Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 513/2021-T
Data da decisão: 2022-02-14  IRC  
Valor do pedido: € 94.436,81
Tema: IRC - Retenção na Fonte – Juros – IRC – legitimidade processual – legitimidade substantiva ou material
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Decisão Arbitral

 

SUMÁRIO:

I - A legitimidade processual constitui um pressuposto adjectivo de que depende o conhecimento do mérito da causa, que se afere pelo interesse do autor em demandar e o do réu em contradizer.

II - A legitimidade substantiva é um requisito de procedência do pedido, relacionado com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa.

III - Apesar da Requerente ter legitimidade processual, dado o seu interesse directo em contradizer, o qual decorre do reembolso de imposto que advenha da procedência da acção (artigo 30.º, n.º 2 do CPC), não tem legitimidade material, substantiva ou ad actum, na relação controvertida em análise, dado ser-lhe inaplicável a invocada possibilidade de proceder à dedução de despesas profissionais, atendendo à efectiva relação material controvertida.

 

I. Relatório

 

A..., SA, com sede e direcção efectiva no ..., n.º ..., ..., Lisboa, pessoa coletiva n.º ... (adiante Requerente), vem, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ou RJAT, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre os actos tributários de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), de 2017 a 2021, melhor identificados nos autos, no valor total de € 94.436,81 (noventa e quatro mil, quatrocentos e trinta e seis euros e oitenta e um cêntimos).

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31.08.2021.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 3.11.2021.

 

A AT não apresentou resposta dentro do prazo, tendo sido ordenado o desentranhamento da Resposta intempestiva apresentada.

 

Por despacho de 17.12.2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, sendo fixado prazo para alegações sucessivas.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

 

Tendo em conta que a procedência das excepções invocadas pela AT podem obstar ao conhecimento do mérito, serão aquelas prioritariamente apreciadas.

 

II. Matéria de Facto

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            A Requerente efectuou retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na qualidade de substituto tributário, sobre os juros pagos ao B... SA, com o número de identificação fiscal espanhol ..., com sede na Avenida ... ..., ... Barcelona;

b)           As retenções na fonte identificadas foram realizadas através das seguintes guias de pagamento:

 

(i)           Guia de pagamento identificada com o n.º ..., relativa ao período de Dezembro de 2017, no valor total de €16.152,95 (dezasseis mil, cento e cinquenta e dois Euros e noventa e cinco cêntimos), sendo que €13.075,00 (treze mil e setenta e cinco Euros) respeitam a retenções na fonte sobre juros pagos, cuja data limite de pagamento era 20.01.2018, tendo a mesma sido paga em 19.01.2018;

(ii)          Guia de pagamento identificada com o n.º ..., relativa ao período de Junho de 2018, no valor de €15.329,66 (quinze mil, trezentos e vinte e nove Euros e sessenta e seis cêntimos), tendo a mesma sido paga em 08.08.2018;

(iii)         Guia de pagamento identificada com o n.º ..., relativa ao período de Dezembro de 2018, no valor de €13.730,38 (treze mil, setecentos e trinta Euros e trinta e oito cêntimos), cuja data limite de pagamento era 20.01.2019, tendo a mesma sido paga em 21.01.2019;

(iv)         Guia de pagamento identificada com o n.º ..., relativa ao período de Julho de 2019, no valor de €13.285,07 (treze mil, duzentos e oitenta e cinco Euros e sete cêntimos), cuja data limite de pagamento era 20.08.2019;

(v)          Guia de pagamento identificada com o n.º ..., relativa ao período de Dezembro de 2019, no valor de €13.262,50 (treze mil, duzentos e sessenta e dois Euros e cinquenta cêntimos), cuja data limite de pagamento era 20.01.2020, tendo a mesma sido paga em 16.01.2020;

(vi)         Guia de pagamento identificada com o n.º ..., relativa ao período de Junho de 2020, no valor de €13.119,12 (treze mil, cento e dezanove l Euros e doze cêntimos), cuja data limite de pagamento era 20.07.2020, tendo a mesma sido paga em 17.07.2020; e

(vii)        Guia de pagamento identificada com o n.º ..., relativa ao período de Dezembro de 2020, no valor de €12.635,08 (doze mil, seiscentos e trinta e cinco Euros oito cêntimos), tendo a mesma sido paga em 18.01.2021;

c)            A 4 de Janeiro de 2021, a Requerente apresentou a reclamação graciosa n.º ...2021...;

d)           A 22 de Fevereiro de 2021, a Requerente apresentou a reclamação graciosa n.º ...2021...;

e)           As reclamações graciosas identificadas foram indeferidas tacitamente;

f)            A 27.08.2021, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento tácito das reclamações graciosas dos actos de retenção na fonte de IRC identificados nos autos.

g)            A Requerente não apresentou qualquer documento comprovativo ou justificativo das despesas incorridas com a obtenção dos juros por parte da entidade B..., isto é, “as despesas profissionais diretamente relacionadas com a actividade em questão.”

 

Considerando que não foi junto pela AT aos autos o Processo Administrativo, nem apresentada Resposta ao pedido arbitral, consideraram-se à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT como factos relevantes para a presente Decisão aqueles que foram alegados pelas Partes e que resultam de documentos juntos aos autos.

 

Não existem factos alegados com relevância para a decisão da causa que não tenham sido dados como provados.

 

III. Matéria de Direito

 

A – Questões Prévias

 

- Da intempestividade da reclamação graciosa com referência às guias de pagamento ... e ...

 

Alega a AT que os prazos de pagamento das guias ... e ... terminavam a 20.01.2018 e a 08.08.2018, respectivamente, pelo que à data de apresentação da reclamação graciosa, de 4.01.2021, o prazo de 2 anos para a Requerente apresentar reclamação graciosa já havia decorrido.

 

Decorre da argumentação da AT o entendimento que o prazo de 2 anos, previsto no artigo 132.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) deve ser contado da data limite de pagamento voluntário constantes das guias de retenção acima identificadas.

 

Sucede que sobre a contagem do prazo previsto no artigo 132.º, n-º 1 e 2 do CPPT resulta que, no caso de não ser possível a correcção do imposto entregue a mais nas entregas seguintes da mesma natureza, o que se verificou no caso em análise, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo de correcção, que é até ao final do ano do pagamento indevido.

Na verdade, tal como resulta de Jurisprudência firmada,  “Em matéria da interpretação da lei rege o art.º 9.º do Código Civil, cujo nº 1 determina que «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (nº 1), esclarecendo o nº 2 que «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» e clarificando o nº 3 que «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

O que significa que, em qualquer dos casos, o teor verbal da lei é o elemento básico por onde deve começar toda a interpretação, sendo também o limite (dentro do fim ou ratio que subjaz à norma e ao sistema em que se insere) que não pode ser ultrapassado pelo intérprete, ou para usarmos a linguagem de MANUEL DE ANDRADE (Ensaio Sobre A Teoria Da Interpretação Das Leis, p. 64), «só até onde chegue a tolerância do texto e a elasticidade do sistema é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e apropriado às exigências da vida.».

Face a estes cânones da interpretação da lei – dos quais decorre que o texto legal é sempre o ponto de partida e o limite negativo de toda a actividade de interpretação – não podemos deixar de concluir que a tese defendida pela Recorrente não tem qualquer correspondência verbal no texto da lei.

O que se diz no n.º 4 do artigo 132.º é que «O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.».

O que significa que o preceito se limita a estabelecer, de forma clara e peremptória, que a impugnação do substituído se rege pelas disposições que o nº 3 contém para o substituto. E, por conseguinte, o nº 4 não abre, de forma expressa ou implícita, qualquer excepção ou reserva no que toca à aplicação da disciplina contida no nº 3, designadamente quanto a prazos.

Daí que não possamos deixar de concluir que a única interpretação consentânea com a letra da lei é a de que a reclamação do substituído que pretenda impugnar a retenção do imposto na fonte a título definitivo é também, no que respeita a prazos, regulada nos termos do nº 3 do artigo 132º.

Com efeito, atenta a abrangência que decorre do teor literal do n.º 4 do artigo 132.º, não há que buscar, fora do que dispõe o n.º 3, qualquer outra regra para a determinação do prazo em causa. Mal se entenderia, de resto, que o início do prazo do substituído para apresentar a reclamação estivesse dependente do momento da entrega do imposto pelo substituto, e, por conseguinte, da prática de um acto por um terceiro em data incerta.

De todo o modo, o prazo previsto no n.º 3 refere-se, exclusivamente, à reclamação graciosa – que é facultada tanto ao substituto como ao substituído – e não ao mecanismo privativo do substituto a que alude o n.º 2 (e que tem um prazo próprio), pelo que é totalmente destituída de sentido a tese de que, por via do que dispõe o nº 2, o prazo contado nos termos do nº 3 respeitará apenas ao substituto.” – Acórdão do STA, Proc. 0403/15, de 23 de setembro de 2015

 

Deste modo, e sem mais delongas, conclui-se que, tal como decidido também no Acórdão do STA, Proc. 465/15, de 5 de abril de 2015, de harmonia com o que dispõem os n.ºs 3 e 4 do art. 132.º do CPPT, o substituído que quiser impugnar a retenção de imposto na fonte a título definitivo dispõe do prazo de dois anos a contar do final do ano em que ocorreu a retenção para apresentar a necessária reclamação graciosa. Em consequência, considera-se improcedente a excepção de extemporaneidade invocada pela AT relativamente à reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte n.º ... e ..., de 20.01.2018 e 8.08.2018, apresentada no dia 4.01.2021.

 

B - Do pedido de Reenvio Prejudicial

 

A título subsidiário foi pela Requerente solicitado o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciar a seguinte questão:

“O princípio da livre prestação de serviços e, por conseguinte, também os princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais, estabelecidos nos artigos 18.º, 56.º, 63.º e 65.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, opõem-se a uma legislação nacional segundo a qual as instituições financeiras não residentes são tributadas pelos rendimentos brutos obtidos no Estado-membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir despesas profissionais diretamente relacionadas com a actividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes?”

 

No entanto, entende-se que não subsiste dúvida fundada quanto à interpretação dos princípios da livre prestação de serviços e da livre circulação de capitais, existindo jurisprudência do TJUE sobre as questões de direito que relevam para a apreciação do objeto do processo.

Considera-se, por isso, não se justificar o requerido reenvio prejudicial.

 

C – Do Mérito

 

Tendo em conta o pedido formulado, entende-se que a principal questão que se coloca nos presentes autos prende-se com saber se os actos de retenção na fonte de IRC sobre os juros pagos pela Requerente à B... identificados nos autos, efectuados ao abrigo do disposto no artigo 94.º, n.º 1 c) e n.º 3, alínea b) do CIRC, devem ser anulados, por vício de violação de lei, concretamente violação do direito da União Europeia, na vertente dos princípios da livre prestação de serviços, não discriminação e liberdade de circulação de capitais.

 

Em concreto, está em causa a questão de saber se as entidades não residentes e sem estabelecimento estável no território português podem ser tributadas pelos rendimentos de capitais obtidos em Portugal através de retenção na fonte, a título definitivo, nos termos dos artigos 80.º, n.º 2, alínea c), e 88.º do Código do IRC, à data vigentes, sem a possibilidade de deduzirem os encargos directamente relacionadas com a sua actividade, ao contrário do que sucede com as entidades residentes relativamente às quais a tributação incide sobre o lucro tributável.

 

Na presente situação está em causa a obtenção de juros no território português por uma instituição com sede em Espanha – B..., que não possui estabelecimento estável em Portugal, e que, por efeito do disposto em Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Espanha (ADT), foi sujeita a retenção na fonte, com carácter definitivo, à taxa reduzida de 10%.

 

Se a entidade beneficiária dos juros fosse uma sociedade residente em território português, havia lugar a retenção na fonte à taxa de 15%, mas correspondente a uma retenção na fonte por conta do imposto devido a final, pelo que lhe seria dada oportunidade de deduzir aos rendimentos obtidos as despesas profissionais e de funcionamento.

 

1.            Argumentos das Partes

 

A Requerente alega no pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

 

1 - Um dos princípios basilares da União Europeia é o princípio da livre prestação de serviços, consagrado no artigo 56.º do TFUE, que estabelece que “No âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação”.

 

2 - Ainda em matéria de liberdades fundamentais, assume particular relevo quer o princípio da não discriminação, constante do artigo 18.º do TFUE, e que consagra que, no âmbito da aplicação dos Tratados, é proibida toda e qualquer discriminação em função da nacionalidade, quer a liberdade de circulação de capitais e pagamentos, atualmente prevista nos artigos 63.º e 65.º, n.º 3 do TFUE. 61.º

 

3 - Em matéria de livre circulação de capitais, os referidos normativos consagram esta liberdade de forma bastante ampla, porquanto o artigo 63.º do TFUE proíbe qualquer restrição à circulação de capitais e pagamentos entre os Estados-Membros, bem como entre Estados-Membros e países terceiros,

 

4 - No caso de entidades com sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em Portugal, a retenção na fonte sobre os juros pagos a entidades portuguesas tem a natureza de imposto por conta, nos termos do artigo 94.º, n.º 3 do Código do IRC, 67.º, enquanto no caso de entidades não residentes, como o B..., a referida retenção na fonte tem carácter definitivo (artigo 94.º, n.º 3, alínea b) do CIRC); Acresce que, no que se refere à tributação das pessoas coletivas residentes em Portugal (e por oposição às não residentes), existe a possibilidade de dispensa de retenção na fonte, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea c) do CIRC, ou seja, estando em causa instituições financeiras residentes não há lugar a qualquer retenção na fonte, sendo os juros pagos integrados no lucro apurado naquele período, o qual é posteriormente tributado à taxa geral de IRC (atualmente de 21%).

 

5 - Assim sendo, e tratando-se o B... de uma entidade não residente e sem estabelecimento estável, os juros por esta recebidos foram sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, a qual incidiu sobre o montante bruto dos rendimentos, i.e., sem consideração de qualquer despesa conexa e suportada para obter os referidos rendimentos.

 

6 – Tem sido esclarecido pelo TJUE que “as prestações de serviços efetuadas por instituições financeiras não podem, à luz do princípio da livre prestação de serviços consagrado no artigo 49.° CE, ser tratadas de maneira diferente das prestações de serviços noutros domínios de atividade. Daqui decorre que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, por força da qual as instituições financeiras não residentes são tributadas pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado Membro em causa, sem lhes ser dada a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em causa, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida, em princípio, por força do artigo 49.° CE” (parágrafos 27 e 28 do Acórdão Brisal).

 

Por sua vez, a AT vem argumentar, em síntese, o seguinte:

 

1 - Revela-se manifesto, no caso concreto, que não ocorreu discriminação negativa da B... por ser entidade não residente, uma vez que não foi ultrapassado, pelas retenções na fonte efetuadas, o limite de 15% previsto no artigo 11.º, n.º 2, da Convenção, beneficiando-a, inclusive, face à taxa prevista para as entidades residentes.

 

2 - No caso das entidades residentes, visto que o imposto incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território – artigo 4.º n.º 1 do Código do IRC -, a obrigação tributária periódica somente é liquidável após o decurso do período de tributação, porque apenas no final deste se completa o facto, do ponto de vista temporal, e então, sim, pode ser conhecido com exatidão o quantum sobre o qual o imposto deve incidir.

 

3 - A tributação através de retenção na fonte surge assim justificada pela inviabilidade ou dificuldade de efectuar tributação de não residentes com base no lucro tributável e, sendo o regime fiscalmente favorável à Requerente, não se pode ver nele qualquer restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

 

4 - A distinção de tratamento fiscal de empresas residentes e não residentes funda-se em evidentes razões de praticabilidade e eficiência da tributação, em face da dificuldade ou inviabilidade de aferição correcta do lucro tributável das não residentes.

 

5 - O B... só se encontraria em situação comparável às sociedades residentes em Portugal se o Estado espanhol consagrasse, em sede de imposto sobre as sociedades, regras de tributação, incluindo taxa aplicável, regras de determinação do lucro tributável e demais obrigações fiscais iguais às vigentes em Portugal, o que se desconhece.

 

6 - Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a Requerente teria que demonstrar que suporta uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, v. Acórdão Gerritse, de 12 de junho de 2003 (Processo C-234/01).

 

7 - Ora, a decisão de direito da presente causa não pode deixar de atender aos valores e princípios que presidiram à constituição e aprofundamento da União Europeia – a efectiva integração comunitária traduzida na aproximação económica e social dos EM´s mais pobres aos mais ricos –, bem como ao facto de que a liberdade de circulação de capitais não constitui um fim em si mesmo, mas um meio potenciador do crescimento económico, emprego e desenvolvimento.

 

8 - Conquanto as linhas orientadoras que emanam do acórdão Brisal ainda não tenham sido incorporadas no Código do IRC, no quadro dos normativos que regulam as retenções na fonte sobre rendimentos de juros obtidos em Portugal por não residentes, dado que fornecem indicações bastante claras sobre a solução a dar às questões suscitadas pela Requerente, entende-se, por força do primado do Direito Europeu, que deve ser feita uma aplicação das disposições relevantes do artigo 94.º do Código do IRC, em conformidade com aquela decisão judicial, nos termos que a seguir se desenvolvem.

 

9 - Reconhecendo que o montante dos juros sobre a qual deve incidir a taxa de retenção na fonte seja determinado numa base líquida, i.e., após a dedução de despesas, o TJUE, no Acórdão Brisal, admite que tal possa representar um ónus administrativo para a entidade pagadora dos juros mas considera (no n.º 42) que “o encargo administrativo suplementar que incumbe eventualmente ao destinatário do serviço quando tem de considerar as despesas profissionais cuja dedução o prestador reclama só existe num sistema que prevê que esta dedução deve ser efetuada antes da aplicação da retenção na fonte” podendo ser evitado “quando o prestador é autorizado a invocar o seu direito a dedução diretamente perante a Administração, uma vez o IRC cobrado. Nesse caso, o direito a dedução materializar-se-á num reembolso de uma parte do imposto retido na fonte.”

 

10 - Assim, ao contrário do firmado na douta petição, não é inequívoco que as entidades financeiras portuguesas estejam numa situação de vantagem relativamente às entidades residentes noutros EM´s da UE que efectuem operações semelhantes, pelo que não é possível concluir que as normas internas em discussão conduzem, no presente caso, a um tratamento desvantajoso dos rendimentos de fonte nacional obtidos pelos não residentes e à consequente violação do princípio comunitário da não discriminação, plasmado no artigo 56.º do TFUE.

Vejamos.

 

Conforme já enunciado, está em causa no presente litígio determinar se a Requerente – A..., na qualidade de substituto tributário da B..., entidade não residente fiscal, em Portugal, tem direito à anulação dos actos de retenção na fonte de IRC sobre os juros recebidos pela B..., que não é parte nesta acção, com base em violação do disposto nos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

Está, em concreto, em causa saber se a Requerente poderá obter a anulação dos actos tributários acima identificados e o reembolso do IRC pago pela B..., por força da discriminação de tributação decorrente da sujeição a retenção na fonte, com carácter definitivo, a que foi sujeita a B..., sem que lhe fosse permitido deduzir aos rendimentos de juros obtidos em Portugal, as despesas profissionais associadas à actividade económica de financiamento desenvolvida em Portugal, tal como se prevê para as sociedades residentes fiscais, em Portugal.

 

Sobre esta questão, existe já variada e consolidada Jurisprudência quer europeia, quer nacional, pugnando pela declaração de desconformidade do direito nacional com o direito comunitário, considerando-se a situação actual de tributação de não residentes e residentes que obtêm rendimentos de juros, em Portugal, contrária ao direito comunitário.

 

Assim, veja-se, entre outros: Acórdão Brisal, Processo C-18/158, Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 3 de Outubro de 2006, processo C 290/04, FKP Scorpio Konzertproduktionen GmbH contra Finanzamt Hamburg Eimsbüttel; Acórdão do STA, proc. 1318/14, de 9.04.2014, Acórdão do STA, proc. 461/14, de 12.11.2014, Acórdão do STA, proc. 1273/08.6BELRS, de 14.10.2020, Acórdão do STA, proc. 449/15.2BEVIS, de 25.03.2021, CAAD, proc. 951/2019-T, de 18.09.2020, CAAD, Proc. 535/2019-T, de 16.04.2020.

 

Aderindo-se à argumentação expendida na jurisprudência, considera-se que a B... foi objecto de um tratamento discriminatório relativamente às entidades residentes, em violação do disposto nos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

Com efeito, nos termos do artigo 4.º do Código do IRC, as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos (n.º 2), considerando-se como obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, são especificados nas diversas alíneas do n.º 3, e, entre estes, os rendimentos de aplicação de capitais (alínea c), subalínea e)).

 

Nos anos de 2017 a 2019, em que ocorreram os pagamentos de juros relativamente aos quais foi efectuada retenção na fonte, os artigos 87.º e 94.º tinham a seguinte redacção:

 

Artigo 87.º

Taxas

(…)

4 — Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%

 

Artigo 94.º

Retenção na fonte

1 — O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:

h)           Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à actividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade.

(…)

 

3 — As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:

(…)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.

 

Assim, em face da resenha legal, verifica-se que no caso de entidades com sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em Portugal, a retenção na fonte tem a natureza de imposto por conta, enquanto no caso de entidades não residentes que não tenham estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis, a referida retenção na fonte tem carácter definitivo.

 

Acresce que, no que se refere à tributação das pessoas coletivas residentes em Portugal existe a possibilidade de dispensa de retenção na fonte, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, enquanto que estando em causa instituições financeiras residentes não há lugar a qualquer retenção na fonte, sendo os juros pagos integrados no lucro apurado naquele período, o qual é posteriormente tributado à taxa geral de IRC.

 

Resulta das transcritas disposições, que a taxa de IRC aplicável a rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável era de 25% encontrando-se limitada a 15%, no caso vertente, por efeito da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação a que o Estado Português se encontrava vinculado. Por sua vez, o artigo 94.º sujeita a retenção na fonte os rendimentos obtidos em território português que aí se encontram referenciados, incluindo os rendimentos de aplicação de capitais, estipulando que a retenção na fonte tem carácter definitivo (não podendo, por isso, ser entendido como pagamento por conta do imposto) quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em Portugal.

 

A este propósito, reproduzimos, por aplicável, a fundamentação do Acórdão do CAAD, Proc. 951/2019-T, que transcrevemos:

 

“A questão que, por conseguinte, está em apreciação é a de saber se o facto de o rendimento proveniente dos juros por não residentes sem estabelecimento estável em Portugal não ser englobado para determinação do lucro tributável, e não permitir a dedução das despesas suportadas para os obter, pode reconduzir-se a um tratamento discriminatório em face das disposições de direito da União Europeia.

7. Questão idêntica à que assim vem colocada foi já analisada no acórdão do STA de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 0298/13), na sequência de um pedido reenvio prejudicial que originou o acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2016, Processo n.º C-18/15 (acórdão Brisal)).

22. No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STA de 22 de Março de 2017 (Processo n.º 0165/13) e não há motivo para alterar o entendimento que foi então sufragado.

O Tribunal de Justiça, respondendo às questões prejudiciais que haviam sido suscitadas pelo STA, concluiu nos seguintes termos:

O artigo 49.º do Tratado da Comunidade Europeia (a que corresponde o actual artigo 56º do Tratado de Funcionamento da União Europeia) não se opõe a uma legislação nacional por força da qual a remuneração paga às instituições financeiras não-residentes do Estado-Membro onde os serviços são prestados está sujeita a um procedimento de retenção na fonte do imposto, ao passo que a remuneração paga às instituições financeiras residentes não está sujeita a tal retenção, desde que a aplicação da retenção na fonte às instituições financeiras não-residentes seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e não ultrapasse o necessário para alcançar o objetivo prosseguido.

Todavia, aquela disposição opõe-se a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não-residentes pelos rendimentos de juros obtidos em Portugal sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade em questão, inviabilizando a tributação do rendimento líquido, ao passo que reconhece essa possibilidade às instituições financeiras residentes.

A resposta formulada quanto à segunda questão que vinha colocada no reenvio prejudicial surge explicitada nos parágrafos 23. e 24. em que o Tribunal de Justiça reafirma:

23. No que diz respeito ao segundo aspeto do pedido de decisão prejudicial, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou, quanto à tomada em consideração das despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade exercida, que os prestadores residentes e os prestadores não residentes se encontram numa situação comparável (v., neste sentido, acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C-234/01,

EU:C:2003:340, n.º 27; de 6 de julho de 2006, Conijn, C-346/04, EU:C:2006:445, n.º 20; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C-345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).

24. O Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 49.º CE se opõe a uma legislação nacional que, regra geral, ao tributar os não residentes, toma em conta os rendimentos ilíquidos sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas (acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C-234/01, EU:C:2003:340, n.ºs 29 e 55; de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C-290/04, EU:C:2006:630, n.º 42; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C-345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).

O Tribunal de Justiça sublinhou, por outro lado, que não é relevante para justificar a restrição à liberdade de prestação de serviços que a taxa de tributação aplicável aos não residentes por efeito da CDT (10%) seja inferior à que é aplicável aos residentes de acordo com a legislação interna (15%). A esse propósito, o Tribunal, nos considerandos 31., 32. e 33., refere o seguinte:

31. A este respeito, por um lado, resulta da decisão de reenvio que a justificação apresentada perante o órgão jurisdicional de reenvio se baseia na aplicação, às instituições financeiras não residentes, de uma taxa de tributação mais favorável do que a que é aplicada às instituições financeiras residentes.

32. No entanto, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um tratamento fiscal desfavorável, contrário a uma liberdade fundamental, não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de, eventualmente, existirem outros benefícios (v., neste sentido, acórdãos de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman - Lavaleije, C-233/09, EU:C:2010:397, nº 41, e de 18 de outubro de 2012, X, C - 498/10, EU:C:2012:635, nº 31).

33. Daqui decorre que uma restrição à livre prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não pode ser justificada pela circunstância de as instituições financeiras não residentes estarem sujeitas a uma taxa de tributação menos elevada do que as instituições financeiras residentes.

 - Em suma, o TJUE considera que o facto de a entidade não-residente não poder deduzir em Portugal as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade financeira em causa, inviabilizando a tributação do seu rendimento líquido, constitui um tratamento discriminatório, contrário a uma liberdade fundamental constante de norma de direito europeu, independentemente de quaisquer outras considerações como seja a sujeição a uma taxa de tributação comparativamente mais favorável que a taxa que vigora para as entidades residentes, por efeito da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação. Torna-se, assim, indiscutível que as instituições financeiras não-residentes devem ser tratados do mesmo modo que as instituições residentes, tendo o direito de ver reconhecidas, perante a administração tributária portuguesa, os encargos e as despesas relacionadas com os rendimentos em causa, e o direito de as deduzir antes da tributação, isto é, de serem tributadas em Portugal apenas pelo rendimento líquido.

 

Assim, este tribunal entende que a situação sub judice constitui uma situação de discriminação proibida da B..., enquanto não residente fiscal em Portugal, tal como tem sido defendido pela Jurisprudência (cf., entre outros, CAAD, proc 535/2019-T, de 16 de Abril de 2020, Acórdão do STA, proc. 298/13, de 8.03.2017, Acórdão do STA, proc. 1318/14, de 9.04.014, Acórdão do STA, Proc. 461/14, de 12.11.2014, , Acórdão do STA, Proc. 1273/086BELRS, de 14.10.2020).

 

Sucede que, contrariamente ao que se verificou nas decisões acima identificadas (onde são Requerentes o substituto e substituído ou apenas o substituído), a B... não é parte neste processo, mas apenas a Requerente, na qualidade de substituto tributário.

 

Ora, no caso sub judice, o facto tributário previsto na Lei (obtenção de rendimentos de juros em Portugal) que conduziu ao nascimento da obrigação legal de pagamento de IRC em Portugal foi praticado pela B....

A Requerente surge neste contexto como mero devedor de imposto, por imposição legal.

 

Como explica Alberto Xavier, in Direito tributário Internacional, pp. pag. 516, “Sujeito passivo do imposto retido na fonte sobre residentes no estrangeiro, são as pessoas singulares ou colectivas, não residentes em Portugal, que sejam titulares do direito ao rendimento obtido em território nacional, isto é, os verdadeiros titulares da capacidade contributiva, em relação aos quais se verificam os respectivos pressupostos (artigo 13.º, n.º 1, do CIRS e artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do CIRC).

É o caso do credor de juros de empréstimo externo, de sociedade estrangeira titular do direito a dividendos, do titular do direito a royalties, etc.

Ao lado do sujeito passivo, a lei prevê a figura do substituto tributário em matéria do imposto sobre o rendimento de residentes no estrangeiro, impondo tal responsabilidade às entidades devedoras dos rendimentos”, ou seja, às fontes pagadoras.”

 

Mais se ensina, na página 519 do citado Manual, que as condições legalmente determinantes do nascimento e conteúdo da obrigação tributária (isenções, deduções, etc) devem verificar-se quanto à pessoa do substituído e não em relação ao substituto.

 

A este propósito, ensina, também, Diogo Feio, in A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, FDUP, Teses e Monografias 1, Coimbra Editora, o seguinte:

“na substituição fiscal dá-se um fenómeno segundo o qual um determinado sujeito, o substituto, paga o imposto em lugar do contribuinte, apesar de este em algumas circunstâncias poder ser chamado à relação jurídica tributária para cumprir essa obrigação.” – pag. 52

“a substituição fiscal tem fundamentalmente por objectivo simplificar a intervenção da Administração Fiscal, que pretende, sem desfigurar o sistema, isto é, respeitando os princípios fundamentais de Direito Fiscal, alcançar de forma mais célere e segura as receitas que tem o direito a receber.” – pag. 57

 

Da resenha da figura do substituto tributário resulta claro a legitimidade formal da Requerente, no caso em apreço, mas não a sua legitimidade material, no caso concreto.

 

É que não se pode esquecer que a relação jurídica fiscal apareceu devido à prática do facto tributário por parte da B..., razão pela qual a substituição fiscal deve ser entendida como meramente instrumental relativamente ao facto tributário e à relação jurídica que por seu efeito nasce.

 

Estando em causa no litígio em discussão saber se o facto tributário, consubstanciado na obtenção de rendimento de juros em Portugal pela B..., foi ou não tributado em conformidade e em respeito pelo direito comunitário aplicável em matéria de livre prestação de serviços, não se pode aplicar à Requerente, por si só, como substituto tributário, o direito à interpretação conforme ao direito comunitário imposta para proteger a liberdade de prestação de serviços e a capacidade contributiva da instituição financeira já identificada, que não é parte neste processo.

 

Na verdade, os princípios subjacentes à obrigação de interpretação conforme ao direito comunitário, que resultam do supra exposto, não são aplicáveis na relação material entre o substituto tributário, por si só, e a AT, nesta situação, em concreto.

 

É que a figura do substituto tributário, independentemente da questão de determinar se este é ou não contribuinte ou apenas sujeito passivo, está pensada para facilitar o cumprimento das obrigações tributárias. Os direitos de tributação em causa aferem-se na esfera do não residente e não do substituto tributário.

 

Ora, o que se impõe na apreciação da questão jurídica em apreço, em face da Jurisprudência firmada, é que o direito à tributação da B... seja realizado de harmonia com o Direito da União Europeia, em particular face ao princípio da não-discriminação e da liberdade de prestação de serviços que, neste caso, visa proteger prestadores de serviços como a B..., que prestou o serviço de financiamento, pelo qual ficou sujeita, em Portugal, ao pagamento de IRC, atenta a manifestação da sua capacidade contributiva.

 

Não obstante, essa obrigação ter sido cumprida pela Requerente, ou destinatário do financiamento, a desconformidade das normas em causa impõe a apreciação da situação discriminatória em concreto, considerando o prestador de serviços e todo o circunstancialismo que o envolve, e não apenas o substituto que, do ponto de vista material, não tem um interesse directo em demandar.

 

Na verdade, a discriminação de tratamento afere-se em face do IRC que a B... suportou, à luz do nosso direito interno, sendo absolutamente indiferente, na esfera da relação jurídica-tributária, saber que foi a Requerente que suportou o IRC devido pelo B..., no âmbito de acordo celebrado, à luz do direito privado.

 

Ademais, também, a eventual aferição das despesas profissionais referida na Jurisprudência comunitária, é intransponível para a esfera da Requerente, uma vez que esta não suportou quaisquer despesas profissionais, mas sim a B..., pelo que nunca poderia, nesta sede ou noutra, fazer prova de despesas alheias como suas.

 

A Requerente invoca o acórdão do STA, proferido no processo n.º 0362/09, de 9/9/2009 para, enquanto substituto tributário, justificar a sua legitimidade uma vez que esta ocorre quando o substituto “haja cometido ilegalidades na liquidação, quer estas ilegalidades se traduzam na retenção de quantias superiores ou inferiores às devidas, quer se traduzam na retenção de quantias indevidas, quer ainda quando consistam em atrasos na retenção a que está obrigado.”

 

Ora, no caso em apreço, não se vislumbra qual a ilegalidade diretamente cometida pela Requerente.

Aparentemente a Requerente entende que se pode invocar que a retenção na fonte sobre o montante dos juros pagos, feita pela Requerente, devia considerar a possibilidade de dedução de quaisquer gastos da B... com relação económica direta com esses rendimentos, como resulta da jurisprudência do TJUE.

Porém, a admitir-se essa hipótese, devia ser a B... Requerente nos presentes autos.

A Requerente refere, a este propósito, que no processo n.º 0298/13, analisado pelo STA no acórdão de 08.03.2017, o impugnante nos autos era também o substituto tributário e que “aquele douto Tribunal [não suscitou] qualquer questão a este respeito”.

Porém, compulsado o referido acórdão do STA, é possível verificar que os Requerentes foram, simultaneamente, o substituto tributário e o Banco com sede noutro Estado-Membro, de forma diversa da que ocorre nos presentes autos.

 

Assim, considerando que o princípio do Primado do Direito da União sobre o Direito Nacional determina a obrigação de assegurar a unidade do ordenamento jurídico europeu e que a obrigação de interpretação conforme é limitada pelos princípios gerais de direito, em especial, os que respeitam à interpretação teológica das normas, entende-se que os fundamentos da desaplicação das normas internas desconformes com o direito comunitário não são aplicáveis à Requerente, que não foi coibida da sua liberdade de prestação de serviços, nem afectada na sua capacidade contributiva, ou discriminada negativamente em face dos não residentes fiscais (cfr. acórdão Maribel Dominguez, proc. C-282/10, de 24 de janeiro de 2012, ECLI:EU:C:2012:33, parágrafo 25).

 

Aqui chegados, importa recordar novamente a distinção entre legitimidade processual, que constitui um pressuposto adjetivo de que depende o conhecimento do mérito da causa, que se afere pelo interesse do autor em demandar e o do réu em contradizer, e legitimidade substantiva, que é um requisito de procedência do pedido, uma vez que tem que ver com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa.

 

Assim, in casu, apesar da Requerente ter legitimidade processual, dado o seu interesse directo em contradizer, o qual decorre do reembolso de imposto que advenha da procedência da acção (artigo 30.º, n.º 2 do CPC), não tem legitimidade material, substantiva ou ad actum, na relação controvertida em análise, dado ser-lhe inaplicável a invocada possibilidade de proceder à dedução de despesas profissionais, atendendo à efectiva relação material controvertida.

 

Considerando que “A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 5297/12.0TBMTS.P1.S2 – entende-se que não estando a B..., que é o titular do direito violado, nesta acção, julga-se verificada excepção peremptória inominada, de conhecimento oficioso, de ilegitimidade material da Requerente (artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicável ex vi artigo artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT).

 

Improcede, por isso, o pedido arbitral, por não ser a Requerente titular do direito protegido.

 

IV. DECISÂO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as legais consequências;

b)           Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo;

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é € 94.436,81 (noventa e quatro mil, quatrocentos e trinta e seis euros e oitenta e um cêntimos).

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2022

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

A Árbitro

(Relatora)

(Magda Feliciano)

 

O Árbitro

(Jorge Carita)

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)