Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 51/2019-T
Data da decisão: 2019-11-06  IVA  
Valor do pedido: € 10.195,05
Tema: IVA- Declaração de Ilegalidade de indeferimento de Reclamação Graciosa;
Extinção da Instância por desistência do pedido.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            No dia 24 de janeiro de 2019 A..., LDA., sociedade comercial por quotas inscrita sob o número de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na ..., n.º..., ... Lisboa, adiante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com as alterações  subsequentes , e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, para declaração de ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa e da liquidação de IVA objeto de reclamação, no valor de €10.195,05 (dez mil cento e noventa e cinco euros e cinco cêntimos).

 

2.            O objeto da presente Impugnação é, pois, a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente constante do ofício n.º..., de 22 de Outubro de 2018, proferida pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, que juntou aos autos como documento nº1. A Requerente veio peticionar a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento e respetiva liquidação.

 

3.            Alega, em síntese, que em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2017..., OI2016... e OI2017..., foram realizadas ações inspetivas aos exercícios de 2013 a 2015, das quais resultaram correções em sede de IRC e IVA. A Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) propôs a eliminação da dedução com base no facto de que, nos anos em análise, a Requerente apenas ter praticado operações isentas de IVA, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 29 e 30 do Código do IVA. Não concordando com o resultado da inspeção e com as liquidações adicionais consequentemente emitidas, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 18 de Janeiro de 2018, pugnando pela anulabilidade da liquidação de IVA n.º 2017... e da respetiva liquidação de juros compensatórios de referente ao período de 2013/09T e pela correção das liquidações de IVA referentes aos períodos seguintes tendo em consideração a correção à liquidação daquele período. Está em causa, segundo a Requerente, o valor de €10.195,05 (dez mil cento e noventa e cinco euros e cinco cêntimos) que considera indevido. Peticionou a anulação dos atos tributários e que seja reconhecido o direito da A. à restituição dos valores já pagos e ao pagamento de juros indemnizatórios, a liquidar em execução de sentença

 

4.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD no dia 25 de janeiro de 2019 e, automaticamente, notificado à AT.

 

5.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, no dia 15 de março de 2019, designou a signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 4 de abril de 2019. Nesta mesma data foi a Requerida notificada apresentar a sua resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.

 

7.            No dia16 de maio de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta e a junção do respetivo Processo Administrativo (PA). A demandada AT, na sua resposta, veio invocar a exceção de intempestividade da ação e impugnar os restantes fundamentos do pedido arbitral.

 

8.            Em 25 de junho de 2019, foi proferido despacho arbitral, convidando a Requerente a vir indicar os factos aos quais pretendia inquirir as testemunhas indicadas para aferir da necessidade de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Em 2 de julho de 2019 o Requerente solicitou uma prorrogação do prazo fixado, o qual foi concedido.

 

9.            Em 22 de julho de 2019 foi proferido despacho arbitral no qual foi agendada a marcação da reunião prevista no artigo 18º do RJAT para o dia 9 de setembro de 2019 às 10h30m, cujo teor a seguir se reproduz:

 

“Analisado o requerimento apresentado pela Requerente em 02-07-2019, não podemos concluir que esta prescinda da inquirição das testemunhas que indicou, pese embora, não ter cumprido com a indicação da matéria de facto à qual pretende a sua inquirição, mas que poderá ainda indicar na própria reunião. Assim sendo, determina-se a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, a qual fica agendada para o próximo dia 09-09-2019, pelas 10h 30m. A Reunião destina-se a: a) Pronúncia da requerente quanto à exceção invocada pela AT; b) Inquirição da prova testemunhal; c) Apresentação das respetivas alegações orais; d) Determinação da tramitação subsequente.”

 

10.          No dia 9 de setembro de 2019 realizou-se a reunião agendada, com a presença dos respetivos mandatários das partes, tendo o mandatário da Requerente prescindido das testemunhas, as quais não compareceram. De seguida requereu a junção de requerimento escrito no qual se pronunciou sobre a matéria da exceção de intempestividade arguida pela AT. Foi admitida a sua junção com cópia da mesma entregue à AT. A reunião prosseguiu, tendo as partes manifestado preferência por apresentação de alegações escritas, pelo que foi fixado o prazo igual e sucessivo de 15 dias para cada uma das partes apresentar as respetivas alegações.

De imediato o Tribunal determinou a prorrogação do prazo por dois meses para proferir a decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 21º, nº2 do RJAT, face ao decurso das férias judiciais,  de 14-04 a 22-04 de 2019 e de 16-07 a 31-08 de 2019, no qual se suspendem os prazos para a prática dos atos processuais pelas partes, o que tornou impossível a prolação da decisão arbitral no prazo dos seis meses legalmente previsto. Assim, a data para prolação da decisão arbitral foi fixada até 31-12-2019, sem prejuízo de poder ser proferida antes do limite do prazo fixado. Foi notificada a Requerente para efetuar o pagamento da taxa de justiça subsequente.

 

11.          As Partes não apresentaram alegações.

 

12.          Em 30-09- 2019 veio a Requerente apresentar requerimento de desistência da presente ação, nos termos do disposto no artigo 283º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1 do RJAT.

 

13.          Em 07-10-2019 foi proferido despacho arbitral para notificação da AT para se pronunciar sobre o requerimento apresentado. Em 15-10-2019 veio a AT responder nos autos que aceita a desistência apresentada pela Requerente, nos termos do artigo 283º do Código de Processo Civil.

 

 

Saneamento do Processo:

 

14.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 5.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

15.          O processo é o próprio e as partes são legítimas e detêm personalidade e capacidade jurídicas e judiciárias.

 

16.          O processo não enferma de nulidades.

 

A questão a decidir:

 

17.          Cumpre decidir. Considerando tudo o que vem exposto, conclui-se que a única questão a decidir é a da extinção da instância por desistência do pedido apresentada pela Requerente. Esta é, pois, a única questão a decidir pelo que não há lugar a decisão sobre a matéria de facto, por desnecessária.

 

 

II.            DO DIREITO APLICÁVEL

 

18.          Dispõe o artigo 277.º do Código de Processo Civil (CPC) que são causas de extinção da instância:

a) O julgamento;

b) O compromisso arbitral;

c) A deserção;

d) A desistência, confissão ou transação;

e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide

 

19.          Por sua vez dispõe o artigo 283º, nº1, do mesmo Código, sob a epígrafe “Liberdade de desistência, confissão e transação”, que:

      “1 - O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, como o réu pode confessar todo ou parte do pedido. (…)”

 

 

20.          O artigo 285º nº 1 do CPC, dispõe a propósito dos efeitos da desistência, que a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer. O nº2 do mesmo artigo dispõe que a desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara.

 

21.          Posto isto, conclui-se que a Requerente pode livremente desistir do pedido em qualquer momento do processo, porém, se a desistência ocorrer após a contestação, a tutela dos direitos do Réu impõe que os efeitos da desistência se produzam se houver aceitação da mesma pelo Réu.

 

22.          Todos os normativos supra referidos se aplicam ao processo arbitral Tributário por força da remissão contida no artigo 29º do RJAT.

 

23.          No caso dos presentes autos, a desistência ocorreu após a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, ou seja, muito depois da apresentação da resposta da AT, equivalente, para este efeito, à contestação referida no nº 1 do artigo 286º do CPC.

 

24.          Ora, notificada a AT para se pronunciar sobre a desistência apresentada pela Requerente, pronunciou-se favoravelmente e aceitou expressamente a desistência.

 

Posto Isto:

 

25.          Face ao que vem exposto aceite a desistência pela AT (entidade demandada) impõe-se decidir pela extinção da instância por inutilidade da lide. Como bem refere Lebre de Freitas, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios”

 

26.          Obviamente que tendo os autos por objeto a anulação, por ilegalidade, do ato de indeferimento da reclamação graciosa e liquidações subjacentes, a apresentação da desistência do pedido esvazia totalmente o objeto deste processo arbitral.

 

27.          A continuação da instância seria, não só inútil, mas ainda impossível, por falta de objeto da lide.

 

III. Decisão

 

À luz do exposto, ponderadas as posições de ambas as partes e o disposto nos artigos 277º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT, declara-se extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da eliminação voluntária da ordem jurídica, nos termos expostos supra, do ato de liquidação objeto dos autos e determina-se o oportuno arquivamento do processo.

 

IV.  VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor da causa em €10.195,05 (dez mil cento e noventa e cinco euros e cinco cêntimos) nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

V.  CUSTAS

Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de novembro de 2019

 

O Árbitro,

 

(Maria do Rosário Anjos)