Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 534/2019-T
Data da decisão: 2019-12-02  IMT  
Valor do pedido: € 76.771,50
Tema: IMT – Cessação de isenção; Momento a atender para liquidação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Adelaide Moura e Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-10-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... ... (doravante designada por “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pretende a anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) emitida na sequência do pedido efetuado pela ora Requerente ao abrigo da disposição constante do artigo 34.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) de que resultou um valor a pagar de € 76.771,50, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente pede ainda indemnização por garantia indevida.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-08-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 26-09-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 16-10-2019.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 21-11-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como alegações.

                               O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           A Requerente é uma sociedade cujo objecto social consiste na “Aquisição de imóveis para revenda, a exploração de imóveis e o seu arrendamento, podendo no âmbito dessa actividade realizar trabalhos de construção. Prestação de serviços de consultoria financeira e de intermediação financeira. Exploração de restaurantes, hotéis e supermercados. Comércio, importação, exportação e aluguer de embarcações de recreio. Organização e gestão de eventos desportivos, culturais e sociais” (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)           Em 07-08-2015, a Requerente adquiriu, por escritura de compra e venda, o prédio urbano sito na Rua ... n.ºs..., ..., ..., ..., ... e..., e na Rua da ... n.ºs..., ..., ... e ... em Lisboa, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º..., da Freguesia de ... inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º..., da freguesia de ..., pelo valor de € 911.400,00 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)           Aquando da aquisição do referido prédio, a Requerente declarou tratar-se do prédio destinado a revenda, pelo que a aquisição ficou isenta de IMT nos termos do disposto no n.º 1, do art. 7.º do CIMT;

D)           Em 18-05-2016, a Requerente entregou a declaração Mod 1, referente ao artigo..., da matriz predial urbana da freguesia de ..., registada com o n.º ..., em que consta “Motivo: prédio melhorado/modificado”;

E)            Em 18-05-2016, a Requerente entregou a declaração Mod 1, referente ao artigo..., da matriz predial urbana da freguesia de ..., registada com o n.º..., em que consta “Motivo: prédio melhorado/modificado”;

F)            Em 27-12-2016, foi outorgada escritura pública de constituição do referido prédio em propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo provisório P...º, de que resultaram 27 fracções autónomas (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G)           Entre essas fracções inclui-se a fracção “AA”, que corresponde à cave e rés-do-chão, com entrada independente a partir da via pública pelo n.º ... da Rua ..., estando também alocados os n.º s..., ..., ... e ... da mesma rua, os n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... da Rua da ... e os n.ºs ..., ... ... e ... da Rua ..., destinada a Comércio, com a permilagem 181,83;

H)           O prédio referido foi objecto de obras de reabilitação, as quais tiveram, naturalmente, impacto no Valor Patrimonial Tributário (“VPT”), tendo, inclusivamente, sido emitido o alvará de obras de ampliação e demolição n.º .../OD/2017, e o alvará de utilização n.º .../UT-CML/2018, ambos emitidos a favor da ora Requerente (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Em 21-11-2016, a Requerente entregou a declaração Mod 1, referente ao artigo...º, da matriz predial urbana da freguesia de ..., registada com o n.º..., em que consta “Motivo: prédio melhorado/modificado/reconstruído”, na sequência do qual, as fracções constituídas foram avaliadas;

J)            Relativamente à fracção “AA”, consta, na Ficha de Avaliação n.º ..., de 23-08-2018, o VPT de € 1.181.100,00;

K)           Em 07-09-2018, a Requerente requereu, junto do SF de Lisboa, a emissão da liquidação de IMT relativamente à referida fracção, uma vez que não tinha sido revendida decorridos três anos da aquisição, tendo solicitado que a liquidação tivesse por base a proporção do valor pago na aquisição do imóvel, isto é, € 165.719,86, uma vez que o preço pago (€ 911.400,00) era superior ao respectivo VPT ( 704.432,77);

L)            Em 22-07-2019, foi emitida a liquidação de IMT que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Fica notificado(a), nos termos do artigo 31 °, n° 4 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e do artigo 36° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta notificação, efetuar o pagamento de IMT no valor de €76.771,50.

O pagamento deverá ser efectuado mediante documento de cobrança a solicitar neste Serviço de Finanças, ou requerido por e-mail para o seguinte endereço: sf...@atgov.pt.

Desta liquidação, poderá reclamar ou impugnar nos termos e nos prazos estabelecidos nos artigos 70°, 99° e 102° do CPPT.

Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido; haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do artigo 88° do CPPT,

 

Fundamentação:

Em 2015-08-07, foi adquirido pela sociedade A..., SA, NIF:..., o imóvel inscrito à data sob artigo matricial n° ... da freguesia de ..., com destino a revenda, tendo beneficiado da isenção de IMT nos termos do artigo 7° do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).

Em 2016-12-27 o referido imóvel passou ao regime de propriedade horizontal, com 27 frações autónomas. O artigo matricial passou a ser o n°... da freguesia de ... .

A fração autónoma "M", que corresponde à loja na cave e rés-do-chão, não foi vendida no prazo legal de três anos, pelo que a isenção beneficiada caducou em 2018-08-07, nos termos do n° 5 do artigo 11 ° do CIMT,

A empresa requereu a liquidação do imposto nos termos do artigo 34° do CIMT, em 2019-09-07, nos termos doo artigo 34° do CIMT.

 

LIQUIDAÇÃO:

- Valor do ato ou contrato: €911.400,00 x 0,18183 = €165.719.86

- Valor Patrimonial IMT (Art. 16° CIMT): €1.181.100,00

- Valor Tributável (Art. 12°; n.º 1 CIMT: €1.181.100,00 - Taxa: 6,5% (Art. 17°, n° 1 alínea d) CIMT) -Coleta: €76.771,50

 

M)          Em 02-08-2019, foi instaurado o processo de execução fiscal com o n.º ...2019..., em virtude de o imposto não ter sido pago dentro do prazo de pagamento voluntário;

N)           A Requerente prestou garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal referido («print» junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua Resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

O)           Em 09-08-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não há controvérsia sobre os factos provados.

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 7.º, n.º 1, do CIMT estabelece que «são isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda».

A Requerente adquiriu um prédio beneficiando desta isenção.

De harmonia com o preceituado no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, «a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda».

No caso em apreço, a Requerente procedeu a obras de reabilitação e modificação no prédio adquirido e constituiu propriedade horizontal de que resultaram 27 fracções, uma das quais não foi vendida no prazo de três anos.

Tendo decorrido este período, a Requerente requereu, junto do SF de Lisboa, a emissão da liquidação de IMT relativamente à referida fracção, tendo solicitado que a liquidação tivesse por base € 165.719,86, montante resultante da aplicação da permilagem de 181,83 (correspondente à referida fracção) ao preço total pago pela Requerente, que foi de € 911.400,00 (atendível por força do n.º 1 do artigo 12.º do CIMT, por ser superior ao valor patrimonial tributário do referido imóvel, que era de € 704.432,77).

Com a aplicação da taxa de IMT de 6,5% - prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º do CIMT– sobre a referida base tributável de € 165.719,86, o IMT a pagar seria de € 10.771,79.

No entanto, a Administração Tributária entendeu que não era de ter em conta o valor de aquisição do imóvel, mas sim o seu actual valor patrimonial tributário, aplicando o artigo 16.º do CIMT que estabelece que «o valor patrimonial tributário para efeitos deste imposto é o valor dos bens imóveis inscritos nas matrizes à data da liquidação», conjugado com o n.º 1 do seu artigo 12.º, que estabelece que «o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior».

Sendo o actual valor patrimonial tributário da fracção € 1.181.100,00 (superior ao valor de aquisição), a Administração Tributária aplicou a este valor a taxa de 6,5%, do que resultou o valor da liquidação de € 76.771,50.

A controvérsia entre as Partes tem por objecto a questão de saber se, para determinar a matéria colectável a considerar nos casos de caducidade da isenção do regime da compra para revenda, nas situações em que o prédio, foi sujeito a alterações e objecto de nova avaliação, é de atender ao valor de aquisição (quando superior ao valor patrimonial tributário no momento em que ocorreu) ou ao valor patrimonial tributário actualizado, inscrito na matriz à data da liquidação.

O regime da aplicação temporal das taxas está previsto no artigo 18.º do CIMT, nos seguintes termos:

 

Artigo 18.º

Aplicação temporal das taxas

1 - O imposto será liquidado pelas taxas em vigor ao tempo da ocorrência do facto tributário.

2 - Se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação.

3 - Quando, no caso referido no número anterior e após a aquisição dos bens, tenham ocorrido factos que alterem a sua natureza, o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão.

 

                Como decorre dos n.ºs 2 e 3 deste artigo, a entender-se que as obras de alteração do prédio e a sua transformação em 27 fracções constituem alteração da sua natureza, para este efeito, serão aplicáveis a taxa e o valor vigentes à data da transmissão e, no caso de se entender que não ocorreu uma alteração de natureza, serão aplicáveis a taxa e o valor vigentes à data da liquidação.

               

A situação dos autos, é idêntica à apreciada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-09-2015, proferido no processo n.º 0222/15, citado pela Requerente.

Na verdade, também aí estava em causa a alteração de um prédio para o regime de propriedade horizontal, tendo o Supremo Tribunal Administrativo entendido que a constituição de propriedade horizontal implica alteração da natureza do bem, como se conclui do seguinte excerto daquele acórdão:

 

«A situação sub judicie cai sob alçada do disposto no seu n.º 3, isto é, o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão porque durante o período de isenção ocorreram factos que alteraram a natureza do bem – a constituição de propriedade horizontal-.

Parece ter sido opção do legislador que, verificando-se caducidade da isenção, nestas situações, sem que o bem tenha sofrido qualquer alteração o imposto seja determinado tendo em conta a taxa e o valor vigentes à data da liquidação. Mas, verificando-se alteração, já a liquidação terá em conta as taxas e valores vigentes à data da transmissão que ocorreu, naturalmente, antes de qualquer alteração sobre a natureza do bem.

A caducidade da isenção ocorreu em Abril de 2009 (3 anos depois de celebrada a escritura de compra e venda), sendo que, entretanto o prédio fora sujeito a constituição de propriedade horizontal, a impugnante apresentou, junto dos serviços da AT, a 09/02/2009, declarações para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz, (Modelo 1), indicando como motivo “Prédio Melhorado / Modificado”, vindo as fracções assim individualizadas a ser objecto de avaliação, tendo, nessa sequência, sido fixado um VPT total de € 1.584.750,00.

Não há dúvida que o imóvel sofreu alterações na sua natureza entre o momento em que foi adquirido pela impugnante e aqueloutro em que cessou a isenção, com repercussões muito significativas no valor patrimonial. Mas, apesar disso, nos termos da lei, como vimos, o valor da aquisição - 648.437,30 €-, será o que deve ser tido em conta na liquidação do IMT».

 

Esta jurisprudência foi reafirmada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-10-2015, proferido no processo n.º 0506/15.

Não se vêem razões para discordar desta jurisprudência.

Na verdade, nestes casos de transformação física e jurídica em fracções autónomas de um prédio que, quando foi adquirido, estava constituído em propriedade vertical, está-se perante uma situação de acentuada alteração da natureza, que justifica que legalmente se entenda que se está perante um prédio diferente do adquirido, como decorre do artigo 6.º, n.º 4, do CIMI em que se estabelece que «cada fracção autónoma se no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio». Este conceito de prédio é aplicável ao IMT, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do CIMT, que estabelece que «para efeitos do IMT, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)».

O IMT incide sobre as transmissões a título oneroso (artigos 1.º e 2.º, n.º 1, do CIMT) e a sua incidência do IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, que é no momento em que ocorrer a transmissão (artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código).

Nos casos em que entre a data da aquisição e a data da liquidação posterior à cessação da isenção ocorre uma alteração substancial do prédio (designadamente obras de melhoramento ou outras alterações físicas que tenham reflexos no seu valor patrimonial, justificando actualização da matriz nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do CIMI), o prédio existente à data da liquidação já não é o prédio que foi transmitido, pelo que o seu valor patrimonial tributário actual não é o valor actualizado que o prédio transmitido teria, mas sim o valor de um prédio diferente.

Quando o prédio não é objecto de alterações físicas que justificam, alteração do valor patrimonial tributário, justifica-se que, como se prevê no artigo 18.º, n.º 2, do CIMT, o valor a considerar seja o vigente à data da liquidação, pois presumivelmente será o valor actualizado que teria o prédio transmitido.

Mas, quando entre os dois momentos o prédio é objecto de alterações que justificam uma alteração do valor patrimonial tributário nos termos do artigo 13.º n.º 1, do CIMI, não há fundamento para concluir que o valor patrimonial tributário actual seja o que teria o prédio transmitido e é por isso que o n.º 3 do artigo 18.º opta pela liquidação com base no valor vigente à data da transmissão, que é o que o único que tem conexão com o prédio transmitido.

Assim, é essa falta de correspondência quanto a características relevantes para determinação do valor patrimonial tributário entre o prédio alterado e o prédio transmitido que justifica que, em vez de se atender ao valor patrimonial tributário vigente à data da liquidação, se opte pela aplicação do vigente à data da transmissão.

                No caso em apreço, é ponto assente que o prédio transmitido foi objecto de obras que justificaram que, como «prédio melhorado/modificado/reconstruído»” fosse objecto de avaliação [alíneas E) e I) da matéria de facto fixada], da qual resultou um enorme aumento do valor (mais de 7 vezes, segundo se depreende do valor da fracção em causa, que proporcionalmente ao valor de aquisição era de € 165.719,86 e cujo valor avaliado como fracção autónoma é de € 1.181.100,00).

                Pelo exposto, é de concluir, em sintonia com a referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que o valor a considerar para efeito da liquidação é aquele valor de € 165.719,86, pelo que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro de interpretação do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3 do CIMT, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia bancária para suspender execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da liquidação impugnada e formula um pedido de indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro subjacente à liquidação impugnada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois esta foi de sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à liquidação de IMT que consta do documento n.º 1 com ele junto;

b)           Anular a liquidação referida;

c)            Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for determinada em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 76.771,50.

 

7. Custas

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 02-12-2019

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Adelaide Moura)

(Fernando Borges de Araújo)