Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 531/2020-T
Data da decisão: 2021-05-10  IRS  
Valor do pedido: € 43.026,99
Tema: IRS – Artigos 43.º, n.º 2, alínea b), e 72.º, n.ºs 13 e 14, do CIRS; mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, auferidas por residente noutro Estado-membro da UE.
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DECISÃO ARBITRAL

 

SUMÁRIO:

O artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o artigo 63.º do TFUE, não sendo essa discriminação negativa ultrapassada pelo regime opcional constante dos n.ºs 13 e 14 (atuais n.ºs 14 e 15) do artigo 72.º do Código do IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 13 de outubro de 2020, A…, NIF …, viúva, residente em …, …, Londres, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação de IRS n.º …, referente ao ano de 2019, da qual resultou o montante a pagar de € 43.026,99.

A Requerente juntou 7 (sete) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, essencialmente, o seguinte que passamos a citar:

                «- No dia 14 de dezembro de 1987, a Requerente e o seu marido, (…), casados em regime de comunhão geral de bens, adquiriram, pelo valor de Escudos 9.500.000,ºº (correspondente a € 47.385,80), a fração autónoma, (….).

                - No dia 11 de novembro de 2010, o marido da Requerente faleceu.

                - Assim, a Requerente adquiriu, em 2010, por herança, a quota-parte considerada detida pelo marido, (…).

                - No dia 27 de setembro de 2019, a Requerente alienou o imóvel em questão, pelo valor de € 372.500,00, (…).

                - De acordo com o cadastro fiscal, a Requerente encontra-se registada como não residente em Portugal, sendo considerada residente fiscal no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (…).

                - (…), na Declaração de Rendimentos modelo 3 de IRS, de 2019, foi declarado que a quota-parte do imóvel adquirida pela Requerente antes de 1989 (…) não se encontra sujeita a tributação, conforme preceituado no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro, tendo-se preenchido para o efeito o respetivo Anexo G1.

                - (…), os elementos relativos à quota-parte do imóvel adquirida pela Requerente em 2010 (…) foram incluídos no Anexo G da Declaração de rendimentos modelo 3 de IRS.

                - (…) foi emitida a liquidação, identificada com o n.º …, nos termos do qual o rendimento global resultante da mais-valia realizada pela Requerente apurado foi de € 153.667,84, (…).

- A Autoridade Tributária e Aduaneira (…) considerou a totalidade da mais-valia apurada decorrente da quota-parte do imóvel que havia sido adquirida em consequência do falecimento do marido da Requerente, no montante de € 153.667,84, na terminação do rendimento coletável de IRS.

- A AT apurou imposto a pagar, no montante de € 43.026,99, resultante da tributação à taxa especial de 28% sobre o referido rendimento coletável.

- Pese embora tenha efetuado o respetivo pagamento, a Requerente não concorda com a determinação do mencionado rendimento coletável ao considerar a totalidade da mais-valia realização em relação à quota-parte do imóvel que havia sido adquirida em consequência do falecimento do seu marido, ao invés de 50% do seu valor, de acordo com o estipulado no número 2 do artigo 43.º do CIRS.

- (…), no presente caso, o valor de realização a considerar é 50% do valor constante do contrato de compra e venda, isto é, o montante de € 186.250,00 (…).

- (…), o valor de aquisição ascenderá ao valor de € 29.620,14, que corresponde a metade do valor patrimonial tributário do imóvel à data.

- Atendendo ao facto de a alienação do imóvel ter ocorrido no ano de 2019, aplicam-se os coeficientes de desvalorização previstos na Portaria n.º 362/2019, de 9 de outubro, isto é, relativamente ao ano de 2010 aplica-se o coeficiente de 1,10.

- Deste modo, aplicando-se o coeficiente de desvalorização, o valor de aquisição corrigido ascende a € 32.582,15.

- (…), a Requerente declarou não ter suportado quaisquer encargos relativamente à aquisição e à alienação do imóvel.

- (…), resulta que o cálculo da mais-valia é efetuado através da seguinte fórmula: Mais-valia = valor de realização – ((valor de aquisição x coeficiente de desvalorização da moeda) + encargos com a alienação e aquisição).

- (…), o valor da mais-valia da Requerente corresponderia a € 153.667,85 = 186.250,00 – ((29.620,14 x 1,10%).

- (…), nos termos do disposto no artigo 43.º, número 2, alínea b) do CIRS, o valor apurado de € 153.667,85 apenas seria “considerado em 50% do seu valor”, sendo reduzido para montante de € 76.833,93.

- (…), ao montante de € 76.833,92 aplicar-se-ia a taxa especial expressamente prevista na alínea a) do número 1 do artigo 72.º do Código do IRS (…).

- Deste modo, da obtenção da mais-valia, o imposto a pagar pela Requerente ascenderia a € 21.513,50.

- (…), entende a Requerente que a AT, ao proceder à limitação da base de incidência apenas às mais-valias auferidas por residentes em Portugal, excluindo dessa limitação as mais-valias realizadas por outros residentes noutro Estado-membro da União Europeia, coloca em causa o direito comunitário, em particular, o artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (…), anterior artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

- (…), o Tribunal de Justiça da União Europeia (…), no Acórdão Hollmann, proferido em 11 de outubro de 2007, referente ao processo C-443/06, concluiu que a norma nacional, contida no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, cujo regime se mantém igual à data dos factos em questão, viola o artigo 63.º do TFUE (anterior artigo 56.º do TUE), por revestir caráter discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados-membros.                

- Posteriormente à jurisprudência do Acórdão Hollmann, o legislador português instituiu um regime opcional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (…), com vista a obviar ao tratamento diferenciado dos não residentes comunitários e do espaço económico europeu que realizem mais-valias imobiliárias em Portugal.

- (…), aditou-se os números 7 e 8 ao artigo 72.º do Código do IRS, com a redação dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, atualmente correspondem aos números 14 e 15, em face da alteração operada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, (…).

- Em face da escolha consignada no artigo 72.º, números 14 e 15 do CIRS, considera a Requerente que esta opção não afasta a discriminação entre residentes no território português e residentes noutro Estado-membro da União europeia, patente no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.

- (…), a Requerente deverá ser ressarcida dos montantes indevidamente pagos, aos quais deverá ser acrescido os respetivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT.» 

      

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 19 de outubro de 2020.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 2 de dezembro de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 5 de janeiro de 2021.

 

5. No dia 22 de abril de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas.

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:   

«- A Requerente não apresentou o comprovativo de pagamento do imposto liquidado.

- Na sequência da prolação do Acórdão do TJUE de 11-10-2007, proferido no âmbito do processo n.º C-443/06, (…), viria a intervir o legislador português, no sentido de adaptar a legislação nacional à jurisprudência comunitária emanada naquele aresto.

- Para o efeito, foram introduzidos dois novos números no art. 72.º do CIRS – então o 7 e 8, atualmente 9 e 10 – através da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (…)

- É, assim, aos sujeitos passivos do imposto residentes nos Estados previstos na letra da primeira das normas (…) que cumpre optar pelo regime que pretendem que lhes seja aplicado (ou o previsto para não residentes, ou o que lhes seria aplicável caso residissem em território português). 

- Observando o campo 8 da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019 apresentada pela ora requerente, a qual veio a dar origem à liquidação por ela colocada em crise, constata-se que no campo 7 do seu quadro 8 a respetiva apresentante manifesta pretender ser tributada pelo regime geral (…).

- Tendo declarado pretender a tributação pelo regime geral, foi esta aplicada relativamente àquele ano e contribuinte, motivo pelo qual não foram tidos em conta apenas 50% da mais-valia apurada com a alienação da quota-parte (igualmente de 50%) que detinha no imóvel (…).

- Mas sim aplicada uma taxa autónoma de 20% sobre o valor dessa mesma mais-valia, nos termos previstos no regime geral de tributação em IRS, pelo qual a requerente expressamente declarou pretender ser tributada. 

- Conforme é cominado pela al. a) do n.º 1 do art. 72.º do CIRS.

- E não ao abrigo do disposto nos números 9 e 10 do mesmo preceito, (…).

- Conclui-se, destarte, que o quadro legal vigente à data da prática do facto com relevância tributária – e respetiva projeção sobre a obrigação declarativa – já não é aquele que existia à data em que foi proferido o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias invocado pela ora Requerente.

- Que não é, assim, suscetível de estribar a respetiva pretensão.

- A Requerente, (…), reporta-se ainda a outro aresto do TJUE, proferido em 18-03-2010 (no âmbito do processo C-440/08).

- (…) a ausência de identidade quer das normas tidas em conta num caso e noutro, quer da matéria em causa (dedução no caso apreciado pelo TJUER e de mais-valias imobiliárias naquele ora em apreço), quer ainda a própria diferença da realidade tributária em causa nas duas situações (rendimento a tributar na presente, dedução a esse mesmo rendimento na que foi colocada à apreciação do TJUE e invocada pelo requerente), nos impedem de aceitar diretamente a jurisprudência vertida naquele aresto comunitário como aplicável ao presente caso.

- Por outro lado, tendo no Acórdão invocado pela contribuinte sido apreciados factos ocorridos antes da alteração legislativa que permitiu aos sujeitos passivos não residentes de IRS optar – (…) – pelo regime que melhor lhes aprouvesse, forçados somos a concluir do mesmo modo que relativamente ao seu congénere de 11-10-2007, produzido em sede do processo n.º C-443/06 (…).

- Ou seja, que não é suscetível de fundamentar a pretensão formulada.

- (…) a contribuinte invoca também dois Acórdãos proferidos pelo STA.

- (…) não existindo aquele regime [introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12] à data da ocorrência dos factos objeto da apreciação dos ilustres magistrados que proferiram os Acórdãos supra identificados, não podem os mesmos (…) ser invocados como argumento de suporte do pedido da ora requerente.

- (…) o CAAD veio já pronunciar-se sobre esta questão de modo completamente diverso ao mencionado pela requerente, conforme se pode constatar pela decisão arbitral proferida em 22-04-2019, em sede do processo ali apreciado sob o n.º 539/18-T.

- (…) a criação legal de possibilidade de opção de tributação de mais-valias auferidas pelos não residentes pela mesma forma que seriam tributadas se de um residente se tratasse, exigindo, porém que, tal como sucede relativamente a esses residentes, sejam ponderados todos os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo, vem induzir uma situação de igualdade tributária quer quanto às taxas, quer quanto à determinação da matéria tributável subjacente à respetiva determinação (e, naturalmente, posterior aplicação daquelas sobre esta).

- Isto num plano subjetivo (caso os sujeitos passivos optem pela possibilidade que lhes é oferecida pelos números 9 e 10 do art. 72.º do CIRS).

- Caso optem pela tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes, também os rendimentos resultantes de mais-valias auferidas pela alienação de imóveis situados em Portugal serão autonomamente tributados nos mesmos termos dos demais rendimentos mencionados no n.º 1 do art. 78.º do mesmo código, com recurso á taxa autónoma de 28%.

- Que o mesmo é dizer, através de uma previsão em que os rendimentos de mais-valias são autonomamente taxados numa situação de paridade com outros auferidos por não residentes.

- Assim se consagrando uma situação de igualdade na taxação de rendimentos obtidos em território português por pessoas singulares nele não residentes, agora num plano objetivo.

- Face ao exposto [e atendendo à natureza essencial do princípio da igualdade enquanto elemento jurídico imanente a qualquer Estado de Direito Democrático (cf. artigos 2.º e 8.º, n.º 4 da CRP)], não pode deixar de se considerar não haver a solução adotada pela AT, atenta a opção pelo regime geral declarada pela ora requerente na declaração modelo 3 de IRS que apresentou relativamente ao ano de 2019, colidido com o disposto no n.º 4 do art. 8.º da CRP.    

- (…), no que respeita à matéria em causa no presente pedido de pronúncia arbitral (mais-valias), os preceitos relevantes para efeitos de apuramento de uma eventual incidência de imposto sobre os factos praticados são os artigos 9.º e 10.º do CIRS.

- (…), não se nos afigura que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS seja suscetível de ter aplicação à situação ora em apreço.

- Não se vislumbrando qualquer ilegalidade que acometa a liquidação contestada, encontra-se prejudicada a possibilidade de pagamento de juros indemnizatórios. Caso assim não se entenda, 

- (…) a Requerente não apresentou o comprovativo de pagamento do imposto, o que obsta por um lado ao deferimento do pedido de juros indemnizatórios, e por outro, à definição da data a partir da qual se conta o prazo de contagem dos eventuais juros.»

 

6. O Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, concedeu prazo para a apresentação de alegações escritas e indicou o dia 31 de maio de 2021 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.

 

7. Apenas a Requerente apresentou alegações escritas, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida no pedido de pronúncia arbitral.

 

II. SANEAMENTO

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente era, no ano de 2019, e continua a ser residente no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. [cf. documento n.º 6 anexo ao PPA]

b) No dia 14 de dezembro de 1987, a Requerente e seu marido, B…, casados sob o regime da comunhão geral de bens, adquiriram, pelo valor de Esc.: 9.500.000,00 (nove milhões e quinhentos e mil escudos) – correspondente a € 47.385,80 (quarenta e sete mil trezentos e oitenta e cinco euros e oitenta cêntimos) –, o prédio urbano sito na Rua …, n.º … (anterior Lote …), União das Freguesias de Carcavelos e Parede (anterior freguesia da Parede), concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de … sob o número … da freguesia da … (anterior número … do livro …) e inscrito na matriz predial urbana da união das referidas freguesias sob o artigo … (anterior artigo … da freguesia da …). [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]    

c) No dia 11 de novembro de 2010, o marido da Requerente faleceu. [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA]

d) A Requerente adquiriu, por herança, a quota-parte do sobredito bem imóvel detida pelo marido. [cf. documentos n.ºs 3 e 4 anexos ao PPA] 

e) No dia 27 de setembro de 2019, a Requerente vendeu, pelo valor de € 372.500,00 (trezentos e setenta e dois mil e quinhentos euros), o referido bem imóvel. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA]  

f) A Requerente procedeu à entrega, dentro do prazo legal, da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2019, na qual declarou, quanto à respetiva residência fiscal [campo 8], ser não residente, residir em país da UE ou EEE (826) e pretender a tributação pelo regime geral. [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA]    

g) A Requerente entregou, com aquela mesma declaração de rendimentos, os respetivos Anexo G [Mais-valias e outros incrementos patrimoniais] e Anexo G1 [Mais-valias não tributadas], nos quais declarou o seguinte, tendo por referência o imóvel com o artigo matricial … da freguesia … [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA]:

(i) Anexo G [campo 4]:

#Aquisição:

(i) data: novembro de 2010

(ii) valor: € 29.620,14

#Realização:

(i) data: setembro de 2019

(ii) valor: € 186.250,00

                               # Quota-parte: 50,00%

                (ii) Anexo G1 [campo 5]:

                               (i) data de aquisição: 14.12.1987

                               (ii) valor de aquisição: € 23.692,90

                               (iii) valor de realização: € 186.250,00

h) Nessa sequência, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º …, referente ao ano de 2019, na qual foi apurado o rendimento coletável de € 153.667,84, sobre o qual foi aplicada a taxa de 28%, daí resultando o montante total de imposto a pagar de € 43.026,99 (quarenta e três mil e vinte e seis euros e noventa e nove cêntimos), com data limite de pagamento em 31.08.2020. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

i) Em 07.08.2020, a Requerente efetuou o pagamento integral do referido montante de imposto resultante da liquidação de IRS n.º …. [cf. documento n.º 1 anexo às alegações da Requerente]

j) Em 13.10.2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.   

 

III.2. DE DIREITO

§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

12. A questão jurídico-tributária em causa neste processo é atinente à tributação incidente sobre as mais-valias imobiliárias, auferidas por não residentes em território português – mais concretamente, por residentes noutro Estado-membro da União Europeia –, atento o disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, alínea h), 43.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 72.º, n.ºs 1, alínea a), 13 e 14, todos do Código do IRS.

                Está, concretamente, em causa determinar se o saldo positivo apurado a título de mais-valias imobiliárias, no ano de 2019, pela Requerente deverá ou não ser considerado em apenas 50% do seu valor, uma vez que aquela é residente no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.

A Requerente propugna que aquele saldo positivo deve ser considerado em apenas 50% do seu valor, pois entende que o disposto no artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS é também aplicável aos não residentes em Portugal, mas residentes num Estado-membro da União Europeia, esteando esta sua posição em diversa jurisprudência do TJUE e do STA.

                Constitui, pois, entendimento da Requerente que aquela disposição do Código do IRS é incompatível com o direito europeu, não sendo de considerar sanada tal incompatibilidade com o aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (números 13 e 14, na redação à data dos factos), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008).  

A Requerida, por seu turno e como acima vimos, pugna pela manutenção do ato de liquidação de IRS controvertido, nos exatos termos em que foi praticado.

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso do montante de imposto indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§2. A TRIBUTAÇÃO EM IRS DAS MAIS-VALIAS AUFERIDAS PELA REQUERENTE

13. A análise da questão jurídico-tributária que constitui o epicentro do dissídio entre as partes, deve principiar pela convocação do bloco normativo aplicável, obviamente, na redação vigente à data dos factos.

O artigo 10.º do Código do IRS, determina, no seu n.º 1, que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de” “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” (alínea a)).

Por seu turno, o artigo 13.º do Código do IRS estatui, no seu n.º 1, que “ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”, acrescentando o artigo 15.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal que, quanto aos não residentes, o IRS “incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”; como decorre do previsto no n.º 1 do artigo 18.º do mesmo Código, “consideram-se obtidos em território português” “os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão” (alínea h)).   

Podemos, assim, assentar que, apesar de a Requerente ser residente no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, as mais-valias resultantes da alienação do referenciado imóvel são consideradas rendimentos obtidos em território português e, como tal, são objeto de tributação em IRS.

Dito isto. O artigo 43.º do Código do IRS estipula, no seu n.º 1, que “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”; por seu turno, da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo decorre que “o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor” em todos os casos não previstos na antecedente alínea a).

O presente dissídio radica, nuclearmente, nesta norma, estando em causa determinar se a mesma se deve aplicar apenas aos residentes em território português, em consonância com o respetivo elemento literal, ou também aos residentes noutros Estados-membros da União Europeia.

Por último, o artigo 72.º do Código do IRS prevê, no seu n.º 1, que “são tributadas à taxa autónoma de 28%” “as mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado”. O n.º 13 do mesmo artigo 72.º estatui que “os residentes num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português”; para efeitos de determinação dessa taxa, o subsequente n.º 14 determina que “são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.     

 

14. O n.º 2 do artigo 43.º (alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, na redação aqui aplicável) do Código do IRS já foi objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no acórdão de 11 de outubro de 2007, proferido no processo C-443/06 (Acórdão Hollmann), no qual foi decidido o seguinte:

«O artigo 56.° CE [atual artigo 63.º do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.»

Estamos, pois, perante um regime discriminatório e incompatível com o Direito Europeu, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), o qual estatui o seguinte:

1.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

Tal conclusão está esteada, nuclearmente, na seguinte argumentação expendida no citado aresto do TJUE:

«29. Ora, o Tratado prevê, designadamente no artigo 56.° CE, uma norma específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (acórdão de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze, C 222/04, Colect., p. I 289, n.° 99).

30. Face às considerações precedentes, importa, portanto, verificar se um contribuinte como E. Hollmann pode invocar o disposto no artigo 56.° CE.

31. A este respeito, decorre da jurisprudência que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (v., neste sentido, acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C 222/97, Colect., p. I 1661, n.° 24).

(…)

37. Daqui decorre que, nos termos das disposições pertinentes do CIRS, a tributação das mais valias realizadas não é a mesma para residentes e não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel sito em Portugal, no caso de realização de mais valias, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos.

38. Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a matéria colectável correspondente à totalidade das mais valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%.

(…)

40. Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE.

(…)

47. A este respeito, o Governo português sustenta que as duas categorias de sujeitos passivos se encontram em situações diferentes, o que justifica perfeitamente esta diferença de tratamento. A limitação da tributação a 50% só pode respeitar a residentes, uma vez que estes se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas sobre o seu rendimento global. Ao invés, aos não residentes são apenas tributados os rendimentos auferidos no território português. Por outras palavras, o mecanismo previsto por uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal visa não penalizar os residentes que se encontram sujeitos a um imposto progressivo, contrariamente aos não residentes.

48. Além disso, o mesmo governo considera que a diferença de tratamento fiscal resultante da aplicação de uma tributação diferente a não residentes deve ser interpretada em conjugação com o sistema geral do imposto sobre o rendimento aplicável a residentes e a não residentes.

49. Com este argumento, o Governo português considera que o facto de se prever uma tributação diferente para não residentes, no caso de realização de mais valias, se justifica atendendo ao regime de tributação de rendimentos, em especial à taxa de tributação diferente aplicável a residentes e a não residentes. Com efeito, para os primeiros, o rendimento colectável é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, incluindo, portanto, as mais valias auferidas em cada ano, sujeito a uma tabela de taxas progressivas, enquanto que, para os não residentes, o CIRS prevê a aplicação de uma taxa especial proporcional.

50. Refira se que, no processo principal, em primeiro lugar, a tributação das mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide sobre uma única categoria de rendimentos dos sujeitos passivos, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, diz respeito às duas categorias de sujeitos passivos; e, em terceiro lugar, o Estado Membro de onde o rendimento colectável provém é sempre a República Portuguesa.

51. A este respeito, importa em particular esclarecer que, tal como resulta do n.° 38 do presente acórdão, o facto de a matéria colectável correspondente às mais valias realizadas por um residente ser reduzida a metade, conjugado com o facto de a tributação dos seus rendimentos estar sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%, conduz, nas mesmas condições de tributação relativamente a um não residente, a uma tributação mais gravosa deste último.

52. Nestas condições, a alegação apresentada, no caso em apreço, pelo Governo português não pode ser aceite.

53. Resulta do exposto que não existe objectivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais valias entre as duas categorias de sujeitos passivos. Por conseguinte, uma situação como a de E. Hollmann é comparável à de um residente.

54. Donde se conclui que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal institui um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável.»

Importa aqui relembrar que a prevalência da interpretação do TJUE acerca do Direito Europeu resulta do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio do primado do Direito Europeu, seja este originário ou derivado.

Assim, na sequência daquele aresto do TJUE, os tribunais nacionais adotaram uma posição consentânea com o ali decidido, sendo disso exemplo, entre outros, os seguintes arestos prolatados pelo STA:

(i) Em 22.03.2011, no processo n.º 01031/10, onde se afirma que foi a Autoridade Tributária que, «perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando-se deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.»  

(ii) Em 20.02.2019, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, o acórdão assim sumariado:

«I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da UE, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo).»

(iii) Em 9.12.2020, no processo n.º 064/20.0BALSB, o acórdão assim sumariado:

«I – Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.

II – O entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.»

(iv) Em 9.12.2020, no processo n.º 075/20.6BALSB, o acórdão assim sumariado:

«(…)

III – A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV – Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.»

Também os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD seguiram idêntico entendimento, como resulta, entre muitas outras, das decisões arbitrais que foram proferidas nos processos n.ºs 45/2012-T, 127/2012-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 644/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 370/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T, 208/2019-T, 627/2019-T, 787/2019-T, 17/2020-T, 238/2020-T e 334/2020-T.

 

15. Isto posto. A Requerida entende que a aludida jurisprudência do TJUE não é vinculativa, uma vez que o quadro legal, assim como a obrigação declarativa, já não é aquele que existia à data da prolação do citado Acórdão Hollmann pelo TJUE, atenta a alteração legislativa consubstanciada no aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (números 13 e 14, na redação aqui aplicável), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008); assim, segundo a Requerida, o Acórdão Hollmann refere-se a situações ocorridas na vigência do artigo 72.º do Código do IRS, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, pelo que o caso concreto não está abrangido por tal arco temporal.

No entanto, não tem a Requerida razão na posição que sustenta.

Porquanto, a propósito de um regime de opção similar àquele que está consagrado no artigo 72.º, n.ºs 13 e 14, do Código do IRS, pronunciou-se o TJUE no acórdão de 18 de março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Caso Gielen), no qual foi decidido o seguinte:

«O artigo 49.° TFUE opõe se a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.»

Esta decisão está estribada nos seguintes vetores argumentativos:

«50. Antes de mais, importa recordar que a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, como F. Gielen, escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório.

51. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no presente caso, essa escolha não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

52. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência, como é essencialmente observado pelo advogado geral no n.° 52 das suas conclusões, validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório.

53. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C 446/04, Colect., p. I 11753, n.° 162).

54. Decorre do exposto que a escolha concedida, no âmbito do litígio em causa no processo principal, ao contribuinte não residente, através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação constatada no n.° 48 do presente acórdão.»

Acresce que, no âmbito do recentíssimo acórdão de 18 de março de 2021, proferido no processo C-388/19 (Acórdão MK), o TJUE apreciou o concreto regime legal constante dos n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do CIRS, tendo decidido o seguinte:

«O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.»

Esta conclusão emerge, nuclearmente, da seguinte argumentação vertida naquele aresto do TJUE:

«19. Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.° e 63.° a 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

(…)

21. Ora, o Tratado FUE prevê, designadamente, no seu artigo 63.°, uma regra específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 29 e jurisprudência referida).

22. Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 31 e jurisprudência referida).

23. Daqui decorre que a alienação onerosa de um bem imóvel situado no território de um Estado‑Membro, efetuada por pessoas singulares não residentes, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 63.° TFUE.

(…)

25. Importa recordar que o artigo 63.° TFUE proíbe quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 65.° TFUE.

26. No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando‑se de mais‑valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado‑Membro.

27. Em especial, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, as mais‑valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais‑valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.

28. Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais‑valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais‑valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando‑se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 37).

29. Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais‑valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais‑valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros e de 5 % acima desse valor.

30. Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais‑valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.° TFUE.

31. Esta constatação não é posta em causa pelo n.° 44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C‑632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.° 29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais‑valias sobre a venda de imóveis.

32. Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais‑valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE.

(…)

34. Resulta do artigo 65.°, n.° 1, TFUE, lido em conjugação com o n.° 3 desse mesmo artigo, que os Estados‑Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

35. Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.° 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que disposições fiscais nacionais, como o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, possam ser consideradas compatíveis com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.os 44 e 45 e jurisprudência referida).

36. Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

37. Quanto, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, importa recordar que, no n.° 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça já declarou, em primeiro lugar, que a tributação das mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, e do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, que essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes; e, em terceiro lugar, que o Estado‑Membro de onde o rendimento coletável provém é sempre a República Portuguesa.

38. Resulta do exposto, nomeadamente do n.° 29 do presente acórdão, que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, e do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais‑valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontra um contribuinte não residente, como MK, é comparável à de um contribuinte residente.

39. Esta constatação não é posta em causa pela ratio legis do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50% aplicável às mais‑valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.

40. Quanto, em segundo lugar, à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, importa salientar que o Governo português não refere a existência de tais razões. No entanto, alega que, no âmbito da tributação do saldo positivo das mais‑valias imobiliárias realizadas em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, do CIRS tem por objetivo evitar penalizar os sujeitos passivos residentes em Portugal ou os sujeitos passivos não residentes que escolham ser tributados como tais nos termos do artigo 72.°, n.ºs 9 e 10, do CIRS, devido ao facto de lhes ser aplicada uma taxa progressiva.

41. Ora, nos n.os 58 a 60 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça considerou que o benefício fiscal concedido aos residentes, que consistia numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais‑valias realizadas, excedia, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos. Consequentemente, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que não estava demonstrada uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinada imposição fiscal e que a restrição resultante da regulamentação nacional em causa não podia, portanto, ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.

(…)

42. Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.

43. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).

45. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).

46. Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.»

Resulta, assim, meridianamente evidenciado que a previsão do regime facultativo em apreço, para além de fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não é suscetível de excluir a aludida discriminação, a qual continua pois a subsistir.

Em linha com este aresto do TJUE, pronunciaram-se já os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, no âmbito dos processos n.ºs 330/2020-T, 476/2020-T e 600/2020-T. 

 

16. Nesta conformidade, sem necessidade de acrescidas considerações, procede o vício de violação de lei alegado pela Requerente, por incompatibilidade da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o artigo 63.º do TFUE, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a consequente anulação parcial do ato de liquidação de IRS controvertido, na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias imobiliárias a 50% do respetivo valor.

 

§3. O REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO (INDEVIDAMENTE) PAGO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

17. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 21.513,50 (vinte e um mil quinhentos e trezentos euros e cinquenta cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, sendo que resultou comprovado que a Requerente procedeu ao pagamento integral do valor resultante do ato de liquidação de IRS controvertido (cf. facto provado i)).

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso do montante de imposto indevidamente suportado e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§3.1. DO REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO (INDEVIDAMENTE) PAGO

18. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação de IRS controvertido, há lugar ao reembolso da prestação tributária indevidamente suportada pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aquele ato tributário não tivesse sido praticado nos termos em que foi.

Destarte, procede o pedido de reembolso à Requerente do imposto indevidamente pago, no montante de € 21.513,50 (vinte e um mil quinhentos e treze euros e cinquenta cêntimos).

 

§3.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

19. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade parcial da liquidação de IRS controvertida é imputável à AT por, na sua elaboração, ter incorrido em vício de violação de lei, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante de € 21.513,50 (vinte e um mil quinhentos e treze euros e cinquenta cêntimos) a reembolsar, calculados desde a data em que foi efetuado o pagamento – 07.08.2020 (cf. facto provado i)) – até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril. 

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20. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

 

IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegal e anular a liquidação de IRS n.º …, referente ao ano de 2019, na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias imobiliárias a 50% do respetivo valor, com as legais consequências;

b)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira:

(i)           A reembolsar à Requerente o imposto liquidado e pago em excesso, no montante de € 21.513,50 (vinte e um mil quinhentos e treze euros e cinquenta cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais;

(ii)          No pagamento das custas do presente processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 43.026,99 (quarenta e três mil e vinte e seis euros e noventa e nove cêntimos).

 

VI. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Notifique.

 

Lisboa, 10 de maio de 2021.

 

O Árbitro,

(Ricardo Rodrigues Pereira)