Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 520/2020-T
Data da decisão: 2021-05-31  IRS  
Valor do pedido: € 9.363,65
Tema: IRS. Mais-valias imobiliárias. Residente em outro Estado Membro da União Europeia.
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SUMÁRIO:

 

1.            O efeito discriminatório do regime geral de tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos pelos sujeitos passivos residentes em outro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, resulta da maior carga fiscal que sobre estes impende por comparação com a que onera os sujeitos passivos residentes, pois da aplicação de uma taxa de 28% (artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS) à totalidade da mais-valia realizada por não residentes, resulta coleta superior à que resultaria da taxa máxima a que se refere o artigo 68.º, do Código do IRS, de 48%, sobre apenas 50% do saldo apurado entre as mais e menos valias realizadas pelos sujeitos passivos residentes.

2.            Tem a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) entendido que a maior carga fiscal que onera os rendimentos de mais-valias obtidos por não residentes constitui restrição à liberdade de circulação de capitais, em violação do disposto nos artigos 63.º a 65.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

3.            O regime geral de tributação das mais-valias imobiliárias aplicável aos sujeitos passivos não residentes é contrário aos artigos 63.º a 65.º, do TFUE, pelo que as liquidações de IRS efetuadas pela AT com base em tal regime, como é o caso dos autos, são ilegais, por vício de violação de lei.

 

DECISÃO ARBITRAL

Em 8 de outubro de 2020, A…, titular do NIF …, residente em …, …, Munique – Alemanha (doravante designado por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, da LGT, 99.º, do CPPT, 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

A.           Objeto do pedido:

O Requerente peticiona a apreciação da legalidade, assim como a anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2020 …, referente ao ano de 2019, para cujo pagamento voluntário, até 31 de agosto de 2020, foi emitida a nota de cobrança n.º 2020 …, no montante global de € 18 727,29, por considerar que tal liquidação é ilegal, por contrária ao Direito da União Europeia, na medida em que resulta da aplicação da taxa de 28% à totalidade dos rendimentos de mais-valias por  si obtidos em 2019.

 

Atribuindo ao pedido o valor económico de € 9 363,65, equivalente ao valor cuja anulação pretende, pede ainda o Requerente a condenação da Requerida na restituição da quantia indevidamente paga a título de imposto, acrescida de juros indemnizatórios, a calcular desde a data em que ocorreu o pagamento da liquidação que contesta, até efetivo e integral reembolso, bem como a condenação da Requerida em custas.

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Do Requerente:

Como fundamentos do pedido de pronúncia arbitral, alega o Requerente, em síntese, o seguinte:

1.            Em 2019, o Requerente residia na Alemanha, situação que ainda se mantém;

2.            Em fevereiro de 2019, o Requerente procedeu à venda de 50% do seu direito de propriedade sobre um imóvel urbano sito no concelho de Oeiras, pelo valor de € 250 000,00;

3.            O referido imóvel havia sido adquirido em 1989, pelo preço de € 71 530,00, factos que inscreveu na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2019, apresentada dentro do prazo legal;

4.            No apuramento da mais-valia tributável, a AT considerou o valor do resultado por inteiro, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, do Código do IRS, desconsiderando o regime de exclusão de tributação de 50%, previsto no n.º 2 do mesmo artigo;

5.            A AT entende que, perante a mesma transação, as regras de tributação aplicáveis deverão divergir consoante esteja em causa uma mais-valia realizada por um residente ou por um não residente, o que constitui uma discriminação injustificada e contrária ao direito da União Europeia, violadora do princípio da livre circulação de capitais entre Estados Membros;

6.            A discriminação desfavorável dos não residentes restringe a liberdade de circulação de capitais, violando o artigo 63.º, do TFUE, como tem vindo a ser decidido em vários acórdãos do TJUE, entre os quais o Acórdão Hollmann (C-443/06), relativo a uma situação semelhante à do Requerente;

7.            Por força do primado do direito da União Europeia, acolhido pelo n.º 4 do artigo 8.º, da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência do TJUE é vinculativa, pelo que a recusa de aplicação do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, in casu, é violadora do Direito da União Europeia;

8.            Na sequência do Acórdão Hollmann, o legislador português pretendeu sanar a incompatibilidade da norma em questão com o Direito da União Europeia e estabeleceu um regime opcional de equiparação dos residentes aos residentes noutro Estado Membro da União Europeia, pelo aditamento dos n.ºs 8 e 9 ao artigo 72.º, do Código do IRS;

9.            Mas essa possibilidade de opção apenas resultou num ónus suplementar para os não residentes, mantendo-se o regime discriminatório anterior;

10.          O STA já se pronunciou, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17 de 20.02.2019, sobre factos posteriores às alterações legislativas efetuadas ao artigo 72.º, do Código do IRS, reiterando a desconformidade da legislação nacional com o Direito da União Europeia;

11.          Assim, o ato de liquidação sub judice padece de ilegalidade, consubstanciado num erro de quantificação, devendo ser anulado em 50%;

12.          Anulado o imposto liquidado em excesso por erro imputável aos serviços, tem o Requerente direito a juros indemnizatórios, calculados à taxa legal sobre o montante indevidamente pago, até efetivo e integral reembolso.

 

b. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta, na qual veio defender a manutenção do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.            À data dos factos, o Requerente era residente na Alemanha, tendo alienado 50% do imóvel identificado na petição inicial, quota adquirida por herança em 2014 (e não em 1989, como declarou na declaração modelo 3 de IRS);

2.            O Requerente considera que a Autoridade Tributária tributou a mais-valia imobiliária do ano de 2019 na sua totalidade, aplicando a taxa de 28%, prevista no artigo 72.º do CIRS, infringindo o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ao obter uma carga fiscal superior à que incidiria sobre o mesmo tipo de operação efetuada por um residente do Estado onde está situado o bem imóvel,

3.            Ou seja, entende o Requerente que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS se aplica aos não residentes em Portugal (tanto residentes num Estado Membro da União Europeia como residentes de Estados terceiros);

4.            É certo que no Acórdão C - 443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72.º, n.º 1 e 43.º, n.º 2 do Código do IRS, por “o artigo 56.º CE dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”;

5.            Tendo em conta o teor do citado Acórdão do TJCE, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, os n.ºs 7 e 8 (atuais n.ºs 9 e 10);

6.            O novo quadro normativo passou a prever duas alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, possibilitando que o Requerente pudesse ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições aplicáveis aos residentes;

7.            Os n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não APENAS para os residentes em Portugal, mas TAMBÉM para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, adequando plenamente a legislação nacional ao direito comunitário, pelo que sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão;

8.            O Requerente podia ter optado, como o fez, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, o que não fez;

9.            Desconhece-se jurisprudência do TJUE que se debruce sobre a questão a dirimir nos presentes autos, designadamente proferida em casos com todas as características factuais apontadas, em face da referida alteração legislativa de 2008;

10.          Pelo que, deverá suspender-se a presente instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TFUE;

11.          Face ao exposto, entendemos que deve ser mantida a liquidação impugnada, referente ao IRS do ano fiscal de 2019, devendo-se concluir pela improcedência do ppa.

 

Pelo despacho arbitral de 19 de abril de 2021, foi decidido dispensar a reunião a que se refere o artigo 18, do RJAT, recusando-se, por injustificado, o reenvio prejudicial ao TJUE, dada a jurisprudência existente e por não existir dúvida real na sua aplicação ao caso concreto, apesar das alterações legislativas introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2008), na sequência do Acórdão Hollmann (processo C-443/06).

 

No mesmo despacho se determinou que o processo prosseguisse com alegações escritas, no prazo simultâneo de 20 dias (art.º 91.º-A, do CPTA, ex vi artigo 29.º, do RJAT), fixando-se o dia 31 de maio de 2021 como data provável para prolação da decisão final e advertindo-se o Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

O Requerente apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição adotada no pedido de pronúncia arbitral.

 

A Requerida não apresentou alegações escritas.

 

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 5 de janeiro de 2021, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.            As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.            Não foram invocadas exceções que caiba aprecia e decidir.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A – Factos provados

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e à posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados, fixa-se como segue:

 

1.            O Requerente, residente na Alemanha, alienou, em 11 de fevereiro de 2019, pelo preço de € 250 000,00, metade indivisa do prédio urbano descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … , inscrito na matriz predial da União das Freguesias de …  sob o artigo …, que teve origem no artigo … da Freguesia de … (doc. 1 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);

2.            Em 30 de junho de 2020, o Requerente entregou a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019 (declaração …), constituída pelo respetivo rosto e um por anexo G (doc. 2 junto ao PPA, que se dá como integralmente reproduzido);

3.            No rosto da declaração referida no ponto precedente, quadro 8B, o Requerente declarou a sua qualidade de não residente (campo 04), com residência no país com o código 276 – Alemanha (campo 06), assinalando a opção pelo regime geral de tributação (campo 07);

4.            No anexo G à mesma declaração, o Requerente inscreveu no Quadro 4 (alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis [art.º 10.º, n.º 1, al. a), do CIRS]:

i.             campo 4001: Realização – ano: 2019; mês: 2; valor: € 250 000,00; Aquisição – ano: 1989; mês: 1; valor: € 71 530,00; despesas e encargos: € 0,00;

ii.            identificação matricial dos imóveis: Freguesia (Código): …; Tipo: U; Artigo: …; Quota parte %: 100;

5.            Tendo por base a declaração modelo 3 de IRS entregue pelo Requerente, a AT emitiu em seu nome a liquidação de IRS n.º 2020 …, referente ao ano de 2019, na qual foi considerado o rendimento coletável de € 66 883,20 a que, por aplicação da taxa de 28%, resultou imposto a pagar de € 18 727,29 (doc. 3 junto ao PPA, que se dá por reproduzido);

6.            O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação n.º 2020 …, em 28 de agosto de 2020.

 

 

B – Factos não provados:

Não se provou a data da aquisição do imóvel de cuja alienação resultou o rendimento de mais-valias objeto da liquidação de IRS do ano de 2019.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, cuja veracidade não é posta em causa pela Requerida.

 

III.2 DO DIREITO

1.            A questão decidenda

                A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a exclusão da tributação de 50% das mais valias imobiliárias realizadas por sujeitos passivos residentes (artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS, na redação à data dos factos) é igualmente aplicável na tributação dos rendimentos da mesma natureza, se auferidos por sujeitos passivos não residentes, mas residentes em outro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

 

As questões colocadas pelo regime diferenciado da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por sujeitos passivos residentes e por sujeitos passivos não residentes em território nacional foram inicialmente tratadas, da perspetiva do direito comunitário, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Acórdão Hollmann (processo C-443/06, de 11/10/2007), que versou sobre situação idêntica à dos autos, em momento anterior às alterações introduzidas ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, e no qual se decidiu que:

 

“O artigo 56.º CE  [atual artigo 63.º, TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado‑Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado‑Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais‑valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.” (disponível em https://eurlex. europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62006CJ0443&from=PT).

 

Defende a Requerida que com o novo regime aplicável à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos pelos sujeitos passivos não residentes, decorrente do aditamento dos n.ºs 7 e 8 (n.ºs 13 e 14, na redação em vigor à data dos factos) ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, ficou sanada a desconformidade entre a legislação nacional e o direito comunitário.

 

Alega ainda a Requerida que, tendo o Requerente assinalado na declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2019, a situação de não residente e, ao não ter optado pela tributação das mais-valias imobiliárias pela aplicação das taxas progressivas do artigo 68.º, do CIRS, e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, lhe não assiste razão, pois que o n.º 14 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação à data dos factos, é taxativo no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano, quer em Portugal, quer no estrangeiro.

 

Por seu turno, argumenta o Requerente que a possibilidade de opção pelo regime de tributação aplicável aos residentes não é, por si só, suficiente para afastar o tratamento discriminatório dos sujeitos passivos não residentes, no que respeita à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias.

 

Sobre a possibilidade de a opção por um regime de equiparação a residentes ser ainda incompatível com o direito da UE, já o TJUE se pronunciou no processo C-440/08 (Acórdão Gielen, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62008CJ0440&from=PT), tendo decidido que  tal incompatibilidade “(…) não é posta em causa pelo argumento de que a opção de equiparação é suscetível de excluir a discriminação em causa (…) [se] essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório (…)”.

 

No ano a que respeitam os rendimentos que originaram a liquidação ora impugnada, era a seguinte a redação dos n.ºs 1, alínea a), 13 e 14, do artigo 72.º, do Código do IRS:

 

“Artigo 72.º - Taxas especiais

 1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a)            As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(…)

13 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 6, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

14 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

(…)”

 

                O efeito discriminatório do regime geral de tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos pelos sujeitos passivos não residentes em território nacional, mas residentes em outro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, resulta da maior carga fiscal que sobre estes impende por comparação com a que onera os sujeitos passivos residentes.

 

Efetivamente, da aplicação de uma taxa de 28% (artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS) à totalidade da mais-valia realizada por não residentes (artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS), resulta coleta superior à que resultaria da taxa máxima a que se refere o artigo 68.º, do Código do IRS, de 48%, sobre apenas 50% do saldo apurado entre as mais e menos valias realizadas pelos sujeitos passivos residentes.

 

Tem a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) entendido que a maior carga fiscal que onera os rendimentos de mais-valias obtidos por não residentes constitui restrição à liberdade de circulação de capitais, em violação do disposto nos artigos 63.º a 65.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

Retomando a jurisprudência do Acórdão Hollmann, se pronunciou recentemente o Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão proferido em 18 de março de 2021, no âmbito do processo C- 388/19, relativamente à questão prejudicial que lhe foi colocada nos termos do artigo 267.º, do TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (processo n.º 598/2018-T), sobre situação ocorrida em momento posterior ao das alterações legislativas introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, que vieram possibilitar aos sujeitos passivos  residentes em outro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu a opção pelo regime de tributação das mais-valias imobiliárias aplicável aos sujeitos passivos residentes.

 

Concluiu o TJUE no citado Acórdão de 18 de março de 2021 (processo C- 388/19) que:

“O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”

 

Resulta da jurisprudência citada, a que tem aderido maioritariamente a jurisprudência nacional, que o regime geral de tributação das mais-valias imobiliárias aplicável aos sujeitos passivos não residentes é contrário aos artigos 63.º a 65.º, do TFUE, e que as liquidações de IRS efetuadas pela AT com base em tal regime, como é o caso dos autos, são ilegais, por vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação parcial.

 

2. Restituição do imposto pago em excesso. Juros indemnizatórios.

O Requerente pede a condenação da Requerida na restituição do imposto pago em

excesso, bem como no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, desde a data do

pagamento indevido, até integral reembolso.

 

Estabelece o artigo 24.º, do RJAT, os termos em que a AT fica vinculada a decisão sobre

o mérito da causa, favorável ao sujeito passivo, de que não caiba recurso ou impugnação.

Desde logo, fica a AT vinculada, nomeadamente, a (i) “Restabelecer a situação que

existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os

atos e operações necessários para o efeito” (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT) e (ii) ao

“pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral

tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (artigo 24.º, n.º 5, do RJAT).

 

De igual modo, determina o n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), que “A

administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de

reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade,

compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na

lei”.

 

Quer a doutrina quer a jurisprudência apontam no sentido de que o ato tributário é um

ato divisível, quer por natureza, dado que impõe a obrigação de pagamento de uma quantia

pecuniária, quer por determinação legal (cfr. o artigo 100.º, da LGT), podendo ser

parcialmente anulado, se o tipo de ilegalidade de que padece o afetar apenas em parte.

Porém, no caso concreto em análise, não está em causa a mera redução da base de incidência do imposto, a que foi aplicada uma taxa fixa (28%), de molde a justificar a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2020 ….

 

De facto, não está provado nos autos nem a data nem o modo de aquisição do imóvel de cuja alienação provieram os rendimentos de mais-valias tributados, elementos essenciais ao apuramento do rendimento coletável.

 

Se, por um lado, o Requerente afirma no PPA e inscreveu no Anexo G da declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2019, ter adquirido 50% do direito de propriedade sobre o referido imóvel em 1989, pelo valor de € 71 530,00, a Requerida vem, no artigo 2.º da sua Resposta, dizer que o mesmo foi adquirido por herança, em 2014, facto a que o Requerente não faz qualquer alusão em sede de Alegações escritas.

 

Ora, a data de aquisição do imóvel é elemento relevante do apuramento do rendimento coletável, face ao coeficiente de correção monetária a aplicar (artigo 50.º, n.º 1, do Código do IRS), assim como releva o modo de aquisição, pois, tratando-se de uma aquisição a título gratuito, o valor a considerar, nos termos do artigo 45.º, do Código do IRS, é o valor que tiver sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo ou, caso não haja lugar à liquidação deste imposto, o valor que serviria de base à liquidação, caso este fosse devido.

 

Na falta de tais elementos, não é possível ao tribunal arbitral quantificar o montante pago em excesso pelo Requerente ou determinar a anulação parcial da liquidação impugnada, nos termos peticionados, ou seja, em 50% do respetivo valor.

 

Outrossim, deverá determinar-se a anulação da liquidação de IRS n.º 2020 …, referente ao ano de 2019, pela sua totalidade, com emissão de nova liquidação em que sejam considerados os valores e datas relevantes para a determinação do rendimento, com exclusão da tributação de 50% do saldo que vier a ser apurado em execução da presente decisão arbitral.

 

Apurado o montante do imposto pago em excesso pelo Requerente, fica a Requerida obrigada à sua restituição, acrescido de juros indemnizatórios a calcular sobre aquela quantia, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT.

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo

2.º do RJAT, decide-se:

a.            Declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020 …, referente ao ano de

2019, determinando a sua anulação pela totalidade;

b.            Condenar a Requerida na emissão de nova liquidação, expurgada do vício de que padece a liquidação que ora se anula;

c.            Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago pelo Requerente, pelo valor que vier a ser apurado em execução da presente decisão arbitral;

d.            Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular nos termos legais, sobre o valor do imposto pago em excesso pelo Requerente.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de

Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 9 363,65 (nove mil, trezentos e sessenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), indicado pelo Requerente e não contestado pela Requerida.

 

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos

Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de maio de 2021.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.