Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 532/2020-T
Data da decisão: 2021-06-29  IRS  
Valor do pedido: € 9.745,05
Tema: IRS – Mais Valias Imobiliárias - Não Residentes: sujeito passivo residente em país da EU; artigos 15º, 43º e 72º do CIRS; artigo 63º TJUE.
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Sumário:

I - O disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) é incompatível com o artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

II – O facto de atualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem a opção prevista no artigo 72º do CIRS, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes e cujo cumprimento por não residentes é, na prática, inviável atentas as características próprias do imposto, que é por natureza único, pessoal e progressivo.

 

O Árbitro Guilherme W. d´Oliveira Martins, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            O Requerente A..., NIF..., de nacionalidade irlandesa, viúvo, residente na Irlanda, com domicilio fiscal em Portugal na sede da sua representante fiscal sita na Rua ..., ...– ... Esquerdo, Portimão, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vem requerer declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, requerendo a anulação parcial do imposto, acrescido de juros indemnizatórios, bem como a anulação do despacho de indeferimento proferido na reclamação graciosa nº ...2020..., nos seguintes termos sumários:

a.            À data dos factos, o Requerente era residente na Irlanda, sendo que, enquanto residiu em Portugal adquiriu em 2008, em copropriedade com a sua esposa, 50% do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ..., da freguesia da ..., concelho de Vila do Bispo e em 2014 os restantes 50%, por legado do cônjuge, falecido em 2014;

b.            Que no ano de 2018 alienou o imóvel supra identificado, tendo cumprido a obrigação declarativa de entrega da declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2018, onde reportou a mais-valia imobiliária.

c.            Após a entrega da declaração modelo 3 referente ao ano de 2018 e respetiva notificação da liquidação no valor de €19.409,09, cujo imposto foi pago, constatou ter sido considerado o valor total da mais-valia imobiliária, para efeitos do apuramento do seu rendimento tributável, sendo que, não se conformando com tal consideração, apresentou a reclamação graciosa nº ...2020..., a qual foi indeferida.

d.            Por não considerar correto a aplicação da taxa de 28% prevista no nº 1 do artigo 72º do CIRS sobre a totalidade da mais-valia fiscal realizada durante o ano de 2018 e não sobre apenas metade, bem como por não concordar com o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, o Requerente vem apresentar o presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral, não pretendendo discutir os valores de aquisição e realização e do coeficiente de desvalorização da moeda utilizados relativos ao ano de 2018 para apuramento da mais-valia.

e.            O Requerente considera que a Autoridade Tributária tributou a mais-valia imobiliária do ano de 2018 na sua totalidade, aplicando a taxa de 28% dos não residentes, prevista no artigo 72.º do CIRS.

f.             Ou seja, na liquidação de IRS contestada, a Autoridade Tributária considerou a totalidade dessa mais-valia no valor de €68.852,94, quando no entender do Requerente tal valor devia ter sido considerado em apenas 50%, isto é, em apenas €34.426,47.

g.            Invoca o Requerente, em suma, a inobservância por parte da Autoridade Tributária do disposto no artigo 43.º n.º 2 do CIRS, com discriminação de tributação das mais-valias obtidas pela alienação de imóveis, por não residentes, infringindo o art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, obtendo uma carga fiscal superior à que incidiria em relação ao mesmo tipo de operação por um residente do estado onde está situado esses bens imóveis.

 

 

2.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

a.            É do entendimento que a matéria em análise no presente pedido é exclusivamente de direito;

b.            A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal nem residente num Estado Membro da União Europeia (ou seja, residente num país terceiro) violar o Direito Comunitário.

c.            Ou seja, entende o Requerente que o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS se aplica aos não residentes em Portugal (tanto residentes num Estado Membro da União Europeia como residentes de Estados terceiros).

d.            Ora, relativamente a este assunto, é certo que no Acórdão C - 443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72°, n.º 1 e 43°, n.º 2 do Código do IRS, por “o artigo 56° CE dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”.

e.            No seguimento deste Acórdão, foi esse entendimento seguido pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2008JAN16 (processo 0439/06).

f.             Tendo em conta o teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9), cujo teor à data dos factos, era o seguinte: «9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.» (destaque nosso) 14.º Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 10) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.0 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que: «10- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.» (destaque nosso)

g.            Saliente-se que a Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 é o Orçamento de Estado para 2008. E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.

h.            Consultada a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue em nome do Requerente (relativa ao ano fiscal de 2018), verifica-se que no quadro 8B foi assinalado o campo 4(não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime aplicável aos não residentes).

i.             Posto isto, o Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português e assim beneficiar do pretendido, acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque, a fazê-lo, teria também de declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional.

j.             Assim, as alegações do Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10). O n.º 8 (atual n.º 10) do artigo 72° do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

k.            O mesmo é referido no n.º 1 do artigo 15º do Código do IRS: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

l.             Como tal, para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 8, 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

m.          Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

n.            Saliente-se, ainda, que o artigo que o Requerente pretende que lhes seja aplicado (43° n.º 2 do Código do IRS) está incluso no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável".

o.            Estamos, pois, perante a determinação do rendimento.

p.            Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9° e 10° do Código do IRS.

q.            Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 14-10-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-10-2020. Em 02-12-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou com árbitro do Tribunal Arbitral Singular o aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 02-12-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Singular ficou, assim, constituído em 05-01-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 05-01-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

Por força da legislação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que procedeu à nona alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, 75-A/2020, de 30 de dezembro, e 1-A/2021, de 13 de janeiro, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais entre 2 de fevereiro de 2021 e 5 de abril de 2021.

 

A Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril veio revogar o regime de suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, bem como reforçar o regime processual excecional e transitório aplicável às diligências processuais e determinar quais os prazos, atos e processos que continuam suspensos. Como resultado do regime previsto no artigo 6.º-B da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação nos termos do artigo 17.º do RJAT e a resposta da AT teve de aguardar o prazo para a elaboração da referida resposta.

 

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 03-02-2021.

Em 04-02-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que não é requerida prova testemunhal, nem foi invocada ou identificada matéria de exceção.

Fixa-se o prazo de 5 (cinco) dias para as partes, querendo, se pronunciarem. Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

Não houve pronúncia de qualquer das partes.

 

Em 25-5-2021 foi proferido o seguinte Despacho arbitral:

“Dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se afigurar desnecessária, notifiquem-se as partes para apresentarem alegações, facultativas e sucessivas, fixando-se o prazo de 10 dias.

A prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, advertindo-se o Requerente que deve previamente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

As partes não apresentaram alegações.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

 

II. DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

São dados como assentes todos os factos invocados pelo Requerente e admitidos pela Requerida, a saber:

a.            À data dos factos, o Requerente era residente na Irlanda, sendo que, enquanto residiu em Portugal adquiriu em 2008, em copropriedade com a sua esposa, 50% do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ..., da freguesia da ..., concelho de Vila do Bispo e em 2014 os restantes 50%, por legado do cônjuge, falecido em 2014;

b.            No ano de 2018 alienou o imóvel supra identificado, tendo cumprido a obrigação declarativa de entrega da declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2018, onde reportou a mais-valia imobiliária.

c.            Após a entrega da declaração modelo 3 referente ao ano de 2018 e respetiva notificação da liquidação no valor de €19.409,09, cujo imposto foi pago, constatou ter sido considerado o valor total da mais-valia imobiliária, para efeitos do apuramento do seu rendimento tributável, sendo que, não se conformando com tal consideração, apresentou a reclamação graciosa nº ...2020..., a qual foi indeferida.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

B. DO DIREITO

 

B.1. QUANTO AO MÉRITO

 

1. Constata-se que a única questão de direito a decidir é a de saber se a tributação da mais valia apurada, referente ao ano de 2018, se processou em conformidade com os preceitos legais aplicáveis e, concretamente, se resulta ou não na violação do direito da União Europeia e, concretamente, do disposto no artigo 63º do TFUE.

Alega o Requerente que cálculo do imposto sobre a mais valia apurada deveria ter sido levado a efeito, tendo por base a aplicação de uma tributação de cinquenta porcento (50%), conforme previsto no artigo 43º nº2 do CIRS e não a aplicação de uma tributação de 100% sobre a mais-valia apurada, tanto mais que o ora impugnante não exerceu a opção de englobamento do mesmo.

 

Em discussão está a exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal, mas residente num Estado Membro da União Europeia, neste caso Irlanda, violar o Direito Comunitário.

Para a decisão releva o disposto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, concretamente, o regime de tributação da categoria dos incrementos patrimoniais decorrentes de mais valias realizadas com a alienação de imóveis e a sua conformidade ou não com o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento do União Europeia (TFUE). Dispõe este normativo comunitário que, «no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».

 

2. Vejamos agora o que resulta do disposto no CIRS em sede de tributação de mais valias decorrentes da alienação de imóveis.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do, tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.»

 

Dispõe, ainda, o nº1 do artigo 43.º do CIRS que «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.» O nº2 do mesmo artigo dispõe que o «saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor».

Ainda com relevância para a decisão, importa atender ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, que prevê a tributação à taxa autónoma de 28%:

 

«a) As mais-valias previstas nas alíneas a) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português, que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado.»

 

Por fim, dispõe o n.º 9 e o n.º 10 do artigo 72.º do CIRS o seguinte:

 

«9- Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.»

 

Posto isto, retornando ao caso dos autos, constata-se que:

 

Ficou provado que na liquidação de IRS impugnada a AT tributou a totalidade das mais-valias obtidas e declaradas. Isto porque a AT considera que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º se aplica, apenas a residentes, ao mencionar na Resposta que “o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise” .

 

E, sendo assim, este Tribunal arbitral não pode deixar de concluir que a liquidação de imposto, ao assentar no pressuposto da aplicação de um regime discriminatório para residentes e não residentes, se afigura incompatível com o artigo 63.º do TFUE, na parte em que considerou como base de tributação das mais-valias realizadas pela Requerente mais de 50% do seu valor, devendo, por isso, ser parcialmente anulada. No caso dos autos, na liquidação de IRS contestada, a Autoridade Tributária considerou a totalidade dessa mais-valia no valor de €68.852,94, quando no entender do Requerente tal valor devia ter sido considerado em apenas 50%, isto é, em apenas €34.426,47.

 

Colocada a questão nestes termos, não há dúvida que se verificou um tratamento discriminatório no caso em apreço nos autos, o que configura uma violação do artigo 63º do TFUE, como melhor se demonstrará nas considerações seguintes.

 

3. Esta questão não é nova e podemos apontar abundante Jurisprudência sobre o assunto , quer dos nossos Tribunais Administrativos superiores, quer dos Tribunais Arbitrais, constituídos no CAAD, alinhados com a Jurisprudência do TJUE. Considera, assim, este Tribunal Arbitral que, tendo em conta a Jurisprudência do TJUE, o regime discriminatório resultante do entendimento da AT em relação à aplicação do artigo 43º do CIRS, resulta em ilegalidade da liquidação impugnada, por violação do direito da União Europeia. No caso dos presentes autos, a questão em discussão é exatamente a que já foi discutida em muitos outros processos decididos, e consiste em saber se o regime de tributação autónoma incidente sobre as mais-valias imobiliárias, auferidas por não residentes em território português mas residentes em território de outro Estado da União Europeia (no caso, na Irlanda), decorrente do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, alínea h), 43.º, n.ºs 1 e 2 e 72.º, n.º 1, alínea a), todos do CIRS.

Está, concretamente, em causa determinar se, face ao disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, o saldo positivo apurado a título de mais-valias, no ano de 2018, deverá ou não ser considerado em apenas 50% do seu valor, uma vez que o Requerente reside na Irlanda. Para o Requerente o valor apurado a título de mais valia deve ser considerado em apenas 50% do seu valor, pois entende que o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS é aplicável aos não residentes em Portugal, mas residentes num Estado-membro da União Europeia, sob pena de ilegalidade por violação do artigo 63º do TFUE.

Na verdade, podemos citar numerosa Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e dos tribunais arbitrais, ambas ancoradas na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente, no processo C-443/06, em 11 de outubro de 2007 (caso «Hollmann»).

Assim, podemos concluir que a questão de direito tem vindo a ser decidida de modo uniforme pelo Supremo Tribunal Administrativo, como resulta, entre outros, dos Acórdãos proferidos nos Processos n.º 0439/06, de 16/01/2008; n.º 01031/10, de 22/03/2011; n.º 01374/12, de 30/04/2013; n.º 01172/14, de 03/02/2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Também a Jurisprudência arbitral tem sido uniforme no entendimento desta questão, como resulta, entre outros, dos seguintes processos: n.º 45/2012-T, de 05/07/2012; n.º 127/2012-T, de 14/05/2013; n.º 748/2015-T, de 27/07/2016; n.º 89/2017-T, de 05/07/2017; n.º 644/2017-T, de 30/05/2018; n.º 520/2017-T, de 04/06/2018; n.º 617/2017-T, de 22/06/2018; nº 55/2019-T, todas disponíveis em www.caad.org.pt.

Todas estas decisões arbitrais consideraram, relativamente à mesma questão de direito que se suscita no presente processo arbitral, sendo que se mantém inalterado o regime geral do CIRS que enquadrou e fundou a jurisprudência citada.

 

4. Como já se referiu, a questão de direito a decidir nos presentes autos, foi objeto de reenvio prejudicial por parte do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no Processo n.º 0439/06, de 28/09/2006. O TJUE tomou posição sobre esta questão no Acórdão proferido no Processo C-443/06, de 11/10/2007 (“Acórdão Hollmann”), segundo o qual o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, a um tratamento discriminatório, a um residente de outro estado membros. Desde então esta jurisprudência tem sido acolhida pelo STA bem assim como pelos Tribunais Centrais Administrativos e Arbitrais.

Nesta conformidade, acompanhamos a Jurisprudência supracitada da qual resulta que o regime de tributação das mais valias, decorrente do disposto nos artigos, 10º e 43º, nº 2 do CIRS, é incompatível com o direito europeu, não sendo de considerar sanada tal incompatibilidade com o aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (atuais números 9 e 10), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008), porquanto persiste uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes, com prejuízo para estes últimos, ainda que residam em país da União Europeia.

 

5. Do ponto de vista da AT, o quadro legal em vigor já não é o mesmo que existia à data da prolação do mencionado acórdão pelo TJUE, face à alteração legislativa ao artigo 72.º do Código do IRS, já mencionada. Ora, não podemos subscrever tal entendimento .

Existe, na verdade, uma vasta jurisprudência nesta matéria, sendo disso exemplo as diversas decisões arbitrais proferidas por tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD, posteriores à alteração legislativa mencionada, sendo unanime o entendimento que a mesma não resolveu o problema pré-existente. Aliás, a propósito de da existência de um regime de opção em tudo idêntico ao introduzido no artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, já se pronunciou o TJUE no Acórdão «Gielen», proferido em 18/03/2010, no processo C-440/08, considerando que a introdução do regime de opção não resolvia o problema e apesar deste Acórdão se referir a uma questão relativa à liberdade de circulação de pessoas e não a liberdade de circulação de capitais, como sucede no caso em apreço nestes autos, a verdade é que o princípio em causa é o mesmo, preservar a liberdade de circulação e a não discriminação entre os regimes aplicáveis com fundamento na residência ou nacionalidade dos sujeitos passivos no seio da UE. Como bem esclareceu o TJUE a esse propósito, a introdução da opção «não resolveu o problema da discriminação entre residentes e não residentes em Portugal, mas em qualquer outro Estado membro da EU.» O TJUE afirma com manifesta clareza que, perante uma vantagem fiscal cujo benefício é recusado aos não residentes, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes pode ser qualificada de discriminação, na acepção do TFUE, quando não haja nenhuma diferença objetiva de situação suscetível de justificar diferenças de tratamento, quanto a este aspeto, entre as referidas categorias de contribuintes.»

Também, sobre esta segunda questão, se pronunciou o TJUE no Acórdão proferido no processo C 184/18, afirmando que “não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes (...) que justifique a se pronunciou o TJUE desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais valias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontram os contribuintes não residentes, (...) é comparável à dos contribuintes residentes.”.

Conclui-se, deste modo, que a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43º, nº 2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE. Esta resposta decorre da proibição de discriminação e de qualquer restrição (direta ou indireta) à liberdade de circulação de capitais, sendo que, no caso dos autos, tal discriminação se traduze num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

 

6. Resulta da matéria de facto provada nos presentes autos que a AT considerou, para efeitos de determinação do rendimento coletável e consequente liquidação do IRS aos Requerentes, não residentes em Portugal, mas num outro Estado-Membro da EU a totalidade da mais-valia realizada na alienação das frações identificadas nos autos. A própria AT reconhece expressamente que, no seu entendimento, o preceito contido no n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS só é aplicável a residentes. Isto basta para demonstrar a existência de discriminação incompatível com o TFUE.

 

Ora, dispõe o nº2 do artigo 43º do CIRS que o «saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor”.

A condição prevista nesta norma («residentes») é em si mesma discriminatória, exceto se interpretada como alcançando os residentes em qualquer Estado membro da EU, sob pena de violação dos princípios básicos de construção do mercado único de livre circulação de pessoas e capitais no seio da EU. E, não se diga que a introdução do regime opcional resolve o problema, porque é fácil de entender que tal opção pressupõe que os sujeitos passivos não residentes se sujeitem às especificidades do regime interno de tributação das pessoas singulares, vigente em Portugal, assente no princípio do englobamento e da progressividade.

Ora, é por demais evidente que no caso de ser exercida a opção nos termos expostos os não residentes perdiam todo um conjunto de deduções e seriam onerados com uma tributação progressiva e sem possibilidade de pessoalização do imposto.

Não se aceita, pois, o argumento da AT.

Para isto vejamos as palavras proferidas na decisão constante do processo n.º 59/2020-T, que acompanhamos e subscrevemos na totalidade:

 

«Entende este Tribunal arbitral que a alteração introduzida nesta matéria com a possibilidade de proporcionar uma «opção» ao não residente, é falaciosa e corresponde a uma forma ínvia de atingir o mesmo fim anteriormente alcançado com o regime discriminatório o qual, obviamente, subsiste. Dito de outro modo, proporcionar a sobredita «opção» é mascarar o intuito discriminatório do regime de tributação das mais valias imobiliárias, pois assenta na admissão de uma condição muito mais onerosa para os não residentes, porquanto todos os cidadãos europeus residentes noutro país da EU que não em Portugal, ficariam sujeitos à progressividade do imposto sem possibilidade de beneficiar da pessoalização do mesmo, nos termos previstos no artigo 104º da Constituição da República Portuguesa. A verdade é que os não residentes nunca estariam em condições de se submeter a tal condição em plenitude de igualdade de tratamento face aos residentes.

De resto, nem se compreende o porquê da «opção» se o legislador poderia ter resolvido a questão em definitivo, introduzindo no nº 2 a expressão «residentes em Estado membro da EU». Teria sido mais simples e resolveria o problema sem margem para qualquer dúvida. A questão é por demais evidente: não foi essa a opção do legislador porque pretendeu manter uma discriminação de tratamento fiscal, mesmo sabendo que a mesma ofende o Direito da União Europeia. Tal desiderato é, em si mesmo, inaceitável.

Ora, a discriminação da norma nacional não é justificável pelo objetivo de evitar penalizar os residentes, porque, como acima se referiu, considerando que o imposto é progressivo, a opção pelo englobamento, conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta que não se lhe aplica a redução a 50% do rendimento coletável, como sucede com os residentes que dela beneficiam. Por isso a discriminação subsiste e é inquestionável. Não há dúvida que a solução adotada pelo legislador português não elimina o caráter discriminatório no tratamento de residentes e não residentes, em matéria de mais valias decorrentes de alienação de imóveis.»

 

Em conclusão, se apenas os residentes podem, efetivamente, beneficiar do disposto no artigo 43º, nº2 do CIRS., a discriminação subsiste. É, pois, entendimento deste Tribunal arbitral que a solução adotada pelo legislador português não garante a eliminação da discriminação resultante do disposto no nº2, do artigo 43º. A existência deste regime, meramente opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS ora impugnada e cuja anulação parcial é requerida nos presentes autos.

 

7. Nesta conformidade, a liquidação impugnada afigura-se ilegal, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a sua consequente anulação parcial e o reembolso à Requerente do valor de € 9.745,05, correspondente ao valor de imposto pago em excesso (isto é reduzindo em metade a liquidação já paga no valor total de € 19.490,09).

 

Em face do exposto, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando as liquidações de IRS impugnadas, com o consequente reembolso do valor pago em excesso nos termos expostos.

 

B.2. QUANTO À RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA EM EXCESSO ACRESCIDA DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” ”( CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

 

O n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

Na sequência da anulação parcial do ato impugnado, a Demandante terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação parcial, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o art. 43º nº 3 LGT que “são também devidos juros indemnizatórios (...) d) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

É o caso nos presentes autos, na medida em que a Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado pela administração tributária deverá ser ressarcida do montante indevidamente pago em sede de IRS, em excesso (€…) acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à luz do preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

Pelo que há que concluir que, transitada a presente decisão arbitral em julgado, a Demandada terá direito a ser ressarcida nos termos do art. 43º, nº 3, al. d) da LGT, através do pagamento de juros indemnizatórios.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação quanto ao valor de € 9.745,05, correspondente ao valor de imposto pago em excesso;

E em consequência:

b)           Ordenar a devolução à requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 9.745,05, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

F. Notificação ao Ministério Público

Notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e 185.º-A, n.º 2, do CPTA, subsidiariamente aplicável.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 29 de junho de 2021

 

O Árbitro,

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)