Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 533/2021-T
Data da decisão: 2022-01-31  IMI  
Valor do pedido: € 48.258,89
Tema: AIMI - Determinação do VPT de terrenos para construção. Competência do tribunal arbitral.
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Sumário

 

  1. Como decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, a ficção de ato em que consiste o indeferimento tácito, enquanto ato lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, é suscetível de impugnação judicial, nos termos dos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT e 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
  2. Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
  3. A aplicação da majoração de 25% prevista o artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, é inequívoco que esta norma apenas abrangia prédios edificados, sendo que o artigo 45.º do CIMI, que estabelece as regras da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação então vigente, não remetia para o artigo 39.º nem continha qualquer alusão ao «valor base dos prédios edificados», pelo que resulta ilegal a consideração da “majoração” prevista no art. 39º do CIMI no cálculo dos VPT ora em causa.

 

O Árbitro Pedro Guerra Alves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

DECISÃO ARBITRAL

  • RELATÓRIO

O Requerente A…, com o NIPC …, com sede na Avenida …, Lisboa, solicita na presente impugnação, na sequencia da notificação dos atos tributários consubstanciados na liquidação de Imposto de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2020 …, de 30.06.2020 de 2020, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vem requerer declaração de ilegalidade dos identificados atos tributários, o que o faz, em suma, nos seguintes termos:

  1. A Requerente constatou que na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção que serviram de base à Liquidação Contestada que foi objeto da reclamação graciosa, a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados indevidamente os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de localização e de afetação), e considerada a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.
  2. Com efeito, na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção por referência a 01.01.2020, a AT aplicou indevidamente:
    1. um coeficiente de afetação de 1,1 e um coeficiente de localização de 1,57 nos terrenos e parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para serviços;
    2. um coeficiente de localização de 1,55 ou 1,57 nos terrenos e nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para habitação; e,
    3. um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,4 nos terrenos e nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para comércio.
  3. A Requerente constatou ainda que a fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT não expurgou, como se impunha nos termos legais, a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.
  4. Defende a Requerente, que tais erros na fórmula de cálculo de determinação do VPT dos Terrenos para Construção conduziram já à apresentação, pela Requerente, de pedidos de avaliação dos Terrenos para Construção.
  5. O VPT agregado dos referidos terrenos para construção por referência a 01.01.2020 devia ter sido fixado pela AT em € 12.627.370,00, ao invés do VPT agregado que foi ilegalmente fixado pela AT em € 24.445.733,00, o VPT correto era de € 12.381.010,00, existindo assim um VPT fixado em excesso de € 12.064.723,00.
  6. A tal VPT em excesso corresponde necessariamente um valor de AIMI em excesso, por referência ao ano de imposto de 2020, de € 48.258,89 (€ 12.064.723,00 * 0,4%).
  7. Mais defende, ainda que se considere apenas o efeito da desconsideração dos coeficientes de localização e de afetação (mantendo o valor base dos prédios edificados que foi indevidamente aplicado de 603), o VPT que deveria ter sido fixado pela AT era de € 15.784.220,00
  8. Do exposto resulta claro que ao invés do VPT agregado que foi ilegalmente fixado pela AT em € 24.445.733,00, o VPT correto era, pelo menos, de € 15.476.240,00, existindo assim um VPT fixado em excesso de € 8.969.493,00.
  9. O tal VPT em excesso corresponde necessariamente um valor de AIMI em excesso, por referência ao ano de imposto de 2020, de € 35.877,97 (€ 8.969.493,00* 0,4%).
  10. Sustenta a requerente que existe um valor mínimo de excesso de coleta de AIMI de € 35.877,97 e um valor máximo de excesso de coleta de AIMI de € 48.258,89.
  11. Alega a Requerente, que, no contexto dos procedimentos de avaliação iniciados em 2020 pela Requerente, a AT já reconheceu formalmente (ainda que apenas parcialmente) os erros na fórmula de cálculo adotada nas últimas avaliações dos Terrenos para Construção, tendo desconsiderado, nas avaliações promovidas e tal como solicitado pela Requerente, os coeficientes de localização e de afetação.
  12. Conclui a Requerente, que a Liquidação Contestada assenta em diversos erros (na aplicação do direito) que são inequivocamente imputáveis à AT e que acarretaram o pagamento, pela Requerente, de um valor de AIMI ostensivamente superior àquele que seria devido se a AT tivesse cumprido as normas legais que regem a avaliação dos terrenos para construção para efeitos fiscais, o que configura, igualmente, uma situação de injustiça grave ou notória.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 03-09-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03-09-2021.

Em 25-10-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou com árbitro do Tribunal Arbitral Singular o aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 25-10-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Singular ficou, assim, constituído em 15-11-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 15-11-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

A AT apresentou a sua resposta, em tempo, em 10-12-2021, e na sua peça apresenta uma defesa por exceção e por impugnação, defendendo a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

  1. Coloca-se desde logo, entre outras, as seguintes questões a serem apreciadas pelo doutro tribunal arbitral:

− A questão de saber se o ato que fixou o VPT está consolidado na ordem jurídica;

− A questão de saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

− A questão de saber se Administração Tributária pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, ou apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos.

  1. Defende que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, e que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.
  2. E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação.
  3. Não tendo Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação, ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente.
  4. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.
  5. Mais sustenta a requerida que a matéria para a qual apreciação de atos administrativos em matéria tributária, o Tribunal Arbitral não tem competência.
  6. Defende que as competências do tribunal arbitral encontram-se fixadas na lei, apenas abrangem a apreciação de atos de liquidação, não abrange o ato de fixação do VPT.
  7. Sendo assim, não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação, ou da decisão de indeferimento tácito que não se pronuncie sobre o ato de liquidação.
  8. No que respeita à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência, tem entendido que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização.
  9. Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.
  10. Conclui a Requerida, que as avaliações efetuadas há mais de cinco anos, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributários dos terrenos para construção, já não podem ser objeto de anulação administrativa, conforme decorre do artigo 168, n.º 1, do CPA.

Em 13-12-2021 por despacho arbitral, procedeu-se a dispensa a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; e foram notificadas as partes a apresentar, as suas alegações escritas facultativas, no prazo sucessivo de 10 (dez) dias nos termos dos artigos 29º, do RJAT, 91º-5 e 91º-A, do CPTA, iniciando-se pela apresentação por parte da Requerente, seguindo-se a apresentação pela Requerida, findo o prazo referido de dez dias.

A Requerente apresentou as suas alegações finais, reiterando a sua argumentação e fundamentos á expostos no pedido, a AT não apresentou as suas alegações.

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

A matéria de exceções será apreciada a final.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

  • DECISÃO
  1. Matéria De Facto
    1. Factos dados como provados
  1. Em 01.01.2020 a Requerente era proprietária dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias do Seixal, Arrentela e Aldeia de Paio Pires, sob os artigos matriciais U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-… e U-….
  2. A Requerente foi notificada da Liquidação de AIMI n.º 2020 …, de 30 de junho de 2020, relativa ao ano de imposto de 2020 no valor global de € 109.130,29, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 30.09.2020.
  3. Do valor global do AIMI liquidado em 2020 (€ 109.130,29), um montante de €97.782,94 diz respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação da taxa de AIMI em vigor no ano de 2020 (0,4%) relativamente aos valores patrimoniais tributários (“VPTs”) em vigor a 1 de janeiro de 2020, conforme tabela:

 

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com mesa

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  1. A Requerente procedeu ao pagamento integral da Liquidação Contestada.
  2. A Requerente apresentou, em 28.01.2021, reclamação graciosa contra a Liquidação Contestada.
  3. Em 28.05.2021, não tendo a Requerente sido notificada de qualquer projeto de decisão da reclamação graciosa apresentada, nessa data formou-se presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada.
  4. Até à presente data, não foi a Requerente notificada de qualquer projeto de decisão da reclamação graciosa apresentada.

 

  1. Factos dados como não provados

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

  1. Do Direito
  1. Quanto ao Mérito

São as seguintes as questões a examinar no presente processo.

Peticionas pela Requerente:

  1. Da ilegalidade parcial da liquidação de Imposto de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2020 …, de 30.06.2020 de 2020, no valor de € 48.258,89;
  2. Do direito a juros indemnizatórios;

Peticionada pela Requerida:

  1. As exceções da incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

  1. Das Exceções:

Tratando-se de exceções dilatórias (artigo 89.º, n.º 4, alíneas a) e k), do CPTA, subsidiariamente aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT), que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigos 89.º, n.º 2, do CPTA e 278.º, n.º 1, do CPC), são de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 608.º, do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Quanto à exceção da competência material do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido arbitral

As questões de incompetência são de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

A Requerida em defende a exceção de competência do tribunal arbitral para conhecer do pedido, alegando em suma, que os vícios do valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo. E o tribunal arbitral é incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial, atos esses que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e encontra-se consolidados na ordem jurídica.

A Requerente, respondeu, em suma, que o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT abrange inequivocamente a declaração de ilegalidade de uma decisão de indeferimento tácito de uma reclamação graciosa que corresponde precisamente ao objeto imediato do pedido arbitral apresentado pelo Requerente, devendo concluir-se que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para julgar o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente que deverá, por esse motivo, ser apreciado na sua integralidade.

Apreciando,

No caso em apreço, a Requerente pede a anulação parcial das liquidações de AIMI que é matéria incluída na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Neste sentido, refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

Por isso, quer tanto a apreciação da legalidade das liquidações como a da legalidade de actos de fixação de valores patrimoniais inserem-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Como decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, a ficção de ato em que consiste o indeferimento tácito, enquanto ato lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, é suscetível de impugnação judicial, nos termos dos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT e 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.

Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa.

Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair” . Estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, o meio processual adequado é a impugnação judicial.

Tanto assim é que o legislador admite expressamente que o pedido de pronúncia arbitral seja apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º, do CPPT (artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), entre os quais a “formação da presunção de indeferimento tácito” (artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).

Na realidade, entende-se, maioritariamente, que, perante uma situação de indeferimento expresso, há que distinguir dois tipos situações:

- os casos em que o indeferimento resultou de uma reapreciação da liquidação em causa, tendo a AT concluído, de novo, pela sua legalidade – nestes casos, por o objeto do litígio ser (continuar a ser) a legalidade da liquidação, o meio de reação judicial a utilizar seria o processo de impugnação.

- os casos em que o pedido de reclamação graciosa é indeferido por outras razões, nomeadamente por ser considerado intempestivo. Nestes casos, existe um novo ato administrativo, autónomo relativamente ao de liquidação (e não meramente confirmativo, ao invés do que sucede no tipo de casos anterior) – o meio de reação a utilizar seria, então, a ação administrativa, pois o objeto do processo seria este novo ato (e não, ao menos imediatamente, o de liquidação).

No caso do silêncio da administração, a situação é diferente:

- na construção tradicional, a do indeferimento tácito, ficcionava-se um ato de indeferimento o qual, necessariamente, era o de indeferimento do pedido formulado pelo Requerente (cfr. p. ex., ac. do STA. proc. n.º 1171/04, de 2 de fevereiro de 2005). Considerando-se tacitamente indeferido o pedido de reclamação graciosa de uma liquidação, o meio de reação seria, pois, a impugnação judicial.

- no entendimento moderno, não existe mais a figura do indeferimento tácito: com MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a figura do indeferimento tácito foi, contudo, eliminada da nossa ordem jurídica com a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2014, do CPTA (…). Isto mesmo veio a ser clarificado, com a revisão de 2015, no novo art. 129º do CPA, do qual resulta hoje, com clareza, que, fora dos casos em que a lei preveja a formação de deferimentos tácitos, o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir os requerimentos que lhe sejam regularmente submetidos não dá lugar à formação de qualquer ato tácito, mas é tratado como a omissão pura e simples que efetivamente é, ou seja, como um mero facto. Neste sentido é hoje afirmado no art.º 129º do CPA que a falta de decisão administrativa dentro do prazo legal confere ao interessado a faculdade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados.

Pretendendo os Requerentes a reapreciação da legalidade das liquidações em causa, o “meio de tutela jurisdicional adequado” é o processo de impugnação. Do que resulta a competência, em razão da matéria, deste tribunal arbitral.

Pelo exposto, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes, à face das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, quer para apreciar a legalidade das liquidações de AIMI quer dos actos de fixação de valores patrimoniais que lhes estão subjacentes.

Improcede, assim, a exceção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Da Ilegalidade Parcial da Liquidação de Imposto de Adicional Ao Imposto Municipal Sobre Imóveis (AIMI)

O thema decidendum do presente pedido de pronuncia arbitral, consiste em saber se na determinação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção deverão ser tomados em consideração os coeficientes de afectação e de localização a que se refere o artigo 38.º do Código do IM, e majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

A Requerente alegou, em suma, que AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados indevidamente os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficiente de localização e de afetação), e foi considerada a majoração de 25% constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

A Requerida, contra alegou, no que respeita à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência, tem entendido que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, contudo, as avaliações efetuadas há mais de cinco anos, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributários dos terrenos para construção, já não podem ser objeto de anulação administrativa, conforme decorre do artigo 168, n.º 1, do CPA

A primeira questão que se coloca nos presentes autos é saber de os coeficientes de qualidade, conforto, afetação e localização, previstos nos artigos 39º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redacções da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), eram aplicáveis na determinação do VPT dos prédios classificados como “terrenos para construção”.

Do Quadro Legal

Da análise do quadro legal aplicável aos presentes autos, em concreto as normas previstas nos artigos 39º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redações da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), no que aqui interessa, estabelecem o seguinte:

Artigo 39.º

Valor base dos prédios edificados

1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.

(...)

Artigo 41.º

Coeficiente de afectação

O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:

(...)

Artigo 42.º

Coeficiente de localização

(...)

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º .

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12).

Face ao regime legal gizado, o artigo 38.º do Código do IMI estabelece uma fórmula geral de avaliação dos prédios urbanos, na qual são especificamente considerados, designadamente, os coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

Quanto, ao erro na aplicação da majoração de 25% prevista o artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, segunda questão do thema decidendum, supra referido, é inequívoco que esta norma apenas abrangia prédios edificados, sendo que o artigo 45.º do CIMI, que estabelece as regras da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação então vigente, não remetia para o artigo 39.º nem continha qualquer alusão ao «valor base dos prédios edificados», pelo que resulta ilegal a consideração da “majoração” prevista no art. 39º do CIMI no cálculo dos VPT ora em causa.

O artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, na redacção anterior à Lei n. 75-B/2020, de 31 de Dezembro, estabelece que «o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor».

Como resulta do teor daquele artigo 39.º, n.º 1, a majoração de 25% nele prevista reporta-se apenas a «prédios edificados». (   )

Por outro lado, o artigo 45.º do CIMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que estabelece as regras da determinação do Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não remete para o artigo 39.º em contém qualquer alusão ao «valor base dos prédios edificados», que veio apenas a ser introduzida por aquela Lei.

Assim, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre os coeficientes, é de entender que não havia suporte legal para aplicar a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI a avaliação de terrenos para construção, se não vejamos.

Da Análise da Jurisprudência

Sobre a ora questão submetida a apreciação, existe abundante jurisprudência que se seguirá de perto. Temos presente, em particular, as decisões do STJ, em concreto, os acórdãos uniformizadores de jurisprudência do Pleno do STA, de 3 de julho de 2019 proferido no processo n.º 016/10.9BELLE e de 21 de setembro de 2016 proferido no processo n.º 01083/13, que subscrevemos.

No mesmo sentido existem já várias decisões do CAAD proferidas, relevamos as proferidas nos processo nº 41/2021-T; n.º 760/2020-T, n.º 487/2020-T, 485/2020-T, 483/2020-T, que acolhemos.

A jurisprudência consolidada do STA aponta, no entanto, no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, que constitui a norma específica que regula essa matéria, pelo que não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º

Assim, bastará considerar que o Pleno da Seção do Contencioso Tributário do STA, no proc. 016/10, de 03/07/2019 decidiu: na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.

A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo tem apontado nesse sentido, designadamente, que:

“Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as caraterísticas de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, mas não outras caraterísticas ou coeficientes”.

“O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador contido na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”.

 “Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto (Cl).” .

Esta jurisprudência encontra-se igualmente em outros acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se:

– de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);

– de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).

– de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;

– de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;

– 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»

– de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».

Não se verifica uma razão válida para dissentir do assim decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, conclui-se que, também no caso concreto, a utilização analógica dos critérios estabelecidos para avaliação dos prédios urbanos edificados na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não previstos na norma específica do artigo 45.º, do Código do IMI, constitui erro na aplicação do direito, suscetível de alterar a base tributável e o cálculo do imposto.

Afastada assim a aplicação dos coeficientes previstos no art. 38º do CIMI, merece, todavia, especial referência a questão da localização, pois a consideração desta característica dos prédios está prevista quer no art. 45º, quer no 38º, do CIMI.

Concordamos com a jurisprudência, que cremos ser pacífica, segundo a qual na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação autónoma do coeficiente de localização previsto no art. 38º do CIMI, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI. De outro modo, o fator localização relevaria, por duas vezes, na determinação do VPT dos terrenos para construção.

Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efectuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação, os actos de avaliação são também ilegais por violação dos artigos 38.º e 45.º do CIMI.

E tendo nas avaliações em causa sido aplicado o valor com a majoração de 25%, os actos de avaliação são também ilegais por violação dos artigos 39.º, n.º 1 , e 45.º do CIMI, nas redacções referidas.

Pelos motivos expostos, julga-se procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de AIMI do ano de 2020.

  1. Do Direito a Juros Indemnizatórios

Peticiona ainda o Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.

A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios —nos termos do artigo 43.ºn.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT, sendo que este último artigo remete para o disposto no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril) em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo — decorre da aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que prevê a obrigação da Requerida de reconstituir a legalidade do ato objeto do litígio, tal dever compreendendo: (i) a obrigação de reembolso do montante indevidamente pago, e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pelo Requerente até à data em que o reembolso do imposto pago indevidamente seja efetivamente efetuado.

Contudo, no caso concreto, o direito do Requerente a juros indemnizatórios é regulado também pelo disposto no artigo 43.º n.º 3 al. (c) da LGT, que nos diz que são devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”. Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 022/18.5BALSB:

“I - Só são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária - art.º 43.º n.º 3 Lei Geral Tributária.

II - Podendo o contribuinte, ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 2012 e 2013, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 28 de Setembro de 2016, apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário.

III - Tal justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão.

IV - O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.

V - Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir”.

De acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Por outro lado, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, visando, em consonância com o artigo 100.º da LGT, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Perante o exposto, a liquidação na parte abrangida pela anulação, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que, o Requerente cumpriu o seu dever de declaração.

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. No caso dos autos, fundando-se a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação nessa jurisprudência e tendo o Requerente efetuado pontual e tempestivo pagamento de importância manifestamente indevida, reconhece-se o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e do artigo 61.º do CPPT.

  1. Decisão

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular:

  1. Julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral.
  2. Anular parcialmente as liquidações de Imposto de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2020 …, de 30.06.2020 de 2020, no valor de € 48.258,89;

E em consequência:

  1. Ordenar a devolução à requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso.
  1. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 48.258,89 (quarenta e oito mil duzentos e cinquenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

  1. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, uma atendendo que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Janeiro de 2021

O Árbitro

Pedro Guerra Alves