Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 504/2018-T
Data da decisão: 2019-07-22  IVA  
Valor do pedido: € 13.253,05
Tema: IVA – Ginásios; Serviços de nutrição; Decisão de Reenvio Prejudicial (anexa à decisão – Decisão de Reenvio prejudicial (em anexo à presente decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO:

A..., LDA., sociedade com sede na Rua ..., nº..., ..., titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação oficiosa de IVA referentes aos períodos de 201406T a 201512T e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 13.253,05, bem como a condenação da Requerida no reembolso dos valores pagos, peticionando ainda o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)            A Requerente desenvolve a sua atividade na área do fitness/health club e nutrição;

b)           Nos anos de 2014 e 2015 passou a prestar, através de profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito, serviços de nutrição/dietética nas suas instalações, com isenção de IVA;

c)            Os serviços de fitness e de nutrição prestados pela Requerente são independentes e autónomos entre si;

d)           A Requerente tinha planos que incluíam apenas serviços de fitness e planos que incluíam também acompanhamento nutricional;

e)           Nas faturas emitidas, a Requerente discriminava os valores referentes ao serviço de fitness e ao serviço de acompanhamento nutricional;

f)            Os atos inspetivos levados a cabo pela AT tiveram início em Julho de 2017, pese embora a AT apenas tenha notificado a Requerente do início do procedimento de inspeção em 25/10/2017;

g)            A falta de conclusão do procedimento inspetivo no prazo de 6 meses consubstancia uma preterição de formalidade essencial, o que determina a invalidade de todos os atos posteriores, incluindo das liquidações impugnadas;

h)           A AT age em desconformidade com a Informação Vinculativa nº 9215, de 19/08/2015, o que consubstancia uma violação dos princípios da colaboração, da justiça material, da certeza e segurança jurídica, da igualdade e do Estado de Direito;

i)             O relatório da inspeção tributária que está na origem dos atos de liquidação impugnados padece de falta de fundamentação.

A Requerente juntou 10 documentos, arrolou três testemunhas e requereu a tomada de declarações de parte do seu gerente.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 20 de Dezembro de 2018.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese:

a)            Da análise dos elementos disponibilizados pela Requerente, verifica-se que o cliente paga o serviço nutricional ainda que dele não usufrua, de onde decorre que o acompanhamento nutricional constitui um serviço acessório à prática do exercício físico;

b)           A acessoriedade do serviço de acompanhamento nutricional infere-se ainda pelo reduzido número de consultas de nutrição, em comparação com a respetiva cobrança;

c)            A Requerente não demonstra a existência de uma efetiva prestação de serviços de natureza médica;

d)           Assumindo a prestação do serviço de nutrição uma natureza acessória face à prestação do serviço de fitness, deve ser-lhe aplicado o tratamento fiscal da prestação principal;

e)           A Requerente procede a um desdobramento artificial do preço, sujeitando uma parte a IVA e isentando de IVA outra parte;

f)            Não se verifica qualquer vicio de falta de fundamentação nem do relatório de inspeção tributária nem dos atos tributários impugnados.

Conclui, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral ou, caso tal se não entenda, a submissão ao TJUE das duas questões suscitadas, a saber: (i) a forma de faturação da Requerente constitui uma forma de decomposição artificial da prestação de serviços e (ii) a isenção de IVA prevista para atividades médicas não pode ser aplicada a consultas de nutrição que nunca foram prestadas.

A Requerida protestou juntar cópia do processo administrativo, que não obstante não juntou, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, escritas ou orais.

No decurso do processo decisivo suscitou-se a questão da eventual necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE da questão relativa à interpretação dos artigos 2º nº 1 c) e 132º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11, sobre a qual a Requerente não se pronunciou, razão pela qual foi determinada a sua notificação para, querendo, se pronunciar sobre tal questão.

A Requerente pronunciou-se no sentido da desnecessidade do reenvio prejudicial.

 

I.             SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer, impondo-se, no entanto, apreciar a questão relativa ao reenvio prejudicial para o TJUE requerida pela AT.

 

II.            QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

a.            Determinar se se verifica preterição de formalidade essencial conducente à invalidade do procedimento inspetivo e das liquidações impugnadas;

b.            Determinar se o relatório que está na origem dos atos de liquidação impugnados padece de falta de fundamentação;

c.            Determinar se o serviço de nutrição prestado pela Requerente assume natureza acessória do serviço de fitness, formando uma prestação única ou se, ao invés, se trata de prestações independentes e autónomas entre si;

d.            Determinar se a isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 1 do CIVA pressupõe a efetiva prestação do serviço de nutrição ou se é suficiente a sua mera disponibilização.

 

III.          MATÉRIA DE FACTO:

a.            Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.            A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de gestão e exploração de instituições desportivas, atividades de manutenção e bem estar físico; venda a retalho ou via online de produtos de estética, alimentares e dietéticos entre eles produtos de nutrição, suplementos alimentares e águas, vestuário, produtos de decoração e bijuteria, produtos de merchandising; atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens, com o CAE principal 93110-R3 e o CAE secundário 86906-R3;

2.            Nos anos de 2014 e 2015 prestou, através de profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito, serviços de nutrição/dietética nas suas instalações, sem cobrança de IVA;

3.            A nutricionista contratada pela Requerente estava disponível para atendimento um dia por semana;

4.            A Requerente registou-se na ERS em Agosto de 2014, registo que se manteve, pelo menos, no ano de 2015;

5.            A Requerente tinha planos que incluíam apenas serviços de fitness e planos que incluíam também acompanhamento nutricional, cabendo ao cliente eleger o plano pretendido e se utilizava todos os serviços colocados à sua disposição através do plano escolhido;

6.            O serviço de nutrição, quando subscrito pelo cliente, era cobrado, independentemente de o cliente usufruir do mesmo e independentemente do número de consultas efetuadas pelo cliente;

7.            Poderiam ser contratados serviços de nutrição de forma avulsa e separada de qualquer outro serviço, mediante o pagamento de um determinado valor, que variava em função de o cliente ser ou não sócio da Requerente;

8.            Nas faturas emitidas, a Requerente discriminava os valores referentes ao serviço de fitness e ao serviço de acompanhamento nutricional;

9.            Não existe correspondência entre os serviços de nutrição cobrados e as consultas de nutrição

10.          Por email datado de 24/07/2017, a AT solicitou balancetes antes e após regularizações dos anos de 2014 e 2015 e mapa das amortizações dos mesmos anos, relativos à Requerente, documentos esses que foram remetidos no próprio dia para a AT;

11.          A AT teve acesso ao SAFT de 2014 e 2015 da Requerente;

12.          A Requerente foi notificada do início do procedimento de inspeção em 25/10/2017;

13.          A Requerente foi notificada das liquidações oficiosas de IVA referentes aos períodos de 201406T a 201512T e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 13.253,05;

14.          A Requerente não procedeu ao pagamento voluntário das liquidações oficiosas a que se alude no ponto anterior, tendo sido instaurados os respetivos processos executivos com vista à sua cobrança, no âmbito dos quais a Requerente celebrou acordo de pagamento em prestações;

15.          O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 09/10/2018.

 

b.            Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

 

c.            Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

 

IV.          DO DIREITO:

A primeira questão a decidir nos autos prende-se com a eventual preterição de formalidade essencial conducente à invalidade do procedimento inspetivo e das liquidações impugnadas.

A este propósito, invoca a Requerente que os atos inspetivos tiveram início em Julho de 2017, com o pedido efectuado pela AT à contabilidade da Requerente, de envio de vários documentos contabilísticos.

Pese embora o exposto, a AT apenas notificou a Requerente do início do procedimento de inspecção em 25 de Outubro de 2017.

Pelo que, segundo defende, se o procedimento inspectivo tivesse sido notificado na data do seu início, ter-se-ia verificado a caducidade do mesmo, atento o decurso do prazo de 6 meses para o efeito.

Na resposta apresentada, a AT nada refere a este respeito, limitando-se a referir que o procedimento inspetivo assumiu carácter externo.

 

Decidindo:

Muito embora não tenha sido junto aos autos por nenhuma das partes o relatório de inspecção que esteve na origem dos atos tributários em causa, a verdade é que, da análise dos atos praticados pela AT verifica-se, sem qualquer dúvida, que este assumiu carácter interno e não externo, como alega a AT.

Com efeito, a classificação de um procedimento inspectivo como interno ou externo não é determinada pela nomenclatura que lhe é dada pela AT mas pela natureza concreta dos atos praticados.

A este propósito, dispõe o artigo 13º do RCPIT:

“Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:

a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento;

b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”

 

Ora, no caso dos autos, apenas resultou provado ter a AT analisado os balancetes antes e após regularizações dos anos de 2014 e 2015 e mapa das amortizações dos mesmos anos, relativos à Requerente, bem como o SAFT de 2014 e 2015 – cfr. pontos 10 e 11 dos factos provados.

Elementos esses detidos ou obtidos pela AT no âmbito do referido procedimento, não se tendo demonstrado a realização, por parte da AT, de qualquer diligência externa de inspeção.

Pelo que, dúvidas não restam de que o procedimento de inspecção assumiu carácter interno, devendo, em consequência, ser concluído no prazo de 6 meses.

Questão diferente é a de saber a partir de quando se inicia a contagem desse prazo: se, como defende a Requerente, a partir da data do pedido efectuado pela AT de disponibilização de elementos ou se a partir da notificação do início do procedimento.

Quanto à conclusão do procedimento inspectivo preceitua o artigo 36º nº 2 do RCPIT que o mesmo deve ser “concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início”, ressalvadas as hipóteses de prorrogação do mesmo elencadas no número 3 do mesmo artigo.

No caso dos autos, resultou provado que a Requerente foi notificada do início do procedimento de inspecção em 25/10/2017 – cfr. ponto 12 dos factos provados.

Por onde se conclui não existir qualquer evidência de ter sido ultrapassado o prazo legalmente previsto para a sua conclusão.

Sendo para o caso dos autos irrelevante a data em que, segundo a Requerente, a AT devia ter notificado do início do procedimento inspetivo. O que releva é que tal notificação ocorreu em 25/10/2017.

Aliás, previamente ao pedido de envio de documentos via email, ocorrido em Julho de 2017, já teria a AT com toda a certeza analisado outros elementos que dispunha em seu poder, apenas tendo decidido dar início ao procedimento na data em que notificou a Requerente, sem que tal possa consubstanciar qualquer ato de natureza inspetiva.

O que releva, para o caso, é a data em que tal notificação ocorreu.

Improcede, assim, a arguição de preterição de formalidades essenciais do procedimento inspetivo.

Vejamos, agora a segunda questão suscitada pela Requerente – falta de fundamentação do relatório de inspecção tributária.

Reitera-se que o relatório de inspecção não foi junto aos autos por nenhuma das partes pelo que o tribunal apenas tem conhecimento das partes do mesmo transcritas pela Requerente e pela AT nas respectivas peças processuais.

Sendo que, da análise destas transcrições – maxime da transcrição efetuada pela AT – se verifica não padecer o mesmo do vício de falta de fundamentação que lhe é assacado pela Requerente,

Quanto à fundamentação, dispõe o artigo 77º da LGT:

 “1 – A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 – A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.

A lei impõe o dever de fundamentação, enquanto direito consagrado e constitucionalmente garantido dos cidadãos (artigo 268º nº 3, da Constituição da República Portuguesa) e ato definidor da posição da Administração Tributária perante os particulares, do qual se consegue inferir o raciocínio lógico seguido por esta para decidir no sentido em que decidiu e não noutro.

O dever de fundamentação permite, assim, a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de modo a que aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação .

É precisamente por tal razão que o artigo 77.º nº 2 da Lei Geral Tributária impõe que a decisão do procedimento contenha “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, pois que apenas desta forma pode o sujeito passivo do imposto apreender a razão de ser do ato tributário e ponderar as reações ao mesmo.

Aliás, não pode deixar de se referir, conforme bem frisa a Requerida, que, atendendo à exposição de factos e à fundamentação utilizada pela Requerente, resulta claro que esta percebeu exactamente qual o caminho traçado para a liquidação do imposto em causa nos presentes autos, pelo que sempre se teria de entender ultrapassado o vício formal invocado de falta de fundamentação.

A este propósito, decidiu o STA  que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do acto e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”.

Se estes pressupostos e razões correspondem ou não à realidade é questão que tem a ver com o mérito e já não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão de que não cumpre, neste ponto, conhecer.

Improcede, assim, o vício de falta de fundamentação invocado pelo Requerente.

Dirimidas estas questões, e previamente à análise das restantes questões a decidir, impõe-se agora verificar da necessidade de reenvio prejudicial, conforme suscitado pela AT.

Em causa nos autos está a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 1 do CIVA ao serviço de nutrição prestado pela Requerente.

Nos termos do citado preceito, encontram-se isentas de IVA “as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

Para aferir da aplicação desta isenção aos serviços de nutrição em causa nos autos, importa apreciar as questões elencadas nas alíneas c) e d) do ponto II – Questões a Decidir da presente decisão, isto é, (i) determinar se o serviço de nutrição prestado pela Requerente assume natureza acessória do serviço de fitness, formando uma prestação única ou se, ao invés, se trata de prestações independentes e autónomas entre si; e (ii) determinar se a isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 1 do CIVA pressupõe a efetiva prestação do serviço de nutrição ou se é suficiente a sua mera disponibilização.

A este propósito, importa ter presente o que dispõe a Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, maxime os artigos 2º nº 1 c) e 132º nº 1 c).

É a seguinte a redação destes preceitos:

“Artigo 2º

1.            Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)            (…)

b)           (…)

c)            As prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.”

 

“Artigo 132º

1.            Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:

a)            (…)

b)           (…)

c)            As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa.”

 

No caso dos autos está em causa, desde logo, saber se o serviço de nutrição prestado pela Requerente assume natureza acessória do serviço de fitness ou, ao invés, se se trata de prestação autónoma e independente.

No caso de se entender que o serviço de nutrição, nos termos prestados pela Requerente e constantes dos factos provados, assume natureza acessória do serviço de fitness, aquele serviço de nutrição será objecto do mesmo tratamento fiscal do serviço de fitness, sendo, por isso, tributável em sede de IVA.

Se, ao contrário, se entender que tal serviço constitui uma verdadeira prestação autónoma e independente, ser-lhe-á aplicável o tratamento fiscal das prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas.

A este propósito, e como bem salienta a Requerida, a jurisprudência do TJUE tem defendido que, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única. 

Já quanto à efectiva natureza acessória ou independente do serviço de nutrição em relação ao serviço de fitness, quando aquele é prestado em contexto de um ginásio, cremos, não obstante as posições defendidas por Requerente e Requerida, não existir uma jurisprudência do TJUE que se possa considerar unânime, havendo jurisprudência em ambos os sentidos, aliás como resulta dos próprios articulados das partes.

Por outro lado, e no caso de se entender que o serviço de nutrição assume natureza independente, não devendo ser objecto do mesmo tratamento fiscal aplicável ao serviço de fitness, impõe-se analisar se a eventual isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 1 do CIVA pressupõe a efectiva prestação do serviço ou a sua mera disponibilização.

Mais uma vez, cremos que a jurisprudência do TJUE não é única na defesa de um ou outro entendimento.

Posto isto, o artigo 267.º, do TFUE, dispõe como que se segue:

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse  órgão  pode,  se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja  suscitada  em  processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis  de  recurso  judicial  previsto  no  direito  interno,  esse  órgão  é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa  que  se encontre  detida,  o  Tribunal  pronunciar-se-á  com  a  maior  brevidade possível.”

 

Sempre que se coloca uma questão de interpretação e aplicação do direito da União Europeia, devem os tribunais nacionais suscitar essa questão perante o TJUE, através do reenvio prejudicial, apenas sendo dispensado tal reenvio “quando a interpretação do Direito da União Europeia resulta já do chamado acquis jurisprudencial torna-se desnecessário proceder a essa consulta.” 

No caso dos autos, está em causa uma questão sobre a qual se suscitam, cremos, fundadas dúvidas de interpretação de normas do direito da União Europeia, em concreto dos artigos 2º nº 1 c) e 132º nº 1 c) da citada Diretiva 2006/112/CE.

Para além de que, não sendo, in casu, a decisão de mérito a proferir nos presentes autos susceptível de recurso ordinário, sempre tal reenvio seria obrigatório, nos termos do disposto no artigo 267º do TFUE.

Termos em que se formulam as seguintes questões, a decidir em sede de reenvio prejudicial:

i)             Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade;

a)            se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem-estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens;

b)           disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição,

deverá, para efeito do disposto no artigo 2º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11, considerar-se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem-estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar-se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem-estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser-lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?

ii)    A aplicação da isenção prevista no artigo 132º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11 pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?

 

 

Nestes termos, decide-se suspender a presente instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as supra elencadas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias da presente decisão e das seguintes peças, acompanhadas dos respectivos documentos:

a)            pedido de pronúncia arbitral:

b)           resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira;

c)            Requerimento da Requerida de 28/06/2019.

 

 

Lisboa, 22 de julho de 2019.

O Árbitro,

Alberto Amorim Pereira

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

SUMÁRIO:

I. Face ao conceito de prestações acessórias, definido pela jurisprudência do TJUE, as consultas de nutrição/dietética, constituam prestações autónomas relativamente aos serviços de ginásio.

II. A autonomia de tais prestações não determina, necessariamente, que tais prestações beneficiem da isenção de IVA, face ao disposto no artigo 9º nº 1) do CIVA e artigo 132º nº 1 alínea c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.

III. A aplicação da isenção de IVA a tais prestações exige a verificação cumulativa de dois requisitos: (i) que as atividades em causa tenham uma finalidade terapêutica e (ii) que sejam prestadas por profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO:

A...– UNIPESSOAL, L.DA., sociedade com sede na Rua ..., nº..., ..., titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação oficiosa de IVA referentes aos períodos de 201406T a 201512T e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 13.253,05, bem como a condenação da Requerida no reembolso dos valores pagos, peticionando ainda o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)            A Requerente desenvolve a sua atividade na área do fitness/health club e nutrição;

b)           Nos anos de 2014 e 2015 passou a prestar, através de profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito, serviços de nutrição/dietética nas suas instalações, com isenção de IVA;

c)            Os serviços de fitness e de nutrição prestados pela Requerente são independentes e autónomos entre si;

d)           A Requerente tinha planos que incluíam apenas serviços de fitness e planos que incluíam também acompanhamento nutricional;

e)           Nas faturas emitidas, a Requerente discriminava os valores referentes ao serviço de fitness e ao serviço de acompanhamento nutricional;

f)            Os atos inspetivos levados a cabo pela AT tiveram início em Julho de 2017, pese embora a AT apenas tenha notificado a Requerente do inicio do procedimento de inspeção em 25/10/2017;

g)            A falta de conclusão do procedimento inspetivo no prazo de 6 meses consubstancia uma preterição de formalidade essencial, o que determina a invalidade de todos os atos posteriores, incluindo das liquidações impugnadas;

h)           A AT age em desconformidade com a Informação Vinculativa nº 9215, de 19/08/2015, o que consubstancia uma violação dos princípios da colaboração, da justiça material, da certeza e segurança jurídica, da igualdade e do Estado de Direito;

i)             O relatório da inspeção tributária que está na origem dos atos de liquidação impugnados padece de falta de fundamentação.

A Requerente juntou 10 documentos, arrolou três testemunhas e requereu a tomada de declarações de parte do seu gerente.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 20 de Dezembro de 2018.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese:

a)            Da análise dos elementos disponibilizados pela Requerente, verifica-se que o cliente paga o serviço nutricional ainda que dele não usufrua, de onde decorre que o acompanhamento nutricional constitui um serviço acessório à prática do exercício físico;

b)           A acessoriedade do serviço de acompanhamento nutricional infere-se ainda pelo reduzido número de consultas de nutrição, em comparação com a respetiva cobrança;

c)            A Requerente não demonstra a existência de uma efetiva prestação de serviços de natureza médica;

d)           Assumindo a prestação do serviço de nutrição uma natureza acessória face à prestação do serviço de fitness, deve ser-lhe aplicado o tratamento fiscal da prestação principal;

e)           A Requerente procede a um desdobramento artificial do preço, sujeitando uma parte a IVA e isentando de IVA outra parte;

f)            Não se verifica qualquer vicio de falta de fundamentação nem do relatório de inspeção tributária nem dos atos tributários impugnados.

Conclui, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral ou, caso tal se não entenda, a submissão ao TJUE das duas questões suscitadas, a saber: (i) a forma de faturação da Requerente constitui uma forma de decomposição artificial da prestação de serviços e (ii) a isenção de IVA prevista para atividades médicas não pode ser aplicada a consultas de nutrição que nunca foram prestadas.

A Requerida protestou juntar cópia do processo administrativo, que não obstante não juntou, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, escritas ou orais.

No decurso do processo decisivo suscitou-se a questão da eventual necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE da questão relativa à interpretação dos artigos 2º nº 1 c) e 132º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11, sobre a qual a Requerente não se pronunciou, razão pela qual foi determinada a sua notificação para, querendo, se pronunciar sobre tal questão.

A Requerente pronunciou-se no sentido da desnecessidade do reenvio prejudicial.

II.            SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Por acórdão de 22/07/2019, foi decidido suspender a instância e efetuar o reenvio prejudicial para o TJUE, com vista à apreciação das seguintes questões:

i)             Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade;

a)            se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem-estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens;

b)           disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição,

deverá, para efeito do disposto no artigo 2º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11, considerar-se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem-estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar-se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem-estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser-lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?

ii)    A aplicação da isenção prevista no artigo 132º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11 pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?

 

A estas questões respondeu o TJUE no sentido constante do acórdão de 04/03/2021, processo nº C-581/19.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer, impondo-se, no entanto, apreciar a questão relativa ao reenvio prejudicial para o TJUE requerida pela AT.

III.          QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

a.            Determinar se se verifica preterição de formalidade essencial conducente à invalidade do procedimento inspetivo e das liquidações impugnadas;

b.            Determinar se o relatório que está na origem dos atos de liquidação impugnados padece de falta de fundamentação;

c.            Determinar se o serviço de nutrição prestado pela Requerente assume natureza acessória do serviço de fitness, formando uma prestação única ou se, ao invés, se trata de prestações independentes e autónomas entre si;

d.            Determinar se a isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 1 do CIVA pressupõe a efetiva prestação do serviço de nutrição ou se é suficiente a sua mera disponibilização.

 

IV.          MATÉRIA DE FACTO:

a.            Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.            A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de gestão e exploração de instituições desportivas, atividades de manutenção e bem estar físico; venda a retalho ou via online de produtos de estética, alimentares e dietéticos entre eles produtos de nutrição, suplementos alimentares e águas, vestuário, produtos de decoração e bijuteria, produtos de merchandising; atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens, com o CAE principal 93110-R3 e o CAE secundário 86906-R3;

2.            Nos anos de 2014 e 2015 prestou, através de profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito, serviços de nutrição/dietética nas suas instalações, sem cobrança de IVA;

3.            A nutricionista contratada pela Requerente estava disponível para atendimento um dia por semana;

4.            A Requerente registou-se na ERS em Agosto de 2014, registo que se manteve, pelo menos, no ano de 2015;

5.            A Requerente tinha planos que incluíam apenas serviços de fitness e planos que incluíam também acompanhamento nutricional, cabendo ao cliente eleger o plano pretendido e se utilizava todos os serviços colocados à sua disposição através do plano escolhido;

6.            O serviço de nutrição, quando subscrito pelo cliente, era cobrado, independentemente de o cliente usufruir do mesmo e independentemente do número de consultas efetuadas pelo cliente;

7.            Poderiam ser contratados serviços de nutrição de forma avulsa e separada de qualquer outro serviço, mediante o pagamento de um determinado valor, que variava em função de o cliente ser ou não sócio da Requerente;

8.            Nas faturas emitidas, a Requerente discriminava os valores referentes ao serviço de fitness e ao serviço de acompanhamento nutricional;

9.            Não existe correspondência entre os serviços de nutrição cobrados e as consultas de nutrição;

10.          Por email datado de 24/07/2017, a AT solicitou balancetes antes e após regularizações dos anos de 2014 e 2015 e mapa das amortizações dos mesmos anos, relativos à Requerente, documentos esses que foram remetidos no próprio dia para a AT;

11.          A AT teve acesso ao SAFT de 2014 e 2015 da Requerente;

12.          A Requerente foi notificada do início do procedimento de inspeção em 25/10/2017;

13.          A Requerente foi notificada das liquidações oficiosas de IVA referentes aos períodos de 201406T a 201512T e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 13.253,05;

14.          A Requerente não procedeu ao pagamento voluntário das liquidações oficiosas a que se alude no ponto anterior, tendo sido instaurados os respetivos processos executivos com vista à sua cobrança, no âmbito dos quais a Requerente celebrou acordo de pagamento em prestações;

15.          O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 09/10/2018.

 

b.            Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

 

c.            Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

V.           DO DIREITO:

A primeira questão a decidir nos autos prende-se com a eventual preterição de formalidade essencial conducente à invalidade do procedimento inspetivo e das liquidações impugnadas.

A este propósito, invoca a Requerente que os atos inspetivos tiveram inicio em Julho de 2017, com o pedido efetuado pela AT à contabilidade da Requerente, de envio de vários documentos contabilísticos.

Pese embora o exposto, a AT apenas notificou a Requerente do inicio do procedimento de inspeção em 25 de Outubro de 2017.

Pelo que, segundo defende, se o procedimento inspetivo tivesse sido notificado na data do seu inicio, ter-se-ia verificado a caducidade do mesmo, atento o decurso do prazo de 6 meses para o efeito.

Na resposta apresentada, a AT nada refere a este respeito, limitando-se a referir que o procedimento inspetivo assumiu carácter externo.

 

Decidindo:

Muito embora não tenha sido junto aos autos por nenhuma das partes o relatório de inspeção que esteve na origem dos atos tributários em causa, a verdade é que, da análise dos atos praticados pela AT verifica-se, sem qualquer dúvida, que este assumiu carácter interno e não externo, como alega a AT.

Com efeito, a classificação de um procedimento inspetivo como interno ou externo não é determinada pela nomenclatura que lhe é dada pela AT mas pela natureza concreta dos atos praticados.

A este propósito, dispõe o artigo 13º do RCPIT:

“Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:

a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento;

b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”

 

Ora, no caso dos autos, apenas resultou provado ter a AT analisado os balancetes antes e após regularizações dos anos de 2014 e 2015 e mapa das amortizações dos mesmos anos, relativos à Requerente, bem como o SAFT de 2014 e 2015 – cfr. pontos 10 e 11 dos factos provados.

Elementos esses detidos ou obtidos pela AT no âmbito do referido procedimento, não se tendo demonstrado a realização, por parte da AT, de qualquer diligência externa de inspeção.

Pelo que, dúvidas não restam de que o procedimento de inspeção assumiu carácter interno, devendo, em consequência, ser concluído no prazo de 6 meses.

Questão diferente é a de saber a partir de quando se inicia a contagem desse prazo: se, como defende a Requerente, a partir da data do pedido efetuado pela AT de disponibilização de elementos ou se a partir da notificação do início do procedimento.

Quanto à conclusão do procedimento inspetivo preceitua o artigo 36º nº 2 do RCPIT que o mesmo deve ser “concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início”, ressalvadas as hipóteses de prorrogação do mesmo elencadas no número 3 do mesmo artigo.

No caso dos autos, resultou provado que a Requerente foi notificada do inicio do procedimento de inspeção em 25/10/2017 – cfr. ponto 12 dos factos provados.

Por onde se conclui não existir qualquer evidência de ter sido ultrapassado o prazo legalmente previsto para a sua conclusão.

Sendo para o caso dos autos irrelevante a data em que, segundo a Requerente, a AT devia ter notificado do início do procedimento inspetivo. O que releva é que tal notificação ocorreu em 25/10/2017.

Aliás, previamente ao pedido de envio de documentos via email, ocorrido em Julho de 2017, já teria a AT com toda a certeza analisado outros elementos que dispunha em seu poder, apenas tendo decidido dar início ao procedimento na data em que notificou a Requerente, sem que tal possa consubstanciar qualquer ato de natureza inspetiva.

O que releva, para o caso, é a data em que tal notificação ocorreu.

Improcede, assim, a arguição de preterição de formalidades essenciais do procedimento inspetivo.

Vejamos, agora a segunda questão suscitada pela Requerente – falta de fundamentação do relatório de inspeção tributária.

Reitera-se que o relatório de inspeção não foi junto aos autos por nenhuma das partes pelo que o tribunal apenas tem conhecimento das partes do mesmo transcritas pela Requerente e pela AT nas respetivas peças processuais.

Sendo que, da análise destas transcrições – maxime da transcrição efetuada pela AT – se verifica não padecer o mesmo do vício de falta de fundamentação que lhe é assacado pela Requerente,

Quanto à fundamentação, dispõe o artigo 77º da LGT:

 “1 – A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 – A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.

A lei impõe o dever de fundamentação, enquanto direito consagrado e constitucionalmente garantido dos cidadãos (artigo 268º nº 3, da Constituição da República Portuguesa) e ato definidor da posição da Administração Tributária perante os particulares, do qual se consegue inferir o raciocínio lógico seguido por esta para decidir no sentido em que decidiu e não noutro.

O dever de fundamentação permite, assim, a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de modo a que aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação .

É precisamente por tal razão que o artigo 77.º nº 2 da Lei Geral Tributária impõe que a decisão do procedimento contenha “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, pois que apenas desta forma pode o sujeito passivo do imposto apreender a razão de ser do ato tributário e ponderar as reações ao mesmo.

Aliás, não pode deixar de se referir, conforme bem frisa a Requerida, que, atendendo à exposição de factos e à fundamentação utilizada pela Requerente, resulta claro que esta percebeu exatamente qual o caminho traçado para a liquidação do imposto em causa nos presentes autos, pelo que sempre se teria de entender ultrapassado o vício formal invocado de falta de fundamentação.

A este propósito, decidiu o STA  que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”.

Se estes pressupostos e razões correspondem ou não à realidade é questão que tem a ver com o mérito e já não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão de que não cumpre, neste ponto, conhecer.

Improcede, assim, o vício de falta de fundamentação invocado pelo Requerente.

Dirimidas estas questões, impõe-se agora conhecer as duas questões em relação às quais se suscitou a intervenção, em sede de reenvio prejudicial, do TJUE.

 

Vejamos:

A título prévio, sempre se dirá que, como corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do TFUE, a jurisprudência do TJUE, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia, tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, o que, aliás, é pacificamente defendido e aceite pela jurisprudência nacional  .

Tal carácter vinculativo resulta ainda do princípio do primado do direito da união europeia, previsto no artigo 8º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

Posto isto, no que concerne às questões submetidas à sua apreciação, pronunciou-se o TJUE no seguinte sentido:

“A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132º, nº 1, alínea c), desta diretiva.”

Pese embora o carácter vinculativo desta decisão, como decorre do próprio texto da decisão proferida, a interpretação dada pelo TJUE à norma constante do artigo 132º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 é feita “sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio”.

Cumpre assim a este tribunal, por reporte à matéria provada nos presentes autos, verificar a aplicação à hipótese sub judice da interpretação dada pelo TJUE à indicada norma.

Em primeiro lugar, no que diz respeito ao carácter acessório ou independente das atividades em causa nos autos – atividade de saúde humana, designadamente nutrição e atividade de manutenção e bem-estar físico -, entendeu o TJUE que tais atividades não se encontram indissocialvelmente ligadas, concluindo, assim, que tais atividades serão independentes entre si.

Esta questão foi já tratada em diversas decisões, maxime arbitrais, designadamente no acórdão arbitral proferido no processo 373/2018-T, cujo entendimento sufragamos na íntegra e que, por se tratar de factos e enquadramento jurídico substancialmente idêntico ao dos presentes autos, acolhemos e passamos a transcrever:

«O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

Segundo este Tribunal atenta a dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007. (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio.

A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.

Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.

No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.

Por outro lado, a diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.

Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo inidónea a suportar uma re-caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.

À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados».

 

No caso dos autos resultou, ademais, provado que:

a)            Nos anos de 2014 e 2015, os serviços de nutrição/dietética foram prestados nas instalações da Requerente por um profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito – facto provado nº 2;

b)           A Requerente tinha planos que incluíam apenas serviços de fitness e planos que incluíam também acompanhamento nutricional, cabendo ao cliente eleger o plano pretendido e se utilizava todos os serviços colocados à sua disposição através do plano escolhido – facto provado nº 5;

c)            Poderiam ser contratados serviços de nutrição de forma avulsa e separada de qualquer outro serviço, mediante o pagamento de um determinado valor, que variava em função de o cliente ser ou não sócio da Requerente – facto provado nº 7;

d)           Nas faturas emitidas, a Requerente discriminava os valores referentes ao serviço de fitness e ao serviço de acompanhamento nutricional – facto provado nº 8.

 

Assim, dúvidas não restam de que, tal como defendido pelo TJUE e pela Requerente, não existe qualquer acessoriedade entre as atividades de saúde humana, designadamente nutrição e as atividades de manutenção e bem-estar físico desenvolvidas pela Requerente, sendo as prestações independentes e autónomas entre si.

Mas tal independência e autonomia não determina necessariamente, como pretendido pela Requerente, que tais atividades de saúde humana, designadamente nutrição, sejam abrangidas pela isenção de IVA prevista no artigo 132º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE.

Isto porque, conforme resulta da decisão proferida pelo TJUE, tal isenção apenas será aplicável quanto tal atividade tenha uma finalidade terapêutica.

Sobre esta questão pronunciou-se o TJUE nos pontos 22 a 31 do acórdão, nos seguintes termos:

“22. Segundo jurisprudência constante, os termos utilizados para designar as isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados restritamente. Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos por essas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum de IVA. Assim, esta regra de interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.º devam ser interpretados de maneira a privá-las dos seus efeitos (Acórdão de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D, C-657/19, EU:C:2020:811, n.º 28 e jurisprudência referida).

23. No caso em apreço, a disposição em causa deve ser interpretada à luz do contexto em que se inscreve, das finalidades e da economia da Diretiva 2006/112, tendo especialmente em conta a ratio legis da isenção que prevê (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2014, ATP PensionService, C-464/12, EU:C:2014:139, n.º 61 e jurisprudência referida). Assim, os termos do artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva, a saber, «[a]s prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa», não visam as prestações efetuadas no meio hospitalar, em centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, isentas em aplicação do artigo 132.º, n.º 1, alínea b), da referida diretiva, mas as prestações médicas e paramédicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente ou em qualquer outro lugar (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de setembro de 2002, Kügler, C-141/00, EU:C:2002:473, n.º 36, e de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C-86/09, EU:C:2010:334, n.º 36).

24. Além disso, há que salientar que o conceito de «assistência médica», que consta do artigo 132.°, n.º 1, alínea b), da Diretiva 2006/112, e de «prestações de serviços de assistência», que consta do artigo 132.°, n.º 1, alínea c), desta diretiva, visam prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C-86/09, EU:C:2010:334, n.os 37 e 38, e de 18 de setembro de 2019, Peters C-700/17, EU:C:2019:753, n.º 20 e jurisprudência referida).

25. Por conseguinte, as «prestações de serviços de assistência», na aceção desta disposição, devem imperativamente ter uma finalidade terapêutica, uma vez que é esta que determina se uma prestação médica ou paramédica deve ser isenta de IVA [v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, X (Isenção de IVA para as consultas telefónicas), C-48/19, EU:C:2020:169, n.º 27 e jurisprudência referida], ainda que daí não decorra necessariamente que esta finalidade deva ser compreendida numa aceção particularmente restrita (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C-86/09, EU:C:2010:334, n.º 40 e jurisprudência referida, e de 21 de março de 2013, PFC Clinic, C-91/12, EU:C:2013:198, n.º 26).

26. Assim, as prestações de natureza médica ou paramédica efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas podem beneficiar da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 5 de março de 2020, X (Isenção de IVA para as consultas telefónicas), C-48/19, EU:C:2020:169, n.º 29 e jurisprudência referida].

27. A isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 pressupõe, portanto, que estejam preenchidos dois requisitos, o primeiro, relativo à finalidade da prestação em causa, conforme recordada nos n.os 24 a 26 do presente acórdão, e, o segundo, relativo ao facto de essa prestação ocorrer no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa.

28. Quanto a este segundo requisito, importa determinar, como salientam o Governo português e a Comissão, se um serviço de acompanhamento nutricional, como o que está em causa no processo principal, prestado por um profissional certificado e habilitado para esse efeito em instituições desportivas e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, é definido, pelo direito do Estado-Membro em causa (Acórdão de 27 de junho de 2019, Belgisch Syndicaat van Chiropraxie e o., C-597/17, EU:C:2019:544, nº 23 e jurisprudência referida), como sendo prestado no exercício de uma profissão médica ou paramédica. Resulta dos elementos constantes da decisão de reenvio, esclarecidos pelas observações do Governo português, que o serviço em questão era prestado por uma pessoa dotada de uma qualificação profissional que a habilita a efetuar atividades paramédicas como definidas pelo Estado-Membro em causa, o que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

29. Admitindo que seja esse o caso, há que atender à finalidade de uma prestação como a que está em causa no processo principal, o que corresponde ao primeiro requisito estabelecido no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. A este respeito, importa ter em consideração, para examinar essa finalidade, que as isenções previstas no artigo 132.º desta diretiva se inserem no capítulo 2, sob a epígrafe «Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral», do título IX da referida diretiva. Assim, uma atividade não pode ser isenta, por derrogação ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (Acórdãos de 21 de março de 2013, PFC Clinic, C-91/12, EU:C:2013:198, n.º 23, e de 21 de setembro de 2017, Comissão/Alemanha, C-616/15, EU:C:2017:721, n.º 49), se não cumprir a finalidade de interesse geral, comum ao conjunto das isenções previstas nesse artigo 132.º.

30. A este respeito, é pacífico que um serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade. Todavia, cumpre notar que o mesmo se aplica à própria prática desportiva, cujo papel é reconhecido, a título de exemplo, para limitar a ocorrência de doenças cardiovasculares. Tal serviço apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica.

31. Por conseguinte, na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 24 e 26 do presente acórdão, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, um serviço de acompanhamento nutricional, como o prestado no processo principal, não preenche o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva, de modo que está, em princípio, sujeito a IVA.”

 

De onde resulta em síntese que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo TJUE, a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 132º nº 1 c) da Diretiva a atividades de nutrição como as em causa nos presentes autos exige a verificação cumulativa de dois requisitos: (i) que as atividades em causa tenham uma finalidade terapêutica e (ii) que sejam prestadas por profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito.

Tratando-se de facto constitutivo do seu direito, incumbia à Requerente demonstrar a verificação destes dois requisitos por forma a que as atividades de nutrição por si exercidas beneficiassem da isenção de IVA.

Quanto ao segundo dos requisitos, resulta do facto provado nº 2 que os serviços de nutrição/dietética em causa nos presentes autos foram prestados pela Requerente através de profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito, pelo que se encontra o mesmo demonstrado.

O mesmo, porém, não se poderá dizer quanto à finalidade terapêutica de tais atividades, já que da prova produzida não resulta tal demonstração, a qual sempre pressuporia a discriminação dos concretos serviços prestados pelo profissional habilitado a cada um dos clientes. Com efeito, sabendo que nem todos os serviços de nutrição têm finalidade terapêutica, apenas beneficiando de isenção de IVA os serviços com esta finalidade, terão de ser analisados de forma casuística cada um dos serviços prestados para averiguar se os mesmos revestem ou não tal finalidade.

Ora, no caso dos autos, resultou provado – cfr. facto provado nº 9 – não existir correspondência entre os serviços de nutrição cobrados e as consultas de nutrição, não sendo, por isso, possível averiguar a finalidade dos serviços de nutrição prestados.

De onde resulta não ter a Requerente cumprido o ónus que sobre si impendia.

Note-se que tal não significa que se defenda que os serviços de nutrição não possam ter uma finalidade terapêutica, que consabidamente podem ter.

Mas tal finalidade terapêutica, para beneficiar da isenção de IVA, tem de resultar concretamente demonstrada, o que, in casu, e como vimos, não sucedeu.

Assim, terá necessariamente de se concluir que os serviços de nutrição em causa nos presentes autos não beneficiam de isenção de IVA, como pretendido pela Requerente, por não ter ficado demonstrado que foram prestados com finalidade terapêutica.

Refira-se que, como resulta de forma evidente do acórdão do TJUE, esta interpretação não é suscetível de violar o princípio da neutralidade fiscal, já que “serviços de acompanhamento nutricional prestados com uma finalidade terapêutica e serviços de acompanhamento nutricional desprovidos de tal finalidade não podem ser considerados iguais ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e não satisfazem as mesmas necessidades deste último”.

Não beneficiando os serviços em causa nos presentes autos de isenção de IVA, atenta a falta de demonstração da sua finalidade terapêutica, fica prejudicado o conhecimento da segunda parte da quarta questão elencada, sendo evidente que se um serviço efetivamente prestado não beneficia, pelos motivos expostos, de tal isenção, um serviço meramente disponibilizado não é suscetível de beneficiar de qualquer isenção.

De onde resulta não padecerem as liquidações impugnadas de qualquer ilegalidade.

 

Aqui chegados,

Peticiona ainda a Requerente a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios.

Quanto aos juros indemnizatórios, prescreve o número 1 do artigo 43º da LGT:

"São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

No caso dos autos, como exposto, de nenhuma ilegalidade padecem as liquidações impugnadas, não se verificando na sua liquidação qualquer erro imputável aos serviços.

De onde resulta não ser devido o pagamento, por parte da AT, de qualquer valor a título de juros indemnizatórios.

 

VI.          DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se:

a)            Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações oficiosas de IVA referentes aos períodos de 201406T a 201512T;

b)           Julgar improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

***

Fixa-se o valor do processo em € 13.253,05, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente por ser a parte vencida.

***

Lisboa, 15 de junho de 2021.

 

O Árbitro,

Alberto Amorim Pereira

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

VII.         RELATÓRIO:

A..., LDA., sociedade com sede na Rua ..., nº..., ..., titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação oficiosa de IVA referentes aos períodos de 201406T a 201512T e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 13.253,05, bem como a condenação da Requerida no reembolso dos valores pagos, peticionando ainda o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

j)             A Requerente desenvolve a sua atividade na área do fitness/health club e nutrição;

k)            Nos anos de 2014 e 2015 passou a prestar, através de profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito, serviços de nutrição/dietética nas suas instalações, com isenção de IVA;

l)             Os serviços de fitness e de nutrição prestados pela Requerente são independentes e autónomos entre si;

m)          A Requerente tinha planos que incluíam apenas serviços de fitness e planos que incluíam também acompanhamento nutricional;

n)           Nas faturas emitidas, a Requerente discriminava os valores referentes ao serviço de fitness e ao serviço de acompanhamento nutricional;

o)           Os atos inspetivos levados a cabo pela AT tiveram início em Julho de 2017, pese embora a AT apenas tenha notificado a Requerente do início do procedimento de inspeção em 25/10/2017;

p)           A falta de conclusão do procedimento inspetivo no prazo de 6 meses consubstancia uma preterição de formalidade essencial, o que determina a invalidade de todos os atos posteriores, incluindo das liquidações impugnadas;

q)           A AT age em desconformidade com a Informação Vinculativa nº 9215, de 19/08/2015, o que consubstancia uma violação dos princípios da colaboração, da justiça material, da certeza e segurança jurídica, da igualdade e do Estado de Direito;

r)            O relatório da inspeção tributária que está na origem dos atos de liquidação impugnados padece de falta de fundamentação.

A Requerente juntou 10 documentos, arrolou três testemunhas e requereu a tomada de declarações de parte do seu gerente.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 20 de Dezembro de 2018.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese:

g)            Da análise dos elementos disponibilizados pela Requerente, verifica-se que o cliente paga o serviço nutricional ainda que dele não usufrua, de onde decorre que o acompanhamento nutricional constitui um serviço acessório à prática do exercício físico;

h)           A acessoriedade do serviço de acompanhamento nutricional infere-se ainda pelo reduzido número de consultas de nutrição, em comparação com a respetiva cobrança;

i)             A Requerente não demonstra a existência de uma efetiva prestação de serviços de natureza médica;

j)             Assumindo a prestação do serviço de nutrição uma natureza acessória face à prestação do serviço de fitness, deve ser-lhe aplicado o tratamento fiscal da prestação principal;

k)            A Requerente procede a um desdobramento artificial do preço, sujeitando uma parte a IVA e isentando de IVA outra parte;

l)             Não se verifica qualquer vicio de falta de fundamentação nem do relatório de inspeção tributária nem dos atos tributários impugnados.

Conclui, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral ou, caso tal se não entenda, a submissão ao TJUE das duas questões suscitadas, a saber: (i) a forma de faturação da Requerente constitui uma forma de decomposição artificial da prestação de serviços e (ii) a isenção de IVA prevista para atividades médicas não pode ser aplicada a consultas de nutrição que nunca foram prestadas.

A Requerida protestou juntar cópia do processo administrativo, que não obstante não juntou, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, escritas ou orais.

No decurso do processo decisivo suscitou-se a questão da eventual necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE da questão relativa à interpretação dos artigos 2º nº 1 c) e 132º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11, sobre a qual a Requerente não se pronunciou, razão pela qual foi determinada a sua notificação para, querendo, se pronunciar sobre tal questão.

A Requerente pronunciou-se no sentido da desnecessidade do reenvio prejudicial.

 

I.             SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer, impondo-se, no entanto, apreciar a questão relativa ao reenvio prejudicial para o TJUE requerida pela AT.

 

II.            QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

e.            Determinar se se verifica preterição de formalidade essencial conducente à invalidade do procedimento inspetivo e das liquidações impugnadas;

f.             Determinar se o relatório que está na origem dos atos de liquidação impugnados padece de falta de fundamentação;

g.            Determinar se o serviço de nutrição prestado pela Requerente assume natureza acessória do serviço de fitness, formando uma prestação única ou se, ao invés, se trata de prestações independentes e autónomas entre si;

h.            Determinar se a isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 1 do CIVA pressupõe a efetiva prestação do serviço de nutrição ou se é suficiente a sua mera disponibilização.

 

III.          MATÉRIA DE FACTO:

d.            Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

16.          A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de gestão e exploração de instituições desportivas, atividades de manutenção e bem estar físico; venda a retalho ou via online de produtos de estética, alimentares e dietéticos entre eles produtos de nutrição, suplementos alimentares e águas, vestuário, produtos de decoração e bijuteria, produtos de merchandising; atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens, com o CAE principal 93110-R3 e o CAE secundário 86906-R3;

17.          Nos anos de 2014 e 2015 prestou, através de profissional devidamente habilitado e certificado para o efeito, serviços de nutrição/dietética nas suas instalações, sem cobrança de IVA;

18.          A nutricionista contratada pela Requerente estava disponível para atendimento um dia por semana;

19.          A Requerente registou-se na ERS em Agosto de 2014, registo que se manteve, pelo menos, no ano de 2015;

20.          A Requerente tinha planos que incluíam apenas serviços de fitness e planos que incluíam também acompanhamento nutricional, cabendo ao cliente eleger o plano pretendido e se utilizava todos os serviços colocados à sua disposição através do plano escolhido;

21.          O serviço de nutrição, quando subscrito pelo cliente, era cobrado, independentemente de o cliente usufruir do mesmo e independentemente do número de consultas efetuadas pelo cliente;

22.          Poderiam ser contratados serviços de nutrição de forma avulsa e separada de qualquer outro serviço, mediante o pagamento de um determinado valor, que variava em função de o cliente ser ou não sócio da Requerente;

23.          Nas faturas emitidas, a Requerente discriminava os valores referentes ao serviço de fitness e ao serviço de acompanhamento nutricional;

24.          Não existe correspondência entre os serviços de nutrição cobrados e as consultas de nutrição

25.          Por email datado de 24/07/2017, a AT solicitou balancetes antes e após regularizações dos anos de 2014 e 2015 e mapa das amortizações dos mesmos anos, relativos à Requerente, documentos esses que foram remetidos no próprio dia para a AT;

26.          A AT teve acesso ao SAFT de 2014 e 2015 da Requerente;

27.          A Requerente foi notificada do início do procedimento de inspeção em 25/10/2017;

28.          A Requerente foi notificada das liquidações oficiosas de IVA referentes aos períodos de 201406T a 201512T e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 13.253,05;

29.          A Requerente não procedeu ao pagamento voluntário das liquidações oficiosas a que se alude no ponto anterior, tendo sido instaurados os respetivos processos executivos com vista à sua cobrança, no âmbito dos quais a Requerente celebrou acordo de pagamento em prestações;

30.          O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 09/10/2018.

 

e.            Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

 

f.             Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

 

IV.          DO DIREITO:

A primeira questão a decidir nos autos prende-se com a eventual preterição de formalidade essencial conducente à invalidade do procedimento inspetivo e das liquidações impugnadas.

A este propósito, invoca a Requerente que os atos inspetivos tiveram início em Julho de 2017, com o pedido efectuado pela AT à contabilidade da Requerente, de envio de vários documentos contabilísticos.

Pese embora o exposto, a AT apenas notificou a Requerente do início do procedimento de inspecção em 25 de Outubro de 2017.

Pelo que, segundo defende, se o procedimento inspectivo tivesse sido notificado na data do seu início, ter-se-ia verificado a caducidade do mesmo, atento o decurso do prazo de 6 meses para o efeito.

Na resposta apresentada, a AT nada refere a este respeito, limitando-se a referir que o procedimento inspetivo assumiu carácter externo.

 

Decidindo:

Muito embora não tenha sido junto aos autos por nenhuma das partes o relatório de inspecção que esteve na origem dos atos tributários em causa, a verdade é que, da análise dos atos praticados pela AT verifica-se, sem qualquer dúvida, que este assumiu carácter interno e não externo, como alega a AT.

Com efeito, a classificação de um procedimento inspectivo como interno ou externo não é determinada pela nomenclatura que lhe é dada pela AT mas pela natureza concreta dos atos praticados.

A este propósito, dispõe o artigo 13º do RCPIT:

“Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:

a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento;

b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”

 

Ora, no caso dos autos, apenas resultou provado ter a AT analisado os balancetes antes e após regularizações dos anos de 2014 e 2015 e mapa das amortizações dos mesmos anos, relativos à Requerente, bem como o SAFT de 2014 e 2015 – cfr. pontos 10 e 11 dos factos provados.

Elementos esses detidos ou obtidos pela AT no âmbito do referido procedimento, não se tendo demonstrado a realização, por parte da AT, de qualquer diligência externa de inspeção.

Pelo que, dúvidas não restam de que o procedimento de inspecção assumiu carácter interno, devendo, em consequência, ser concluído no prazo de 6 meses.

Questão diferente é a de saber a partir de quando se inicia a contagem desse prazo: se, como defende a Requerente, a partir da data do pedido efectuado pela AT de disponibilização de elementos ou se a partir da notificação do início do procedimento.

Quanto à conclusão do procedimento inspectivo preceitua o artigo 36º nº 2 do RCPIT que o mesmo deve ser “concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início”, ressalvadas as hipóteses de prorrogação do mesmo elencadas no número 3 do mesmo artigo.

No caso dos autos, resultou provado que a Requerente foi notificada do início do procedimento de inspecção em 25/10/2017 – cfr. ponto 12 dos factos provados.

Por onde se conclui não existir qualquer evidência de ter sido ultrapassado o prazo legalmente previsto para a sua conclusão.

Sendo para o caso dos autos irrelevante a data em que, segundo a Requerente, a AT devia ter notificado do início do procedimento inspetivo. O que releva é que tal notificação ocorreu em 25/10/2017.

Aliás, previamente ao pedido de envio de documentos via email, ocorrido em Julho de 2017, já teria a AT com toda a certeza analisado outros elementos que dispunha em seu poder, apenas tendo decidido dar início ao procedimento na data em que notificou a Requerente, sem que tal possa consubstanciar qualquer ato de natureza inspetiva.

O que releva, para o caso, é a data em que tal notificação ocorreu.

Improcede, assim, a arguição de preterição de formalidades essenciais do procedimento inspetivo.

Vejamos, agora a segunda questão suscitada pela Requerente – falta de fundamentação do relatório de inspecção tributária.

Reitera-se que o relatório de inspecção não foi junto aos autos por nenhuma das partes pelo que o tribunal apenas tem conhecimento das partes do mesmo transcritas pela Requerente e pela AT nas respectivas peças processuais.

Sendo que, da análise destas transcrições – maxime da transcrição efetuada pela AT – se verifica não padecer o mesmo do vício de falta de fundamentação que lhe é assacado pela Requerente,

Quanto à fundamentação, dispõe o artigo 77º da LGT:

 “1 – A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 – A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.

A lei impõe o dever de fundamentação, enquanto direito consagrado e constitucionalmente garantido dos cidadãos (artigo 268º nº 3, da Constituição da República Portuguesa) e ato definidor da posição da Administração Tributária perante os particulares, do qual se consegue inferir o raciocínio lógico seguido por esta para decidir no sentido em que decidiu e não noutro.

O dever de fundamentação permite, assim, a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de modo a que aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação .

É precisamente por tal razão que o artigo 77.º nº 2 da Lei Geral Tributária impõe que a decisão do procedimento contenha “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, pois que apenas desta forma pode o sujeito passivo do imposto apreender a razão de ser do ato tributário e ponderar as reações ao mesmo.

Aliás, não pode deixar de se referir, conforme bem frisa a Requerida, que, atendendo à exposição de factos e à fundamentação utilizada pela Requerente, resulta claro que esta percebeu exactamente qual o caminho traçado para a liquidação do imposto em causa nos presentes autos, pelo que sempre se teria de entender ultrapassado o vício formal invocado de falta de fundamentação.

A este propósito, decidiu o STA  que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do acto e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”.

Se estes pressupostos e razões correspondem ou não à realidade é questão que tem a ver com o mérito e já não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão de que não cumpre, neste ponto, conhecer.

Improcede, assim, o vício de falta de fundamentação invocado pelo Requerente.

Dirimidas estas questões, e previamente à análise das restantes questões a decidir, impõe-se agora verificar da necessidade de reenvio prejudicial, conforme suscitado pela AT.

Em causa nos autos está a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 1 do CIVA ao serviço de nutrição prestado pela Requerente.

Nos termos do citado preceito, encontram-se isentas de IVA “as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

Para aferir da aplicação desta isenção aos serviços de nutrição em causa nos autos, importa apreciar as questões elencadas nas alíneas c) e d) do ponto II – Questões a Decidir da presente decisão, isto é, (i) determinar se o serviço de nutrição prestado pela Requerente assume natureza acessória do serviço de fitness, formando uma prestação única ou se, ao invés, se trata de prestações independentes e autónomas entre si; e (ii) determinar se a isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 1 do CIVA pressupõe a efetiva prestação do serviço de nutrição ou se é suficiente a sua mera disponibilização.

A este propósito, importa ter presente o que dispõe a Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, maxime os artigos 2º nº 1 c) e 132º nº 1 c).

É a seguinte a redação destes preceitos:

“Artigo 2º

1.            Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)            (…)

b)           (…)

c)            As prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.”

 

“Artigo 132º

1.            Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:

a)            (…)

b)           (…)

c)            As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa.”

 

No caso dos autos está em causa, desde logo, saber se o serviço de nutrição prestado pela Requerente assume natureza acessória do serviço de fitness ou, ao invés, se se trata de prestação autónoma e independente.

No caso de se entender que o serviço de nutrição, nos termos prestados pela Requerente e constantes dos factos provados, assume natureza acessória do serviço de fitness, aquele serviço de nutrição será objecto do mesmo tratamento fiscal do serviço de fitness, sendo, por isso, tributável em sede de IVA.

Se, ao contrário, se entender que tal serviço constitui uma verdadeira prestação autónoma e independente, ser-lhe-á aplicável o tratamento fiscal das prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas.

A este propósito, e como bem salienta a Requerida, a jurisprudência do TJUE tem defendido que, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única. 

Já quanto à efectiva natureza acessória ou independente do serviço de nutrição em relação ao serviço de fitness, quando aquele é prestado em contexto de um ginásio, cremos, não obstante as posições defendidas por Requerente e Requerida, não existir uma jurisprudência do TJUE que se possa considerar unânime, havendo jurisprudência em ambos os sentidos, aliás como resulta dos próprios articulados das partes.

Por outro lado, e no caso de se entender que o serviço de nutrição assume natureza independente, não devendo ser objecto do mesmo tratamento fiscal aplicável ao serviço de fitness, impõe-se analisar se a eventual isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 1 do CIVA pressupõe a efectiva prestação do serviço ou a sua mera disponibilização.

Mais uma vez, cremos que a jurisprudência do TJUE não é única na defesa de um ou outro entendimento.

Posto isto, o artigo 267.º, do TFUE, dispõe como que se segue:

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse  órgão  pode,  se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja  suscitada  em  processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis  de  recurso  judicial  previsto  no  direito  interno,  esse  órgão  é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa  que  se encontre  detida,  o  Tribunal  pronunciar-se-á  com  a  maior  brevidade possível.”

 

Sempre que se coloca uma questão de interpretação e aplicação do direito da União Europeia, devem os tribunais nacionais suscitar essa questão perante o TJUE, através do reenvio prejudicial, apenas sendo dispensado tal reenvio “quando a interpretação do Direito da União Europeia resulta já do chamado acquis jurisprudencial torna-se desnecessário proceder a essa consulta.” 

No caso dos autos, está em causa uma questão sobre a qual se suscitam, cremos, fundadas dúvidas de interpretação de normas do direito da União Europeia, em concreto dos artigos 2º nº 1 c) e 132º nº 1 c) da citada Diretiva 2006/112/CE.

Para além de que, não sendo, in casu, a decisão de mérito a proferir nos presentes autos susceptível de recurso ordinário, sempre tal reenvio seria obrigatório, nos termos do disposto no artigo 267º do TFUE.

Termos em que se formulam as seguintes questões, a decidir em sede de reenvio prejudicial:

j)             Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade;

c)            se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem-estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens;

d)           disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição,

deverá, para efeito do disposto no artigo 2º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11, considerar-se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem-estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar-se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem-estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser-lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?

ii)    A aplicação da isenção prevista no artigo 132º nº 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11 pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?

 

 

Nestes termos, decide-se suspender a presente instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as supra elencadas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias da presente decisão e das seguintes peças, acompanhadas dos respectivos documentos:

a)            pedido de pronúncia arbitral:

b)           resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira;

c)            Requerimento da Requerida de 28/06/2019.

 

Lisboa, 22 de julho de 2019.

 

O Árbitro,

Alberto Amorim Pereira