Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 503/2020-T
Data da decisão: 2021-05-13  IRS  
Valor do pedido: € 104.753,01
Tema: IRS. Mais-valias. Princípio da participação. Direito de audição. Fundamentação da decisão
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. José Coutinho Pires (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-12-2020, acordam no seguinte:

 

           

1. Relatório

 

A..., contribuinte n.º …, residente em …, Rue …, …, Luxemburgo (doravante designada por “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2019 ... e de liquidação juros compensatórios, com o n.º 2019 ….

A Requerente pede ainda reembolso da quantia indevidamente paga e juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-10-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 20-11-2020 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 23-12-2020.

Em 03-12-2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou a revogação parcial dos actos impugnados.

Notificada a Requerente do despacho de revogação parcial, para efeitos do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT, nada veio dizer, no prazo de 10 dias.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes.

Com a sua reposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira juntou uma nova liquidação, emitida em 29-01-2021.

Por despacho de 04-02-2021, as Partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a utilidade no prosseguimento do processo para apreciação das ilegalidades que o Sujeito Passivo lhe imputa e se esse prosseguimento é possível depois daquela revogação.

Em 25-02-2021, a Requerente veio dizer que «não obstante a revogação parcial do ato impugnado, pugna a Requerente pelo prosseguimento do processo para apreciação dos fundamentos de facto e de direito invocados no pedido de pronúncia arbitral».

Em 27-04-2021, foi junto o processo administrativo.

Por despacho de 28-04-2021, foi decidido dispensar a  reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

Apenas a Requerente apresentou alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

A Requerente apresentou em 23-06-2019 a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

Nessa declaração, a Requerente indicou, no anexo G, além do mais, o seguinte:

 

Em 26-07-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação de IRS com o n.º 2019 ..., com base na colecta líquida de € 15.605,59 («liquidações anteriores» referidas na liquidação junta pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua resposta);

Em 29-07-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou a Requerente a notificação cuja cópia consta do documento n.º 1  junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

A Requerente, representada pelo seu cônjuge, deslocou-se, no dia 07-08-2019, ao Serviço de Finanças de Lisboa - ..., sito na ..., ..., ... Lisboa, com o intuito de fornecer todos os elementos necessários ao apuramento do valor das despesas e encargos que acrescem ao valor de aquisição (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, relativo a «Consultar divergências» em que, além do mais, se refere «Situação: Regularizada»);

Nessa deslocação entregou à Autoridade Tributária todos os elementos de que se serviu para o cálculo das referidas despesas e encargos declarados no quadro 4 do Anexo G do Modelo 3 do IRS;

Na sequência da notificação, a Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira os documentos n.ºs 5 a 44 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

No Portal das Finanças, a Requerente introduziu, em 05-09-2019, uma declaração nos seguintes termos:

«JUSTIFICAÇÃO SUBMETIDA

Data: 2019-09-05 18:24:51

Texto: Boa tarde, no dia 07 de Agosto de 2019 as 09:30, entregamos na Repartição de Finanças Lisboa 9 os justificativos (faturas)relativos ao cálculo da mais valia realizada com a venda do prédio sito na rua …em Lisboa.

Melhores cumprimentos»

 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Em 15-10-2019, a Requerente fez uma declaração no Portal das Finanças, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 

Em 16-10-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira declarou no Portal das Finanças o que consta do documento n.º 3, em que se refere, além do mais o seguinte:

«A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) agradece o seu contacto.

Verificamos que a divergência se encontra com justificação e está em fase de análise. Deverá, pelo exposto, aguardar que o processo finde e lhe seja notificada a decisão. A aplicação E-Balção tem um carácter meramente informativo, pelo que não conseguimos fazer qualquer tipo de previsão. Relativamente à funcionalidade e-balção, informamos que quando pretender uma nova questão, não deverá utilizar a opção "reabrir", mas sim "registar nova questão".

Com os melhores cumprimentos

AT- Autoridade Tributária e Aduaneira

16-10-2019 14:07:27»;

Em 21-10-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou à Requerente a notificação que consta de páginas 198-200 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÇÃO PREVIA

Exma. Sra.,

De acordo com os elementos que a AT dispõe e da análise da declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2018, com a identificação ...-...-..., em sede de divergência D39 "Alienação de Imóveis", verificou-se que existem diferenças de valores declarados no Quadro  4 do Anexo G da Modelo 3 do IRS, conforme se mostra nos quadros infra: ANEXO G - Quadro 4 - valores declarados: 

 

 

Segundo os elementos que a AT dispõe, em relação à data e valor de realização, de acordo com os termos na alínea f) do n.º 1 e n.º 2 do Código do IRS, à data de 2018/03/22, verifica-se e confirma-se os valores declarados correspondentes à transmissão onerosa do direito de propriedade plena sobre o prédio U-..., freguesia ... (cfr. DUC do IMT n.... e caderneta predial urbana).

Mas, no que diz respeito à data e valor de aquisição, atento ao disposto no n.º 1 do art. 46.º do Código do IRS, à data de 2010/09/06, o valor de aquisição deve ser de 280.000,00 euros (e não o declarado de 310.000,00 euros) visto que foi o que serviu de base coletável para efeitos de liquidação do IMT (cfr. DUC do IMT n.º ... e certidão de teor de prédio urbano desativado).

Quanto às "Despesas e encargos", no Quadro A do Anexo G da Modelo 3 do IRS de 2018, o sujeito passivo declarou o montante total de 306.365,74 euros a título de encargos efetivamente suportados com a valorização do respetivo bem imóvel e a título de despesas obrigatórias inerentes à aquisição e alienação da do prédio em regime de propriedade total U-... (freguesia extinta ...).

Ora, em relação às "despesas e encargos" nos termos da alínea a) do art. 51.º do Código do IRS, o sujeito não apresentou quaisquer documentos de suporte com relevância fiscal e contabilística necessários e exigíveis pela AT para a necessária comprovação e validação do valor das "despesas e encargos" indicados no Quadro 4 do Anexo G da Modelo 3 do IRS de 2018, conforme decorre do n.º 1 do art. 128.º do Código do IRS e para os efeitos legais previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 59.º do CPPT.

Em relação aos encargos com a valorização do bem imóvel, comprovadamente realizados, apenas são considerados os documentos de suporte de gastos reais e efetivamente suportados pelo sujeito passivo, desde que que sejam titulados por faturas (originais), faturas simplificadas (originais), faturas-recibo (originais) ou recibos (originais) que cumpram as formalidades do art. 36.º e art. 40.º do CIVA.

Acresce que, não são aceites as despesas e encargos que não sejam devidamente comprovadas ou justificados mediante documentos de suporte com relevância fiscal válidos, identificados com NIF do beneficiário, com a menção/descrição da localização do(s) prédio(s) e ou com a indicação do artigo(s) do(s) imóvel(eis) intervencionado(s) (reabilitação, melhoramentos e ou obras de benfeitoria), correspondendo ao(s) imóvel(eis) alienado(s).

Nesta conformidade: propõe-se ao sujeito passivo que submeta uma Declaração de Substituição para corrigir o Quadro 4 do Anexo G da Modelo 3 do IRS de 2018, de acordo com o quadro infra:

 

 

 

 

 

 

Face ao exposto, atendendo a que não foi aceite o valor declarado das "despesas e encargos", não concordando, pode o valor das despesas a constar no Quadro 4 do Anexo G vir a ser novamente corrigido se apresentar os respetivos documentos de suporte fiscalmente relevantes para análise e comprovação.

Deste modo, fica V. Exa. por este meio notificado(a) da intenção destes serviços efetuarem oficiosamente as correções atrás indicadas (Anexo G da Modelo 3 do IRS de 2018).

Mais se informa que, caso pretenda exercer o direito de audição prévia a que se refere o artigo 60.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL n.º 398/98 de 17 de dezembro, poderá apresentar novos elementos/documentos e ou as suas alegações no prazo de 15 dias, por via internet no site www.portaldasfinancas.gov.pt. mediante seleção da opção "Os Seus Serviços", "Consultar - IRS", "Divergências", ou deslocar-se à Direção de Finanças de Lisboa. Localizada em ALAMEDA DOS OCEANOS, n.º 55, 1993-027 LISBOA, ou por e-mail dflisboa-dlird@at.gov.pt.

Cumpre ainda informar V. Exa. que, caso não exerça o referido direito, os serviços procederão de imediato à alteração oficiosa dos elementos constantes da sua Declaração de Rendimentos Modelo 3 do IRS de 2018, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS.

 

Em 11-11-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou à Requerente uma «2.ª NOTIFICAÇÃO PARA AUDUÇÃO PRÉVIA”, em termos idênticos à anterior (páginas 201-203 do processo administrativo);

Em 21-11-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou a  Informação n.º …/2019, que consta de páginas 195-197 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

A declaração de IRS, modelo 3, do ano de 2018, com a identificação ...-...-..., foi selecionada para análise da divergência 039 por motivos de "alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores de despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação à atividade profissional".

Tendo por base os elementos que a AT dispõe, em sede de divergência D39 - Alienação de Imóveis, verificou-se que existiam diferenças de valores declarados no Quadro 4 do Anexo G da Modelo 3 do IRS de 2018, conforme se mostra nos quadros infra: ANEXO G - Quadro 4 - valores declarados:

 

Em relação à data e valor de realização, segundo os elementos que a AT dispõe, em cumprimento do disposto na alínea f) do n.º 1 e n.º 2 do Código do IRS, à data de 2018/03/22, verificou-se e confirmou-se os valores declarados correspondentes à transmissão onerosa do direito de propriedade plena sobre o prédio (U-..., freguesia ... (cfr. DUC do IMT n.º ...).

No que concerne à data e valor de aquisição a título oneroso, atento ao vertido no n.º 1 do art, 46.º do Código do IRS, à data de 2010/09/06, verificou-se que o valor de aquisição a declarar deve ser de 280.000,00 euros (e não o declarado de 310.000,00 euros) visto que foi o que serviu de base coletável para efeitos de liquidação do IMT (cfr. DUC do IMT n.º ...).

Quanto ao valor declarado de "despesas e encargos" no montante de 306.365,74 euros, o sujeito passivo não apresentou os documentos de suporte com relevância fiscal e contabilística necessários e exigíveis pela AT para a necessária comprovação e validação do valor das "despesas e encargos" indicados no Quadro 4 do Anexo G da Modelo 3 do IRS de 2018, conforme decorre do n.º 1 do art. 128.º do Código do IRS e para os efeitos legais previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 59.º do CPPT.

Em relação aos encargos com a valorização do bem imóvel, comprovadamente realizados, apenas são considerados os documentos de suporte de gastos reais e efetivamente suportados pelo sujeito passivo, desde que que sejam titulados por faturas (originais), faturas simplificadas (originais), faturas-recibo (originais) os recibos (originais) que cumpram as formalidades do art. 36.º e art. 40.º, ambos, do CIVA,

Acresce que, não são aceites as despesas e encargos que não sejam devidamente comprovadas ou justificados mediante documentos de suporte com relevância fiscal válidos, identificados com NIF do beneficiário, com a menção/descrição da localização do(s) prédio(s) e ou com a indicação do artigo(s) do(s) imóvel(eis) intervencionado(s) (reabilitação, melhoramentos e ou obras de benfeitoria), correspondente ao(s) imóvel(eis) alienado(s).

Assim sendo, propôs-se ao sujeito passivo que submetesse uma Declaração de Substituição do IRS de 2018, corrigindo o Quadro 4 do Anexo G, de acordo com o quadro infra:

 

 

 

No que concerne às "despesas e encargos", a alínea a) do art. 51.º do Código do IR5 estabelece que ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização do bem imóvel nos últimos 12 anos, bem como as despesas necessárias efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação para efeitos da determinação da mais-valia sujeita a imposto, desde que sejam documentalmente comprovadas. Todavia, o sujeito passivo não apresentou quaisquer documentos comprovativos para análise.

AUDIÇÃO PRÉVIA

Através do Ofício da DF Lisboa n.º ..., de 2019/11/11, e do Ofício n.º ..., de 2019/10/21, nos termos do n.º 3 do art. 38.º e nos termos dos n.ºs 1 e 6 do art. 39.º, ambos, do CPPT, considera-se que o sujeito passivo foi devidamente notificado sobre o projecto de alteração ou correção dos elementos declarados na declaração modelo 3 de IRS de 2018 para o exercício do direito de audição prévia, conforme previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.

Após devidamente notificado, o sujeito passivo não exerceu o direito de audição prévia nos termos da lei fiscal pelo facto da sua recusa de recebimento ou não levantamento da carta registada remetida.

De acordo com o artigo 43.º do CPPT e conforme previsto na alínea a) do n.º 1 e n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º, da LGT, à data de hoje, a residência habitual e domicílio fiscal do sujeito passivo é a que consta no cadastro fiscal da AT. Todavia, foi efetuada diligência via telefone junto do SP NIF … para confirmação da morada postal conforme consta em informação cadastral e de endereçamento na AT.

 

PROPOSTA DE DECISÃO FINAL

Face ao exposto, não existindo outros elementos de relevância fiscal, considera-se que deverá ser elaborado DCU a corrigir a declaração de IRS, modelo 3, do ano de 2018, para efeitos da correção do Anexo G, de acordo com os quadros infra:

 

Em 25-11-2019, a Directora de Finanças Adjunta de Lisboa, proferiu despacho sobre a Informação referida nestes termos: «Concordo, Proceda-se em conformidade»;

Em 29-11-2019, a decisão referida na alínea anterior foi notificada a Requerente nos seguintes termos:

NOTIFICAÇÃO DECISÃO FINAL (Cfr. n.º 1 do art. 66.º do CIRS)

Assunto: IRS - Ano 2018 - Alteração aos elementos declarados na Declaração Modelo 3 de IRS - Anexo C "D 39 - Alienação de Imóveis".

Fica V. Ex.ª notificado(a) de que, por despacho de 25/11/2019, cuja cópia se anexa, a declaração Mod. 3 de IRS n.º ..., do ano de 2018, vai ser corrigida oficiosamente por este serviço, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, em conformidade com a notificação para o direito de audição prévia efetuada mediante o Ofício da DF Lisboa n.º ..., de 2019/11/11, e do Ofício n.º ..., de 2019/10/21, com as alterações resultantes da apreciação à resposta apresentada em sede de audição prévia.

Em resultado da alteração atrás referida, irá proceder-se a nova liquidação, cuja demonstração lhe será oportunamente remetida com a indicação dos respectivos prazos e meios de defesa.

Posteriormente, em data não determinada, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRS n.º 2019...., junta pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, em que determinou o valor a pagar de € 111.719,67;

Em 03-03-2020, a Requerente apresentou, reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de Lisboa – …, peticionando a anulação das liquidações acima identificadas, com a consequente devolução do montante pago acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, com base em preterição de formalidade essencial do procedimento tributário ou, subsidiariamente, a consideração das despesas e encargos efetivamente realizados, comprovados e enquadráveis no artigo 51.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante, “CIRS”), com a devolução do montante pago em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legalmente em vigor, conforme documento ao qual a AT atribuiu o número 2020… e Reclamação graciosa à qual foi atribuída o número de processo ...2020... (processo administrativo);

A reclamação graciosa não foi decidida até 01-10-2020, data em que a requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral, invocando a formação de indeferimento tácito;

A apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral foi comunicada

a Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-10-2020;

Por despacho de 24-11-2020, a Senhor Subdirectora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira declarou revogar parcialmente o acto impugnado, nos e termos e com os fundamentos de uma Informação, junta ao processo em 03-12-2020, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

I - Introdução

A Portaria nº 112- A/2011, de 22 de Março vinculou a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à jurisdição dos tribunais arbitrais em funcionamento no Centro de Arbitragem e Administrativa (CAAD) em conformidade com o que estabelece o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto -Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro.

Prevê o artigo 13º do Decreto - Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei nº 64 - B/2011, de 30 de dezembro, e pela Lei nº 66 - B/2012, de 31 de dezembro que, "o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo devendo notificar o Presidente do CAAD da sua decisão."

 

II - Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral.

Por e-mail de 13OUT2020, vem a Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso (DSCJC) informar que o sujeito passivo A..., com o NIF …, veio apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral no CAAD, ao qual foi atribuído o número de processo 503/2020 -T, tendo aquela unidade orgânica tomado conhecimento do pedido em 09OUT2020

O pedido apresentado no CAAD tem por objeto o ato de liquidação de IRS nº 2019....  de 29.11, referente ao período de tributação de 2018.

A DSCJC, em face do pedido de constituição do tribunal arbitral e em conformidade com as orientações definidas no Macroprocesso Contencioso - Processo Agregador Contencioso Arbitral, vem solicitar:

. O envio àquela Direção de Serviços, do processo administrativo que suportou o ato objeto do pedido, via eletrónica, cumprindo as orientações definidas no ofício nº … do Subdiretor-Geral para a Área do Planeamento, Organização e Comunicação, no prazo estabelecido no Macroprocesso Contencioso.

. A pronúncia expressa quanto à manutenção, alteração ou revogação do ato objeto do pedido.

. Na DSCJC, para assegurar o acompanhamento deste processo arbitral foram designados os juristas B… e C….

O pedido arbitral mencionado encontra-se instaurado no Sistema de Contencioso Judicial Tributário (SICJUT) sob o n.º …2020…..

 

III - Resposta ao pedido de pronúncia e de remessa de processo administrativo.

Tendo presente que o pedido de pronúncia arbitral em referência respeita ao IRS, a DSCJC entendeu que, no âmbito da delegação de competências da Diretora-Geral da AT, de 10 de Junho 2020, publicado no Diário da República - II Série - nº 118, de 19 de Junho de 2020, a competência prevista no nº 1 do artigo 13º do RJAT, encontra-se delegada na Subdiretora-Geral de Gestão Tributária do IR.

Face ao exposto, por e-mail da Subdiretora-Geral do IR foi o pedido de pronúncia arbitral reencaminhado para estes Serviços.

Deste modo, para efeitos de análise, foi consultada a aplicação Sistema de Contencioso

Administrativo Tributário (SICAT), onde se verificou que, instaurado em nome do sujeito passivo e relativo ao ato tributário objeto do pedido foi instaurado o procedimento administrativo de reclamação graciosa nº ...2020... (considerado pela requerente como tendo sido objeto de indeferimento tácito).

 

Assim, com os documentos disponíveis somos a informar:

A - Elementos referentes ao Pedido de Pronúncia Arbitral.

Apresenta-se em seguida o resumo dos elementos referentes ao pedido de pronúncia arbitral n.º 503/2020–T:

   Ato impugnado: Liquidação de IRS nº 2019....

   Período de Tributação: 2018

B - Pedido de Pronúncia.

Após leitura e análise da matéria objeto do pedido de pronúncia arbitral, informa-se:

 

I – Relativamente ao exercício de 2018, a contribuinte apresenta a declaração de rendimentos inscrevendo a sua situação pessoal de não residente em Portugal, mas residente noutro estado da UE, bem como manifestando a opção pelo regime geral de tributação; em sede do anexo G da mod 3 declara o facto tributário de alienação do artigo urbano identificado matricialmente sob nº ..., sito na freguesia de .../Lisboa, pelo preço de 700.000,00€ (valor realização=VR), cuja aquisição (VA)  ter-se-ia verificado em SET2010; deste facto resultou rendimento enquadrado na Cat G - mais valias e como tal sujeito a tributação.

Da mod 3 apresentada resultou apuramento de imposto a pagar de pouco mais de 16.000,00€ (liquidação datada de 26.07.2019) sendo de referir ter a contribuinte inscrito a título de despesas e encargos no anexo G, o montante de 306.365,74€, relevante para efeitos do disposto no art.º 51ºCIRS (a acrescer ao VA na determinação da mais valia imobiliária) e que o VA corresponderia ao valor acordado pelas partes de 280.000,00€, acrescido do montante de 30.000,00€ do projeto de construção.

Esta liquidação foi objeto de correção oficiosa traduzida na liquidação contestada no presente pedido CAAD, identificada sob nº 2019.... de 29.11 – com apuramento de imposto a pagar de 111.719,67€, emitida após a abertura de procedimento de divergências com vista à comprovação do valor inscrito em sede de despesas e encargos no anexo G da Mod 3 e demais factos relativos ao facto tributário de alienação do imóvel; o apuramento IRS vigente veio considerar como não atendíveis  qualquer montante de encargos que devesse ser de considerar ao abrigo do disposto no art.º 51º, nº 1 CIRS, bem como VA o constante na escritura de aquisição .

A contestação da requerente, manifestada igualmente em sede do procedimento de reclamação graciosa apresentado em Mar2020 e que veio considerar tacitamente indeferido nos termos do art.º 57º LGT e art.º 106º CPPT, tem por base o facto de não terem sido considerados os montantes de encargos suportados com a valorização do imóvel, em particular quando estes se encontram devidamente documentados, uma vez que os elementos comprovativos foram apresentados junto da Administração Tributária em cumprimento de solicitação nesse sentido (solicitação do SF Lisboa ... e entrega dos documentos no SF Lisboa …), ademais porque, alega nunca foi dado à contribuinte o direito ao contraditório no quadro do exercício do direito de audição prévia relativamente a esta matéria, o que se revela em absoluto ilegal.

Outra das questões suscitadas prende-se com o facto de não ter sido considerado o valor da mais-valia sujeito apenas em 50% conforme determinação do art.º 43º CIRS, sendo a este produto que deveria ser aplicada a taxa de tributação autónoma prevista no art.º 72, nº 1 a) CIRS, sob pena de evidente violação das normas de direito comunitário, de valor supra legal.

Considerando serem três as questões fundamentais que se prendem com a legalidade e correção do apuramento controvertido, cumpre esclarecer:

 

A – Os encargos a acrescer ao valor de aquisição para efeitos de determinação da mais-valia nos termos admitidos pelo art.º51, al. a) do CIRS, serão os efetivamente suportados com a valorização, no caso, do imóvel objeto de alienação em 2018 – artigo matricial nº ...,  desde que estes se mostrem devidamente documentados.

i) Efetivamente este conceito de “encargos com a valorização do bem” presente no CIRS – art.º 51, al. a) prende-se com o incremento do valor do bem imóvel, que necessariamente se refletirá em sede do valor patrimonial tributário (VPT); tal é distinto dos gastos/custos suportados pelo titular do direito de propriedade com o objetivo da mera preservação e atualização valorativa do bem. No primeiro caso, o único que releva para os efeitos peticionados, assiste-se a um incremento valorativo do bem, com implicações ao nível do próprio conteúdo do direito de propriedade por forma a possibilitar um rendimento acrescido, nomeadamente com a sua alienação posterior.

Compreende-se, assim, ser necessário uma maior objetivação conceitual, razão pela qual importa atender ao disposto em sede do CIMI, particularmente no seu art.º 13, nº 1 al. d), no que respeita à inscrição e atualização das matrizes prediais a fim de permitir uma melhor e maior correspondência com a realidade económica, quando se concretizem obras de melhoramento e outras alterações que possam determinar variação do VPT, i.é, devem as matrizes e consequente VPT ser atualizadas a partir da apresentação de declaração apresentada pelo sujeito passivo - mod 1 do IMI, como o foi no caso concreto, quando sejam realizadas grandes intervenções que incrementem o valor do bem, a aferir de forma o menos discricionária possível  em nome de princípios como o da justiça e da igualdade, atendendo a coeficientes de qualidade e conforto que o CIMI delimita  - art.ºs 38 segts.

ii) A destrinça conceitual acima referida entre encargos suportados com a valorização do imóvel relevante para efeitos do art.º 51º CIRS, dos realizados com vista à manutenção e conservação e que, pela sua natureza, não se mostram indissociáveis do imóvel alienado, releva no caso presente na medida em que, ao imóvel adquirido por escritura celebrada em 2010, pelo valor acordado pelas partes de 280.000,00€, a contribuinte terá efetivamente promovido um conjunto de obras avultadas, implicando a assunção de custos com os materiais e serviços de construção e que se configuraram como incremento valorativo desse bem, já  se mostrou plenamente traduzido aquando da atualização patrimonial suscitada pela própria contribuinte em 2015, ao apresentar, corretamente, a Mod 1 - IMI, procedimento identificado sob registo nº  ... – com o código de prédio melhorado/modificado ou reconstruído, concretizando-se a avaliação atualizada desse imóvel à luz de critérios de qualidade e conforto balizados objetivamente no âmbito do normativo do CIMI e que culminou na  atualização do VPT, fixado então em 497.230,00€.

Pode entender-se que os diversos elementos que a contribuinte carreia para estes autos (que também terá apresentado no âmbito do procedimento de averiguação/divergência aberto a fim de se comprovar a informação inscrita pela própria na declaração de rendimentos apresentada (art.º 128º CIRS), mais especificamente os relativos aos encargos inscritos no anexo G da Mod 3, ainda que num Serviço de Finanças distinto daquele que os terá solicitado), haviam já sido objeto de ponderação aquando do procedimento de atualização do valor matricial do imóvel à luz da intervenção de que o mesmo foi objeto – procedimento nº ....

iii) Na realidade, o imóvel objeto de alienação em 2018, facto de que resulta o apuramento de mais valia,  não se mostra em plena identidade no sentido do conteúdo do direito de propriedade, com o que havia sido objeto de aquisição em 2010 no sentido em que este foi objeto de obras de valorização, modificativas da sua essência e que possibilitaram o seu incremento, com repercussão no rendimento que veio a ser obtido, sendo certo, no entanto, que tal foi já objetivamente atualizado no quadro do IMI e não tendo então a requerente discordado da avaliação concretizada.

Efetivamente, a aquisição do imóvel de cuja alienação resulta o apuramento de mais valias concretiza-se em dois momentos:

- O primeiro à data de 2010, onde a contribuinte adquire o direito de propriedade de um artigo urbano sito na, à data, freguesia de …/Lisboa, com área bruta total de 130,00m2 e ao qual as partes acordaram em  escritura pública, o valor de 280.000,00.

- O segundo em razão das inúmeras obras de natureza valorativa de que o imóvel foi objeto, com reflexo no próprio conteúdo do direito de propriedade, e que veio encontrar expressão com a  apresentação do mod 1 do IMI no início de 2015 – nº ..., com o motivo de prédio melhorado, modificado ou reconstruído, cujo processo de avaliação foi concretizado em 15MAR2015; nesta data e deste procedimento  verifica-se que o imóvel, agora identificado matricialmente sob art.º ... – freguesia de …/Lisboa,  detém área bruta superior à inicial porquanto é de 243,80m2 o que significa que houve um acréscimo de 113,80m2, importando apurar qual o valor patrimonial que corresponde ao aumento da área bruta privativa.

 No caso, considerando o VPT apurado de 497.230€ e área bruta total correspondente de 243,80m2 (497.230/243.80m2 = 2.039,50), pode concluir-se que o VPT que corresponde ao acréscimo da área propiciado pelas obras de valorização foi de 232.095,10€ (113.80m2 x 2.039,50), valor de aquisição a considerar neste segundo momento e em que os custos com as obras já se encontram vertidos na atualização do valor patrimonial do imóvel.

iv) A determinação da mais valia, no que ao VA respeita, tem de atender ao disposto no

art.º46º CIRS, mais especificamente ao seu nº 1 e 2 no caso em apreço, conjugado com o art.º 12º do CIMT e, no caso concreto face à factualidade descrita pode concluir-se que a aquisição do bem alienado em 2018 concretizou-se em 2010/SET pelo preço de 280.000, €, mas na quota parte de 13%, o que corresponde a um valor de realização de 91.000,00€; por seu turno, com as obras de valorização e alteração do próprio conteúdo do direito propriedade, concretizado com a apresentação do mod 1IMI em 2015MAR, verifica-se a aquisição dos 87% do prédio, considerando o VPT correspondente de 232.095,10€ - com VR de 609.000,00€.

No apuramento da mais valia em conformidade com art.ºs 10, nº 1-a) e 43, nº 1 do CIRS, igualmente é de atender ao disposto no art.º 50º CIRS, quanto à correção monetária (esta ponderação traduzida na aplicação do coeficiente legalmente previsto em Portaria, incumbe à Administração Tributária aquando da liquidação).

Considerar-se, como pretende a requerente, o montante dos encargos com a valorização do imóvel,  para além das questões que podem suscitar-se com a adequação legal dos documentos apresentados para comprovar essas despesas  e que ora não se coloca uma vez que a realização das obras e o incremento valorativo já encontraram tradução na atualização do seu  VPT e cuja ponderação foi já atendida uma vez que se considera terem existido dois momentos de aquisição, cujos valores foram ponderados considerando a percentagem aquisitiva em cada um dos momentos e o correspondente  valor em cada data.

B - Outra das questões suscitadas nos presentes autos CAAD prende-se com a problemática advogada pela requerente de que, sendo residente em país da UE (Luxemburgo) e não residente em Portugal, uma vez que se trata de rendimentos da Cat G, deveria ser o montante da mais valia apurada ser considerado apenas em 50% do seu valor, tal como o é para os residentes em território nacional nos termo previstos no art.º 43º, nº 2 CIRS, sob pena de discriminação dos cidadãos da UE e, portanto, contrário ao direito comunitário.

i) Efetivamente, no passado, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, em Acórdão de 2007OUT11, veio entender existir, à data, contrariedade do normativo nacional aplicável à tributação das mais valias imobiliárias auferidas por não residentes, mas residentes na União, com o Direito Comunitário. No seguimento deste Acórdão e no mesmo sentido veio pronunciar-se o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 2008JAN16 (processo 0439/06), pelo que no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (OE para 2008), o n.º 7 (atual n.º 9) e  o n.º 8 (atual n.º 10).

Assim e por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, passaram a ter um campo para ser exercida a opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.

 

ii) Consultando a declaração de rendimentos entregue em nome da requerente relativa ao exercício de 2018, verifica-se que esta assinalou no quadro 8 B do Modelo 3  - campo 4,  se não residente embora com residência em país da UE e pretender a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes (campo 7).

Portanto, com contribuinte não residente, ficam sujeitos a tributação apenas os rendimentos auferidos em Portugal (art.º 15º, nº 2) e, uma vez que manifestou a opção pelo regime geral de tributação aplicável aos não residentes, é de considerar o regime constante no art.º 72º CIRS, mais concretamente no nº 1 al. a) (tributação autónoma).

 

iii) Portanto, contrariamente ao alegado pela contribuinte, face à alteração do artigo 72º efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, a opção de tributação pela taxa do artigo 68º, ou seja, como residente, implicava o preenchimento do campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68º do CIRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos, em Portugal e no estrangeiro), tal como sucede com os residentes nos termos do art.º 15, nº 1 do CIRS, sendo que par estes sequer se prevê qualquer possibilidade de opção; o nº10 (atual) do art.º 72º é taxativo.

A alegada contrariedade com o Direito Comunitário não procede na medida em que o quadro legal, bem como a obrigação declarativa, já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (agora 9 e 10) ao artigo 72 º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não podendo aplicar-se o disposto no nº 2 do art.º 43º do CIRS quando a peticionária não manifestou a opção que assim o admitiria.

Na realidade, o apuramento de IRS contestado não se mostra violador de qualquer norma de direito fiscal interno, tendo sido aplicado as normas vigentes para a tributação de não residentes em território nacional que aqui obtenham rendimentos, do mesmo modo que não se encontra em questão qualquer norma de direito comunitário.

Efetivamente, a pretensão da contribuinte traduzir-se-ia, numa evidente e manifesta violação do princípio da não discriminação, porquanto propugna pela consideração da mais-valia em 50%, sem o englobamento da totalidade dos rendimentos auferidos em território nacional e no exterior, tal como é exigido aos residentes, mas com a aplicação da taxa autónoma prevista no art.º 72ºdo CIRS.

 

C – A legalidade do ato tributário de 2018, argumenta a requerente, é igualmente contestada pela violação de princípios basilares do procedimento tributário, mais especificamente do princípio do contraditório e direito de audição, particularmente porque esta apresentou, alega,  os documentos comprovativos dos encargos por si inscritos no anexo G da Mod 3, conforme solicitado no âmbito “procedimento de inspeção interna “ de que foi objeto, devendo por isso ter sido obrigatoriamente considerados aquando do apuramento oficioso contestado.

i) O ato tributário relativo a 2018, emitido em razão da declaração de rendimentos apresentada pela contribuinte suscitou junto da Administração Tributária dúvidas com

necessidade de serem esclarecidas, pelo que foi aberto procedimento de divergência identificado sob nº .../motivo D.39 (alienação imóveis), tendo a contribuinte sido notificada pelo ofº GIC-... em JUL2019 a fim de serem comprovados os factos inscritos; este ofício explicitava poderem os esclarecimentos e documentos considerados relevantes ser apresentados via internet, ao abrigo do procedimento aberto, ou junto de um Serviço de Finanças ou, em alternativa, ser apresentada declaração corretiva.

Como foi referido supra, a contribuinte alega ter apresentado elementos documentais junto do Serviço de Finanças Lisboa - … no início de AGO2019 e, em Setembro 2019, pela via eletrónica, informa a Administração Tributária que “…apresentou…os justificativos/faturas relativos ao cálculo da mais valia realizada com a venda do prédio sito na rua…”, i.é, identifica apenas que terá procedido ao cumprimento da notificação em serviço distinto.

Este procedimento de divergência foi findo em finais de NOV2019, pela emissão do DC oficioso, no qual o valor de aquisição (VA) do imóvel alienado em 2018 corresponde ao valor acordado pelas partes e constante da escritura de aquisição celebrada em 2010, i.é,

280.000,00€, não tendo sido considerado qualquer valor suportado com despesas e encargos; este DC deu lugar à emissão da liquidação oficiosa controvertida, notificada via eletrónica no início de DEZ2019 (porquanto é o sujeito passivo aderente).

 

ii) Não obstante a presunção de veracidade da informação prestada pelos contribuintes

expressa no art.º 75º LGT, a verdade é que tal não afasta a obrigação de comprovar os elementos declarados (art.º 128 CIRS), em particular quando a Administração Tributária (AT) procede à notificação destes para eventual esclarecimento sempre que se verifiquem omissões ou incongruências decorrentes do cruzamento de informação de que os serviços se podem socorrer, podendo culminar na promoção de correções a título oficioso.

No sentido acima referido, importa ter presente o disposto no art.º 59º do CPPT, tal como sobressai, na efetivação dos diversos procedimentos, o respeito pelo princípio da colaboração entre a AT e os sujeitos passivos em nome da justiça, celeridade e maior adequação das decisões à realidade factual e respetivo enquadramento pelo normativo jurídico-tributário vigente; note-se, no entanto, que o exercício do direito de participação não pode traduzir-se em aparente exercício, principalmente quando o interesse se encontra situado na esfera jurídica do sujeito passivo em consonância com o disposto no art.º 74º LGT, sob pena da assunção de contornos dilatórios e de formalismos vazios de conteúdo ou interesse prático.

 

iii) Na situação concreta, a informação declarada pela contribuinte, particularmente no que ao valor de aquisição do bem alienado respeitava (incluindo o eventual acréscimo sob alçada do disposto no art.º51 do CIRS) não se mostrava minimamente consubstanciado e, o certo é que o procedimento de divergência aberto tendente ao posterior esclarecimento mostrou-se algo deserto conforme decorre do elenco dos factos apresentado nos pontos antecedentes e considerado  à luz do teor do nº 2 do art.º 60º da LGT, sublinhando-se que o valor aquisição que veio a ser considerado oficiosamente correspondia ao constante da escritura e que,  junto do SF Lisboa ... que procedeu à notificação no sentido da requerente apresentar os documentos comprovativos, não foram apresentados quaisquer elementos que a contribuinte tão insistentemente alega terem de ser obrigatoriamente considerados.

 

II – Atendendo ao expresso supra parece poder concluir-se que, não obstante os fundamentos de que  a contribuinte se socorre para alegar a ilegalidade da liquidação oficiosa nº 2019.... de 29.11 não se mostrarem corretos, a verdade é que o apuramento da mais valia sujeita a tributação, mais concretamente o valor de aquisição a considerar para efeitos da determinação do rendimento da Cat G, não se mostra em conformidade com o enquadramento jurídico-fiscal aplicável tal como foi explicitado, pelo que deve ser promovida a correção do mesmo em conformidade, deferindo, assim, parcialmente o pedido no que o VA respeita, embora não nos termos e com os fundamentos peticionados.

 

III – Igualmente tendo a contribuinte requerido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no art.º 43º LGT, parece assistir-lhe razão considerando em particular o disposto no  nº 1 da norma.

 

IV - Conclusão.

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser este deferido parcialmente, com a necessária correção do valor de aquisição do imóvel alienado em 2018, de que resultou rendimento sujeito a IRS no quadro da categoria G- mais valias imobiliárias.

 

V – Proposta de decisão.

Pelo exposto, propõe-se que seja corrigida parcialmente a liquidação n.º 2019.... de 29.11, referente ao IRS do ano fiscal de 2018.

Deve remeter-se esta informação à DSCJC.

É o que me cumpre informar.

 

Em 29-01-2021, alguma entidade não identificada emitiu o documento junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira com a denominação «Consulta IRS - Demonstração de Liquidação», como reportando-se a uma nova liquidação com o n.º 2021... no valor de € 44.257,63 (documento junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);

A Requerente pagou a quantia € 111.719,67 determinada na liquidação impugnada (artigo 40.º do pedido de pronúncia arbitral e documento n. 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere estar a situação regularizada);

A reclamação graciosa não foi decidida até 01-10-2020, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

2.2.1. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

 

2.2.2. No que concerne à apresentação pela Requerente à Autoridade Tributária e Aduaneira dos documentos destinados a comprovar as despesas, essa apresentação está ínsita na afirmação feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Portal das Finanças de que «a divergência se encontra com justificação e está em fase de análise».

 

2.2.3. Não se provou quem elaborou o documento apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua resposta com a denominação «Consulta IRS - Demonstração de Liquidação», como sendo uma liquidação de IRS com o n.º 2021....

 A Autoridade Tributária e Aduaneira limitou-se a juntar ao processo esse documento, que terá sido extraído do Portal das Finanças, com a denominação «Consulta IRS - Demonstração de Liquidação», em que nem sequer é indicado o seu autor, o que é um elemento imprescindível para se apurar se se está perante um acto tributário, pois a existência de um acto de liquidação depende de ter sido praticado por alguém detentor de poderes jurídico tributários [como se infere do n.º 12 do artigo 39.º do CPPT e está ínsito no conceito de «acto administrativo» definido no artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente apresentou declaração de IRS relativa ao exercício de 2018, em que indicou, para efeitos de mais-valias (anexo G) os valores de aquisição e transmissão de um prédio urbano transmissão (€ 310.000 e € 700.000, respectivamente), para além de despesas com ele suportadas (€ 306.365,74).

Na sequência de notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a Requerente apresentou os documentos destinados a comprovar as despesas que indicou na declaração.

A Autoridade Tributária e Aduaneira propôs à requerente que submetesse uma Declaração de Substituição do IRS de 2018, corrigindo o Quadro 4 do Anexo G, e acabou por não considerar qualquer das despesas, pelo que emitiu liquidação com base nos valores de aquisição e transmissão (€ 280.000 e € 700.000, respectivamente) com o valor de € 0,00 de despesas, como se refere na Informação de 21-11-2019, reproduzida na alínea M) da matéria de facto fixada:

No que concerne às "despesas e encargos", a alínea a) do art. 51.º do Código do IR5 estabelece que ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização do bem imóvel nos últimos 12 anos, bem como as despesas necessárias efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação para efeitos da determinação da mais-valia sujeita a imposto, desde que sejam documentalmente comprovadas. Todavia, o sujeito passivo não apresentou quaisquer documentos comprovativos para análise.

 

 

3.1. Objecto do processo

 

Antes de mais, importa fixar o objecto do processo.

A apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral foi comunicada

a Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-10-2020 e, por despacho de 24-11-2020, a Senhor Subdirectora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira declarou revogar parcialmente o acto impugnado.

A revogação não foi decidida dentro do prazo de 30 dias, contado nos termos do Código do Procedimento Administrativo, previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, com referência ao seu artigo 3.º-A, n.º 1.

A denominada «revogação parcial» não se traduziu numa mera anulação administrativa de uma parte da liquidação impugnada, mantendo alguma parte dessa liquidação, mas sim de declaração de manutenção parcial dessa liquidação com uma fundamentação completamente diferente.

Na verdade, subjacente à liquidação impugnada está o entendimento de que para efeitos de determinação de mais-valias, relevavam o valor de aquisição em 2010 e de venda em 2018, sem consideração de quaisquer despesas e encargos.

Mas, como fundamento da revogação e da nova liquidação emitidas na pendência do presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma:

– pode entender-se que os diversos elementos que a contribuinte carreia para estes autos (...) haviam já sido objeto de ponderação aquando do procedimento de atualização do valor matricial do imóvel à luz da intervenção de que o mesmo foi objeto – procedimento nº ....

– o imóvel objeto de alienação em 2018, facto de que resulta o apuramento de mais valia,  não se mostra em plena identidade no sentido do conteúdo do direito de propriedade, com o que havia sido objeto de aquisição em 2010 no sentido em que este foi objeto de obras de valorização, modificativas da sua essência e que possibilitaram o seu incremento, com repercussão no rendimento que veio a ser obtido, sendo certo, no entanto, que tal foi já objetivamente atualizado no quadro do IMI e não tendo então a requerente discordado da avaliação concretizada;

– a aquisição do imóvel de cuja alienação resulta o apuramento de mais valias concretiza-se em dois momentos:

O primeiro à data de 2010, onde a contribuinte adquire o direito de propriedade;

O segundo em razão das inúmeras obras de natureza valorativa de que o imóvel foi objeto, com reflexo no próprio conteúdo do direito de propriedade, e que veio encontrar expressão com a apresentação do mod 1 do IMI no início de 2015 – nº ...;

– considerando o VPT apurado de 497.230€ e área bruta total correspondente de 243,80m2 (497.230/243.80m2 = 2.039,50), pode concluir-se que o VPT que corresponde ao acréscimo da área propiciado pelas obras de valorização foi de 232.095,10€ (113.80m2 x 2.039,50), valor de aquisição a considerar neste segundo momento e em que os custos com as obras já se encontram vertidos na atualização do valor patrimonial do imóvel;

  a aquisição do bem alienado em 2018 concretizou-se em 2010/SET pelo preço de 280.000, €, mas na quota parte de 13%, o que corresponde a um valor de realização de 91.000,00€; por seu turno, com as obras de valorização e alteração do próprio conteúdo do direito propriedade, concretizado com a apresentação do mod 1 IMI em 2015MAR, verifica-se a aquisição dos 87% do prédio, considerando o VPT correspondente de 232.095,10€ - com VR de 609.000,00€.

 

Isto é, em vez de entender que o prédio foi na totalidade adquirido em 2010, a Autoridade Tributária e Aduaneira passou a entender que, para efeitos de mais-valias, deve entender-se que em 2010 foi adquirida apenas uma percentagem de 13% do valor do prédio vendido e que a restante percentagem de 87% foi adquirida em 2015, na sequência de obras de valorização e alteração e apresentação do mod 1 IMI em Março de 2015.

Assim, esta nova fundamentação não permite concluir por uma mera manutenção parcial da liquidação impugnada, com revogação de uma parte ilegal e mantendo outra parte, antes poderá ser suporte de uma liquidação completamente nova, baseada em factos que já anteriormente eram do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (datas da aquisição e da venda do prédio e apresentação da declaração modelo 1 de IMI).

Estes factos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira «já anteriormente tivesse conhecimento ou tivesse a possibilidade de conhecer» não podem ser considerados factos novos, como se esclarece no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-02-2016, processo n.º 0...7/14, pelo que a emissão da nova liquidação é ilegal, por violação da proibição que consta do n.º 3 do artigo 13.º do RJAT.

Notificadas as Partes para se pronunciarem, em face da revogação da liquidação impugnada, sobre «a questão de saber se há utilidade no prosseguimento do processo para apreciação das ilegalidades que o Sujeito Passivo lhe imputa e se esse prosseguimento é possível depois daquela revogação», apenas a Requerente se pronunciou, dizendo que, «não obstante a revogação parcial do ato impugnado, pugna a Requerente pelo prosseguimento do processo para apreciação dos fundamentos de facto e de direito invocados no pedido de pronúncia arbitral».

No contexto da notificação efectuada para as partes se pronunciarem, em que expressamente se fez menção ao esgotamento do prazo legal para prática do acto substitutivo, é de interpretar esta posição da Requerente como pressupondo a declaração de ilegalidade da hipotética nova liquidação de IRS a que se refere o documento denominado «Consulta IRS - Demonstração de Liquidação», apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua resposta, pois só assim a sua pretensão poderá ficar satisfeita com «apreciação dos fundamentos de facto e de direito invocados no pedido de pronúncia arbitral».

De resto, nas suas alegações a Requerente mantém o pedido de anulação da liquidação inicial, com o n.º 2019...., o que tem como pressuposto o entendimento da Requerente de que é ela que se mantém na ordem jurídica.

De qualquer modo, a ilegalidade do acto de substituição da liquidação impugnada, sem fundamento em fatos novos, por violação do preceituado no artigo 13.º, n.º 3, do RJAT, pode ser declarada no próprio processo arbitral, pois configura uma questão incidental que é necessário decidir para determinar o objecto do processo, questão essa que cabe ao tribunal arbitral decidir [artigo 91.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

Para além disso, do documento apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua resposta, denominado «Consulta IRS - Demonstração de Liquidação» nem sequer consta quem terá sido o seu autor, pelo que nem se pode concluir que ele exista como acto tributário, pois apenas como tal podem ser considerados os actos praticados por quem seja detentor de poderes públicos de natureza administrativa/tributária [artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT]. Por isso, o acto a que se reporta o referido documento, tal como foi apresentado no presente processo, será um «acto aparente», juridicamente inexistente como acto tributário, cuja inexistência deve ser declara oficiosamente pelo Tribunal. (   )

Pelo exposto, declara-se ilegal, por violação do artigo 13.º, n.º 3, do RJAT, a referida «Consulta IRS - Demonstração de Liquidação», praticado depois do período previsto no seu n.º 1, com as consequências inerentes,  incluindo a de a aparente liquidação de IRS não ser objecto do presente processo.

 

3.2. Arguição subsidiária de vícios

 

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados à declaração de IRS vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

A imputação de vícios numa relação de subsidiariedade é permitida pelos artigos 101.º e 124.º, n.º 2, alínea b), do CPPT.

No caso em apreço, a Requerente expressamente faz arguição de vícios numa relação de subsidiariedade, terminando o pedido de pronúncia arbitral nestes termos:

            «NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E EM CONSEQUÊNCIA:

1 – SER DECLARADA A ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO NÚMERO 2019...., POR PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE ESSENCIAL DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, MORMENTE O ESTIPULADO NO NÚMERO 7 DO ARTIGO 60.º DA LGT, DEVOLVENDO- SE À REQUERENTE OS MONTANTES PAGOS EM VIRTUDE DA MESMA, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS VENCIDOS E VINCENDOS, À TAXA LEGAL EM VIGOR, CALCULADOS DESDE O PAGAMENTO POR PARTE DA REQUERENTE ATÉ EFETIVA E INTEGRAL RESTITUIÇÃO;

 OU, SUBSIDIARIAMENTE, SE ASSIM NÃO SE ENTENDER,

2 – SEREM AS DESPESAS E ENCARGOS EVIDENCIADOS NO PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, BEM COMO OS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO INVOCADOS, ACEITES PARA EFEITOS DE COMPUTAÇÃO DO VALOR DE IMPOSTO A PAGAR REFERENTE AO IRS DO ANO DE 2019, ANULANDO-SE A LIQUIDAÇÃO EFETUADA E SUBSTITUINDO-SE A MESMA POR UMA EM QUE SE OBSERVE A ESTRITA LEGALIDADE E DA QUAL RESULTE O MONTANTE DE IRS A PAGAR DE € 6.966,66 (SEIS MIL NOVECENTOS E SESSENTA E SEIS EUROS E SESSENTA E SEIS CÊNTIMOS),

3 – PROCEDENDO-SE À DEVOLUÇÃO DOS MONTANTES PAGOS EM EXCESSO, BEM COMO JUROS INDEMNIZATÓRIOS VENCIDOS E VINCENDOS À TAXA LEGAL EM VIGOR, CALCULADOS DESDE O PAGAMENTO POR PARTE DA REQUERENTE ATÉ EFETIVA E INTEGRAL RESTITUIÇÃO».

 

Nas suas alegações, a Requerente mantém estes pedidos.

Como decorre do preceituado no artigo 554.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, «diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior».

Assim, apreciar-se-á, em primeiro lugar, o pedido de anulação baseado em vício de preterição de formalidade essencial do procedimento tributário e só no caso de este improceder se passará à apreciação do segundo pedido de anulação.

 

 3.3. Questão da preterição de formalidade legal

 

A primeira questão colocada pela Requerente é a de ter apresentado documentos para comprovar despesas que entendia relevantes para efeitos de cálculo de mais-valias e esses documentos não terem sido considerados. O que entende constituir um vício procedimental, à face do preceituado no artigo 60.º, n.º 7, da LGT.

Como resulta da matéria de facto, na sequência da apresentação da declaração de IRS, em que invocou, no anexo G, despesas e encargos para cálculo de mais-valias, a Requerente foi notificada para prestar esclarecimentos e juntar documentos justificativos, no Portal das Finanças ou num Serviço de Finanças.

A Requerente deslocou-se no dia 07-08-2019, ao Serviço de Finanças de Lisboa - ..., sito na ..., ..., ... Lisboa, onde entregou todos os elementos de que se serviu para o cálculo das referidas despesas e encargos declarados no quadro 4 do Anexo G do Modelo 3 do IRS.

A apresentação de justificação foi confirmada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Portal das Finanças, em 16-10-2019, em que referiu que «a divergência se encontra com justificação e está em fase de análise».

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira confirma, no artigo 12. Da sua Resposta que «a Requerente apresentou documentos justificativos e faturas relativos aos cálculos da mais valia realizada com a venda do imóvel supra identificado (inscrito na matriz sob o  artigo   ..., da freguesia de ..., em Lisboa)».

Posteriormente a Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu decisão sobe o incidente de «divergência» referido, em que, além de fazer considerações sobre os tipos de documentos e seus requisitos que considera relevantes para comprovação de despesas concluiu desta forma:

 

No que concerne às "despesas e encargos", a alínea a) do art. 51.º do Código do IR5 estabelece que ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização do bem imóvel nos últimos 12 anos, bem como as despesas necessárias efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação para efeitos da determinação da mais-valia sujeita a imposto, desde que sejam documentalmente comprovadas. Todavia, o sujeito passivo não apresentou quaisquer documentos comprovativos para análise. (negrito nosso)

 

Na sequência do decidido sobre o procedimento de «divergência», a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação impugnada, em que liquidou mais-valias, tendo em conta apenas os valores de aquisição e transmissão e não considerando qualquer valor a título de «despesas e encargos».

A Requerente defende que esta decisão viola o princípio da participação enunciado no artigo 60.º da LGT e, especificamente, o seu n.º 7 que estabelece que  «os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão».

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, não alude sequer a este n.º 7 do artigo 60.º invocado pela Requerente e diz, sobre esta questão,  em suma, que «na situação em análise, a informação declarada pela Requerente, relativamente ao valor de aquisição do bem alienado (incluindo o eventual acréscimo sob alçada do disposto no art.º 51 do CIRS) não se mostrava minimamente consubstanciado, sublinhando-se que o valor de aquisição que veio a ser considerado oficiosamente correspondia ao constante da escritura», «pelo que se conclui que não houve qualquer violação do principio do contraditório nem do direito de audição».

Como resulta do que se referiu, o procedimento de «divergência» (que será, com mais rigor, um procedimento de inspecção interno que antecedeu a emissão da liquidação de IRS), foi decidido sem que a Autoridade Tributária e Aduaneira, decerto por lapso, se tivesse apercebido da apresentação e junção pela Requerente de dezenas de documentos  tendo em vista a prova das despesas e encargos que indicara na declaração de IRS.

 O artigo 60.º da LGT estabelece o seguinte:

 

Artigo 60.º

 

Princípio da participação

 

1. A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

 

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

 

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

4. O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5. Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6. O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.

7. Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

 

O direito de audição tem raiz constitucional, sendo postulado pelo artigo 267.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito».

Mas, como decorre desta norma, a Constituição não regula o regime do direito de audição, relegando para a «lei especial» a definição dos termos em que tal direito será exercido, termos estes em que poderão ser tidos em conta factores de vária ordem, inclusivamente de natureza económica e de praticabilidade.

Como é óbvio, o direito de participação não é apenas uma formalidade irrelevante e tem como corolário que a Autoridade Tributária e Aduaneira deva apreciar, ao decidir, o que é invocado pelo contribuinte no seu exercício.

Um afloramento explícito deste dever consta do n.º 7 do artigo 60.º da LGT, ao impor a Autoridade Tributária e Aduaneira a ter «obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão» os elementos novos suscitados na audição, que pressupõe que os elementos «velhos», apresentados anteriormente durante o procedimento, também o sejam.

Assim, não tendo sido considerado na decisão do procedimento referido nenhum dos documentos apresentados pela Requerente, tem de se concluir que liquidação impugnada enferma de vício de violação do direito de participação, assegurado pelos artigos 267.º, n.º 5, da CRP e 60.º da LGT, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento no vício principal imputado à liquidação impugnada, fica prejudicado o conhecimento do vício / pedido  subsidiário (artigos 554.º e 608.º, n.º 2, do CPC).

 

4. Reembolso e juros indemnizatórios

 

A Requerente pagou a quantia de quantia € 111.719,67 determinada na liquidação impugnada e pede o seu reembolso com juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que « A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

4.1. Reembolso de quantia paga

 

Na sequência da anulação da liquidação, a exigência da quantia paga fica sem suporte jurídico, pelo que a Requerente tem direito a ser reembolsada dessa quantia de € 111.719,67.

 

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, apenas há direito a juros indemnizatórios em caso de anulação por vício que constitua «erro», entendendo-se como tal os vícios que na dogmática administrativa tem tal designação, que são os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito.

Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 05-05-1999 processo n.º 05557-A; de 17-11-2004 processo n.º 0772/04; de 01-10-2008 processo n.º 0244/08; de 29-10-2008 processo n.º 0622/08; de 25-06-2009 processo n.º 0346/09; de 09-09-2009 processo n.º 0369/09; de 04-11-2009 processo n.º 0665/09; de 08-06-2011 processo n.º 0876/09; de 07-09-2011, processo n.º 0416/11; de 30-05-2012, processo n.º o410/12; e de 22-05-2013, processo n.º 0245/13.

Na linha desta jurisprudência, sendo procedente o pedido de pronúncia arbitral apenas com fundamento em vício de natureza procedimental, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.

 

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em

Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício principal imputado pela Requerente à liquidação n.º 2019 ..., em que foi determinado o valor a pagar de € 111.719,67;

Anular essa liquidação n.º 2019…, com fundamento em vício procedimental;

Declarar ilegal, como acto de liquidação, o que consta do documento apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua resposta com a denominação «Consulta IRS - Demonstração de Liquidação»;

Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a Requerente a quantia de € 111.719,67;

Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido.

 

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € € 111.719,67.

 

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 13-05-2021

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)                                       

(A. Sérgio de Matos)

(José Coutinho Pires)