Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 536/2020-T
Data da decisão: 2021-08-23  IRC  
Valor do pedido: € 39.582,30
Tema: IRC – Retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por não residentes; Meios de prova.
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SUMÁRIO:

 

I.             Para efeitos da dispensa total ou parcial da retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes em território português, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova desse facto perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido, nos termos do art. 98.º, n.º 2 do Código do IRC.

II.            Estes documentos têm, nos termos do n.º 3, al. b) do mesmo preceito, a validade de um ano sendo que, verificadas alterações nos pressupostos de que depende a dispensa total ou parcial de retenção na fonte, a entidade beneficiária dos rendimentos deve imediatamente informar a entidade devedora ou pagadora.

 

***

 

A árbitra Marisa Almeida Araújo, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 13 de janeiro de 2021, profere a seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             Relatório

 

A... SAD, NIPC..., com sede no ... ..., ..., ..., ...– ..., ..., (adiante apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).

 

A Requerente pretende que o Tribunal declare a anulação da liquidação n.º 2018..., na parte controvertida, no valor de imposto de € 3.750,00 e juros de € 672,56 e da liquidação n.º 2018..., na parte controvertida, no valor de imposto de € 31.250,00 e juros compensatórios de € 3.909,74, com todas as consequências legais e, reflexamente, a anulação, quanto ao objeto da ação, da decisão de recurso hierárquico e reclamação graciosa.

 

A Requente fundamenta a sua pretensão na alegada ilegalidade das liquidações em apreço nos autos por errónea apreensão dos factos e incorreta subsunção ao direito aplicável e violação do art. 98.º do CIRC (especialmente do n.º 2, 3 e 6).

Para o efeito, alega que foi objeto de um procedimento inspetivo incidente sobre os exercícios de 2014 e 2015, o qual conduziu a liquidações adicionais em matéria de retenções na fonte de IRC – a saber:

a) Liquidação n.º 2018..., no valor de 33.907,67 €: imposto de € 28.750,00 e juros compensatórios de 5.157,67 €.

b) Liquidação n.º 2018..., no valor de 193.483,95 €: imposto de 171.966,37 € e juros compensatórios de 21.517,58 €.

Inconformada, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa, contra ambas, que veio a ser parcialmente deferida. Inconformada com a parte indeferida, a Requerente, apresentou recurso hierárquico, que foi decidido de forma expressa, com indeferimento parcial.

No âmbito das liquidações, a Requerente fixa o objeto controvertido na presente ação sobre os pagamentos a duas entidades não residentes: a B... Limited, com pagamentos de 15.000,00 € e alegado imposto em falta de 3.750,00 €; e C... Ltda, com pagamentos de 125.000,00 € e alegado imposto em falta de 31.250,00 €.

Em relação à C... não existe imposto em Portugal, por funcionamento da Convenção de dupla tributação entre Portugal e o Brasil sendo que a AT entendeu, segundo a Requerente, que não foi apresentado um certificado válido e temporalmente tempestivo dos factos a comprovar, porquanto o facto que se pretende certificar data de 22/10/2015, e não inclui no período abrangido pelo certificado, que é o de 1/8/2014 a 29/12/2014.

Em relação à B... a AT entende que a Requerente, segundo esta alega, teria de efetuar retenção na fonte definitiva, uma vez que o certificado emitido pelas autoridades estrangeiras tem data de 29/1/2014 e visa certificar um pagamento posterior em 14/4/2014 o que a AT não aceita uma vez que a certificação para futuro coloca em risco a certeza e segurança jurídica.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 14 de outubro de 2020 tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 16 de outubro de 2020 e seguiu a sua normal tramitação.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, a aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 10 de dezembro de 2020, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

A 18 de dezembro de 2020, no âmbito e para os efeitos do art. 13.º do RJAT, a AT veio comunicar a revogação parcial do ato de liquidação de IRC de 2015, tendo em consideração o documento junto aos autos pela Requerente com o PPA, mantendo-se, quanto ao mais o ato de liquidação impugnado referente ao ano de 2014.

Notificada para o efeito pelo Senhor Presidente do CAAD, a Requerente veio informar, em 23 de dezembro de 2020, que aceitava a revogação e declarava a intenção de prossecução do processo relativamente ao ato impugnado e não revogado.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 13 de janeiro de 2021.

 

Em 3 de maio de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual invocou como questão prévia a redução do valor do processo e se defendeu por impugnação pugnando pela improcedência do pedido e consequente absolvição do pedido; o processo administrativo foi junto aos autos em 25 de maio de 2021.

 

A Requerida alega que na sequência de um procedimento inspetivo efetuado à Requerente ao abrigo das ordens de serviço nºs OI2017..., e OI2017..., os serviços de inspeção tributária verificaram a alegada falta de retenção na fonte de imposto aquando do pagamento de rendimentos a diversas entidades não residentes, relativos a operações de intermediação de contratos o que se concluiu tratar-se de uma violação do disposto no artigo 94.º do CIRC.

Verificou-se, naquela sede, segundo a Requerida, que a entidade inspecionada não logrou comprovar os requisitos para efetivar as dispensas de retenção por si operadas. Tais correções deram origem à emissão das liquidações de IRC, referentes aos anos 2014 e 2015, com os n.°s 2018... e nº 2018..., e respetivos juros compensatórios.

Discordando daqueles atos tributários, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os mesmos (à qual foi atribuído o n.º ...2019...), e reclamação foi parcialmente deferida, por despacho de 31/07/2019, notificado em 07/08/2019.

Não se conformando, com o deferimento parcial, a Requerente deduziu recurso hierárquico, continuando a invocar a existência de documentos válidos que permitiam a dispensa da retenção.

Em 05/08/2020, por despacho do Diretor de Serviços da DSRI, por delegação, o recurso hierárquico foi deferido parcialmente. Tal deferimento parcial fundou-se na falta de documentos comprovativos válidos, nomeadamente certificados de residência válidos. Não se conformando com aquele ato tributário, a Requerente deduziu a presente impugnação junto do Tribunal Arbitral.

A Requerida, considerando os documentos juntos pela Requerente aos autos com o PPA, revogou parcialmente na parte contestada o ato de liquidação de 2015 mantendo, não obstante, a sua posição em relação ao ato de liquidação controvertido relativo a 2014.

No que tange a esta matéria a Requerida alega que o certificado de residência da B... é emitido pelas autoridades fiscais de Hong-Kong ao abrigo da CDT, para todo o ano de 2014, verifica-se que a emissão do documento é de 29 de janeiro de 2014. Considerando que o facto que se pretende certificar dará de 14 de abril de 2014, a aceitação daquele certificado abriria um precedente extremamente perigoso, colocando em risco a certeza e segurança jurídica.

A AT pugna, assim, pela manutenção do ato impugnado em relação ao ano de 2014.

Para além disso, alega ainda não ser responsável pelos juros indemnizatórios e, não tendo sido junto aos autos comprovativo de pagamento do imposto, obsta ao deferimento do pedido de juros indemnizatórios e, por outro, à definição da data a partir da qual se conta o prazo de contagem dos eventuais juros.

 

Em 15 de junho de 2021 foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e foi concedido o prazo de 10 dias para alegações, tendo sido garantido o contraditório relativo à redução do valor do processo requerido pela AT considerando a revogação da liquidação.

As partes não apresentaram alegações, mas a Requerente veio, a 18 de junho de 2021, requerer a redução da taxa arbitral subsequente considerando a revogação da liquidação.

Por despacho de 6 de julho de 2020 o tribunal decidiu a pretensão da Requerente indeferindo o pedido de redução da taxa arbitral.

 

 

II.            Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Não há questões prévias, nulidades ou matéria de exceção para conhecer passando-se para a análise do mérito da causa.

 

III.          Fundamentação

 

III.I. Matéria de facto

 

A.           Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

1.            A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2017... e OI2017...;

2.            De acordo com os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de ... verificou-se a falta de retenção na fonte de imposto aquando do pagamento de rendimentos a diversas entidades não residentes, relativos a operações de intermediação;

3.            As correções deram origem à emissão das liquidações de IRC, referentes aos anos 2014 e 2015, com os n.°s 2018... e nº 2018..., respetivamente, e respetivos juros compensatórios;

4.            A Requerente deduziu reclamação graciosa à qual foi atribuído o n.º ...019..., e reclamação foi parcialmente deferida, por despacho de 31/07/2019, notificado em 07/08/2019;

5.            A Requerente deduziu recurso hierárquico;

6.            Em 05/08/2020, por despacho do Diretor de Serviços da DSRI, por delegação, o recurso hierárquico foi deferido parcialmente;

7.            A liquidação correspondente ao ano de 2014 é relativa à B...;

8.            Foi emitido certificado de residência da B... pelas autoridades de Hong Kong que certifica a residência naquele território, ao abrigo da CDT, para todo o ano de 2014;

9.            O certificado foi emitido em 29 de janeiro de 2014;

10.          O facto tributário relativo àquela entidade é de 14 de abril de 2014;

11.          A AT foi notificada da apresentação do PPA, por correio eletrónico, no dia 26 de outubro de 2020;

12.          Por despacho de 24 de novembro de 2020 a Requerida revogou parcialmente na parte contestada o ato de liquidação de 2015 mantendo, não obstante, a sua posição em relação ao ato de liquidação controvertido relativo a 2014;

13.          Em 18 de dezembro de 2020 a AT informou o CAAD do despacho de revogação;

14.          A Requerente foi notificada do despacho do Presidente do CAAD, nos termos e para os efeitos do art. 13.º do RJAT, a 18 de dezembro de 2020;

15.          A Requerente respondeu a 23 de dezembro de 2020 referindo que “aceita essa mesma decisão” de revogação parcial do ato impugnado na parte contestada e “declara que deseja prosseguir com o processo relativamente à parte não revogada”.

16.          O Tribunal arbitral foi constituído a 13 de janeiro de 2021.

 

B.            Factos não provados:

 

1.            Não se provou a data do pagamento do imposto em apreço nos autos.

 

C.            Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, que em termos de matéria de facto, as partes não divergem na sua posição, com exceção do facto dado como não provado, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

Em relação ao facto dado como não provado – ónus probatório a cargo da Requerente – resulta que não é apresentado o comprovativo de pagamento do imposto o que, não negando a Requerida que o mesmo haja sido pago, a verdade é que dos autos não resulta o momento em que o mesmo foi pago.

Face ao exposto, e quanto ao facto 1. da factualidade dada como não provada, o tribunal conclui que a Requerente não cumpriu o ónus probatório a que estava adstrita, dando-se o facto como não provado.

 

 

III.II Matéria de Direito (fundamentação)

 

Atentos os eventos e desenvolvimentos processuais descritos no Relatório e tendo em conta os pedidos formulados pela Requerente, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:

a)            A inutilidade da lide;

b)           O valor da causa;

c)            Os requisitos legais e a admissibilidade do certificado de residência emitido pelas autoridades fiscais de Hong-Kong em relação à B...;

d)           O direito a juros indemnizatórios;

e)           A responsabilidade pelas custas processuais.

 

a)            Da inutilidade superveniente parcial da lide:

A AT veio, nos termos do art. 13.º do RJAT, revogar a Liquidação n.º 2018... de 2018, relativa ao ano de 2015.

Nos termos da al. e) do art. 277.º do CPC (art. 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT) a instância pode extinguir-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

A Requerida, no decurso da constituição do presente tribunal arbitral satisfez, parcialmente, a pretensão da Requerente considerando a junção ao PPA de um novo documento. Com efeito, a Requerida veio revogar a liquidação supra referida.

Ainda que a Requerente, no que tange a esta liquidação, peticione, entre o mais juros, a verdade é que da posição que a mesma assumiu no processo conclui-se que a sua pretensão fica, quanto à aludida liquidação, globalmente satisfeita. De facto a Requerente alega que “[...] aceita essa mesma decisão [...] [e] declara que deseja prosseguir relativamente à parte não revogada [...]”.

Do que se interpreta da declaração da Requerente a mesma encontra-se integralmente satisfeita em relação à revogação do ato de liquidação e, quanto a este, cessar a tramitação processual arbitral. Ora, assim sendo, os pedidos relativos a este ato de liquidação, do que resulta da posição da Requerente, encontram-se integralmente satisfeitos, pelo que o conhecimento do mérito das pretensões deduzidas – em relação a este ato – se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.

Desta forma, e no que tange ao ato de liquidação de 2015 não tem utilidade o prosseguimento do processo. Verifica-se, assim, um exceção dilatória que é causa de extinção, parcial, da instância e implica a absolvição da Requerida da instância nos termos da al. e) do art. 277.º e do n.º 1 al. e) do art. 278.º do CPC (subsidiariamente aplicável por força do art. 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT).

 

b)           Quanto à determinação do valor da ação:

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi indicado, pela Requerente, o valor total de € 39.582,30.

Entretanto, a AT revogou parcialmente o ato impugnado, na parte contestada relativa ao ano de 2015, o que a Requerente disse aceitar, mas mantendo a pretensão em relação ao ato de 2014, no valor de 4.422,56 € (3.750,00 € de imposto e 672,56 € de juros).

A AT veio requerer a redução do valor da ação para os aludidos 4.422,56 € considerando a revogação da liquidação em apreço nos autos, na parte contestada, em sede de resposta, mas já depois de constituído o Tribunal Arbitral.

Sendo certo que a AT, nos termos do art. 13.º do RJAT, revogou o ato de liquidação e disso notificou o Presidente do CAAD mas, a verdade é que nos termos do art. 296.º do CPC, o valor da ação representa a utilidade económica imediata do pedido determinado no momento da propositura da ação nos termos do n.º 1 do art. 299.º do CPC.

Desta forma, entende-se que o único valor possível a considerar – incluindo para efeitos de determinação de custas conforme já decidido – será o único montante existente e que motivou a constituição do tribunal arbitral, i.e., € 39.582,30.

 

c)            Quanto ao certificado de residência:

Passamos, agora, à apreciação da questão de fundo dos presentes autos, a qual face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, consiste em saber se, quanto à liquidação n.º 2018... de 2018 relativa ao ano de 2014 da B..., o certificado emitido pelas autoridades de Hong-Kong em relação à residência da entidade B... cumpre os requisitos legalmente impostos e deve, ou não, ser admitida.

A AT admite que o certificado de residência daquela entidade foi emitido pelas competentes autoridades fiscais de Hong-Kong. Tal certificado foi emitido em 29 de janeiro de 2014 e o facto que se pretende certificar data de 14 de abril de 2014. Alega a AT que admitir tal certificado abre um precedente perigoso porquanto se admitiria a certificação de um facto futuro, o que colocaria em risco a certeza e segurança jurídica.

Do que aqui está em causa é a admissibilidade ou não do certificado considerando o conteúdo da declaração.

Dos elementos apresentados – e que a AT admite – estamos perante um certificado emitido pelas autoridades fiscais competentes de Hong-Kong que atesta que a entidade B... tem residência naquele território, facto que atesta e certifica no documento exarado a 29 de janeiro de 2014, nos termos da respetiva CDT.

Cumpre apreciar,

Nos termos do art. 98.º do CIRC não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC quando por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação que vincule o Estado, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.

Nos termos do art. 98.º, n.º 2 do CIRC os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido.

Estes documentos têm, nos termos do n.º 3, al. b) do mesmo preceito a validade de um ano sendo que, verificadas alterações nos pressupostos de que depende a dispensa total ou parcial de retenção na fonte, a entidade beneficiária dos rendimentos deve imediatamente informar a entidade devedora ou pagadora.

Neste caso, o certificado foi emitido pelas entidades competentes – o que a AT não põe em causa – nem põe em causa o cumprimento dos demais requisitos relativos à CDT. O que a AT alega é que, da interpretação que faz, o documento não deve ser admitido já que certifica um facto futuro.

A AT põe, assim, em causa a admissibilidade de um documento validamente exarado, considerando uma interpretação que faz do teor da declaração que consta no certificado, mas sem nunca demonstrar – e provar in casu – como se lhe impunha, que o alcance da declaração obsta aos efeitos da dispensa de retenção. Mas a verdade é que a entidade competente de Hong Kong atesta que a B... é residente no território cumprindo, formal e materialmente todos os requisitos no âmbito da CDT e, quando apresentado, este documento encontra-se dentro do hiato temporal de validade previsto nos termos previstos no CIRC.

Assim, o âmbito material da declaração atesta expressamente o facto fiscalmente relevante, i.e., a residência da entidade no território estrangeiro, formalmente vertido no documento emitido pelas autoridades competentes.

Havendo assim total congruência entre o teor formal e o sentido material da declaração.

Se do certificado se extrai mais do que isso – i.e. a residência naquele território para todo o ano de 2014 e a alegada “certificação para o futuro” como a AT alega – não permite, por este segmento da declaração, de per se e sem outros elementos, pôr em causa a veracidade do facto que atesta e, em consequência obstar a utilização do certificado para os efeitos do art. 98.º do CIRC.

O que se atesta é que a 29 de janeiro de 2014 a entidade era residente no território, sendo que o facto tributário em apreço é de abril de 2014, data em que aquele certificado é válido e pode ser usado posteriormente nos termos do n.º 3, al. b) do art. 98.º do CIRC, até ao termo de um ano a contar da sua emissão, ou antes, se verificadas alterações nos pressupostos de que depende a dispensa total ou parcial de retenção na fonte. Ora não há nota de alguma destas alterações se ter verificado e o certificado em apreço está dentro do período de validade prescrito na lei, nada obsta à sua utilização.

Assim a alegação de “extremo perigo”, sem qualquer facto que corrobore esta conclusão, da utilização de um documento validamente emitido, por entidades competentes, seria arbitrário já que não se extrai qualquer facto que possa pôr em causa a veracidade da declaração que atesta.

O que aqui está em causa é que de um documento formalmente válido se extrai o conteúdo material fiscalmente relevante, cumprindo-se os requisitos legais descritos; o mais que se possa extrair da declaração, seja ou não certificação de facto futuro não põe em causa, muito menos só por si, o conteúdo da declaração que lhe antecede e é este elemento que, para os efeitos da liquidação em causa, importa nos termos referidos do art. 98.º do CIRC.

Desta forma, o certificado é legalmente válido, ao abrigo da CDT, nos termos do art. 98.º do CIRC, procedendo nesta parte o pedido arbitral.

 

d)           Quanto ao pagamento de juros indemnizatórios:

A Requerente pretende que, com a anulação da liquidação e da parte correspondente na reclamação graciosa e recurso hierárquico, que lhe seja pagos juros.

No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no n.º 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do ato tributário.

De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso do montante de imposto pago, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Neste caso concluímos que este erro se verifica nos termos descritos e, na sequência da declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação e respetiva anulação, na medida do peticionado pela Requerente, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT estão preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, tendo a Requerente direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia paga indevidamente, os quais serão contados de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 61.º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

Mas a Requerente não apresentou prova do momento do pagamento, o que era essencial nos termos legalmente referidos pelo que, face aos factos não provados, não é possível condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Por isso, julga-se improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

e)           Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

Nos termos do n.º 3 do art. 536.º do CPC (aplicável ex vi al. e) do n.º 1 do art. 29.º do RAT) nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.  Nos termos do n.º 4 do mesmo preceito considera-se, designadamente imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.

Nos presentes autos ficou demonstrado que a pretensão da Requerente foi voluntariamente satisfeita pela Requerida, uma vez que esta revogou um dos atos tributários impugnados, que determinou a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido da respetiva declaração de ilegalidade e anulação, pelo que é imputável à AT já que, quando a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral, tal ainda não havia acontecido.

Desta forma, concluímos que a Requerida, quanto a esta liquidação revogada, deu causa à constituição deste Tribunal, pelo que as custas do presente processo, nesta parte, devem ser imputáveis à Requerente.

Quanto ao mais, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida.

Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada, também nesta parte, à Requerida.

 

Com a procedência do pedido arbitral, quanto ao aludido fundamento, fica prejudicado o conhecimento de demais peticionado pela Requerente – artigos 130.º e 608.º, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, do RJAT.

 

IV.          Decisão

 

Nestes termos decide-se:

a)            Julgar extinta a instância no que tange à liquidação referente ao ano de 2015 e absolver a Requerida da instância;

b)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar ilegal e anular a liquidação n.º 2018... de 2018, referente ao ano de 2014, e anular a reclamação graciosa e recurso hierárquico na parte que manteve a liquidação, com todas as consequências legais;

c)            Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 39.582,30.

 

Custas: Entende este Tribunal que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, i.e., € 39.582,30, correspondente ao valor das liquidações impugnadas – na parte em que o foram – e inicialmente indicado pela Requerente no PPA.

Assim, nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 1.836,00, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 23 de agosto de 2021

 

A Árbitra,

(Marisa Almeida Araújo)