Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 510/2019-T
Data da decisão: 2019-11-28  Selo  
Valor do pedido: € 4.638,75
Tema: Imposto do Selo – Verba 17.1.4 da TGIS: Utilização de crédito.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. A..., S.A., titular do número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... , notificada através do ofício n.º 2019..., de 09-05-2019, da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças do ..., do indeferimento parcial do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2018..., oportunamente deduzido contra as liquidações de Imposto do Selo e Juros Compensatórios n.ºs 2018..., do montante de € 2 303,40 e 2018..., do montante de € 2 335,35, referentes anos de 2014 e de 2015, respetivamente, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 26-07-2019, visa a declaração de ilegalidade do referido ato de indeferimento parcial de reclamação graciosa e, de forma mediata, a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo e Juros Compensatórios acima identificados.

 

3. Como fundamento do pedido que formula, argumenta a Requerente, no essencial, que as questionadas liquidações estão feridas de ilegalidade por terem sido efetuadas e notificadas após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação.

 

4. A Requerente fundamenta esta pretensão alegando que na base das liquidações impugnadas se encontra a utilização de crédito concedido antes de 01-01-2014 e que esta concessão de crédito, não revestindo a forma de contrato de conta corrente como pretende a AT, deveria ter sido objeto de liquidação de imposto do selo no momento em que se concretizou, isto é, antes daquela data. Pelo que, conclui a Requerente, "nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 39.º do Código do Imposto do Selo e nos artigos 45.ºe 46.º da LGT, o direito de liquidação do imposto aqui em causa já caducou."

 

5. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando que "Da análise aos elementos contabilísticos recolhidos em sede de inspeção conclui-se que se trata de crédito utilizado sob a forma de conta corrente, tributável nos termos e ao abrigo da verba 17.1.4 da TGIS." pelo que "recaia sobre a Requerente o ónus da prova de que as operações aqui em causa não consubstanciam um crédito sob a forma de conta corrente, de acordo com o artº 74° da LGT, prova esta que não produziu."

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 07-10-2019.

 

11. O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

 

12. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas questões prévias ou exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito, encontrando-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

13. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

14. Assim, por despacho de 03-11-2019, objeto de oportuna notificação, foi decidido, salvo oposição das Partes, dispensar a referida reunião.

 

15. Pelo mesmo despacho, foi determinada a notificação das Partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas no prazo de dez dias, sendo, ainda, indicada como data limite para prolação da decisão arbitral o dia 30-11-2019.

16. A decisão mereceu concordância das Partes.

 

17. Apenas a Requerida apresentou alegações escritas, no essencial reafirmando a posição já anteriormente expressa na Resposta oportunamente apresentada.

 

II. Saneamento

 

18. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

19. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

III. Matéria de facto

 

20. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base no acervo documental junto aos autos, mormente o processo administrativo e documentos que o integram, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

20.1. Na sequência de ação inspetiva efetuada à Requerente, ao abrigo das credenciais OI2016... e..., verificaram os Serviços de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças do … que a mesma efetuou empréstimos a B... SGPS, S.A. – detentora de 85% do seu capital.

 

20.2. De acordo com o relatório de inspeção tributária (doravante RIT), os referidos empréstimos, foram registados na conta 26601 – “Acionista/Sócios”, sendo que essa conta registava um saldo devedor que se cifra em € 339 950,81 entre 01-01-2014 e 30-06-2014 e em € 333 420,81, entre 30-06-2014 e 31-12-2015.

 

20.3. Assinala-se, no referido RIT, que “Dos elementos contabilísticos recolhidos no âmbito das supracitadas Ordens de Serviço, observa-se que tais empréstimos funcionam na ótica de conta corrente (i. é, não têm um horizonte temporal definido), verificando-se que desde 2009 até 2014 foram sendo sucessivamente reforçados os valores mutuados.”

 

20.4. Ainda segundo o mesmo relatório, “Verificou-se também que o sujeito passivo contabilizou na conta 2721103 – “Outras contas a receber e pagar/Devedores e credores por empréstimos/juros a receber B... SGPS, SA” importâncias referentes a juros a receber desses mesmos empréstimos, sendo que essa conta registava um saldo devedor que se cifra em € 80 361,86 entre 01-01-2014 e 31-12-2014 e em € 105 252,25 entre 01-01-2015 e 31-12-2015. Ao não serem pagos aquando do seu débito (e portanto estando em conta corrente) tais juros funcionam como um empréstimo efectuado pelo sujeito passivo à sua detentora do capital”

 

20.4. Considerando que a operação em causa se encontra abrangida pela incidência do imposto do selo enquadrando-se na Verba 17.1.4 da respectiva Tabela Geral, sendo aplicável a taxa de 0,04% à média mensal dos saldos em dívida, foi apurado imposto de selo em falta no montante de € 2 044,44 em 2014 e de € 2 105,63 em 2015, cujos valores, por período de imposto, são indicados nos seguintes quadros:

 

20.5. Através do Ofício n.º 2018..., de 19-03-2018, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças do ..., foi remetido ao sujeito passivo, por registo postal, cópia do projecto de relatório de inspecção, sendo o mesmo notificado para, querendo, no prazo de 25 dias, exercer o direito de audição previsto nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneria (RCPITA).

 

20.6. Não tendo sido exercido o direito de audição, foram mantidas as correcções propostas em sede de projecto de relatório por despacho de 04-05-2018 do Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças do ..., proferido no uso de subdelegação, e notificado ao sujeito passivo nos termos e para efeitos do artigo 62.º do RCPITA, através do ofício n.º 2018..., de 07-05-2018.

 

20.7. Com base nos elementos constantes do RIT acima referidos, os Serviços Tributários emitiriam as seguintes liquidações de Imposto de Selo e Juros Compensatórios, indicando o dia 25-06-2018 como data limite de pagamento (Docs.2 e 3).

 

Ano       Liquidação          Imposto              Juros Comp.       Total

2014      2018...  € 2 004,44           € 298,96               € 2 303,40

2015      2018...  € 2 105,63           € 229,72               € 2 335,35

Total                                                     € 4 638,75

 

20.8.  Notificado em 16-05-2018, o sujeito passivo efectuou o pagamento do imposto e juros compensatórios em 25-06-2018, por transferência bancária (Doc. 6).

 

20.9. Tempestivamente, o sujeito passivo deduziu reclamação graciosa contra as liquidações em causa, requerendo a sua anulação, alegando, por um lado, que o crédito a que as mesmas se reportam não consubstancia um crédito sob a forma de conta corrente e, por outro lado, que esse crédito foi concedido antes dos períodos subjacentes à acção de inspecção (2014 e 2015) e que, por conseguinte, o imposto do selo deveria ter sido liquidado no momento em que o crédito foi concedido à SGPS, isto é, em momento anterior a 1 de Janeiro de 2014, pelo que teria já caducado o direito de liquidação (Doc.7).

 

20.10. Reportando-se aos elementos contabilísticos recolhidos pelos Serviços de Inspeção Tributária e descritos no respectivo Relatório, sustenta-se, na apreciação da reclamação, que originou o procedimento n.º ...2018..., que o crédito em causa foi concedido sob a forma de conta corrente, isto é, sem que tivesse um horizonte temporal definido, concluindo-se que: “Tendo sido demonstrado no relatório de inspecção tributária a verificação dos pressupostos legais à liquidação do imposto, através da análise dos elementos contabilísticos recolhidos, recaia sobre a reclamante o ónus da prova de que as operações aqui em causa não consubstanciam um crédito sob a forma de conta corrente, de acordo com o art. 74.º da LGT, prova essa que não produziu.”

 

20.11. Porém, no que respeita à eventual caducidade do direito à liquidação, adianta-se, naquela apreciação que:

“19. Cabe observar que, tratando-se de crédito utilizado sob a forma de conta corrente, a obrigação tributária considera-se constituída “no último dia de cada mês”, de acordo com o estipulado na alínea g) do art.5.º do CIS, ou seja, o facto tributário ocorre mensalmente.

20. Dispõe o n.º 1 do art..45.º da LGT, para o qual remete o n.º 1 do art. 39.º do CIS, que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

21. E de acordo com o n.º 4 do mesmo art. 45.º, o prazo da caducidade consta-se, nos impostos de obrigação única, como é o caso do imposto de selo aqui em crise, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

22. A AT procedeu à liquidação do imposto, resultando as liquidações acima identificadas, as quais foram notificadas ao sujeito passivo em 2018-05-16.

23. Assim sendo, tendo em consideração o acima exposto, podemos estabelecer a data de ocorrência do facto tributário e a correspondente data de caducidade do direito à liquidação da seguinte forma:

Data do facto tributário/Data da caducidade:

31-01-2014 / 31(01/2018

28/02/2014 / 28/02/2018

31/03/2014 / 31/03/2018

30/04/2014 / 30/04/2018

31/05/2014 / 31/05/2018

30/06/2014 / 30/06/2018

24. Ora, à luz da legislação em vigor, tendo ocorrido os factos tributários mensalmente, no último dia de cada mês, constata-se que nos meses de janeiro a abril de 2018 ocorreu a caducidade do direito de liquidar o imposto de selo dos meses de janeiro a abril de 2014.

25. Pelo que deve a liquidação n.º 2018..., relativa ao período de tributação de janeiro a dezembro de 2014, ser corrigida neses termos, mantendo-se os valores respeitantes aos meses de maio da dezembro bem como os respectivos juros compensatórios, por se mostrarem devidos, e mantendo-se ainda a liquidação n.º 2018..., relativa ao período de tributação de janeiro a dezembro de 2015, porque, quanto a esta, nada há a corrigir.”

 

20.12. Admitindo ter havido erro imputável aos serviços quanto às liquidações cuja anulação é proposta, conclui-se, na apreciação da reclamação, serem os mesmos devidos com referência a essas liquidações, nos termos legais.

 

20.13. Depois de notificada a reclamante para exercer, querendo, o direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT foi, em 08-05-2019, proferido despacho de diferimento parcial da reclamação, pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças do ..., no uso de competência subdelegada.

 

20.14. A referida decisão foi notificada à reclamante através do ofício n.º 2019..., de 09-05-2019, remetido por registo postal (Doc.1).

 

21. Não existem, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito

 

22. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade do ato de deferimento parcial de reclamação graciosa e, objeto mediato, a legalidade dos ato de liquidação de Imposto do Selo e Juros Compensatórios, relativos aos anos de 2014 e de 2015 e a um empréstimo que, segundo entende, teria sido incorretamente qualificado pela AT como tendo sido concedido sob a forma de contrato de conta corrente. Para tanto, alega que o empréstimo a que respeitam os juros a que se reportam as liquidações em causa foi concedido antes de 2014, não assumindo aquela forma, e que seria então que o mesmo deveria ter sido tributado em imposto do selo. Assim, sendo as liquidações efetuadas em 2018, teria já caducado o respetivo direito.

 

23. Ora, qualquer que seja a natureza e forma que revista, a concessão de crédito está abrangida pela incidência do imposto do selo. Contudo, para o efeito, o que releva é a efetiva utilização do crédito concedido.

 

24. É, pois, o que decorre das normas do Código do Imposto do Selo e respetiva Tabela respeitantes à incidência, objetiva e subjetiva, constituição da obrigação tributária e taxa aplicáveis à utilização de crédito.

 

25. De acordo com o artigo 1.º, n.º 1, a incidência objetiva do imposto do selo é estabelecida por remissão para os factos e situações jurídicas previstas na respetiva Tabela Geral que, na sua verba 17, define a incidência do tributo sobre a concessão e utilização do crédito, em diversas situações, estabelecendo as respetivas taxas em função do prazo de utilização do crédito, nos seguintes termos:

“ 17 - Operações financeiras:

(Redação inicial da L 150/99, de 11 de Setembro)

17.1 - Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título exceto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:

(Redação dada pela L 12-A/2010, de 30 de Junho)

17.1.1 - Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fração - 0,04%

(Redação dada pela L 176-A/99, de 30 de Dezembro)

17.1.2 - Crédito de prazo igual ou superior a um ano - 0,5%

(Redação inicial da L 150/99, de 11 de Setembro)

17.1.3 - Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos - 0,6%

(Redação inicial da L 150/99, de 11 de Setembro)

17.1.4 - Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 - 0,04%

(Redação dada pela L 176-A/99, de 30 de Dezembro)

 

26. No que concerne à concessão de crédito, são sujeitos passivos da obrigação tributária as entidades concedentes do crédito, recaindo o encargo do imposto sobre os respetivos utilizadores. É, porém, àqueles sujeitos passivos que compete efetuar a liquidação e entrega do imposto nos cofres do Estado (CIS arts. 2.º, n.º 1, al. b), 3.º, n.º 1 e n.º 3, al. f), 23.º, n.º 1 e 41.º).

 

26. Nas operações de crédito, o facto tributário constitui-se “no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês (CIS, art.5.º, n.º 1).

 

27. Assinala-se, pois, que o contrato de concessão de crédito, só por si, não gera qualquer obrigação de imposto: o facto tributário constitui-se com a utilização do crédito que, se for de imediato, a data do facto tributário será coincidente com a data da celebração do contrato. Se, diversamente, a utilização do crédito não for imediata, o facto gerador da obrigação de imposto só ocorre quando a mesma se verificar.

 

28. Se, porém, conforme resulta da norma acima transcrita, o crédito concedido for utilizado sob a forma de conta corrente ou por qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, o facto gerador da obrigação de imposto constitui-se no último dia de cada mês.

 

29. No que respeita à caducidade do direito á liquidação, estando em causa um imposto de prestação única, como é o caso do imposto do selo, é de todo relevante determinar-se, em face dos critérios acima referidos, o momento em que ocorre o facto gerador da obrigação de imposto, pois que é esse facto que define o termo inicial do prazo de caducidade do direito à liquidação.

 

30. Assim, se o facto tributário ocorrer no momento da utilização de crédito concedido por prazo determinado é nesse o momento que se inicia a contagem do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, aplicável ao imposto do selo por força do artigo 39.º do respetivo Código. Se, porém, o crédito tiver sido concedido sob a forma de contrato de conta corrente ou por qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado ou determinável, a contagem do prazo de caducidade inicia-se no termo de cada mês com referência à base de tributação prevista na Verba 17.4.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

31. Está, pois, em causa saber se a concessão de crédito cuja utilização subjaz às liquidações impugnadas reveste a forma de contrato de corrente ou qualquer outro meio sem prazo de reembolso determinado, conforme pretende a AT ou se, diversamente, esse crédito foi concedido através de diversos empréstimos não assumindo aquela forma.

 

32. Sobre esta questão, a posição da Requerente vem expressa nos seguintes termos:

“ 14. A A... não pode concordar com a posição da AT, já que o crédito aqui em apreço não consubstancia um crédito sob a forma de conta corrente, como veremos.

15. A SGPS foi constituída por escritura pública, em 23 de dezembro de 2008, passando a ser a detentora da maioria do capital social da A... por via das entradas em espécie realizadas mediante entrega de acções desta sociedade (Doc.9).

16. No ano seguinte à constituição da SGPS, i.e, no ano de 2009, a A... efectuou um empréstimo à sua sociedade mãe – empréstimo upstream – no montante total de € 269 285,00 (€ 249 285,00 + € 20 000,00) (Doc.10)

17. A diferença entre o valor da dívida da SGPS à A... no final de 2009 e o valor da dívida no final de 2014, no montante de € 70 665,81 (€ 338 950,81 - € 269 285,00), resulta do conjunto de outros empréstimos efectuados pela A... à SGPS entre 2011 e 2013.

18. Ora, o crédito sob a forma de conta corrente caracteriza-se pelo facto de o prazo de utilização do crédito não ser determinado ou determinável e de a utilização do crédito ser diferida para um momento ou momentos posteriores à celebração do contrato.

19. Por outro lado, o crédio que não reveste a forma de conta corrente caracteriza-se pelo facto de o crédito concedido ser utilizado no momento em que se efetiva a mobilização dos fundos para o património do creditado.

20. No caso presente, o crédito aqui em apreço não foi mobilizado nos períodos de 2014 e 2015 aqui em apreço, conforme se pode verificar pelos extratos juntos à reclamação graciosa como Docs 6 e 7.

21. Dos extratos da A... e da SGPS em análise, resulta que o único movimento financeiro efetuado entre as duas sociedades, nos períodos aqui em questão, refere-se a uma transferência efectuada pela SGPS a favor da A..., no montante de € 6 530,00, para amortização do  valor em dívida.

22. Deste modo, podemos concluir que o crédito aqui em apreço foi concedido pela A... antes dos períodos subjacentes à acção da inspeção aqui em crise (2014 e 2015)

23, Por conseguinte, o Imposto do Selo deveria ter sido liquidado no momento em que o crédito foi concedido à SGPS, isto é, antes de 1 de Janeiro de 2014.

24. Contudo, atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 39.º do Código do Imposto do Selo e nos artigos 45.º e 46.º, ambos da LGT, o direito de liquidação do imposto aqui em apreço já caducou.”

 

33. A posição da Requerida estriba-se, essencialmente, nos elementos constantes do Relatório da Inspeção Tributária que, nas suas linhas essenciais, qualifica como de conta corrente, isto é, sem prazo determinado ou determinável, o contrato subjacente à concessão do crédito a que se reportam as liquidações impugnadas.

 

34. Sustenta, assim, a Requerida que:

 

“ 23. No caso em análise e em sede do procedimento inspetivo ficou demonstrada e vertida no relatório de inspeção tributária a verificação dos pressupostos legais à liquidação do imposto, através da análise dos elementos contabilísticos recolhidos.

24. Nessa sequência, foi apurado imposto de selo em falta, no montante € 2.044,44 em 2014 e€ 2.105,63 em 2015 (conforme quadro a fls. 5 do RIT), tudo de acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artº 2° em conjugação com o artº 23° e artº 41 º, todos do CIS, com referência ao crédito concedido, com prazo não determinado ou determinável, pela Requerente à B... SGPS, SA.

25.A Requerente, alega que, não se trata de um crédito sob a forma de conta corrente, e tendo sido o mesmo concedido pela mesma antes dos períodos subjacentes à acção inspectiva, considera que o Imposto do Selo deveria ter sido liquidado no momento em que o crédito foi concedido à SGPS, ou seja, antes de 1 de Janeiro de 2014.

26. Pugnando, daí, pela caducidade do direito à liquidação do Imposto do Selo.

27. Isto é, a Requerente sustenta a sua pretensão no facto de considerar que a concessão de crédito em questão não configura um crédito sob a forma de conta corrente, mas sim pelo momento da efectiva mobilização dos fundos para a património do creditado.

28. Ora, recaia sobre a Requerente o ónus da prova de que as operações aqui em causa não consubstanciam um crédito sob a forma de conta corrente, de acordo com o artº 74° da LGT, prova esta que não produziu.

Com efeito,

29. Da análise aos elementos contabilísticos recolhidos em sede de inspeção conclui-se que se trata de crédito utilizado sob a forma de conta corrente, tributável nos termos e ao abrigo da verba 17.1.4 da TGIS.

30. Aliás, como vem referido no livro "Imposto do Selo" de Jorge Belchior Laires, pág. 52, "um crédito tem prazo determinado ou indeterminado, se o período que medeia entre a utilização e o seu reembolso se encontrar, ou não, previamente definido, sendo irrelevante se o contrato em si tem, ou não, um prazo de vigência.”

31. É que, ao contrário do que vem referido no ponto 19 da PI, para aferir se o crédito é de prazo determinado ou não, é irrelevante, como afirma a Requerente, que “o crédito concedido se[já] utilizado no momento em que se efetiva a mobilização dos fundos”.

32. Saliente-se, novamente, que não bastando alegar que a utilização do crédito foi efetuada antes dos períodos em análise.

33. Cabia à Requerente, devidamente notificada para o exercício de audição prévia no âmbito da inspeção, posteriormente em sede de reclamação, ou em sede arbitral do PPA demonstrar que o prazo de utilização estava previamente definido (e qual era), nos termos do disposto no artº 74.º da LGT.

34. O que não fez!

35. E se não logou, certo é que agora também não lobriga fazê-lo.”

 

35. Como se pode extrair das posições das Partes acima transcritas, está em causa a qualificação jurídica do contrato de concessão de crédito que, segundo a Requerida teria revestido a forma de contrato de conta corrente, qualificação essa que a Requerente contesta.

 

36. Porém, dos elementos factuais em que se suportam as liquidações impugnadas constantes do Relatório da Inspeção sustenta-se, com base nos elementos contabilísticos recolhidos junto da empresa,  que os empréstimos a que as mesmas se reportam “funcionam no ótica de conta corrente (i. é, não tem um horizonte temporal definido) “

 

37. Resulta, pois, com clareza, do referido Relatório que os empréstimos foram concedidos sem a estipulação de prazo de reembolso. Como sustenta a Requerida na sua Resposta, poderia a Requerente, se fosse esse o caso, demonstrar ao longo de todo o procedimento que precedeu as liquidações e mesmo no decurso da reclamação graciosa, que o prazo de utilização dos empréstimos estava previamente definido. Com efeito, dos elementos do processo se pode concluir que a Requerente nada fez nesse sentido.

 

38. Dos elementos agora apresentados pela Requerente, designadamente do extrato de conta que junta como doc.10, também nada se extrai que aponte no sentido da duração do empréstimo ou quaisquer referências que permitam apurar a sua previsível duração.

 

39. Para além da forma do contrato de concessão e utilização de crédito, seja sob a forma de conta corrente ou de descoberto bancário, releva, para efeitos de constituição da obrigação tributária, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea g), do CIS, “qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável”.

 

40. No presente caso, qualquer que seja a forma que tenha assumido a concessão dós créditos, não se retira dos elementos que integram o processo prova de que esses mútuos tivessem prazo determinado ou que ofereçam a possibilidade de determinação da sua duração previsível.

 

41. Assim, não pode deixar de concluir-se que a operação de crédito se encontra abrangida pela incidência do Imposto do Selo, enquadrando-se na Verba 17.1.4 da respetiva Tabela Geral. Neste caso, o facto tributário constitui-se no último dia de cada mês, conforme estabelece o artigo 5.º, n.º 1. alínea g), do CIS.

 

42. De acordo com o disposto no artigo 45.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, o prazo de caducidade conta-se, nos impostos de obrigação única, como é o caso do imposto do selo, a partir da data da ocorrência do facto tributário.

 

43. Esse prazo, que o artigo 45.º, n,º 1, da LGT fixa 4 anos, é aplicável ao imposto do selo, por remissão do artigo 39.º, n.º 1, do respetivo Código.

 

44. Os elementos acima referidos foram tidos em conta na apreciação e decisão da reclamação graciosa a que se refere o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação das liquidações, notificadas à Requerente em 16-05-2018, referentes aos factos tributários já abrangidos pela caducidade do direito à liquidação: factos ocorridos nos meses de Janeiro a Abril de 2014.

 

45. Conclui-se, assim, que os atos de liquidação impugnados, com a anulação parcial determinada em sede de reclamação graciosa, não enfermam do vício que a Requerente lhe imputa.

 

IV. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 4 638,75 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 28 de Novembro de 2019,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira