Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 501/2020-T
Data da decisão: 2021-10-25  IMI  
Valor do pedido: € 59.331,74
Tema: IMI – Determinação do VPT dos terrenos para construção – Revisão oficiosa – indeferimento tácito; competência do Tribunal Arbitral.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

A.  AS PARTES CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.

 

1.            No dia 30 de Setembro de 2020, A..., SA, contribuinte fiscal nº..., com sede na ..., nº..., ... (doravante, abreviadamente, designada por Requerente), apresentou  pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado (acto imediato do pedido arbitral) e, em consequência, das liquidações (actos mediatos do pedido arbitral), adiante indicadas, efectuadas pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida).

 

     2. Para justificar o seu pedido alegou a Requerente:

          - A Requerente apresentou em 02.03.2020 pedido de revisão oficiosa contra as liquidações de IMI emitidas em 02.03.2017, 07.03.2018 e 23.03.2019, adiante identificadas, por referência aos anos de imposto de 2016, 2017 e 2018 e aos terrenos para construção, também a identificar adiante, que terá sido indeferido tacitamente, pelo que pede que o tribunal arbitral anule essa decisão de indeferimento tácito e proceda à anulação parcial dessas liquidações.

 

     3 - No dia 01/11/2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 30/09/2020, foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

      4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

      5. Em 20/11/2020, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar.

 

      6. Em 24/11/2020, a Requerida comunicou a designação de juristas.

 

      7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 23/12/2020.

 

      8. No dia 21/05/2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção: incompetência do tribunal arbitral para apreciar o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e caducidade do pedido de pronúncia arbitral e por impugnação, tendo, ainda, requerido a dispensa de junção do processo administrativo (PA).

 

      9. Em 19.04.2021, em cumprimento de despacho arbitral dessa data, a Requerente foi notificada para responder às excepções deduzidas pela Requerida AT e, pronunciar-se sobre a requerida dispensa de junção do processo administrativo.

 

       10. Em 04.05.2021, a Requerente respondeu às excepções e declarou não se opor à dispensa da junção do processo administrativo.

 

       11. Em 05.05.2021, o Tribunal Arbitral dispensou a junção do processo administrativo.

 

       12. No dia 21.05/.2021, foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, concedendo um prazo de quinze dias para a apresentação de alegações escritas, sucessivas e facultativas, indicando a data de 01/09/2021 para a prolação da decisão arbitral.

 

       13. No dia 09.06.2021 foram apresentadas alegações escritas pela Requerente, reiterando e desenvolvendo a sua posição jurídica, e requerendo a junção de documentos.

 

       14. No dia 21.06.2021, a Requerida apresentou alegações escritas, reiterando e desenvolvendo a sua posição jurídica.

 

        15. Em 09.07.2021, a Requerente requereu a junção aos autos de cópias de decisões arbitrais ainda não publicadas.

 

        16. Em 06.08.2021, o Tribunal Arbitral prorrogou o prazo para prolação e notificação da decisão arbitral por dois meses, uma vez que, em consequência das férias judiciais, na data que foi fixada para ser proferida, ainda decorreria prazo para pronúncia pela AT.

 

        17. Em 09.09.2021, a Requerente apresentou novo requerimento para junção de jurisprudência recente.

 

        18. A Requerida não se pronunciou.

 

        19. Em 25/10/2021 foi proferida a decisão arbitral.

 

    B. PRETENSÃO DO REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

 

 - Em 31.12.2016, 31.12.2017 e 31.12.2018, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:

            - da freguesia de ... sob o artigo matricial U-...;

- da União de Freguesias de ... e ... sob o artigos matriciais U-... e U-...;

- da freguesia de ... sob o artigo matricial U-... (em diante abreviadamente designados de “Terrenos para Construção”)

 

- A Requerente foi notificada das Liquidações de IMI n.ºs:

- 2016 ..., 2016 ... e 2016 ..., de 02.03.2017, emitidas por referência ao ano de imposto de 2016;

-  2017 ..., 2017 ... e 2017..., de 07.03.2018, emitidas por referência ao ano de imposto de 2017; e,

-  2018..., 2018 ... e 2018..., de 23.03.2019, emitidas por referência ao ano de imposto de 2018

 

            no valor agregado de € 273.853,31

 

- Do valor global do IMI liquidado em 2017 por referência ao ano de imposto de 2016 (€ 93.588,90), um valor de € 39.808,29 diz exclusivamente respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2016 (0,425% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e na União de Freguesias de ... e ... e 0,324% aplicável ao terreno para construção localizado na freguesia de ...) relativamente aos valores patrimoniais tributários (“VPTs”) a 31.12.2016.

 

- Do valor global do IMI liquidado em 2018 por referência ao ano de imposto de 2017 (€ 91.071,37), um valor de € 37.928,82 diz exclusivamente respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2017 (0,40% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e na União de Freguesias de ... e ... e 0,324% aplicável ao terreno para construção localizado na freguesia de  ...) relativamente aos VPTs a 31.12.2017.

                                                                                                                                                                                        

- Do valor global do IMI liquidado em 2019 por referência ao ano de imposto de 2018 (€ 89.193,04), um valor de € 36.050,49 diz exclusivamente respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2018 (0,375% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e na União de Freguesias de ... e ... e 0,324% aplicável ao terreno para construção localizado na freguesia de ...) relativamente aos VPTs a 31.12.2018.

                                                                                                                                                                                           

- É a seguinte a tabela que reproduz os VPTs relevantes:

Artigo matricial Afetação             VPT 2016 e 2017              VPT 2018

...            Terreno para Construção                       5.698.704,89                   5.698.704,89

            Terreno para Construção                       1.799.188,44                   1.799.188,44

            Terreno para Construção                            19.940,75                        20.239,86

            Terreno para Construção                       2.425.151,50                   2.425.151,50

Total                9.942.985,58                   9.943.284,69

                                                                                                                                                                                            

- A Requerente procedeu ao pagamento integral das liquidações em apreço nos prazos que dispunha para o efeito.

 

- Após o pagamento destas liquidações, a Requerente constatou que na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção, os quais serviram de base às Liquidações Contestadas, a AT aplicou uma fórmula de cálculo no seu entender ilegal na qual foram considerados, os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de afetação, de qualidade e conforto e de localização, conforme aplicável) e a majoração constante do artigo 39º, nº 1, do Código do IMI.

 

- Em concreto, na determinação dos VPTs:

- do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo matricial U-..., a AT aplicou indevidamente um coeficiente de localização de 1,85;

- dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigos matriciais U-... e U-..., a AT aplicou indevidamente um coeficiente de localização de 1,60; e,

- do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia da freguesia de ... sob o artigo matricial U-..., a AT aplicou indevidamente um coeficiente de localização de 1,35.

                                                                                                                                                                                              

- A Requerente constatou ainda que a fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT não expurgou, como se impunha nos termos legais, a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

                                                                                                                                                                                           

- Tais erros na fórmula de cálculo de determinação do VPT dos Terrenos para Construção motivaram já a apresentação, pela Requerente, de pedidos de avaliação para os terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana das freguesias de: (i) ... sob o artigo U-...; (ii) União de freguesias de ... e ... sob o artigo U-...; e (iii) da freguesia de ... sob o artigo U-... - cf. pedidos de avaliação apresentados em 31.12.2019.

 

- Entende a Requerente que, a fórmula utilizada pela AT na avaliação dos referidos Terrenos para Construção padece de diversos erros grosseiros na aplicação do direito, os quais, como veremos, são exclusivamente imputáveis à AT de que resultou, em termos muito simplistas, que a Requerente pagou um valor de IMI manifestamente superior (mais de 50% superior) àquele que seria devido nos termos legais.

 

- Em concreto, a Requerente pagou IMI em excesso por referência aos anos de imposto de 2016, 2017 e 2018 em valor correspondente a € 59.331,74 (ou pelo menos de € 45.717,77 se considerarmos apenas o efeito da desconsideração dos coeficientes multiplicadores do VPT e, em concreto, do coeficiente de localização).

                                                                                                                                                                                        

- O cálculo do valor do IMI pago em excesso pela Requerente resulta, em cada um dos anos de imposto, da aplicação da taxa de IMI sobre o excesso do VPT dos Terrenos para Construção que foi fixado em resultado da aplicação de uma fórmula de cálculo ilegal, conforme segue:

a)  da aplicação dos coeficientes multiplicadores de fixação do VPT (no caso, do coeficiente de localização) e da majoração de 25% do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI resultou:

          i. um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção em 2016 de € 5.131.989,35 e, por conseguinte, um excesso de IMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2016 de € 20.813,05 = [(€ 3.234.400,07*0,425%) + (€ 899.594,22*0,425%) + (€ 9.970,38*0,425%) + (€ 988.024,69*0,324%)];

ii.  um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção em 2017 de € 5.131.989,35 e, por conseguinte, um excesso de IMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2017 de € 19.777,06 = [(€ 3.234.400,07*0,40%) + (€ 899.594,22*0,40%) + (€ 9.970,38*0,40%) + (€ 988.024,69*0,324%)];

iii. um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção em 2018 de € 5.132.138,91 e, por conseguinte, um excesso de IMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2018 de € 18.741,63 = [(€ 3.234.400,07*0,375%) + (€ 899.594,22*0,375%) + (€ 10.119,93*0,375%) + (€ 988.024,69*0,324%)]; e,  

b)  apenas em resultado da aplicação dos coeficientes multiplicadores de fixação do VPT (i.e., do coeficiente de localização) existe:

          i. um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção em 2016 de € 3.929.240,30 e, por conseguinte, um excesso de IMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2016 de € 16.064,24 = [(€ 2.618.323,87*0,425%) + (€ 674.695,67*0,425%) + (€ 7.477,78*0,425%) + (€ 628.742,98*0,324%)];

           ii. um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção em 2017 de € 3.929.240,30 e, por conseguinte, um excesso de IMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2017 de € 15.239,12 = [(€ 2.618.323,87*0,40%) + (€ 674.695,67*0,40%) + (€ 7.477,78*0,40%) + (€ 628.742,98*0,324%)];

            iii.   um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção em 2018 de € 3.929.352,46 e, por conseguinte, um excesso de IMI pago pela Requerente por referência ao ano de imposto de 2018 de € 14.414,41 = [(€ 2.618.323,87*0,375%) + (€ 674.695,67*0,375%) + (€ 7.589,95*0,375%) + (€ 628.742,98*0,324%)].

 

- Em virtude da aplicação de fórmula de cálculo ilegal na determinação do VPT dos Terrenos para Construção, foi fixado um VPT agregado dos Terrenos para Construção em 2016 e 2017 de € 9.942.985,58 e em 2018 de € 9.943.284,69 ao invés dos VPTs que deveriam ter sido fixados em 2016 e 2017 de € 4.810.996,23 e em 2018 de € 4.811.145,78 (caso a AT tivesse desconsiderado, como se impunha nos termos legais, os coeficientes multiplicadores do VPT (em particular, o coeficiente de localização) e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI) ou de € 6.013.745,28 em 2016 e 2017 e de € 6.013.932,23 em 2018 (caso a AT tivesse desconsiderado apenas os coeficientes multiplicadores do VPT e, em concreto, o coeficiente de localização).

 

- A Requerente reproduz uma tabela onde consta o excesso do VPT por referência a cada um dos Terrenos para Construção em análise no presente pedido arbitral.

 

- Note-se que no contexto dos procedimentos de avaliação iniciados em dezembro de 2019, a Requerente já foi notificada das avaliações, que, uma vez mais, padecem de erros imputáveis aos serviços no que à aplicação do coeficiente de localização e da majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI diz respeito, tendo a Requerente apresentado pedidos de segunda avaliação com vista a instar a AT a reconhecer formalmente tais erros.

 

- Assim, as Liquidações Contestadas assentam em diversos erros (na aplicação do direito) que são inequivocamente imputáveis à AT e que acarretaram o pagamento, pela Requerente, de um valor de IMI em valor ostensivamente superior àquele que seria devido se a tivesse a AT cumprido as normas legais que regem a avaliação dos terrenos para construção para efeitos fiscais, pelo que, em seu entender as mesmas estão inquinadas de ilegalidade, que determinam a sua anulabilidade.

 

- Razão pela qual a Requerente apresentou em 02.03.2020 um pedido de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas com fundamentos em erro imputável aos serviços e em injustiça grave ou notória.

 

- Alega a Requerente, ainda, que: no pedido de revisão oficiosa apresentado:

(i)  imputou diversos vícios de ilegalidade às Liquidações Contestadas;

(ii) demonstrou a verificação de todos os pressupostos legais de que depende a revisão oficiosa por iniciativa da AT (ainda que a pedido do contribuinte nos prazos legais de 4 anos a contar das datas das liquidações nos casos de revisões oficiosas apresentadas com fundamento em erro imputável aos serviços ou até ao termo do terceiro ano seguinte ao das liquidações nos casos de revisões oficiosas apresentadas com fundamento em injustiça grave ou notória);

(iii)  solicitou a anulação parcial das Liquidações Contestadas, com todas as consequências legais.

 

- E que o referido pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro dos prazos legais que a Requerente dispunha para apresentar pedido de revisão oficiosa quer com fundamento em erros imputáveis aos serviços da AT quer com fundamento em injustiça grave ou notória e junto do Serviço de Finanças de Matosinhos-... (serviço de finanças da localização do Terreno para Construção de maior valor), ainda que o referido Serviço de Finanças tenha remetido a revisão oficiosa Serviços de Finanças de Matosinhos-... e do Porto-... nos termos e para os efeitos previstos no artigo 115.º, n.º 2, do Código do IMI.

 

 

- E que as entidades competentes para a decisão dispunham de um prazo legal de quatro meses para proferir decisão, o qual terminou no dia 02.07.2020.

 

 - E que, em face da inércia da AT, formou-se a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado precisamente no dia 02.07.2020, não tendo sido até à data do PPA notificada de qualquer projeto de decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado.

 

  - E que é neste contexto, e com base na factualidade acima devidamente enunciada que se deve compreender o presente pedido de pronúncia arbitral e os diversos vícios de ilegalidade que vêm assacados às Liquidações Contestadas e à decisão de indeferimento tácito que manteve tais liquidações na ordem jurídica.

 

- Depois de se pronunciar sobre a admissão da cumulação de pedidos, debruça-se sobre a questão da competência material deste tribunal arbitral para conhecer do pedido, conclui ser este competente e que o PPA é tempestivo.

 

- Para tanto, socorre-se de abundante jurisprudência e doutrina.

 

- Adianta, ainda, que o facto de não ter contestado o resultado de eventuais avaliações dos Terrenos para Construção que tenham sido concretizadas pela AT, em violação grosseira das normas legais que postulam a avaliação dos terrenos para construção, não faz precludir o seu direito de solicitar a revisão oficiosa das Liquidações emitidas por referência a VPTs fixados de forma ilegal e assim recuperar (pelo menos) o imposto pago em excesso por referência aos últimos quatro anos, pois, tal não obsta a que devam ser revistas oficiosamente as liquidações emitidas em tais VPTs eivados de erros imputávéis à Requerida, como resulta das disposições combinadas dos arts. 78º da LGT e 115º, nº 1 alínea c) do CIMI, e dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé a que a AT está sujeita, nos termos dos arts. 55º da LGT e 266º, nº 2 da CRP.

 

- E, em jeito de conclusão, a Requerente alega que, tendo a AT aplicado, por erros na aplicação do direito que só a si poderão ser imputados, os referidos coeficientes multiplicadores do VPT (no caso, o coeficiente de localização) / majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI na avaliação dos Terrenos para Construção e resultando de tais erros um excesso (bastante relevante) de VPT dos Terrenos para Construção e de IMI liquidado (e pago) pela Requerente por referência aos anos de imposto de 2016, 2017 e 2018, é evidente (e já foi confirmado pelo TCA Sul em Acórdão recente) que estão preenchidos os pressupostos de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas e que, por conseguinte, sobre a AT impendia o dever legal de proferir decisão no prazo de 4 meses.

 

- Sendo a interpretação da Requerente do disposto nos artigos 78.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, a interpretação que, dentro de eventuais interpretações possíveis, é aquela que mais se conforma com os princípios constitucionais da justiça, da legalidade tributária e da igualdade tributária.

 

- Deve, pois, concluir-se que as Liquidações Contestadas e a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que manteve tais liquidações na ordem jurídica padecem de diversos erros grosseiros na aplicação do direito, o que inquina de ilegalidade e deverá determinar a anulabilidade das Liquidações Contestadas e da referida decisão de indeferimento tácito nos termos e para os efeitos previstos no artigo 163.º do CPA aplicável ex vi do artigo 29.º, alínea d), do RJAT.

 

- E que, não obstante não se conformar com a legalidade das Liquidações Contestadas, procedeu ao pagamento integral das mesmas, tendo pago IMI em excesso no valor de € 59.331,74.

                                                                                                                                                                                              

- Entende a Requerente ter demonstrado nos presentes autos, que as Liquidações Contestadas (e a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que manteve tais liquidações na ordem jurídica) assentam em diversos erros na aplicação do direito inequivocamente imputáveis aos serviços da AT.

                                                                                                                                                                                        

- Com efeito, as Liquidações Contestadas assentam em VPTs fixados de forma ostensivamente ilegal, sendo os erros na fórmula aplicada exclusivamente imputáveis à AT e consubstanciando a situação em análise uma situação de injustiça grave ou notória.

 

- Pelo que é claro e indiscutível que a ilegalidade de que padecem as Liquidações Contestadas resulta única e exclusivamente da ilegal aplicação e interpretação que a AT fez das normas de avaliação dos terrenos para construção previstas no Código do IMI.

                                                                                                                                                                          

- Tendo a Requerente pago um montante de IMI em excesso por referência aos anos de imposto de 2016, 2017 e 2018 de € 59.331,74, e devendo as Liquidações Contestadas e a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que manteve tais liquidações na ordem jurídica ser (parcial ou totalmente) anuladas, são devidos, para além da restituição, juros indemnizatórios à taxa legal em vigor de 4% por ano nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

           C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

- Notificada para responder, a Requerida veio defender-se por excepção e por impugnação, requerendo a manutenção dos actos de liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

- Considera a Requerida que não assiste qualquer razão à pretensão da Requerente, portanto se verifica:

a)    A incompetência do tribunal para apreciar o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;

b)    A caducidade do pedido de pronúncia arbitral para anulação dos atos de liquidação;

c)    A legalidade do cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

 

- Na defesa por excepção, a Requerida veio arguir a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, assim como a caducidade do pedido de pronúncia arbitral, nos seguintes termos:

      

- Quanto à competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, diz a Requerida que a mesma se encontra limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

     

- Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)    A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)    A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matérias coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

 

- Do teor do artigo 2.º do RJAT resulta assim claro, no entender da Requerida, que estão excluídas da arbitragem as matérias suscetíveis de serem objeto de acção administrativa, nomeadamente tendo em vista o reconhecimento de determinados direitos no âmbito de relações jurídicas tributárias.

 

- No caso em apreço, verifica-se que o ato que constitui o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral consubstancia-se na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, onde não há nenhuma apreciação da legalidade de acto de liquidação.

 

- Sendo inequívoco que o acto tácito de indeferimento do pedido e revisão oficiosa, por não apreciar, analisar, discutir ou conhecer a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

 

- O processo arbitral tributário encontra-se estabelecido por referência e com objeto em tudo semelhante ao processo de impugnação judicial, em relação à qual «deve constituir um meio processual alternativo».

 

- Uma vez que o acto ficcionado de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação é, pois, inegável e evidente que o CAAD não é competente para a apreciação da legalidade deste ato.

 

- Em face de tudo quanto aduziu, considera a Requerida, na esteira e com os fundamentos de anteriores decisões proferidas pelos tribunais arbitrais, que não se insere no âmbito das competências arbitrais apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento tácito.

       

- A incompetência do Tribunal constitui uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e que determina nos termos da alínea h) do n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do n.º1 do 287.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT  a absolvição da instância.

 

- Quanto à caducidade do pedido de pronúncia arbitral, diz a Requerida que, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT o prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral é de 90 dias contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, in caso, termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

 

- Os actos de liquidação impugnados são de 2016, 2017, 2018.

 

- Pelo que, se atendermos ao período de tempo que medeia o prazo para pagamento das liquidações e a data de apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral a 30.09.2020, verifica-se que o mesmo é manifestamente extemporâneo.

 

- A caducidade do direito de ação constitui uma exceção dilatória que determina a absolvição da instância, nos termos da alínea h) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e e) do n.º 1 do 287.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.ºdo RJAT.

 

- Na defesa por impugnação, veio a Requerida dizer o seguinte:

 

- A questão jurídica controvertida nos presentes autos consiste em saber se o ato de fixação do VPT do terreno para construção em causa resulta, ou não, de uma errónea interpretação e aplicação do artigo 45º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e se padece, ou não, de errada aplicação dos coeficientes de afectação e de localização a que se refere o artigo 38º do CIMI, bem como o valor base.

 

- O regime de avaliação dos terrenos para construção, com base nos documentos previstos no artigo 37º do mesmo Código, está consagrado expressamente no artigo 45º do CIMI:

 

- De acordo com o nº1 do referido artigo 45º, o VPT dos terrenos para construção resulta do somatório do valor de duas áreas: o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

       

- E, nos termos do nº 2 do artigo 45º do CIMI, o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

       

- Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do artigo 4º do CIMI, conforme o nº3 do artigo 45º do mesmo Código.

        

- O valor da área adjacente é calculado nos termos do art. 40º, nº 4 do CIMI.

   

- Em suma, do artigo 45º do CIMI decorre que na avaliação dos terrenos para construção, o legislador não afastou liminarmente a metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo ter em consideração os coeficientes constantes no artigo 38º do CIMI, dado que o seu nº 2 remete para o valor das edificações autorizadas ou previstas.

 

- Quanto à majoração de 25% do valor-base dos prédios edificados, o VPT dos terrenos para construção não pode deixar de considerar o valor-base dos prédios edificados previsto no artigo 39º do CIMI.

       

- O valor base dos prédios edificados é um elemento previamente determinado de aplicação a nível nacional que permite apurar o VPT do prédio, edifício ou terreno para construção, ajustado ao valor do mercado, não podendo ser alterado no acto de avaliação.

         

- O valor base dos prédios edificados corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.

 

- Por seu turno, o valor médio de construção é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos diretos e indiretos suportados na construção do edifício, sendo fixado anualmente nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 e nº 3 do art. 63º do CIMI.

 

- Quanto ao coeficiente de afectação, este corresponde à utilização prevista para o edifício a construir no terreno, considerando os tipos de afetações dos prédios, e quantificado de acordo com o artigo 41º do CIMI.

       

- Permitindo diferenciar o VPT de um terreno para construção em função da utilização aprovada ou permitida, uma vez que a futura afectação do edifício a construir em determinado terreno tem por base o ato de licenciamento de obras de construção.

        

- Resulta, assim, que na avaliação dos terrenos para construção, o valor patrimonial tributário não pode deixar de estar relacionado com o valor das edificações a construir no terreno.

 

- Do ponto de vista do mercado imobiliário, a afectação da futura edificação, por se tratar de uma verdadeira expectativa de utilização aprovada no procedimento de licenciamento, é geradora de um valor económico do terreno diferenciador.

 

- A não consideração do coeficiente de afectação nos mesmos terrenos para construção, implicaria que os valores patrimoniais tributários destes fossem iguais, situação que originaria valores patrimoniais tributários desajustados, face ao valor de mercado, originando distorções e e injustiças graves, razão pela qual o mesmo deve ser considerado na determinação do VPT dos terrenos para construção.

 

- Quanto ao coeficiente de localização, este permite diferenciar os terrenos para construção em função da sua localização, como decorre do artigo 42º do CIMI.

 

- O coeficiente de localização é um elemento previamente determinado (Portaria do Ministro das Finanças), cuja aplicação circunscreve-se à identificação geográfica do prédio, edifício ou terreno para construção, num determinado concelho e freguesia, não podendo ser alterado no ato de avaliação.

        

- Pelo que há que ponderar o coeficiente de localização na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, pois só assim é possível distinguir um terreno com a mesma aptidão construtiva, mas que, em função da sua localização, tem valores de mercado distintos, para evitar distorções e injustiças graves.

 

- Em conclusão, entende a Requerida que, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do nº 2 do artigo 45º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção.

 

- Assim sendo, o VPT fixado para o terreno para construção em causa não padece de qualquer ilegalidade por ter sido apurado com base nas fórmulas e nos coeficientes a que se referem nos artigos 45º, 41º, 43º e 38º, todos do CIMI.

 

- A Requerente não imputa ao ato sindicado qualquer vício específico da liquidação de IMI, questionando, apenas, o VPT, enquanto ato destacável, para efeitos de impugnação contenciosa, do procedimento de liquidação de IMI, sendo o objeto do presente pedido arbitral a impugnação do VPT do terreno para construção em causa como resulta da causa de pedir e do pedido constantes no pedido de pronúncia arbitral.

       

- Estabelece o nº 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, a avaliação é direta.

    

- E o nº 1 do artigo 86º da LGT refere que a avaliação direta é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta, consignado também no artigo 134º do CPPT que os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.

 

- Não haverá́ assim possibilidade de apreciação da correção do acto de fixação do VPT na impugnação do ato de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.

 

- Quanto à alegada violação dos princípios constitucionais, da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé importa desde já referir que a Administração Tributária está adstrita ao cumprimento do princípio da legalidade, enunciado nos artigos 266.º n.º 2 da CRP e concretizado nos artigos 55.º da LGT e nos artigos 3º do CPA e 8º, n.º 1, da LGT.

 

- Consequentemente, não assumem aqui relevância os princípios constitucionais invocados pela Requerente, atendendo a que as liquidações efetuadas, o foram com base na lei aplicável, às qual a Administração está vinculada, visando a Administração tributária, nos termos do artigo 55º da LGT e no seguimento do princípio vertido no artigo 266º n.º 1 e 2 da CRP.

 

 - Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços", uma vez que a AT fez a aplicação da lei, vinculadamente, nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, pelo que os mesmos não são devidos, nos termos do nº 1, do artigo 43º da LGT.

 

- Refere, ainda, a Requerida que, na presente ação, o pagamento de juros indemnizatórios deverá ser enquadrado no nº 3, alínea c), do artigo 43º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão de ato tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios, apenas, a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.

 

- Assim sendo, no caso dos autos, atendendo a que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26.02.2020, apenas serão devidos juros indemnizatórios um ano após a data da apresentação do pedido de revisão, isto é, em 27.02.2021, sobre as importâncias do imposto indevidamente pagas.

 

- De qualquer modo, não podendo ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido - uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu, deve considerar-se improcedente, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

-  Finaliza por alegar que os atos impugnados não padecem de qualquer ilegalidade, devendo todos os pedidos serem julgados improcedentes.

 

 

      D. RESPOSTA DA REQUERENTE ÀS EXCEPÇÕES DEDUZIDAS PELA REQUERIDA

 

Quanto à alegada incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido arbitral apresentado pela Requerente.

 

- A Requerida alega a incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da legalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente (ato imediato do pedido arbitral) contra as liquidações de IMI relativas aos anos de imposto de 2016, 2017 e 2018 (atos mediatos do pedido arbitral).

 

- Pois, no entendimento da Requerida “(…) o ato que constitui o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral consubstancia-se na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa” e tal ato “(...) consiste uma ficção de ato destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objeto um ato de liquidação” na qual “(...) não há, obviamente, nenhuma apreciação. Muito menos uma apreciação da legalidade de ato de liquidação.”.

 

- Foi com base em tal entendimento que a Requerida sustentou, na sua Resposta, que a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado “(...) por não apreciar, analisar, discutir ou conhecer a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT”;

 

-- Concluindo assim a Requerida que a decisão de indeferimento tácito não se insere no âmbito das competências dos tribunais arbitrais e que, por conseguinte, verifica-se incompetência do Tribunal, que “(...) constitui uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e que determina nos termos da alínea h) do n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do n.º1 do 287.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT a absolvição da instância”

 

- Entende a Requerente que a exceção de incompetência material invocada pela Requerida não tem qualquer base ou fundamento legal, só podendo, por isso, ser julgada totalmente improcedente, por ser indiscutível a competência material deste tribunal para conhecer de um pedido arbitral apresentado contra uma decisão de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa;

 

- Pois, como resulta do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar: “A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”;

 

- O mesmo resulta do artigo 2.º, n.º 1, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, através da qual a AT se vinculou à jurisdição arbitral;

 

- Sobre a interpretação do disposto na referida norma do RJAT, no que concerne à arbitralidade das decisões de indeferimento tácito, cita Jorge Lopes de Sousa, que no Comentário ao RJAT, afirma expressamente: “O indeferimento tácito não é ato, mas uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação administrativos e contenciosos, como decorre do preceituado no n.º 5 do artigo 57.º da LGT. Apesar de o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT fazer referência apenas a declaração de ilegalidade de atos, é inequívoco que nela se abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos, pois o n.º 1 do ser artigo 10.º do RJAT faz referência aos «factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102 do Código de Procedimento e de Processo Tributário» e a «formação de presunção de indeferimento tácito» vem indicada na alínea d) do n.º 1 deste artigo 102.º;

 

- Assim sendo, entende a Requerente que o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT abrange inequivocamente a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos de pedidos de revisão oficiosa;

 

- Pois,  a partir da implementação do regime de arbitragem tributária, operada pelo RJAT, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, para além da possibilidade de apresentação de impugnação judicial contra um ato silente da AT que não decidiu, no prazo que dispunha para o efeito, um pedido de revisão oficiosa de um ato tributário, os sujeitos passivos passaram a poder apresentar igualmente pedido de pronúncia arbitral contra tais decisões de indeferimento tácito;

 

 - Para sustentar a sua posição, a Requerente  invoca também jurisprudência, designadamente  do CAAD,: as decisões arbitrais de 30.10.2015 (processo n.º 311/2015-T), de 26.03.2018 (processo n.º 549/2017-T), de 20.09.2018 (processo n.º 188/2018-T), de 07.12.2018 (processo n.º 326/2018-T), de 07.12.2018 (processo n.º 316/2018-T), de 14.12.2018 (processo n.º 260/2018-T), de 14.12.2018 (processo n.º 330/2018-T) e de 07.01.2019 (processo n.º 442/2018-T).

 

Da alegada caducidade do pedido de pronúncia arbitral

 

- A Requerente refere que a Requerida, na Resposta, sustenta o seguinte:

 

 “nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT o prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral é de 90 dias contado a partir (…) [do] termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” e que (ii) “o prazo para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias contados a partir das datas de pagamento dos atos de liquidação impugnados”;

 

- Assim sendo, tendo em conta que “os atos de liquidação impugnados são de 2016, 2017, 2018”, “(...) se atendermos ao período de tempo que medeia o prazo para pagamento das liquidações e a data de apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral a 30.09.2020 verifica-se que o mesmo é manifestamente extemporâneo”;

 

- Concluindo, assim, a Requerida no sentido da caducidade do direito que ação, a qual “constitui uma exceção dilatória que determina a absolvição da instância, nos termos da alínea h) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e do n.º 1 do 287.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.ºdo RJAT”;

 

- Entende a Requerente que esta excepção não tem   qualquer base ou fundamento legal, e só pode ser julgada improcedente;

 

- Pois, do seu ponto de vista, é indiscutível que o objeto imediato do pedido arbitral apresentado pela Requerente é a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI emitidas por referência aos anos de imposto de 2016, 2017 e 2018, correspondendo tais liquidações aos atos mediatos do pedido arbitral apresentado;

 

- Resultando patente do pedido arbitral apresentado que o objeto imediato do pedido arbitral é a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado, não compreende como pode a Requerida alegar que o pedido arbitral é intempestivo por ter sido apresentado para além dos 90 dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações de imposto;

 

- Pois se a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações e se decidiu contestar a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa através da apresentação de pedido arbitral, então é evidente que o termo inicial do prazo para apresentação do pedido arbitral é a data da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado e não o termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações em análise;

 

- O pedido arbitral é, aliás, bastante claro neste ponto, na medida em que a Requerente: (i) afirma que o pedido arbitral é apresentado “(...) nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e do artigo 102.º. n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”)” ; e, (ii) requer expressamente “(...) a constituição do tribunal arbitral singular com vista à pronúncia de decisão arbitral de anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado (ato imediato do presente pedido arbitral) e, em consequência, à anulação parcial das referidas liquidações (atos mediatos do presente pedido arbitral); ”

 

-  É, pois, evidente o pedido que vem formulado nos presentes autos: a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado (ato imediato do pedido arbitral) e, em consequência, a anulação parcial das liquidações de IMI que foram objeto de tal pedido de revisão oficiosa (atos mediatos do pedido arbitral);

 

- A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI no dia 02.03.2020 e, por conseguinte, dentro do prazo legal que dispunha para o efeito;

 

- Por conseguinte, a AT dispunha de um prazo de quatro meses para proferir decisão no contexto daquele procedimento de revisão oficiosa, o qual terminou no dia 02.07.2020;

 

- Conforme consta do pedido arbitral apresentado “Em face da inércia da AT, formou-se presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado precisamente no dia 03.07.2020”, “Contando-se o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de pronúncia arbitral a partir da formação da presunção de indeferimento tácito.”

 

- O pedido arbitral apresentado, pela Requerente, no dia 30.09.2020, contra a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é, pois, tempestivo, não assumindo o termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações de IMI qualquer relevância nesta matéria;

 

- Assim sendo, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado nos termos e no prazo fixados na lei para o efeito e que a segunda exceção suscitada pela Requerida não tem qualquer base ou fundamento legal, devendo ser julgada totalmente improcedente, o que desde já se requer, com todas as consequências legais.

 

       E. QUESTÕES A DECIDIR. ORDEM DE APRECIAÇÃO

 

            Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados são as seguintes as questões, que cabe apreciar e decidir:

 

1.            Se o tribunal arbitral tem competência para apreciar o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI emitidas em nome da Requerente, com fundamento em erro na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios sobre que incidiram.

 

               2.  Se terá caducado o direito de acção para o pedido de pronúncia arbitral visando a   anulação dos actos de liquidação.

 

                3)  Se se verificou erro de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, resultante de uma errónea interpretação e aplicação do art. 45º do CIMI, por errada aplicação dos coeficientes multiplicadores a que se refere o art. 38º do CIMI e a majoração prevista no art. 39º, nº 1 do CIMI.

 

                4) Em caso afirmativo, se tal situação é determinante para a apreciação da legalidade e anulação parcial das liquidações que constituem objecto mediato do pedido de pronúncia arbitral;

 

                 5) E, complementarmente, no caso do Tribunal Arbitral condenar a Requerida, se haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

              Dado que as duas primeiras questões constituem excepções dilatórias (artigo 89º, nº 4, alíneas a) e k), do CPTA, subsidiariamente aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alínea d), do RJAT) que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigos 89º, nº 2, do CPTA e 278º, nº 1, do CPC), as mesmas são de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 608º,  do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT.

 

     E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

        - O Tribunal Arbitral é materialmente competente, conforme à frente é decidido, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.

         - As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

         - O processo não enferma de nulidades.

         - Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

        Tudo visto, cumpre proferir

 

 II. DECISÃO

 

A.           MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

       Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

 

1 - Em 31.12.2016, 31.12.2017 e 31.12.2018, a Requerente era proprietária dos seguintes terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:

      - da freguesia de ... sob o artigo matricial U-...;

      - da União de Freguesias de ... e ... sob o artigos matriciais U-... e U-...;

      - da freguesia de ... sob o artigo matricial U-....

 

2 - A Requerente foi notificada das Liquidações de IMI n.ºs:

     - 2016..., 2016... e 2016..., de 02.03.2017, emitidas por referência ao ano de imposto de 2016;

     - 2017..., 2017 ... e 2017..., de 07.03.2018, emitidas por referência ao ano de imposto de 2017; e, 

     - 2018..., 2018 ... e 2018..., de 23.03.2019, emitidas por referência ao ano de imposto de 2018

no valor agregado de € 273.853,31.

 

3 - Do valor global do IMI liquidado em 2017 por referência ao ano de imposto de 2016 (€ 93.588,90), um valor de € 39.808,29 diz exclusivamente respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2016 (0,425% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e na União de Freguesias de ... e ... e 0,324% aplicável ao terreno para construção localizado na freguesia de ...) relativamente aos valores patrimoniais tributários (“VPTs”) a 31.12.2016.

 

4 - Do valor global do IMI liquidado em 2018 por referência ao ano de imposto de 2017 (€ 91.071,37), um valor de € 37.928,82 diz exclusivamente respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2017 (0,40% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e na União de Freguesias de ... e ... e 0,324% aplicável ao terreno para construção localizado na freguesia de ...) relativamente aos VPTs a 31.12.2017.

 

5 - Do valor global do IMI liquidado em 2019 por referência ao ano de imposto de 2018 (€ 89.193,04), um valor de € 36.050,49 diz exclusivamente respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2018 (0,375% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e na União de Freguesias de ... e ... e 0,324% aplicável ao terreno para construção localizado na freguesia de...) relativamente aos VPTs a 31.12.2018.

 

6 – A tabela que se segue reproduz os VPTs relevantes

 

:

Artigo matricial Afetação             VPT 2016 e 2017              VPT 2018

            Terreno para Construção                       5.698.704,89                   5.698.704,89

...            Terreno para Construção                       1.799.188,44                   1.799.188,44

            Terreno para Construção                            19.940,75                        20.239,86

...            Terreno para Construção                       2.425.151,50                   2.425.151,50

Total                9.942.985,58                   9.943.284,69

 

7 - A Requerente procedeu ao pagamento integral das liquidações mencionadas nos prazos que dispunha para o efeito.

 

8- Na determinação dos VPTs, a Requerida adoptou os seguintes critérios:

     - Quanto ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo matricial U-..., a AT aplicou um coeficiente de localização de 1,85;

     - Quanto aos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob os artigos matriciais U-... e U-..., a AT aplicou um coeficiente de localização de 1,60; e,

    - Quanto ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia da freguesia de ... sob o artigo matricial U-..., a AT aplicou um coeficiente de localização de 1,35.

 

9 – E procedeu à majoração prevista no art. 39º, nº 1, do CIMI.

 

10 - A Requerente apresentou em 02.03.2020, ao abrigo dos artigos 78º, nº 1 da LGT e 115º, nº 1, alínea c) do CIMI um pedido de revisão oficiosa das Liquidações de IMI em apreço com fundamento em erro imputável aos serviços e em injustiça grave ou notória.

 

11 – Em 30/09/2020, a Requerente apresentou no CAAD pedido de pronúncia arbitral.

 

12 – À data do pedido de pronúncia arbitral, a Requerida não tinha sido notificada da decisão do pedido de revisão oficiosa das liquidações.

  

A.2. Factos dados como não provados

 

        Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

           Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, no processo administrativo e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada.

 

B.            DO DIREITO

 

     Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

 

        As excepções deduzidas pela Requerida AT (incompetência do tribunal arbitral e caducidade do direito de acção), são excepções dilatórias que, como se disse, obstam, no caso de procedência, e de acordo com a legislação aplicável e já referida, ao conhecimento do mérito da causa.

 

Assim sendo, começa-se a apreciação das questões em apreço pela análise das excepções.

 

No que respeita à excepção de incompetência do tribunal arbitral, a Requerida começa por frisar que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD se encontra circunscrita às matérias indicadas no nº 1 do art. 2º do RJAT, estando excluídas da arbitragem as que sejam susceptíveis  de serem objecto de acção administrativa, como acontece na situação em apreço, em que o acto que constitui o objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral é a decisão de indeferimento tácito  do pedido de revisão oficiosa.

 

Quanto às matérias a que, no entender da Requerida, está circunscrita a competência dos tribunais arbitrais constituidos no âmbito do CAAD, cabe dizer que não está excluída a apreciação da legalidade de actos de segundo e terceiro graus, que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, uma vez estar  admitido (art. 10º, nº 1, alínea a), do RJAT) que o pedido de pronúncia arbitral seja apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos que estão referidos no art. 102º, nºs. 1 e 2, do CPPT, designadamente, da formação da presunção de indeferimento tácito, na alínea d) do seu nº 1.

 

Entende a Requerida que o acto ficcionado de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa  não comporta a apreciação da legalidade dos actos de liquidação sub judice, o que inviabiliza a competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD para a sua apreciação.

 

Isto porque, um acto que não aprecie, analise, discuta ou conheça da legalidade de actos de liquidação, não pode ser sindicado por meio de impugnação judicial, face ao disposto na alínea a), do art. 97º do CPPT, ou do meio processual alternativo, no caso, a arbitragem tributária, cujo processo se encontra estabelecido por referência e com objecto em tudo semelhante àquele.

 

Apreciando a situação, verifica-se que a Requerida carece de razão no sustentado, contrariando, até, a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

 

Com efeito, como decorre da lei e resulta, nomeadamente do Acórdão do STA de 19/11/2014 (Proc nº 886/14), o indeferimento tácito, enquanto acto lesivo dos direitos e interesses dos contribuintes, que são legalmente protegidos, é passível de impugnação judicial, face ao disposto no art. 95º, nºs 1 e 2, alínea d), da LGT e art. 97º, nº 1, alínea c), do CPPT.

 

É, nos termos legais, um dever da Requerida decidir sobre todos os assuntos que lhe sejam apresentados pelos contribuintes e para a resolução dos quais seja competente, nos termos do estabelecido no nº 1, do art. 56º, da LGT, presumindo-se o seu indeferimento, se o não fizer no prazo estabelecido no art. 57º, nº 1, da LGT.

Assim sendo, assiste sempre ao sujeito passivo o direito de reacção, quer tenha havido decisão expressa, ou falta de decisão, que faça presumir o indeferimento da pretensão, sendo que, no caso, estando em apreço a legalidade de actos de liquidação, o meio processual adequado será o da impugnação judicial.

 

Em face do exposto, julga-se improcedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral para julgar a presente acção.

 

No que respeita à excepção da caducidade do direito de acção, deduzida pela Requerida, entende esta que, estando fixado, no art. 10º, nº 1, do RJAT, o prazo de 90 dias, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, e, tendo este sido efectuado em 30/09/2020, tal prazo estaria há muito ultrapassado, uma vez que os actos de liquidação impugnados são de 2016, 2017 e 2018.

 

Também, relativamente a esta excepção, não assiste razão à Requerida.

 

Com efeito, demonstrada que ficou a possibilidade legal de ser conhecido por este Tribunal Arbitral o acto de indeferimento tácito, não restam dúvidas que a contagem do prazo de 90 dias para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral se inicia na data da sua formação.

 

Resultando, como resulta, e não foi posto em causa pela Requerida, que o pedido de revisão oficiosa, apresentado em 02/03/2020, nos termos do disposto no art. 78º, nº 1, da LGT e art. 115º, nº 1, alínea c) do CIMI, englobando as liquidações de IMI emitidas em 02/03/2017, 07/03/2018 e 23/03/2019, foi tempestivo, porquanto o foi dentro do prazo de 4 anos após a data dos actos tributários.

 

E, que o indeferimento tácito ocorreu 4 meses após a apresentação desse pedido de revisão (art. 57º, nºs. 1 e 5 da LGT), isto é, em 02/07/2020, foram cumpridos os 90 dias de prazo para apresentação no CAAD do pedido de pronúncia arbitral, uma vez que este deu entrada no dia 30/09/2020.

 

Improcede, assim, a excepção de caducidade do direito de acção, dada a tempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

 

Julgadas improcedentes as excepções, passemos, de seguida à apreciação da questão de mérito.

 

A primeira questão a dilucidar respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção sub judice, em termos de se saber se os critérios da sua avaliação  deveriam ter sido os que estão estabelecidos exclusivamente no art. 45º do CIMI, como pretende a Requerente, ou se foi correcta a determinação dos VPTs efectuada pela Requerida, que teve em consideração os coeficientes multiplicadores do VPT, aplicando a fórmula do art. 38º do CIMI, e o disposto no art. 39º do  CIMI.

 

Com efeito, entende a Requerida e, assim fez na situação em apreço, que o método fixado na lei para a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, deve ser utilizado, também, na avaliação dos terrenos para construção, servindo-se, para tanto, do argumento de só, assim, se compreender que o art. 45º do CIMI estabeleça que o valor da implantação do edifício varie entre os 15% e os 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

 

Ao invés, a Requerente sustenta que a avaliação dos terrenos para construção deverá ser realizada em obediência ao que se encontra estabelecido no art. 45º do CIMI, cuja epígrafe é: “Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção”, não sendo legalmente possível qualquer aplicação analógica de outros preceitos do CIMI, designadamente, do art. 38º.

 

E tem razão a Requerente. Com efeito, resulta da lei e constitui jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, estar vedado o recurso à analogia nesta situação, citando-se, por todos, o Acórdão de 31.01.2021 (processo nº 0165/14.4BEBRG, 2ª Secção), no ponto em que diz:

“O artigo 45º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador contido na expressão matemática do artigo 38º do CIMI com que se determina o valor patrimonial dos prédios para habitação, comércio, indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributária interferindo na incidência do imposto”

 

Na verdade, a orientação propugnada por este acórdão do STA, segue na esteira do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 03/07/2019 (processo nº 016/10.9BELLE, encontrando-se, também, vertida no recente Acórdão do STA de 13/01/2021 (Processo nº 0732/12.OBEALMO1348/17, 2ª Secção), onde consta, de modo expresso, que à avaliação de terrenos para construção não são de aplicar os coeficientes e as características, designadamente, o coeficiente de qualidade e conforto, que não estejam especificamente  previstos no art. 45º do CIMI.

 

Em face do exposto, conclui-se ter havido erro na aplicação do direito na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção em apreço, por haverem regras específicas previstas no art. 45º do CIMI, erro esse que alterou a base tributável e, consequentemente, o cálculo do imposto e o montante a pagar.

 

Provado tal erro na determinação dos valores dos VPTs  dos terrenos para construção em causa, de que decorreram as liquidações objecto das liquidações contestadas em valores que excedem aqueles que teriam sido encontrados se tal erro não tivesse sido cometido, o Requerente poderia, como o fez, invocar esse erro nos termos das disposições conjugadas dos arts.. 78º, nº 1 da LGT 115º, nº 1, alínea c) do CIMI, ficando a AT obrigada a rever essas liquidações, conforme, aliás, foi reconhecido no Acórdão do STA – Secção do Contencioso Tributário, de 31/10/2019 (Proc. Nº 2765/12.8BELRS).

 

Assim sendo, os erros que foram reconhecidos por este tribunal arbitral na determinação  dos valores dos VPTs e que influenciaram o cálculo das montantes das liquidações, uma vez que estes foram apurados com base nos referidos valores, reflectiram-se nestas, tornando as mesmas ilegais no que ao excesso diz respeito, pelo que se julga totalmente procedente o pedido de anulação parcial das liquidações em apreço.

 

Verificando-se estarem preenchidos todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributária, prevista no art. 78º da LGT, nos seus nºs. 4 e 5, poderia a AT, em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, ter procedido à revisão e anulado parcialmente as liquidações em apreço, nos termos requeridos.

 

Justifica-se, assim, que seja anulada a decisão do pedido de revisão, e, de igual modo, se proceda às anulações parciais das liquidações de IMI, na parte em que excederam o que seria devido se as mesmas tivessem sido efectuadas tendo como pressupostos avaliações dos terrenos para construção realizadas nos termos legais (art. 163º, nº1 do CPA, aplicável nos termos do art. 2º, alínea c) da LGT).

 

Relativamente aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b), que a decisão arbitral obriga a administração tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias, para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu nº 5,  que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, reconhecendo, assim, o direito a juros em processo arbitral.

 

Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata e plena reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

 

Nesta conformidade, o restabelecimento da situação que existiria, se não tivesse havido erro da AT, na determinação dos Valores Patrimoniais Tributários dos terrenos para construção, exigirá que, para além da restituição das quantias indevidamente pagas, a Requerida proceda, também, ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Na situação vertente, a norma aplicável para efeitos de se reconhecer o direito a juros indemnizatórios é a alínea c), do nº 3º, do art. 43º da LGT, que preceitua que estes  são devidos “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tribuária.

 

Verificando-se que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 02/03/2020, em 03/03/2021, decorreu mais de um ano sobre a data em que a Requerente o apresentou, razão pela qual, os juros indemnizatórios serão contados a partir desta data.

 

C.            DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado, e, em consequência:

 

a)            Julgar improcedentes as excepções deduzidas pela Requerida.

 

b)           Declarar a ilegalidade e, consequente anulação, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, que teve como objecto as liquidações em apreço.

 

c)            Anular parcialmente as liquidações de IMI n.ºs 2016..., 2016..., 2016, de 02/03/2017; 2017..., 2017..., 2017..., de 07/03/2018; 2018..., 2018..., 2018.., de 23/03/2019, nas partes correspondentes ao acréscimo de tributação resultante  de terem tido como pressupostos valores patrimoniais em que foram considerados coeficientes multiplicadores do VPTs ( coeficiente de localização) e a majoração prevista no art. 39º do CIMI, e, consequentemente.

 

4)            Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, e agora anulado, no montante de 59.331,74 euros, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos e para os efeitos do art. 43º, nº 3, alínea c) da LGT.

 

5)            Condenar a Requerida nas custas do processo,

 

D.           Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em 59.331,74 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária

 

E.            Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)

 

Lisboa, 25 de Outubro de 2021

 

O Árbitro 

(José Nunes Barata)