de vício de forma por falta de fundamentação, obscuridade e ausência dos elementos essenciais, cuja relevação se procede em vista à declaração da sua invalidade e consequente anulação integral, o que desde já se requer.”.

 

A A.T. defende o seguinte, em suma:

- que “Relativamente à fundamentação da liquidação impugnada, face aos documentos juntos pelo Requerente, os mesmos evidenciam uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito identificadores do acto de liquidação de IMI, em observância do nº2 do art. 77º da LGT que estipula que a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria colectável.”; 

- que: “no acto de liquidação impugnado, verifica-se com clareza, a referência à identificação matricial do prédio inscrito, seu valor patrimonial, o ano do imposto, à data de liquidação, a norma legal aplicada em concreto de IMI, a taxa utilizada para determinar o montante de imposto e o valor da colecta.”; 

                - que: “Considerando que a fundamentação deve conter os elementos de direito e de facto que permitam ao sujeito passivo compreender o motivo da liquidação, afigura-se-nos que o acto de liquidação de IMI evidenciado nas notas de cobrança juntas pelo Requerente encontra-se suficientemente fundamentado, uma vez que contém as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizada pela AT para a sua prática.”; 

 

Desde logo, é estranha a referência feita pela Requerente a um terreno para contrução e a uma liquidação de IS, o que nada tem quer ver com o caso dos autos.

 

Quanto à questão do vício da falta de fundamentação:

 

A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

 

Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

 

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366).

 

 Retomemos o caso concreto, dado que a fundamentação exigível reporta-se sempre a um ato tributário concreto e deve ser aquela que funcionalmente se revele necessária e adequada para que um contribuinte normal, com um conhecimento comum e normalmente diligente, compreenda o sentido do mesmo (embora possa discordar do seu sentido) e perceba que não está perante uma pura demonstração de arbítrio.

 

Assim, impõe-se aferir se no caso dos presentes autos a Administração deu a conhecer os motivos que a levaram incluir os prédios da Requerente na sua liquidação de IMI referente ao ano de 2018 e se, no caso, se percebem as razões em que se fundou a liquidação emitida.

 

Como bem refere a A.T. na sua Resposta, no acto de liquidação impugnado, verifica-se com clareza, a referência à identificação matricial dos prédios inscritos, o seu valor patrimonial, o ano do imposto, a data de liquidação, a norma legal aplicada em concreto de IMI, a taxa utilizada para determinar o montante de imposto e o valor da colecta.

 

Em 2018, a Requerente era proprietária dos prédios constantes do acto de liquidação.

 

É manifesto que o PPA girou essencialmente à volta da questão da suposta duplicação da matriz e do não reconhecimento da isenção do IMI relativamente ao prédio urbano descrito em E) dos factos dados como provados e inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de..., que estava isento de IMI pelo motivo: Concordata de 2004: Santa Sé, A Conf Episcopal Portuguesa, Dioceses, e ao qual a AT atribuiu um novo artigo provisório (artigo ...º).

 

Daí a específica alegação da Requerente no sentido de “não consegue perceber, mas apenas intuir, qual foi a lei aplicável e quais terão sido os fundamentos pelos quais a AT vem entender que o prédio em causa deve ser tributado em sede de IMI” (cfr. PPA).

 

Porém, esta questão já foi decidida a favor da Requerente.

 

Os prédios constavam da liquidação e todos os elementos essenciais do imposto constam do acto de liquidação.

 

A Requerente não concordava com a inclusão desse prédio ou prédios, ou com o facto de não estaram isentos, ou até não percebeu a razão da alteração da matriz e inclusão dos prédios.

 

Mas tal não é suficiente para concluir que o acto de liquidação de IMI não estivesse fundamentado nos termos, diga-se mínimos, que se exigem a uma liquidação normal de IMI e que a Requerente, desde logo em atenção ao conteúdo da sua petição inicial, se apercebeu do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para emitir a liquidação de IMI.

 

Por isso, a liquidação impugnada não enferma de vício de falta de fundamentação.

 

Quanto à questão do vício da falta de notificação para o exercício da audiência prévia:

 

                Não se provou que a Requerida tenha revogado a isenção de IMI relativamente ao prédio urbano descrito em E) dos factos dados como provados e inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., que estava isento de IMI pelo motivo: Concordata de 2004: Santa Sé, A Conf Episcopal Portuguesa, Dioceses, - seja no momento anterior à apresentação da declaração modelo 1 do IMI, seja posteriormente quando a AT atribuiu um novo artigo provisório ao prédio (artigo ...).

 

A ter havido uma revogação do benefício fiscal, é manifesto a necessidade de audiência prévia antes da decisão. Porém, não é essa a situação dos autos.

 

A atribuição de um novo artigo ao prédio identificado em E) da matéria de facto dada como provada, resultou da apresentação pela Requerente de uma Declaração modelo 1 do IMI para actualização de prédios urbanos na matriz (prédio melhorado /modificado), que foi objecto de nova avaliação pela AT.

 

O resultado dessa avaliação foi notificado à Requerente, com os novos elementos do prédio, incluindo o novo valor patrimonial tributável, sendo que a Requerente poderia ter requerido nova avaliação ou impugnar judicialmente o resultado da segunda avaliação.

 

No caso em apreço estamos já perante uma liquidação de IMI, diga-se “normal” e periódica, por contraponto a uma liquidação adicional ou a uma liquidação oficiosa.

 

A Requerente já havia participado no procedimento administrativo, com a entrega de declarações para a inscrição ou actualização de prédios na matriz e a Requerente foi notificada do novo valor patrimonial tributário, não tendo requerido segunda avaliação ou impugnado judicialmente a avaliação.

 

Por isso, entende o Tribunal que a liquidação impugnada não enferma de vício de falta de notificação para o exercício da audiência prévia.

 

3. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios, com referência expressa aos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT. – que seja proferida decisão a “condenar a AT a devolver à requerente a quantia de € 27.433,58 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos) (…).

 

Como decorre da matéria de facto dada como provada, em data não apurada, a Requerente pagou a quantia global de € 27.433,58,00 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), a que se referem as notas de cobrança n.º 2018 ... e n.º 2018... .

 

A Requerida não põe em causa o pagamento do imposto, limitando-se a concluir que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

 

Como decorre da matéria de facto dada como provada, no ano de 2018, a Requerente era proprietária de diversos prédios urbanos situados em diversos municípios de Portugal, encontrando-se alguns isentos de IMI (cfr. 2 documentos correspondentes às notas de cobrança n.º 2018 ... e n.º 2018 ..., emitidos em nome da Requerente, relativas à primeira e à segunda prestações do IMI de 2018, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

Em 2019, a Requerente foi notificada da liquidação de IMI n.º 2018..., tendo concretamente recebido a nota de cobrança n.º 2018... no valor de € 13.716,79 e a nota de cobrança n.º 2018... no valor de € 13.716,79, cujo prazos para pagamento voluntário terminaram em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, respectivamente.

 

A liquidação de IMI, com o nº..., tem o montante total de 41.150,27 euros e é expressa em três prestações, nº 2018..., nº 2018..., e nº 201..., nos montantes, respectivamente de € 13.716,79, € 13.716,76 e de € 13.716,72, com prazo de pagamento voluntário em 31.05.2019, 31.08.2019 e 30.11.2019.

 

A Requerente, com a apresentação do pedido, apenas se refere às notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, no valor total de € 27.433,58 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), e, no pedido, solicita o reembolso das importâncias indevidamente pagas a título de IMI no valor de € 27.433,58,00 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), a que se referem as notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Ou seja, a Requerente não se refere no seu pedido à nota de cobrança nº 2018..., no valor de € 13.716,79, com prazo de pagamento voluntário até 30 de novembro de 2019, que ainda não havia sido sequer emitida. Apenas se refere às notas de cobrança nº 2018... e nº 2018....

 

A Requerente, ao pagar as notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, no valor total de € 27.433,58 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), pagou a primeira e a segunda prestação da sua liquidação de IMI de 2018, a qual abrangeu TODOS os prédios de sua propriedade que na mesma não figuravam como “isentos” de IMI.

 

Ora, como se viu, o Tribunal decidiu anular parcialmente a liquidação de IMI apenas na parte em que incluiu o prédio urbano da Requerente, inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, que teve origem no anterior artigo  ...º (isento de IMI), com valor patrimonial tributário de € 10.441.300,00, por ter considerado que está o mesmo está isento de IMI, nos termos do número 2 do artº 26º da Concordada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, por continuar a estar afecto aos fins aí previstos, e ao constar da liquidação de IMI em crise - por ser propriedade da Requerente - deveria estar com “valor isento” e colecta 0.

 

Quanto ao referido prédio, o que aqui está em causa é o valor da colecta de € 31.323,90 (trinta e um mil trezentos e vinte e três euros e noventa cêntimos) atribuída ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa – (v.p.t de € 10.441.300,00 x taxa de 0,30% = € 31.323,90).

 

Pelo que, ao ter procedido ao pagamento das notas de cobrança n.º 2018... e n.º 2018..., cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Maio de 2019 e 31 de agosto de 2019, no valor total de € 27.433,58, pagou APENAS a quantia de € 20.882,60 relativamente a esse prédio urbano (as duas prestações devidas em Maio e em Agosto de 2019).

 

(v.p.t do prédio de € 10.441.300,00 x taxa de 0,30% do Município de Lisboa = € 31.323,90 (colecta total do prédio): 3 prestações = €10.441,30 por prestação).

 

No mais, o Tribunal entendeu manter a liquidação em crise relativamente a todos os restantes prédios com colecta a pagar.

 

Por conseguinte, a existir o direito à restituição de quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios, tal direito está restringido APENAS à quantia de € 20.882,60 relativamente à colecta parcial do prédio urbano em questão (as prestações devidas em Maio e em Agosto de 2019) e já não ao valor total de € 27.433,58 pago pelas colectas parciais da totalidade dos prédios da Requerente não isentos de IMI (também com relação às prestações devidas em Maio e em Agosto de 2019).

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede parcialmente contra a liquidação de IMI de 2018, no valor total de € 20.882,60.

 

Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsado desta quantia, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Pelo exposto, procede, mas apenas parcialmente, o pedido de reembolso na quantia de € 20.882,60.

 

A ilegalidade parcial desta liquidação imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.

 

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que o Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

4. Pedido de juros moratórios

 

A Requerente formula pedido de condenação restituição das quantias arrecadadas pela AT “acrescida de juros de mora à taxa legal.”.

 

Em caso de não cumprimento, por banda da Administração Tributária, de sentença que implique a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora, a partir do termo da sua execução espontânea (artigo 102.º, n.º 2 da LGT).

 

Os juros indemnizatórios e os moratórios foram por lei equacionados em termos de se lhes atribuir natureza, pressupostos e taxas diversas.

 

Sobre a distinção entre juros indemnizatórios e juros moratórios, transcrevemos o seguinte excerto do acórdão do STA de 07/03/2007, proferido no processo n.º 01220/06 «O artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe "pagamento indevido da prestação tributária", determina serem "devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Tais juros enquadram-se na teoria da responsabilidade civil extracontratual, com fundamento constitucional - artigo 22º da Constituição da República Portuguesa. Destinam-se, pois, a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária. Por sua vez, o artigo 102.º da mesma LGT, epigrafado "execução de sentença", estabelece – nº 2 - que, no "caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea" (disponível em www.dgsi.pt/).

 

 

Assim, "os juros de mora a favor do sujeito passivo, que são admitidos nos casos em que não seja cumprida, pela Administração Tributária, no prazo fixado na lei, uma obrigação de pagamento de uma quantia ao sujeito passivo, destinam-se a reparar os prejuízos presumivelmente sofridos por este, derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente, tendo natureza idêntica à dos juros de mora previstos na lei civil".

Cfr. Jorge de Sousa, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, p. 180.»

 

Nos termos da lei, os juros de mora, diferentemente dos juros indemnizatórios, são devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória, prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial.

 

O  n.º 2 do artigo 102.º da LGT prevê o pagamento de juros de mora ao contribuinte, ao preceituar que em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago são devidos juros de mora a partir do termo do prazo de execução e a emissão da nota de crédito.

 

Por sua vez, o n.º 5, do artigo 43.º da LGT (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) preceitua «no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído pro decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outra entidade públicas.»

 

Nas palavras de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa «Trata-se de um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2.º, n.º 1, do CPC). (in Lei Geral Tributária, 4.ª edição 2012, encontro da escrita, pág. 344).

 

Porém, o artigo 43.º da LGT, com a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária” estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, onde se insere a determinação da aplicação de juros de mora agravados (n.º 5).

 

Daqui decorre necessariamente que os juros de mora agravados, previsto no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, só são devidos nos casos em que esteja em causa executar uma decisão judicial e se trate de uma situação enquadrável no n.º 1, isto é, em que se verificam os pressupostos legais para atribuir juros indemnizatórios a favor do contribuinte, um vez que o citado artigo 43.º versa sobre o direito a juros indemnizatórios, não havendo lugar ao agravamento dos juros de mora se não foram devidos juros indemnizatórios.

 

Artº 43º nº 5 da LGT

 

No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

Neste sentido pronunciou-se o acórdão do STA de 01/02/2017, proferido no processo n.º 0285/16, do qual se transcrevemos a seguinte passagem sobre a interpretação do n.º 5 do artigo 43.º da LGT «(…) da leitura atenta que se faz deste preceito legal (artigo 43º, n.º 5 da LGT), podemos perceber que a consideração de tal taxa de juro sancionatória justifica-se nos casos em que sejam devidos juros indemnizatórios, e no período expressamente assinalado no referido preceito legal - período de tempo que vai além do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito a favor do contribuinte; haverá, por isso, uma cumulação dos “normais” juros indemnizatórios, com os juros de mora “dobrados”, uma vez que estes mais não configuram do que uma sanção à administração relapsa.

 

Efectivamente, estes juros “dobrados” a favor do contribuinte, ao contrário dos juros indemnizatórios, perdem a natureza indemnizatória/reparatória que poderiam ter e apenas assumem a natureza de sanção.

 

                Ora, a execução da sentença do tribunal tributário transitada em julgado é obrigatória para a administração tributária.

 

A administração tributária deve cumprir espontaneamente a sentença no prazo de 3 meses nos termos do art. 175º, nº 1, do CPTA, a não ser que a execução consista apenas no pagamento de quantia, caso em o que prazo é de 30 dias (n.º 3 do mesmo artigo).

 

De harmonia com o disposto no art. 146º, nº2, do CPPT, «o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado da decisão».

 

Decorrido o prazo de execução espontânea sem que ela seja cumprida, pode, então, o interessado requerer ao tribunal tributário que tiver proferido sentença em 1.º grau de jurisdição a execução da sentença (arts. 146.º, n.º 3, do CPPT e 176.º, n.º 1, do CPTA).

 

Decorrido o referido prazo de execução espontânea pela administração tributária, o credor da restituição de tributo pago (nele incluídos, evidentemente, os juros indemnizatórios a que se tenha direito), terá direito a juros de mora.

 

“O seu pagamento depende, todavia, de pedido seu, a efectuar na referida petição dirigida ao tribunal.”

(cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª Edição, Encontro de escrita, pág. 887).  

 

Por conseguinte, o direito aos juros de mora depende de ter já decorrido o prazo de execução espontânea da sentença sem que ela seja cumprida, o que ainda não sucedeu.

 

Pelo que, neste momento, se indefere o pedido da Requerente de juros de mora, sem prejuízo dos eventuais direitos poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir.

 

V.           Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

a)            Julgar parcialmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular parcialmente a liquidação de IMI n.º 2018..., relativa ao período de tributação de 2018, na parte em que inclui o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, que teve origem no anterior artigo ...º e estava isento de IMI, por vício de violação de lei;

 

b)           Julgar parcialmente procedente o pedido na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, em virtude do montante indevidamente pago no montante de € 20.882,60 (vinte mil oitocentos e oitenta e dois euros e sessenta cêntimos), desde as datas em que a Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, a determinar em execução da presente decisão arbitral;

 

c)            Julgar improcedente o pedido de juros de mora, sem prejuízo de o respectivo direito poder ser exercido em execução da presente decisão arbitral.

 

VI.      Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 27.433,58 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta e oito cêntimos).

 

VII.    Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros).

 

O pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao valor de € 20.882,60 (vinte mil oitocentos e oitenta e dois euros e sessenta cêntimos), que corresponde a 76,12%.

 

Nestes termos, fixa-se a repartição da responsabilidade por custas em 23,88% para a Requerente e 76,12% para a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 21 de dezembro de 2020

 

O Árbitro,                                                          

Pedro Miguel Bastos Rosado