Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 5/2021-T
Data da decisão: 2021-10-20  IVA  
Valor do pedido: € 835.325,48
Tema: IVA – Locação financeira. Pro rata de dedução. Circular. Inconstitucionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Francisco Carvalho Furtado e Prof. Doutor Júlio Tormenta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:

       

                1. Relatório

 

A..., doravante designada por “Requerente”, pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., nº ..., ..., Lisboa,  veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista:

a) Anular parcialmente a autoliquidação de IVA efectuada pela Requerente nas declarações periódicas de imposto relativas ao ano 2019, que resultou da aplicação da percentagem de dedução de 10% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos, calculada de acordo com os entendimentos veiculados pela AT, nomeadamente as instruções ilegais do Ofício-Circulado n.º 30108, quando, de acordo com a legislação nacional e comunitária do IVA, a percentagem de dedução deveria corresponder a 23%;

b) Restituir à Requerente o valor do IVA pago em excesso nas supra referidas declarações periódicas de imposto, no montante global de € 835.325,48;

c) Pagar à Requerente juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT, em particular do seu n.º 2, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2019 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano;

A título subsidiário, a Requerente pede que o Tribunal Arbitral promova o reenvio prejudicial das questões que entenda suscitar para o tribunal de justiça da união europeia, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), e no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, relativamente à consideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira no cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-01-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 07-09-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A.           A Requerente é uma instituição de crédito, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;

B.            No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento/concessão de crédito, e das operações relativas a pagamentos;

C.            Simultaneamente, a Requerente realiza também operações que conferem o direito à dedução deste imposto, designadamente, operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos;

D.           Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, sendo isso que sucedeu no âmbito da aquisição de bens objecto dos contratos de locação financeira, quanto à aquisição de viaturas para subsequente locação financeira, relativamente às quais foi deduzido, na íntegra, o IVA suportado, em virtude de tais bens estarem directamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pela Requerente que conferem o direito à dedução; 

E.            Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a ora Requerente não deduziu qualquer montante de IVA;

F.            Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível/grau de utilização efectiva, aplicou o método da afectação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, sendo isso que sucedeu, designadamente quanto aos encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático – (“TPA’s”);

G.           Para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA;

H.           A referida percentagem de dedução foi determinada tendo em consideração as orientações genéricas emanadas pela AT, tendo a Requerente procedido ao cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2019, em consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, aplicando a percentagem de 10%;

I.             Como aplicação da percentagem de 10% a Requerente deduziu IVA no montante de € 642.558.06, relativamente aos recursos de utilização mista;

J.             Se no cálculo da referida percentagem de dedução tivesse incluído os montantes respeitantes às amortizações financeiras do contrato de locação financeira a percentagem de dedução definitiva apurada seria de 23%, sendo de € 1.477.883,54 o montante a deduzir quanto a recursos de utilização mista;

K.            Em 11-02-2020, a Requerente apresentou a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2019, com a declaração periódica n.º ... que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

L.            A Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação, que foi indeferida por despacho de 16-09-2020, com os fundamentos referidos no documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

§ VI.I. Erro na autoliquidação, por desconsideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, no cálculo do pró rata definitivo aplicado ao apuramento do IVA dedutível, incorrido nos recursos de utilização mista - art.º 23.º

VI.1.1- Factos e Enquadramento Jurídico-Tributário

14.   A questão em análise nos presentes autos consubstancia-se num alegado erro de autoliquidação de IVA efetuada pela sociedade Reclamante, relativa ao período de dezembro de 2019.

15.   O sujeito passivo é uma instituição de crédito, abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

16.   No âmbito da sua atividade, a Reclamante realiza determinadas operações que se enquadram nas operações  financeiras  que  se  encontram  abrangidas  pelo   n.º  27   do  artigo  9.º  do  CIVA, nomeadamente,

 financiamento/concessão de crédito.

17.   As operações  referidas  no  ponto  anterior configuram  isenções simples ou  incompletas,  não conferindo direito à dedução.

18.   Por outro lado, pratica simultaneamente, outro tipo de operações financeiras, como a celebração de contratos de locação financeira mobiliária que conferem direito à dedução (artigo 20º n.º 1 alínea a) do CIVA).

19.   Nestes termos, tendo em consideração a natureza das atividades praticadas,  a Reclamante qualifica-se como sujeito passivo "misto".

20.   Relativamente às operações afetas à aquisição de bens e serviços de utilização mista (comuns ou residuais), recorreu ao método da percentagem de dedução, a qual foi determinada através da aplicação de um coeficiente de imputação específico, obedecendo à fórmula prevista no Ofício -Circulado n.º 30.108, da área da Gestão Tributária do IVA que, no que concerne às operações de leasing determina que, apenas deve ser considerado, no cálculo da percentagem de dedução, o montante anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo-se a componente de amortização de capital contida nas rendas da locação financeira.

21.   Nessa medida, apurou uma percentagem de dedução definitiva de 10%,

22.   A aplicação da referida percentagem aos bens e serviços de utilização mista, determinou um valor a deduzir de €642.558,06 (cf, ponto 16.º da petição de Reclamação Graciosa).

23.   Sucede que, no entendimento da Reclamante, a solução preconizada pela Administração Fiscal no mencionado Oficio-Circulado n.º 30.108, é ilegal, uma vez que, ao desconsiderar os referidos montantes do cálculo do pro raia, a mesma mostra-se desconforme com a legislação nacional e comunitária.

24,  Com efeito,  seguindo a  perspetiva defendida pelo sujeito passivo,  no exercício de 2019,  a percentagem de dedução seria de 23%, o que determinaria um valor a deduzir de € 1.477.883,54, constatando  a  Reclamante  uma  alegada  diferença,  em  seu   prejuízo,   de €  835.325,48  (€ 1.477.883,54-€642.558,06).

Todavia,

25.   Não se conformando, por entender que é ilegal a aplicação da restrição imposta pela AT, veio a Reclamante apresentar a presente Reclamação Graciosa, pugnando pela anulação parcial da autoliquidação de IVA entregue pelo sujeito passivo, relativamente ao período de dezembro de 2019, decorrente da existência, na sua perspetiva, de erro na determinação da percentagem de dedução do prorata e, consequentemente, defende ser devida a restituição à Reclamante do valor do IVA (alegadamente) pago em excesso, bem como, dos correspondentes juros indemnizatórios. 

(...)

VI.1.3. - Apreciação

36.   A pretensão controvertida na Reclamação Graciosa em apreço, consubstancia-se na anulação parcial da autoliquidação de IVA, subjacente à declaração periódica n.º..., substituída pela declaração periódica n.º..., referente ao período de dezembro de 2019 (1912), decorrente da alegada entrega em excesso, respectivamente, das importâncias de € 835 325.48, considerando, a Reclamante, tratar-se de um erro na autoliquidação assente na ilegalidade do critério utilizado no apuramento da percentagem de dedução do imposto referente a recursos de utilização mista,

37.   Analisado o requerimento apresentado pela Reclamante, bem como os fundamentos invocados, verifica-se que a questão aqui em análise prende-se com a consideração do valor referente ao capita] das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira, para determinação do pró raia do respetivo período de tributação.

38.   No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliária, e pretende aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos faturados.

39.   Antes de procedermos à apreciação do mérito da presente Reclamação Graciosa, importa aludirão facto da Reclamante se enquadrar, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal assumindo a natureza de sujeito passivo "misto".

40.   Isto porque, realiza operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA, por se encontrarem isentas ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas de leasing e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.

41.   A Reclamante realiza ainda outras operações financeiras ou acessórias que conferem, igualmente, o direito à dedução de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 20.º do CIVA,

42.   No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Reclamante assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens que são objeto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respetivos locatários para seu uso e fruição.

43.   Em contrapartida, o sujeito passivo fatura rendas aos locatários, às quais acresce o IVA.

44.   No que se refere às aquisições de bens e serviços de utilização mista, em razão de terem sido indistintamente afetas às diversas operações desenvolvidas pela Reclamante, para efeitos do exercício do direito à dedução, entende dever aplicar-se o método geral e supletivo da percentagem de dedução - também designado por pró rata - nos termos estatuídos na alínea b) do n º 1 e do n.º 4. ambos do artigo 23.º do CIVA.

45.   No exercício de 2019, seguindo o entendimento da AT constante do Oficio-Circulado 30108, de 30.01.2009, a Reclamante, não considerou quer no numerador, quer no denominador da fórmula de cálculo do pró rata o valor do capital das rendas de locação financeira, apurando uma percentagem de dedução definitiva que correspondeu a uma dedução de € 642.558.06

46.   De facto, a inclusão das duas mencionadas componentes conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 23% contra os 10% referidos e refletidos na declaração periódica de IVA em análise. O que significa que teria direito a deduzir o montante de € 1.477.883,54.

47.   Face à questão em análise nos presentes autos, importa ressalvar que não se considera existir qualquer erro no preenchimento das declarações periódicas de IVA, consubstanciado num erro no apuramento do pró rafa de dedução.

48.   Com efeito, o apuramento da percentagem de dedução efetuado pelo sujeito passivo está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno, pelo que, não se afigura assistir razão à Reclamante quanto à pretensão formulada no seu requerimento inicial.

49.   Trata-se de uma matéria relativamente à qual a AT veio, através do Ofício-Circulado n.º 30108. de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-Geral - Área de Gestão Tributária do IVA, procurar"(...) divulgar a correis interpretação a dar ao artigo 23º do Código do ÍVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALO (...)", procurando a harmonização do artigo 23.º com a doutrina e jurisprudência comunitárias '

50.    Da leitura do Ofício n.º 30108, conclui-se que o apuramento da percentagem de dedução definitiva antes referida foi efetuado, pela Reclamante, em perfeita concordância com os lermos aí previstos, que se transcrevem:

"7. Face à atual redação do artigo 23º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de leasing".

"8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja. pode conduzir a "distorções significativas na tributação", os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.".

"9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA." (sublinhado nosso)

51.   Isto é, a percentagem de dedução inicialmente apurada não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, mas antes assenta na aplicação do método de afetação real, através da utilização de um  critério   de  imputação  objetivo,   tendo  em   conta  os  valores  envolvidos   nas  operações desenvolvidas no âmbito das atividades de Leasing ou de ALD.

52.   A título prévio importa efetuar o enquadramento jurídico - tributário do contrato aqui em análise, que está subjacente à prestação de serviços de leasing: contrato de locação financeira.

53.   A base jurídica de qualquer modalidade de contrato de locação encontra-se plasmada, em termos gerais, nos artigos 1022.º a 1114.º do Código Civil. Não obstante, e porque se trata de um tipo particular de locação, importa atender ao previsto no regime jurídico especialmente criado para este tipo de contratos, e que vem consagrado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, com as subsequentes alterações.

54 De acordo com o artigo 1 do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, a locação financeira é o " contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder a outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados."

55.   Nesse sentido, António Menezes Cordeiro afirma que, a "locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro - o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário2.º

56.   Trata-se, portanto, de um contrato comummente utilizado como forma de proporcionar crédito bancário, pelo qual, a instituição financeira, perante solicitação do interessado, adquire o bem em causa e cede-o a este em locação, ficando o mesmo, obrigado a pagar uma "(...) retribuição que traduza a amortização do bem e os juros; no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá, ainda, nada fazer3",

57.   Daqui decorre que, o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes.

58.   Atenta esta qualificação jurídica, e transpondo-a para a perspetiva tributária, conclui-se que a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e é efetuada pelo sujeito passivo no âmbito duma atividade económica.

59.   Efetivamente,  no caso das operações de locação, dúvidas não restam de que a respetiva contrapartida se concretiza nas rendas auferidas pela entidade que assume a posição contratual de locadora.

60.   No entanto, não podemos abstrair-nos do facto dessas operações de locação (leasing e ALD) consubstanciarem uma modalidade de crédito (entre outras), pelo que a atividade da entidade locadora é. em substância, a concessão de financiamento, cuia contrapartida remuneratória é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas.

61.   A esse propósito, cumpre realçar que, um dos objetivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire diretamente.

62.   Ora, o facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA tal não significa que a parte integrante da renda, correspondente à amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída  no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos.

63.   Desde logo porque, a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o remuneração do locador.

64.   Note-se que,  na  perspetiva da operação de locação enquanto operação de concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário.

65.   Sendo que, no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.

66.   Razão pela qual, não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução, sendo-lhe aplicável o método de afetação real com recurso a um critério de imputação objetivo, a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.

67.   Logo, à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.

68.   Por outro lado, a inclusão no rácio entre operações com e sem direito à dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provoca um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativa e positivamente influenciada, por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.

69.   Este facto gerará deduções acrescidas para o sujeito passivo, relativamente à generalidade dos inputs de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente, que nessa medida, se apresenta como exagerado, face à realidade das operações tributáveis.

70.   A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens, mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros-

71.   Deste modo, torna-se compreensível que no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, aplicável ao caso objeto de análise, e em harmonia com o entendimento da AT, deve considerar-se, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital é integralmente deduzido.

72.   E é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.

73.   Se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços de utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.

74.   Com efeito, no caso presente isso é patente, já que a consideração no pró rata do valor das operações de venda de automóveis e da componente de amortização das rendas de leasing produz um aumento muito significativo do direito à dedução (de 10% para 23%), sem que se comprove que o aproveitamento dos recursos de utilização mista é realizado na mesma proporção

75.   A integração no pró rata do valor destas operações traduz-se numa subversão do direito à dedução e numa manifesta distorção da concorrência face às instituições de crédito que não se dediquem em simultâneo à actividade do leasing automóvel/crédito automóvel.

76.   Do entendimento propugnado pela AT, não decorre, assim, qualquer restrição do direito legítimo à dedução. Antes pelo contrário, pugna pela inadmissibilidade do exercício do direito à dedução ilegítimo, na medida em que, a eventual execução do procedimento defendido pela Reclamante colocaria em causa a neutralidade fiscal inerente à mecânica do IVA.

77.   Acresce, ainda, que o método do pró rata que a Reclamante pretende ver aplicado, não tem mérito para medir o grau de utilização que as duas categorias de operações, com e sem direito à  dedução, fazem dos  bens e serviços que  lhe são  indistintamente alocados (utilização mista) e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível, cuja liquidação foi efetuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.

78.   São dois os métodos de dedução previstos no CIVA (artigo 23º).

79.   Por um lado, o denominado método da afetação real, que "(...) consiste na aplicação de critérios objetivos, reais, sobre o grau ou intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. é de acordo com esse grau ou intensidade de utilização dos bens,  medidos por critérios objetivos,  que o sujeito determinará a parte de imposto suportado que poderá ser deduzida. Os critérios estão sujeitos (...) ao escrutínio da Direção-Geral dos Impostos que pode vir a impor condições especiais ou mesmo a fazer cessar o procedimento de afetação real, no caso de se verificar que assim se provocam ou podem provocar distorções significativas da tributação. (.. .J"4.

80.   E por outro, o método da percentagem de dedução ou pró rata, definido na alínea b) do n.º 1 e n.º 2, do artigo 23.º, e desenvolvido nos n.º s 4 a 8 do mesmo preceito legal. No fundo, trata-se de uma dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

81.   Neste caso, a percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pró rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referente ao ano a que reportam, determinando a correspondente regularização por aplicação do pró rafa definitivo.

82.   Ora, com a alteração introduzida ao artigo 23.º pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, tais procedimentos foram "estendidos" ao método da afetação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é imposto pela AT, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos poderá originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.º 3 do artigo em análise.

83.   O que se mostra perfeitamente justificável, e em nada contraria o sistema comum de IVA. De facto, de um ano para outro pode mudar o grau de utilização dos bens no regime da afetação real e os critérios objetivos de apuramento do mesmo.

84.   É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à AT pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º CIVA, que tem por base a faculdade que vinha conferida na alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, que se enquadra o Oficio- Circulado n.º 30.108, aqui em discussão, prevendo uma solução que permite afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizem operações de locação financeira e ALD.

85.   Assim, no seu ponto 9. prescreve que "Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA" (sublinhado nosso).

86.   Ou seja, a AT veto estabelecer a adoção de critérios mais adequados que permitam aferir com maior objetividade o grau de afetação de bens e serviços de utilização mista, nos casos como o presente.

87.   Importa ressalvar que a adoção do critério referido, é demostrativa que a AT admite a existência de algum grau de afetação dos recursos integrantes do conceito de despesas gerais incorridas pelos bancos no âmbito da celebração deste tipo de contratos. Muito embora seja um facto notório, ao contrário do que pretende fazer crer a Reclamante, que, por norma, as operações desta natureza exigem uma utilização de recursos técnicos e administrativos bastante menos relevante que aqueles que se encontram afetos às atividades principais desenvolvidas pelas instituições bancárias como a Reclamante.

88.   Por outro lado, tal não significa que os sujeitos passivos sejam obrigados a seguir o entendimento preconizado no Ofício Circulado, aplicando o critério nele definido. Com efeito, como decorre do mesmo, a AT aceita que as instituições financeiras recorram a outros critérios de afetação real, desde que, os mesmos se mostrem idóneos ao fim pretendido.

89.   Posto isto, a questão que se coloca é saber se o procedimento adotado pela AT, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA.

90.   A questão principal que se dirime, nesta sede, foi já objeto de apreciação por parte do TJUE (Acórdão proferido no processo Banco Mais C-183/13, de 10 de julho de 2014), sendo que, o entendimento nele preconizado confirma a posição que tem vindo a ser assumida pela AT relativamente a esta matéria.

91.   Com efeito, nele se determina que:

(...)

92.   A este propósito refere Tânia Meireles da Cunha5: "Neste contexto, o TJUE entendeu que o direito interno (concretamente o art. 23º, n.ºs 2 e 3. do Cl VA, na redação vigente) legitimava a atuação da AT. no sentido de derrogara regra de cálculo do oro rata prevista na Sexta Diretiva.

O entendimento do TJUE foi no sentido de que o acervo normativo em causa, considerando os princípios que enformam o IVA (designadamente os da neutralidade e da proporcionalidade) e considerando que o cálculo de um quociente de dedução deverá ser o mais possível aproximado da realidade (apesar de alguma margem de erro que o caracteriza, por definição), não se opõe a que os EM apliquem um método ou um critério diferente do volume de negócios, se este método for o mais preciso.

No caso em concreto, o TJUE entendeu que o método que a AT portuguesa definiu é. e/n princípio, mais preciso do que o previsto na Sexta Diretiva , dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que servem para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador, (negrito e sublinhado nosso)".

93.   Não subsistem dúvidas que a situação em apreço se enquadra na "maioria dos casos" a que se refere o citado acórdão, uma vez que a realização pela Reclamante deste tipo de operações de locação financeira (maioritariamente) para o setor automóvel implica a utilização de parte dos bens ou serviços promíscuos, mas esta é "(...) sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos."

94.   Sendo que este entendimento veio, necessariamente, a ter acolhimento pelos nossos tribunais superiores,  nomeadamente,  no âmbito dos  processos onde  havia sido solicitado o  reenvio prejudicial para o referido tribunal.6

95.   Neste sentido, importa trazer à colação o recente Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 052/19.0 BALSB, de 04.03.2020, onde se deixa patente que:

(...)

97.   Ora, sendo os pressupostos de facto e de direito da questão controvertida em análise na decisão do TJUE acima referida idênticos aos da presente, deve considerar-se que a interpretação e doutrina dele constante, mostra-se inteiramente aplicável ao caso em apreço.

98.   Aliás este entendimento veio a ser reiterado e explicitado num recente Acórdão do TJUE8, invocado pela Reclamante, onde se refere expressamente que:" (...) nos termos do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida diretiva, os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.

Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados-Membros podem, graças a essa disposição, aplicar, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pró rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (Acórdão de B de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.º 24).

(...) o Tribunal de Justiça considerou que o calculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pró rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel."

99.   Na verdade, a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, uma vez que, não constitui rendimento da atividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula, sendo que, a sua consideração, provocaria distorções significativas na tributação, também desvirtuaria o próprio método do pró rata e todos a sistema de dedução do IVA, ao reconhecer como dedutíveis, custos que não contribuíram, para a realização de operações tributadas. Só assim é alcançada a neutralidade do imposto. Não são todas as operações tributadas e/ou não tributadas que devem ser integradas na fórmula, mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito de uma atividade económica realizada pelo sujeito passivo, tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado (no caso da locação financeira, advém da cedência do uso do bem objeto do contrato, através da qual o locador obtém rendimentos, sob a forma de juros).

100. Ora, resulta claro à evidência, que consubstanciando a componente das rendas correspondente à amortização financeira, um mero reembolso de capital, que nesse sentido, não gera qualquer valor acrescentado, só a título muito diminuto é que os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, poderão, eventualmente, contribuir para a sua realização. Se não contribuíram para a amortização financeira, não lhe podem ser imputáveis.

101.  Face a tudo o que ficou dito,  não subsistem  dúvidas  que o  procedimento adotado pela Administração Fiscal está de acordo com as normas internas e comunitárias e nenhuma ilegalidade se lhe pode assacar.

102. De facto, o artigo 174.º da Diretiva IVA que correspondia ao n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva consente aos Estados-Membros opções em relação ao apuramento do IVA dos "inputs promíscuos", autorizando ou impondo que utilizem determinados métodos específicos de dedução do IVA quando as circunstâncias o justifiquem.9

103. Em consonância com essa permissão está o disposto no n.º 2 e na alínea b) do n.0 3. ambos do artigo 23.º do CIVA, constituindo o parâmetro da legalidade da solução constante do ofício aqui em análise, expressando aquela que é a vontade do legislador, e legitimando a AT a impor um critério específico de determinação do direito à dedução.

104. A este propósito, atente-se no disposto no relatório do grupo de trabalho sobre a dedução do |VA pelos sujeitos passivos que exercem atividades que conferem direito à dedução e atividades que não conferem esse direito10, e que esteve na base da alteração introduzida ao artigo 23.º, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, onde se diz expressamente que:

«68. Um outro aspecto que cabe focar, no tocante ao método da afectação real previsto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, respeita à possibilidade de, na determinação da real da afectação de um bem de uso misto, a mesma ser também expressa por uma proporção. Proporção, no entanto, já não baseada nos volumes de negócios gerados a jusante, mas destinada a representar o grau de utilização dos bens e serviços nas operações que possibilitam a dedução do IVA e nas outras que não a possibilitam, a partir de outros critérios que visem determinar o seu nível de utilização numa circunstância e na outra. (...)

69.  Embora se considere ser esta última uma solução adequada para as situações de recurso ao método da afetação real, a qual se deve manter, é de admitir, em todo o caso, que a possibilidade de apurar uma proporção de utilização de bens e serviços e, consequentemente, uma percentagem de dedução com base noutros indicadores que não o volume de negócios não tivesse estado inicialmente presente no espírito do legislador português, quando da elaboração e aprovação do CIVA.

(...)

Eventualmente devido a essa perspectiva inicial sobre o alcance do método da afectação real, não parece ter sido equacionada nessa altura pelo legislador interno a possibilidade de uma dedução proporcional do IVA em aplicação de critérios que permitissem aferir do grau de afectação de um bem ou serviços a operações de um tipo e de outro.

70.  Em face dos desenvolvimentos conceptuais que a jurisprudência comunitária tem permitido em matéria de direito à dedução, a possibilidade de dedução proporcional em aplicação de critérios baseados no método da afectação real, não deve deixar de ser tida em conta e, desde já, generalizadamente admitida.»

105 Estas regras que regem o direito à dedução constam das Diretivas que disciplinam o sistema comum de IVA, estando, também em consonância com as normas constantes do CIVA.

106. Nessa medida, fica inequivocamente demonstrado que o método adotado pela Reclamante e que agora pretende alterar é o único que se mostra adequado para efeitos de exercício do direito à dedução, permitindo, com as especificidades constantes do Ofício - Circulado n.º 30.108 afastar as distorções  na tributação,  que de outra forma seriam manifestas,  conforme amplamente se demonstrou e se encontra referido na norma em causa,

107. Sendo este facto por si só justificativo para a imposição da obrigatoriedade da sua utilização, já que dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º não resulta que este poder conferido à AT esteja dependente da verificação cumulativa das duas alíneas do último número indicado, ou seja, além das distorções na tributação, a prática, pelo sujeito passivo, de atividades económicas distintas.

108. Quanto a esta questão importa mais uma vez salientar que, ao contrário daquela que é a posição reiteradamente assumida pelo CAAD nas suas decisões, é entendimento assente na jurisprudência do STA, em decorrência daquele que vem sendo o do TJUE, nomeadamente, no caso Banco Mais que, que a norma do CIVA supra referida, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na alínea c) do 3.º parágrafo do n.º 5, do artigo 17.º da Sexta Diretiva,

que corresponde à atual alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva IVA.

109. Acresce que, em reforço do que se vem dito, importa atentar ainda na forma de contabilização das duas componentes que integram a renda paga. Por um lado, o locador deverá refletir o valor do bem, como um crédito, que é reembolsado através das amortizações financeiras deve ser registada como um crédito, e a restante parte (os juros e demais encargos), devem ser relevados como proveitos. Logo resulta daqui, que a amortização financeira visa tão só a redução de um crédito, enquanto os juros, irão influenciar o resultado do exercício11,

110. Razão pela qual, no caso das Instituições de Crédito e de outras instituições financeiras, o conceito de volume de negócios, estatuído na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho de 20 de janeiro, não contempla a parte correspondente à amortização financeira12.

111. Pese embora, a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, refira que, nas operações de locação financeira, o valor tributável corresponde à renda recebida no seu todo, a verdade é que a parcela correspondente à amortização financeira, não assume a natureza de proveito, e como tal, não integra o conceito de volume de negócios nas instituições de crédito, e daí que não possa influenciar o cálculo da percentagem de dedução13.

112. A posição da AT encontra perfeito acolhimento quer nos princípios constitucionais, quer no espírito e princípios disciplinadores do mecanismo do exercício do direito à dedução, constante quer da jurisdição comunitária, quer do quadro normativo nacional, que não é mais do que uma transposição das normas jurídicas comunitárias.

13. De acordo com o princípio geral, no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342º do Código Civil e nº 1 do art. 74º da LGT).

114.  Da aplicação deste princípio ao caso concreto, resulta que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, uma vez que é a este que aproveita a existência desse facto. Com efeito a pretensão formulada na Reclamação Graciosa traduz-se num aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma de cálculo do pró rata,

115. Neste pressuposto, partindo para a análise do caso concreto, salvo melhor entendimento, afigura-se que a Reclamante não logrou fazer a prova dos factos que sobre si impendia. Muito embora, discorra sobre o que designa por "processo da actividade de leasing" (pontos 38.º e seguintes da petição de Reclamação Graciosa), limitando ao mínimo a referência à atividade de gestão e financiamento dos contratos de locação financeira, não conseguiu determinar especificamente a que operações esses custos gerais respeitam.

116. Não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Reclamante foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.

117. Face ao que se deixou dito na presente informação, fica demonstrada a precisão do critério de imputação definido pela AT, atentos os manifestos riscos de distorção da neutralidade do imposto. Pelo contrário, não se considera preenchido o ónus da prova quanto à imputação dos referidos cistos gerais, de modo significativo à actividade de disponibilização dos veículos.

118. Pelo que, tendo em consideração a jurisprudência do TJUE proferida sobre a matéria, deve considerar-se não assistir razão para o alegado pela Reclamante, já que a aplicação de um coeficiente tal como definido pela AT, apenas deve ceder quando o sujeito passivo seja capaz de demonstrar que o aproveitamento dos custos mistos em jogo não é essencialmente, determinado pela actividade de financiamento mas pelas operações de locação/venda.

119. Cumpre por fim esclarecer, que as orientações plasmadas no ponto 9. do Oficio-Circulado 30.108, mais não fazem do que contribuir para a praticabilidade dos desígnios constitucionais plasmados nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa, sendo um fator decisivo para garantir e tutelar a confiança dos contribuintes.

120. De facto, as orientações administrativas constantes de circulares ou Ofícios-Circulados são relevantes para a adequada prossecução do interesse público,  no respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes - artigo 266.º da CRP e artigo 55.º da LGT.

121. A importância das referidas orientações resulta, desde logo, do facto da "atividade tributária [ser] hoje uma atividade massiva, que envolve o tratamento de milhares de casos, geralmente traduzidos em declarações fiscais dos contribuintes e nesse contexto é elemento Importante da segurança jurídica o conhecimento prévio da organização implementada para tratar desses casos, dos critérios e dos procedimentos que adota, dado que, designadamente, permite aos particulares perante um problema ou uma dúvida saber, caso exista regulamento interno sobre essa matéria, como, em princípio, vai ser resolvido esse caso pelos funcionários a quem cabe aplicar a lei".

122. Acrescentando Casalta Nabais15, que, no recorte dogmático do princípio da legalidade fiscal, entende "chamar aqui à colação, enquanto limite a determinabilidade requerida pelo princípio da tipicidade fiscal, (...) o princípio da praticabilidade, o qual implica que o legislador não vá tão longe na determinação das soluções legais quanto seria de exigir, permitindo à administração uma dada margem de livre decisão, sob pena de nos depararmos com soluções impraticáveis no sentido de economicamente insuportáveis (...). Dal que, em face à realidade das situações cujo grau de diferenciação e individualização não é possível de acompanhar por razões de ordem prática, nomeadamente pelos custos insuportáveis ou inadequados que implicam, se apele à edição de normas de simplificação, seja em sede legislativa, seja em sede administrativa, através das quais se proceda à tipificação (ou tipi(ci)zação), globalização ou estandardização, assumindo como regra o que é típico, normal, provável (...)", sendo que, para o Autor, «o princípio da praticabilidade ainda pode contribuir para uma atenuação das exigências da determinabilidade do princípio da legalidade fiscal (...), constituindo-se em suporte para o legislador utilizar conceitos indeterminados (.,.) ou conceder mesmo faculdades discricionárias, o que de resto se verifica em toda a parte e que, entre nós, tem diversas manifestações (...)".

123. A posição da AT, em momento algum, põe em causa, quer as normas internas, quer comunitárias relativas ao direito à dedução, conforme já ficou amplamente elucidado, jamais procurando alterar ou violar as regras jurídicas que lhe deram origem.

124. A aplicação da lei teria de resultar, necessariamente, na aplicação dos princípios orientadores constantes do Ofício - Circulado n.º 30.108.

125. Acresce que, o facto de, no mesmo Ofício - Circulado se explicar o método a utilizar, além de contribuir para promover a segurança jurídica, permite ainda, a realização efetiva das finalidades do direito à dedução, sendo a única que se mostra compatível com o princípio basilar nesta matéria, e em todo o sistema do IVA: o princípio da neutralidade e da justiça fiscal em relação a todos os sujeitos passivos.

126. Face ao que se deixou dito, ressalvando o devido respeito pelo decidido pelo CAAD nas decisões invocadas pela Reclamante, não podemos concordar com o entendimento nelas sufragado, acompanhando, na íntegra, a jurisprudência do TJUE, que necessariamente, foi acolhida pelo STA.

127. Nestes termos, conclui-se pela improcedência dos argumentos apresentados pela Reclamante no que respeita à questão controvertida, ficando demonstrado que a autoliquidação em análise não padece de quaisquer vícios invocados, devendo ser indeferida a sua pretensão.

 

M.          Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30.108, publicado em

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instruções_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.

 

N.           Nos procedimentos de c0ntratos de locação financeira a Requerente segue o Manual e as normas de procedimentos que constam dos documentos n.º s 3, 4, 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

O.           A tramitação de um processo de leasing na esfera da Requerente, inicia-se com uma proposta do cliente, apresentada numa das 81 agências ou um dos 12 centros de empresas da Requerente (depoimento da testemunha B...);

P.            O cliente escolhe o bem e o fornecedor, ao que se segue uma análise de risco e de uma decisão da Requerente, culminando com a emissão do contrato, dependendo a entrega do bem locado da celebração de um contrato de seguro pelo cliente, cuja proposta é enviada pela Requerente à seguradora, antes de a Requerente autorizar o fornecedor a entregar o bem locado ao cliente (locatário) (depoimento da testemunha e documentos 3, 4, 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

Q.           A Requerente cobra uma comissão específica pela tramitação inicial do processo de leasing (depoimento da testemunha);

R.            A taxa de juro aplicada ao contrato depende do perfil de risco do cliente, avaliado previamente à celebração do contrato (depoimento da testemunha);

S.            A Requerente, como proprietária da viatura locada, participa no processo de legalização da mesma, mas a viatura é directamente entregue pelo fornecedor do bem ao locatário, que procede ao seu levantamento (depoimento da testemunha);

T.            Na vigência dos contratos de locação financeira, a Requerente monitoriza os seguros das viaturas, tendo de se assegurar que se mantém activo nos termos que a Requerente considera necessários (depoimento da testemunha);

U.           A Requerente recebe cartas com indicação de alterações à apólice ou falta de pagamento de recibos prémios, alertando a área que trata dos seguros para ver se há outro seguro ou o prémio é pago (depoimento da testemunha);

V.           Se a apólice não estiver de acordo com o banco é pedida uma alteração (depoimento da testemunha);

W.          A Requerente tem de se assegurar que é feito o pagamento do IUC relativo a viaturas (depoimento da testemunha);

X.            No caso de infracções rodoviárias ou acidentes que envolvam viaturas locadas, incluindo as relativas a portagens, a Requerente recebe as notificações das autoridades para identificação do condutor, na sequência do que remete cartas aos clientes e à entidade autuante com a identificação do locatário (depoimento da testemunha);

Y.            As alterações dos contratos de locação financeira, situações de incumprimento, e/ou o termo desses contratos implicam interacções entre diversas áreas/departamentos da Requerente (depoimento da testemunha);

Z.            A actividade da Requerente desenvolve-se com maior incidência, no sentido de que consome mais recursos, ao longo da vida dos contratos de leasing e não na fase inicial dos contratos até à disponibilização do bem ao locatário (depoimento da testemunha);

AA.        Grande parte dos locatários fazem opção de compra no final dos respectivos contratos (depoimento da testemunha);

BB.         Sempre que há incumprimento do contrato pelos clientes ou não há opção de compra, a Requerente tem de recuperar as viaturas e providenciar  a sua venda (depoimento da testemunha);

CC.         Durante os contratos de locação financeira podem suceder cessões das posições contratuais, que implicam que a Requerente faça novos registos (depoimento da testemunha);

DD.        Há contratos de locação financeira com durações de 8 a 12 anos, em que a Requerente tem de desenvolver acções ao longo do respectivo período (depoimento da testemunha);

EE.          A actividade da Requerente relativa a cada contrato, no que concerne ao financiamento, dura cerca de 30 dias (depoimento da testemunha);

FF.          A remuneração da Requerente relativa a toda a actividade para a qual  não estão previstas comissões específicas é feita pelos juros (depoimento da testemunha);

GG.        A actividade da Requerente que consome mais recursos gerais (como por exemplo, electricidade e internet) é a desenvolvida após a entrega das viaturas aos clientes, decorrente da disponibilização das viaturas aos clientes durante todo o contrato que perdura por vários anos, sendo a parte da actividade relativa ao financiamento desenvolvida na parte inicial, antes da disponibilização dos veículos aos clientes (depoimento da testemunha);

HH.        É muito maior o consumo de recursos gerais na actividade de locação financeira do que na actividade de concessão de crédito (depoimento da testemunha);

II.            Todas as acções desenvolvidas pela Requerente que não se referem à celebração do contrato e faltas de pagamento de rendas, decorrem do facto de a Requerente ser proprietária dos veículos no âmbito do contrato de leasing e de ter que assegurar a disponibilização do veículo durante todo o contrato, o que não acontece no âmbito de um contrato de concessão de crédito em que apenas é necessário à instituição financeira atribuir o financiamento, emitir  uma factura mensal para pagamento das rendas e actuar no caso de não pagamento (depoimento da testemunha);

JJ.           Comparando as operações de crédito automóvel (isentas de IVA) e as de leasing, é muito maior a utilização de recursos gerais nesta última, o que decorre do facto de nesta última, para além de actividade de contratação de financiamento e gestão dos contratos idêntica à de concessão de crédito, existir toda a restante actividade referida, decorrente da prestação de serviços se consubstanciar na disponibilização dos veículos aos clientes (depoimento da testemunha);

KK.         A utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente foi sobretudo determinada pela disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira;

LL.          A Requerente tem colaboradores afectos à actividade de locação financeira, para além de intervenções ocasionais de outros nas dezenas de balcões que tem abertos ao público (depoimento da testemunha);

MM.      A Requerente pagou a quantia autoliquidada relativamente ao último período de 2019 (facto afirmado pela Requerente e não questionado);

NN.        Em 04-01-2021, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

2.2.1. Não se provou a exacta medida da utilização de recursos de utilização mista pela Requerente relacionada com as operações de locação financeira e de concessão de crédito, provando-se, no entanto, que a primeira consome manifestamente mais recursos desse tipo que a segunda, consumo esse decorrente da disponibilização dos veículos aos clientes, que ocorre no âmbito dos contratos de locação financeira e não nos de concessão de crédito.

 

2.2.2. Não se provou que, no caso em apreço, a utilização do método de determinação do pro rata baseado no volume de negócios, provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», designadamente, que possa «provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas».

Na verdade, estes juízos conclusivos são utilizados no ponto 8 do ofício circulado n.º 30108, mas não foi apresentada qualquer prova das afirmações neles contidas, nem sequer são esclarecidas quais as «vantagens ou prejuízos injustificados» a que se alude.

 

2.2.3. Embora se tenha considerado provado que a Requerente pagou a quantia autoliquidada relativamente ao último período de 2013, não foi apurada a data em que foi feito o pagamento.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

2.3.1. Os factos que foram dados como provados tiveram por base os documentos juntos pela Requerente, no processo administrativo e na prova testemunhal.

 

2.3.2. A testemunha B... é Director do Departamento Centro de Ativos da Requerente e aparentou depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base no seu depoimento, acima indicados.

 

2.3.3. Quanto à correspondência à realidade dos valores de cálculo do pro rata e as percentagens que resultam da aplicação dos dois métodos de cálculo, consideram-se provados, pois são reconhecidos como correctos no ponto 46 da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa:

«46.   De facto, a inclusão das duas mencionadas componentes conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 23% contra os 10% referidos e refletidos na declaração periódica de IVA em análise. O que significa que teria direito a deduzir o montante de € 1.477.883,54.»

 

2.3.4. Em face da prova produzida, designadamente, o facto de ser manifestamente maior a actividade da Requerente em contratos de locação financeira que não é comum à actividade de concessão de crédito e é derivada exclusivamente da necessidade de  assegurar aos seus clientes o gozo temporário das viaturas, em que se consubstancia a prestação de serviços objecto da locação financeira (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho), é convicção dos Árbitros, decisiva para a fixação da matéria de facto [artigo 16.º, alínea e], do RJAT], que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente foi sobretudo determinada pela disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira.

 

               

                3. Matéria de direito

 

                3.1. Enquadramento da questão e posições das Partes

 

                3.1.1. Legislação aplicável sobre o direito a dedução de IVA

 

Os artigos 168.º, 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelecem o seguinte:

 

Artigo 168.º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b)  O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27.º;

c)  O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2.o, n.º 1, alínea b), subalínea i);

d)  O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º;

e)  O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.

 

Artigo 173.º

1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

 

Artigo 174.º

1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

 

Os artigos 16.º, 19.º, 20.º e 23.º do CIVA estabelecem o seguinte, no que está em causa no presente processo:

 

Artigo 16.º

Valor tributável nas operações internas

 

1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:

(...)

h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.

 

 

 

Artigo 19.º

Direito à dedução

 

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

 

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

 

 

Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

 

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

 

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

 

 

3.1.2. O direito a dedução de IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas

 

Por isso, por força do disposto nos artigos 168.º, alínea a), da Directiva n.º 2006/112/CE e 20.º, n. 1, alínea a), do CIVA, a Requerente tem, em princípio, direito a deduzir o IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços utilizados nas suas operações tributadas.

Em Portugal, a actividade de locação financeira mobiliária é totalmente tributada e não isenta, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, pelo que uma entidade que  desenvolva apenas este tipo de actividade pode deduzir todo o IVA suportado para a realizar.

Porém, a Requerente é um sujeito passivo misto, pois é uma instituição de crédito que, além de desenvolver actividade tributada e não isenta de locação financeira (e ALD), realiza também operações isentas, nomeadamente operações de financiamento/concessão de crédito, que beneficiam da isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.

Relativamente aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações económicas com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações [artigos 173.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n 1, alínea b] do CIVA).

Essa proporção ou pro rata de dedução é determinada por uma fracção  que inclui «no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução» e «no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução» [ artigo 174.º, n.  1, alíneas a] e b), da Directiva n.º 2006/112/CE.

Aplicando estas regras, sendo a actividade de locação financeira tributada e não isenta, quanto à totalidade do valor das rendas [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], o  montante destas deverá ser incluído totalmente no numerador, inclui-se no «montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução».

 

3.1.3. A limitação do direito à dedução relativamente a IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas

 

Estas regras da determinação do pro rata de dedução relativamente a actividades económicas, podem ser afastadas nas situações previstas no n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, em que se inclui «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

Eventualmente, terá sido ao abrigo desta disposição, que tem alguma correspondência como os n.ºs 2 e 3, alínea b) do artigo 23.º do CIVA, que o Ofício Circulado n.º 30108 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem concomitantemente actividade de locação financeira, integralmente tributada, e outras actividade isentas, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).

Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor a este tipo especial de sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades».

Em segunda linha, no ponto 9 daquele Ofício Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afectação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

Em suma, o regime especial previsto no Ofício Circulado consiste em impor a este tipo de sujeitos passivos a dedução segundo a «afectação real», que deverá ser efectuada de duas formas:

– preferencialmente, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades»;

– sempre que tal não seja possível, a «afectação real» será efectuada utilizando um «coeficiente de imputação específico», que é determinado calculando a percentagem de dedução apenas com base no montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, e não, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º, com base em «todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica».

A Requerente na autoliquidação relativa ao mês de Dezembro de 2017 aplicou a regra que consta do ponto 9 do referido Ofício Circulado, tendo no cálculo do pro rata de dedução definitivo, previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, relativo a bens de utilização mista, excluído do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras dos bens locados, pois não considerou «viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real», como se indica no ponto 8 do Ofício Circulado.

Posteriormente, a Requerente constatou que, se tivesse incluído a totalidade das rendas do leasing no cálculo do critério de dedução, seria encontrada a percentagem de dedução de 23%, em vez de 10%.

A Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação relativa ao último período de 2019, defendendo, em suma, que a desconsideração, no cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da actividade de leasing e ALD se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA.

A reclamação graciosa foi indeferida.

 

3.1.4. Posições essenciais das Partes

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente defende, em suma, o seguinte:

– o n.º 1 do seu artigo 16.º o CIVA estabelece que “(...) o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro”;

– na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º clarifica-se que, no âmbito contratos de locação financeira, 0 valor da “renda recebida ou a receber do locatário” constitui o valor tributável sobre que há-de incidir o imposto;

– a locação financeira não reveste qualquer especificidade nem conhece uma disciplina especial ao abrigo da qual possa cindir-se a renda nas suas diversas (e implícitas) componentes;

– o artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, fixa uma fórmula de cálculo imperativa para efeitos de determinação do IVA proporcionalmente dedutível, em que a percentagem de dedução resulta de uma fracção cuja composição ou fórmula de cálculo está pré definida sem quaisquer concessões a uma margem de livre decisão dos Estados Membros;

– no n.º 2 do artigo 174.º, indicam-se taxativamente montantes que não são tomados em consideração no cálculo da percentagem de dedução: transmissões de bens de investimento, por um lado, e operações imobiliárias e financeiras, quando sejam acessórias, por outro lado;

– nada mais, à luz da Directiva IVA, deve ser excluído do cálculo do pro rata;

– relativamente a métodos alternativos à percentagem de dedução ou pro rata, a Directiva IVA (no n.º 2 do artigo 173.º) apenas prevê a possibilidade de os Estados-Membros:

(a) Permitirem ou obrigarem os sujeitos passivos “mistos” a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade (no pressuposto, naturalmente, de que os sujeitos passivos em causa exercem diversas actividades) - alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA; e,

(b) Permitirem ou obrigaram os sujeitos passivos “mistos” a deduzir o IVA com base na afectação (utilização efectiva) dos bens ou serviços adquiridos - alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA;

 – a Requerente só exerce actividade financeira, pelo que está afastada a possibilidade de aplicação da alínea a);

– não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira as apontou no Ofício-circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção;

– não está suficientemente fundamentada a alegações de existência variáveis que podem conduzir a distorções significativas na tributação;

– a AT não fez prova da existência de qualquer distorção;

– a primeira ilegalidade do Ofício-Circulado n.º 30108 reside na imposição do método da  afectação real quando não se verificam os pressupostos que a legislação Portuguesa elege como  determinantes para que tal imposição autoritária possa verificar-se (conforme previstos no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA: serem exercidas actividades económicas distintas e o pro rata conduzir a distorções significativas na tributação);

– a segunda ilegalidade do supra referido Ofício-Circulado prende-se com o facto de, perante a impossibilidade de aplicação concreta do método da afectação (real) aos recursos de utilização mista (dado que, como atrás referido, é inviável identificar critérios objectivos que com um mínimo de rigor e segurança conduzam a uma correcta concretização/mensuração da mencionada afectação ou utilização efectiva), determinar a aplicação de uma percentagem de dedução calculada com exclusão de uma parte do valor (relevante) das operações de locação financeira para efeitos de IVA, contraria a fórmula única e injuntiva prevista no artigo 174.º da Directiva IVA e nos n.os 4 e 5 do artigo 23.º do Código do IVA;

– a criação de tal imposição, no domínio da incidência tributária, violaria ainda o n.º 2 do artigo  103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), que estabelece que “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”;

– o ponto 9 do Ofício Circulado viola ainda o artigo 112.º, n.º 5, da CRP, para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP];

– mesmo que a solução referida não enfermasse de ilegalidades por violação de normas constitucionais referidas, tal solução sempre seria inválida por colidir e ser incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA, de que decorreria violação do artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, acompanha, no essencial, a posição assumida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, dizendo o seguinte, em suma, sobre esta matéria:

– O que está aqui em questão é tão-somente dois pontos:

- Saber se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»

- Saber se os custos os em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos actos de financiamento e gestão dos ditos contratos;

– a locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário;

– o objecto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes;

– um dos objectivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire directamente;

– nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira é correspondente à amortização financeira ou do capital;

– o valor de aquisição do bem objecto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário;

– no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objecto do contrato de locação, por via do método da imputação directa;

– deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem:

– a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo;

– é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os de aquisição de recursos utilizados, indistintamente, em operações com e sem direito à dedução;

– se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido na aquisição da generalidade dos bens ou serviços com utilização mista;

– o procedimento adoptado pela Administração Tributária, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, e com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA;

– o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira foi aceite pelo TJUE no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), e também pelo Supremo Tribunal Administrativo;

  a AT veio a reproduzir o aludido critério através do Ofício-Circulado n.º 30.108, fê-lo apenas a pedido e de acordo com as instruções do legislador, que expressamente determinou;

– a AT podê-lo-ia até fazer casuisticamente, sujeito passivo a sujeito passivo, aplicando o critério que entendesse mais consentâneo à situação em concreto, que respeitasse a neutralidade do imposto;

– não se está, pois, perante uma excepção nem perante uma violação ao princípio da legalidade, presente no artigo 103.º, n.º 2 da CRP;

– a jurisdição arbitral está vinculada à interpretação efectuada pelo Tribunal relativamente ao artigo 17º, nº5 da Sexta Directiva IVA (actual artigo 173º, nº2 da Directiva nº 2006/112 CE), em causa nos presentes autos, já que o artigo 23º do Código do IVA procedeu à sua transposição para o direito interno nacional;

– a decisão do TJUE tem valor de caso julgado e é obrigatória;

– apesar de afirmar o quão significativos são os custos suportados para disponibilização das viaturas no conjunto total de custos da sua actividade, a Requerente nunca os chega a quantificar, menos ainda justifica o motivo por que esses custos permitem, em sua perspectiva, a alteração da percentagem dedução;

– todas as despesas em que incorre são refletidas diretamente através da cobrança de comissões junto dos clientes e indirectamente através da fixação e posterior ajustamento das taxas de juro ao cliente;

– a renda da locação financeira é subdividida em 4 partes: 

- uma, para amortizar o preço que o banco pagou ao stand;

- outra parte da renda será para compensar o preço do dinheiro, do financiamento propriamente dito;

- depois, outra parte, que comporta o risco do cliente, o rating que cobrirá a percentagem média de incumprimento daquele tipo de cliente;

- e depois haverá ainda uma outra parte que é para cobrir os custos gerais mistos, indiferenciados, cuja dedução aqui se discute;

– a Requerente não prova minimamente que as despesas em que incorre com os contratos de locação financeira seja sobretudo determinada pela disponibilização de veículos;

– E mesmo que o fosse, note-se que o juro já cobre o ressarcimento das despesas mistas, ditas indiferenciadas, porquanto abarca uma componente que respeita à remuneração das despesas gerais;

– o STA entendeu que é necessário «descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.»;

– essa prova competia somente à Requerente, o que não fez;

– o período de pré-venda, de formalização de contrato, de aquisição do veículo pela entidade locadora - a ora Requerente - e de posterior disponibilização/entrega do veículo ao cliente - o locatário -, conhece uma janela temporal curta de 15 dias/ um mês, face ao período de vida útil de um contrato bastante mais longo, que vigora no tempo por prazos que podem variar, normalmente, entre os 2 e os 4 anos;

  o acto de disponibilização a que a jurisprudência nacional e comunitária se refere não corresponde ao que a letra da lei, no âmbito do artigo 1.º do DL n.º 149/95, de 24 de Junho, designa de acto de cedência do gozo temporário de uma coisa;

 – todos os custos incorridos durante a vida útil do contrato se encaixam naquilo que se designa de gestão do contrato – e não custos de disponibilização, que se referem, como se disse, à pré-venda, à concepção e à entrega do veículo ao cliente;

– com vista à disponibilização dos veículos, a aquisição do veículo, que será um substancial input incorrido pela Requerente na actividade de locação financeira, é neutralizado pelo exercício do direito à dedução que aí assiste;

– não há outros inputs relativos à disponibilização dos veículos;

– as restantes despesas, que ganham peso durante a vigência do contrato, situam-se ao nível do financiamento e da gestão, decorrentes das vicissitudes do contrato, como seja despesas com advogados, fornecedores externos, solicitadores, tratamento de multas, de coimas, infracções, tratamento do imposto único de circulação, ou decorrentes da gestão corrente da actividade – água, luz, condomínio, software, sistema de alarmes;

– o locador fica liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação;

– os gastos mistos despendidos tanto com a gestão e financiamento dos contratos como com a disponibilização dos respectivos veículos se encontram totalmente reflectidos na taxa de juro estipulada entre locador e locatário, assim como reflectidos acessoriamente nas comissões debitadas ao cliente durante o período útil de vida do contrato de locação financeira;

– todos os custos associados à gestão de financiamento de contrato, aquando da análise do risco, se reflectem na taxa de financiamento aplicada aos clientes, em particular aos que se apresentem em situação financeira mais frágil ou que constem numa “lista negra de compliance”, através do agravamento dos valores aplicados;

– todos os custos sem excepção se encontram sob o manto das taxas e das comissões cobradas aos clientes;

– a Requerente não apresentou qualquer quantificação quanto às significativas e inúmeras interacções a que alude, também não indica em percentagem a quantidade de contratos de locação em que, no seu termo, as viaturas não foram adquiridas pelos clientes; Isto é, não indica a percentagem de contratos de locação em que no final o veículo fica na propriedade do Banco, obrigando-o à posterior venda, “casos em que as referidas áreas deverão interagir”;

– também não indica em percentagem ou através do recurso a outro método de cálculo, quantas foram, no ano aqui em dissídio, as “situações em que, por retardamento no registo das viaturas pelo adquirente na sequência da conclusão do contrato, continuam a ser remetidas para a Requerente, multas, coimas e IUC’s para pagar. Com efeito, mesmo após a cessação do contrato, continuam a existir interacções com os clientes, relativas à disponibilização/gestão operacional das viaturas.”;

– a Requerente se faz remunerar junto dos seus clientes dos custos em que incorre, nomeadamente, para o que aqui interessa, do IVA que incide sobre o segmento dos juros e das comissões imputados aos clientes, os quais suportam a quase totalidade dos custos em que incorre na actividade financeira;

– os custos inerentes ao período de vida útil de um veículo, no âmbito de um contrato de locação financeira, se qualificam como custos com a gestão do dito contrato;

– não se justifica o reenvio prejudicial.

 

3.2. Apreciação da questão

 

Antes de mais, importa notar que não existe qualquer caso julgado, pois este tem limites subjectivos, exigindo identidade de sujeitos (artigos 581.º, n.º 2, e 619.º, n.º 1, do CPC).

Não tendo a Requerente sido parte no processo em que interveio o Banco Mais, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, está afastada a possibilidade de se lhe estender o caso julgado formado sobre a sua decisão.

A Requerente desenvolve actividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como actividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).

Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua actividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na actividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].

No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (como é a locação financeira), como na actividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).

Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).

Tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).

Mas, o sujeito passivo pode optar por «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA). (  )

A utilização deste método de afectação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» [alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º]. A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».

Através do referido Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afectação real» (ponto 8).

Segundo os pontos 8 e 9, a «afectação real» deverá fazer-se de suas formas:

– se for possível, faz-se «a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);

– se não for «possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.

No caso em apreço, está-se perante uma situação em que não há controvérsia entre as Partes quanto à inviabilidade de utilização do método da afectação real, com base em critérios objectivos, tendo a Requerente utilizado nas liquidações impugnadas este «coeficiente de imputação específico» determinado da forma prevista no ponto 9, considerando no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, excluindo do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.

No entanto, a Requerente defende que este método é ilegal, pelo que deve ser determinado o pro rata de dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, isto é, deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

 

 

3.2.1. A jurisprudência do TJUE  e do Supremo Tribunal Administrativo

 

3.2.1.1. Jurisprudência do TJUE

 

O TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que desenvolve actividades de locação financeira que conferem direito à dedução e outras actividades financeiras, que não conferem tal direito.

As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) (  ).

Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

No acórdão proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), no âmbito de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Na linha do decidido pelo TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já, no acórdão de 29-10-2014, proferido no processo n.º 01075/13, que «os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros».

Posteriormente, no acórdão de 18-10-2018, proferido no processo C-153/17 (Volkswagen Financial Services (UK) Ltd), o TJUE, corrigindo a interpretação que entendeu que se podia fazer do decidido no acórdão Banco Mais, esclareceu que «não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega».

Como se refere neste acórdão, pode impor-se

– «um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios» (n.º 51);

– «qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução» (n.º 52);

– «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios».

 

 

O método de cálculo do pro rata indicado pela Administração Tributária no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 não tem em conta o valor do veículo, pelo que contraria manifestamente o decidido pelo TJUE, neste acórdão do processo C-153/17, sendo consequentemente ilegal, por violação do Direito da União.

Por outro lado, como se refere no mesmo acórdão, este entendimento é aplicável «mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis (...) não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação» (n.º 59), como sucede no caso em apreço.

Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar  de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a actividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.

Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fracção, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fracção (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).

De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, casuisticamente apurada, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo ao entender que decorre daquela decisão do TJUE «que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (  ).

Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, interpretando o referido acórdão do TJUE que «resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».

À face desta jurisprudência, só pode ser aplicado o método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 se se demonstrar que «a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» .

Sendo este um pressuposto cujo preenchimento é necessário para permitir a aplicação do regime excepcional imposto pela Administração Tributária, a consequência da sua não demonstração é a aplicação do regime-regra.

No caso em apreço, não se demonstrou que, no ano de 2019, «a utilização desses bens e serviços de utilização mista» tenha sido  «sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», o que, desde logo, afasta a possibilidade de utilização do coeficiente específico previsto no n.º 9 do Ofício Circulado n.º 30108.

Na verdade, da prova produzida resulta que a actividade desenvolvida na fase inicial do contrato, antes da entrega dos veículos aos clientes e directamente destinada a disponibilizá-los, tem uma dimensão considerável, ocupando colaboradores da Requerente em permanência e intervêm nela ocasionalmente muitos outros nas dezenas de balcões abertos ao público.

Para a actividade posterior à entrega dos veículos aos seus clientes, a Requerente dispõe de colaboradores, mas nesta fase englobam-se várias actividades que não são provocadas pela gestão dos contratos nem pelo financiamento, mas sim derivadas da disponibilização dos veículos, como é o caso do controle da manutenção de seguro válido pelos milhares de clientes da Requerente, resolução de problemas com infracções rodoviárias e acidentes com os veículos e controle do pagamento do Imposto Único de Circulação.

Todas estas actividades ocorrem apenas nos contratos de locação financeira de veículos, porque o veículo é propriedade da Requerente e é disponibilizado ao cliente durante o período de duração do contrato, pelo que são actividades geradas pela disponibilização dos veículos e não pelo financiamento ou gestão dos contratos.

Trata-se de actividades que não ocorrem quando não há disponibilização dos veículos, mas apenas financiamento, como sucede nos contratos de mera concessão de crédito para a  aquisição de veículos, em que os clientes adquirem os veículos para si  próprios. 

Assim, actividades relacionadas com a gestão dos contratos de locação financeira serão (como sucede com os contratos de concessão de crédito) apenas as que se reportam aos próprios contratos, como são a maior parte daquelas para que estão previstas comissões comuns para os contratos de leasing e crédito automóvel, designadamente o reembolso antecipado parcial ou total, o processamento mensal das rendas ou prestações, a recuperação de valores em dívida e alterações contratuais, além de algumas exclusivas dos contratos de locação financeira, como são a transmissão da posição jurídica do locatário e alteração de registos.

Não se apurou a exacta dimensão de recursos de utilização mista não considerados no valor das comissões que são utilizados em cada uma das actividades referidas, nem há qualquer fundamento para concluir que sejam proporcionais ao número de pessoas que intervêm em cada uma das fases, designadamente porque, além dos colaboradores afectos em permanência à actividade de leasing, há intervenções nessa actividade dos seus colaboradores em cada um dos seus  balcões em que é feito o atendimento directo dos clientes.

De qualquer modo, apurou-se que, além da actividade anterior à entrega dos veículos, destinada à sua disponibilização ao clientes, é considerável a actividade posterior à entrega dos veículos que é provocada pela sua disponibilização, actividade que não ocorre nos contratos de mero financiamento (crédito automóvel) em não é feita disponibilização dos veículos pela Requerente aos seus clientes.

Afigura-se mesmo, embora sem a certeza que só poderia resultar de uma quantificação exacta, que as actividades anteriores à entrega dos veículos e as posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, serão de maior dimensão e consumirão mais recursos de  utilização mista  do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos. Como disse a testemunha António Machado, referindo-se às actividades próprias dos contratos de locação financeira que não existem nos contratos de concessão de crédito, «o que vem a seguir à utilização do dinheiro é que dá trabalho».

Assim, à face da prova produzida e da jurisprudência do TJUE, não se demonstra a verificação de uma situação em que possa ser imposto o método referido à Requerente, pelo que a imposição que foi feita por via do n.º 9 do Ofício Circulado 30108 é incompaginável com o Direito da União.

De qualquer forma, em face do que se disse, fica-se, pelo menos perante uma situação de «fundada dúvida» sobre a quantificação do facto tributário, em que se justifica a anulação do acto impugnado, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que é uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.

 

 

3.2.1.2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo

 

                Nos acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 04-03-2020, proferidos nos processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, interpretando a jurisprudência do TJUE, entendeu-se, por maioria, o seguinte:

Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação europeia. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Precisamente como se referiu no Acórdão do TJUE proferido a 18 de Outubro de 2018 no âmbito do Processo n.º C-153/17 (Acórdão Volkswagen), incisivamente referido pela Recorrida, “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C 183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega”.

Aquilo que importa é, portanto, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Porém, compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.

 

                Entendeu-se, assim, em suma:

– é compatível com  o Direito da União Europeia «criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista»;

– mas, esse sistema  não pode ser aplicado em todas as situações, antes a aplicação de tal sistema específico «será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta»;

– não é permitido  «aos Estados Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega»;

– o que importa, para aplicar tal sistema específico, é que se formule «um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».

 

                Infere-se desta jurisprudência que a imposição do «sistema específico» de determinação do pro rata de dedução previsto nos n.ºs 8 e 9 do Ofício Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega, apenas podia ser decidida de forma generalizada, como aí se determinou, se se demonstrasse que «a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira.

                Fazendo depender tal imposição de uma apreciação casuística da «utilização desses bens e serviços de utilização mista», a referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo aponta para a necessidade  de demonstração dessa utilização no período a que se reporta o imposto deduzido, no mínimo no ano a que se refere, tendo em conta a fixação anual dos valores definitivos  que se prevê no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.

                Neste caso, quanto ao ano de 2017, que aqui está em causa, não foi possível comprovar que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo pelo financiamento e pela gestão dos contratos, pois não se produziu qualquer prova que permita quantificar a utilização desses recursos e o facto de existirem actividades que se concentram primacialmente na fase inicial do contrato, destinadas a disponibilizar os veículos, e outras que se prolongam ao longo dele, em que também se incluem consideráveis tarefas conexionados com a disponibilização dos veículos, não permite concluir, com segurança, em quais dessas tarefas são utilizados mais bens ou serviços de utilização mista. Mas, como se referiu, são consideráveis as actividades anteriores e posteriores à entrega dos veículos aos clientes decorrentes da necessidade de disponibilizar os veículos, apontando a prova produzida, embora sem uma quantificação precisa, no sentido de serem de maior dimensão e consumirão mais recursos de  utilização mista  do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos.

                Assim, não está preenchido o requisito de que o Supremo Tribunal Administrativo, na leitura que fez da jurisprudência do TJUE, entendeu que depende a imposição de utilização de um sistema específico, traduzido num «método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega».

                Por isso, tem de se concluir que, no caso concreto, a imposição à Requerente da utilização do «sistema específico» de determinação do pro rata de dedução previsto nos pontos 8 e 9 do ofício circulado n.º 30108 é incompatível com  o Direito da União Europeia, que, na interpretação do Supremo Tribunal Administrativo, só permite tal imposição «quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», o que não se provou, designadamente quanto ao ano de 2017.

                De qualquer forma, como já se disse quanto ao ponto anterior, fica-se, pelo menos perante uma situação de «fundada dúvida» sobre a quantificação do facto tributário, em que se justifica a anulação do acto impugnado, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que corresponde a uma regra específica para situações em que esse tipo de dúvida subsiste.

 

 

3.2.2. Ilegalidades imputadas pela Requerente ao Ofício Circular n.º 30108

 

3.2.2.1. Inconstitucionalidade da previsão de um método de dedução não previsto em diploma de natureza legislativa

 

Embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

                Na verdade, entre os métodos para efectuar a dedução prevista no CIVA, não se inclui o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, mas sim, quanto a métodos que utilizam uma percentagem de dedução, apenas o indicado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e que o que foi permitido ao Estado Português pela Directiva, por via legislativa, não era permitido à Direcção-Geral dos Impostos, através de Ofício-Circular.

                Esta questão de saber se, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efectuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), por via de Ofício-Circulado emitido pela Direcção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.º, n.ºs 22 e 3, alínea b), do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Português, por via legislativa, podia criar tais métodos, à face do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE.

                Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIVA e do Ofício-Circular referido, não é uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correcção ou incorrecção da sua aplicação.

                Esta questão de inconstitucionalidade não é, assim, a de saber se, à face do Direito da União Europeia, do CIVA e do Ofício-Circular n.º 30108, a Administração Tributária podia impor ao Sujeito Passivo o método previsto no ponto 9 deste Ofício-Circular, mas sim a de saber se aquele artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIVA é materialmente inconstitucional ao permitir à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

                As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva.

                Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» (  ).

                 Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito activo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais. (  )        

                Assim, por inconstitucionalidade consubstanciada em violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do  artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009,  segundo a qual, a Administração Tributária  poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.

 

3.2.2.2. Ilegalidade da imposição através de norma administrativa de um método de execução do direito a dedução não previsto legislativamente

 

                Não tendo o método de exercício do direito à dedução  previsto no n.º 9 no Ofício Circulado n.º 30108 sido previsto em diploma de natureza legislativa, não pode a Administração Tributária determinar a sua aplicação, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». (  )

Por isso, não tendo suporte legislativo a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

Mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP].

Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). (  )

É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

                Consequentemente, a autoliquidação efectuada pela Requerente aplicando as regras dos n.ºs 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, impostas pela Administração Tributária, enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, decorrente da ilegalidade da imposição dessas regras, vício esse que justifica a anulação da autoliquidação, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a confirmou.

 

3.2.2.3. Ilegalidade do método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado por ser incompaginável com o artigo 23.º do CIVA

 

Para além de a faculdade prevista no n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, de «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não ter sido validamente utilizada pelo legislador nacional, o método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, é ilegal por contrariar o regime que consta do artigo 23.º do CIVA.

Na verdade, os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do CIVA são:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» [n.º 1 alínea b) com remissão para o n.º 4];

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º).

Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 [(que, para os bens e serviços afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1] «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

Assim, a questão que se coloca reconduz-se a saber se nestes n.ºs 2 e 3, alínea b), se inclui a possibilidade determinação da «afectação real» através de uma percentagem de dedução.

Neste n.º 2 apenas se prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.

Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º.

Aliás, o autor do Ofício Circulado 30108, não tem dúvidas de que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado 30108, não é um critério objectivo, pois até diz expressamente que esse método é para aplicar «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns».

Não é pelo facto de a Administração Tributária atribuir a qualquer método a designação de «afectação real» que esse método passa a ser um método objectivo e só cabem neste conceito os métodos que permitam, com objectividade, «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução».

Por outro lado, a alínea c) do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, ao referir que os Estados–Membros podem «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», tem o alcance de poderem impor ao sujeito passivo a medição da «intensidade efectiva e real da utilização dos bens e serviços em cada um dos tipos de operações em causa (tributadas e isentas com direito a dedução, por um lado, e isentas sem direito à dedução, por outro)» (  ) e não se atinge essa intensidade efectiva e real através de um método proporcional (pro rata).

  De qualquer forma, mesmo que se entenda, como se entendeu no acórdão Banco Mais, que aquela alínea c) do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE  poderá, de alguma forma, dar cobertura ao método previsto no n.º 9 do Ofício Circulado 30108 (   ), o certo é que essa possibilidade, a ser permitida por aquela norma, não foi legislativamente concretizada no CIVA. (  )

Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3, alínea b),  do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução, alternativa em relação à percentagem prevista no n.º 4.

Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

 

3.2-3. Falta de prova de «distorções significativas da tributação»

 

De qualquer forma, a aceitar-se a possibilidade de a Administração Tributária impor o método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado 30108, ele só é aplicável, como se refere na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação».

A Administração Tributária defende que a aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário e as normas de direito interno (nomeadamente, artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA, e o artigo 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.

A Requerente defende que não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a AT as apontou no supra referido Ofício-circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção.

Na verdade, não se referem no Ofício Circulado em que consistem as «distorções significativas na tributação» que resultam da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, formulando-se nesse sentido um juízo conclusivo, cujos fundamentos não se demonstram. A afirmação feita no ponto 8. do Ofício Circulado de que «aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas» é também conclusiva e obscura, pois não se esclarece quais as aludidas vantagens ou prejuízos e para quem nem em que consiste a falta de coerência que se invoca.

                De qualquer forma, o procedimento que a Administração Tributária impôs no referido Ofício Circulado tem a potencialidade de provocar distorções significativas na tributação, como bem demonstram JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS (  ), relativamente à locação financeira com rendas mensais constantes:

«Ora não se consegue demonstrar que o expurgo da amortização financeira contribui para uma sintonia mais fina na determinação da parcela de imposto dedutível. Bem ao invés, demonstra-se que o procedimento que a AT quer obrigar o sujeito passivo a adoptar provoca distorções significativas de tributação e não consegue de modo algum o objectivo que a lei, no artigo 23.º, n.º 3, atribui ao método da afectação real – o objectivo de efectuar a dedução de “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços [de uso “promíscuo”] em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.

Em financiamentos cujo reembolso é efectuado em prestações  periódicas, sabe-se que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, esta dada pela diferença entre renda total e juro pago. Nas sucessivas prestações, quer em termos de rendas constantes quer de rendas variáveis, como a seguir melhor se verá numericamente, a parte imputável a juros vai flutuando ao longo do tempo de duração do contrato».

Sendo assim, que consequência tem o apuramento do IVA dedutível segundo o método imposto pela AT de expurgar a amortização do cálculo da parcela dedutível? Tem a consequência de fazer flutuar a percentagem de IVA dedutível ao longo do tempo de duração do contrato.

Esta flutuação, porém, só teria razão de ser se houvesse fundamentos para crer que ao longo desse tempo a intensidade do uso dos inputs promíscuos flutuava também na mesma onda. Ora, é bem claro que não há qualquer razão para crer que seja assim. A intensidade do uso desses bens e serviços será eventualmente a mesma, ou se não for, não é através de uma percentagem de dedução calculada com quer a AT que poderá ser apurada essa eventual diferença de intensidade.

A solução imposta pela AT provoca, ela sim, distorções na tributação. Pode entender-se que o método do pro rata a que chamaríamos normal não apura com suficiente rigor a parcela de imposto dedutível, mas ele é, sem dúvida, melhor do que trabalhar com uma percentagem de dedução que faz flutuar a parcela de imposto dedutível ao longo do tempo sem qualquer relação com diferenças na intensidade do uso dos inputs promíscuos pelo sector de actividade cujas operações conferem direito à dedução.

A pretensão da AT em aperfeiçoar o apuramento do imposto dedutível só poderia eventualmente ser conseguida impondo um verdadeiro método de afectação real, não um pro rata manipulado, sem significado e adequação ao objectivo pretendido de evitar distorções significativas na tributação».

 

                Assim, não se pode considerar demonstrado que, na situação em apreço, a  determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela Administração Tributária.

As distorções da tributação que resultam da aplicação do método previsto no Ofício Circulado n.º 30108 poderão ser amplificadas pela jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo, adoptada pelo Pleno no acórdão de  30-09-2020, processo n.º 26/20.8BALSB, em que entendeu que a jurisprudência do Acórdão Banco Mais, apenas é aplicável quando o sujeito passivo é um banco, e já não quando é uma sociedade financeira de crédito que utilize para as suas operações tributadas recursos de utilização mista não quantificáveis.

Na verdade, nas situações em que não seja possível a afectação real, não se aplicando o «coeficiente de imputação específico» quando o sujeito passivo é uma sociedade financeira, será aplicável ao cálculo do pro rata o regime do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, incluindo-se no numerador da fracção o valor total das rendas [que é na totalidade tributado, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA], enquanto se o sujeito passivo for um banco apenas será incluída no numerador a parte das rendas que corresponde aos juros.

Além das distorções de tributação que resultam da não inclusão do valor total das rendas na fracção quando o sujeito passivo é um banco, a aplicação do método referido apenas aos bancos é incompaginável com o princípio da igualdade, pois duas situações idênticas de sujeitos passivos mistos que realizem concomitantemente operações de locação financeira e operações isentas teriam uma tributação em IVA consideravelmente distinta.

A distorção da tributação provocada pelo método previsto no Ofício Circulado n.º 30108 detecta-se também quando se compara a limitação do direito à dedução da locação financeira quando é efectuada por um banco com a de um sujeito passivo que apenas se dedique à actividade de locação financeira, que sem qualquer limitação, poderá deduzir a totalidade do IVA suportado nos bens e serviços que adquira para exercer essa actividade, pois ela é totalmente tributada, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea h), do CIVA, e o artigo 20.º, n.º 1, deste Código assegura o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos para realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Por outro lado, a distorção da tributação que resulta da aplicação do método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, está também implicitamente reconhecida na jurisprudência mais recente do TJUE.

Na verdade, no acórdão Banco Mais, o TJUE tinha entendido que «o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pró rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel».

Mas, no posterior acórdão de 18-10-2018, processo C153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd), repensando explicitamente o entendimento adoptado no processo C-183/13  e restringindo o seu alcance, o TJUE veio esclarecer que «os EstadosMembros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd).

Na linha desta jurisprudência, tendo em conta que a obrigatoriedade da jurisprudência do TJUE implicará o acatamento da mais recente quando ela se modifica, tem de entender-se que o método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, tem de considerar-se não ser susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspectiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE.

 

3.2.5. Questão da prova das percentagens de dedução indicadas pela Requerente, com aplicação dos dois métodos

 

A Requerente indicou na reclamação graciosa os valores que entende permitirem a alteração da percentagem dedução de IVA de 10% para 23%., como sendo as percentagens que resultam, respectivamente, da aplicação do método imposto pelo n.º 9 Ofício Circulado n.º 30108 e da aplicação do método previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

A Administração Tributária, na decisão da reclamação graciosa, não pôs em dúvida que sejam essas as percentagens que resultam da aplicação dos métodos referidos, antes decidiu implicitamente, ao manter a autoliquidação, que a percentagem de 10%  que a Requerente utilizara naquela correspondia à realidade.

                Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.

                Está-se, assim, no âmbito de um contencioso de mera legalidade, em que se tem de apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral.

                Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.

                Quando dois actos têm por objecto definir a posição da Administração Tributária sobre a mesma situação jurídica, o segundo, quando não é confirmativo, é revogatório por substituição. (  )

                Os actos que indeferem impugnações administrativas, como é a decisão da reclamação graciosa, podem ser confirmativos, não alterando a ordem jurídica, quando «se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA).

                Mas, nomeadamente nos casos de decisão de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa de actos de liquidação, se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação-sanação se a fundamentação inicial era ilegal) (  ), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação.

                Nos casos em que a decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de pedido de reclamação graciosa e revisão oficiosa de autoliquidação), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois a autoliquidação não tem fundamentação originária emitida pela Administração Tributária. Por isso, está-se perante uma situação de revogação por substituição, em que a fundamentação do acto que subsiste na ordem jurídica após a decisão é a que consta desta, como está ínsito no artigo 147.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. (  )

                Mas, também neste caso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, subsequente ao acto que que decidir a impugnação administrativa.

                Por isso, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa que há que apreciar a legalidade da autoliquidação, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas foram invocados na Resposta apresentada no processo arbitral.

Como se referiu, a Administração Tributária, na decisão da reclamação graciosa, não pôs em dúvida que as percentagens de 10% e 23% indicadas pela Requerente como sendo as resultantes dos dois métodos de determinação do pro rata de dedução.

Antes pelo contrário, no ponto 46 da fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a Administração Tributária reconhece explicitamente a correspondência à realidade do que a Requerente afirma dizendo:

 

46.   De facto, a inclusão das duas mencionadas componentes conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 23% contra os 10% referidos e refletidos na declaração periódica de IVA em análise. O que significa que teria direito a deduzir o montante de € 1.477.883,54.

 

Por isso, não tendo sido fundamento de indeferimento a eventual dissonância dessas percentagens com a realidade, não pode este fundamento invocado a posteriori justificar a improcedência da pretensão da Requerente.

 

3.2.6. Conclusão

 

Pelo exposto, conclui-se que,

– sendo a actividade de leasing integralmente tributada e não isenta de IVA [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], a Requerente pode, em princípio, deduzir todo o IVA suportado com aquisição de bens e serviços utilizados nessa actividade;

– em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efectuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excepcional», dependendo de se verificar, casuisticamente,  que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros);

– não se tendo apurado que, no ano de 2019, a utilização dos bens e serviços de utilização mista tivesse sido sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de leasing, não se verifica uma situação em que possa ser imposto o referido método de dedução, pelo que o artigo 23.º, n.ºs 2, 3, alínea b), e 4, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado  n.º 30108 são incompatíveis com os artigos 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, e, consequentemente, a materialmente inconstitucional por ser incompatível com o artigo 8.º, n.º 4, da CRP, que estabelece a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Interno nacional;

 – em qualquer caso, o método previsto no n.º 9 do Ofício Circulado 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, não tem potencialidade para garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspectiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd,  e consequentemente, o artigo 23.º, n.ºs 2, 3, alínea b), e 4, do CIVA, na interpretação subjacente àquele ponto 9, é materialmente inconstitucional, por violação do   artigo 8.º, n.º 4, da CRP, que estabelece a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Interno nacional;

 – independentemente da compatibilidade daquele método como o Direito da União Europeia, a sua imposição no âmbito do Direito Nacional, apenas poderia ser feita por via de diploma legislativo e não de circular administrativa, pelo que aquela imposição viola o princípio constitucional e administrativo da legalidade e  [artigos 103.º, n.º2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 55.º da LGT], consequentemente, o artigo 23.º, n.ºs 2, 3, alínea b), e 4, do CIVA, na interpretação subjacente àquele ponto 9, é materialmente inconstitucional, por violação destas norma da CRP

– o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução, alternativa em relação à percentagem prevista no n.º 4;

– não se demonstrou que o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA provoque «distorções significativas da tributação», pelo que não se verifica o pressuposto em que o Ofício Circulado n.º 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9, e, consequentemente, a imposição na situação dos autos enferma de erro sobre os pressupostos de facto;

– não tendo sido a hipotética não correspondência à realidade das percentagens indicadas pela Requerente um fundamento do indeferimento da reclamação graciosa que manteve a autoliquidação, não pode ser invocado como fundamento de improcedência da pretensão da Requerente.

 

Pelo exposto, a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da constitucional e legal da legalidade e da primazia do Direito da União Europeia e por errada interpretação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do CIVA, e da alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.

Consequentemente, a autoliquidação relativa ao último período de 2019, em que foi dada execução a essa imposição, enferma de vício de violação de lei, na parte correspondente à errada aplicação do método de cálculo do pro rata de dedução, o que justifica a sua anulação bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a manteve, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.3. Reenvio prejudicial para o TJUE

 

Tem havido interpretações diferentes das decisões do TJUE que se citaram, designadamente feitas pelo Supremo Tribunal Administrativo e por Tribunais Arbitrais, pelo que, se a decisão da causa tivesse de basear-se exclusivamente na interpretação do Direito da União, seria obrigatório o reenvio prejudicial.

No entanto, implicando o reenvio para o TJUE uma considerável demora do processo, incompatível com o cumprimento do prazo legal para prolação de decisão arbitral previsto  no artigo 21.º do RJAT, só deve ser efectuado quando for imprescindível para a decisão da causa.

Decorre do atrás exposto sobre as questões de inconstitucionalidade, que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado procedente, desde logo, por recusa de aplicação do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, com fundamento em inconstitucionalidade, na interpretação imposta pelo Ofício Circulado n.º 30.108.

Sendo assim, no pressuposto de que é inconstitucional o artigo 23.º, n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do CIVA, na interpretação subjacente ao ofício circular n.º 30108, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, não é imprescindível para a decisão da causa a questão de interpretação do Direito da União, pelo que não se justifica o reenvio.

 

4. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios

 

Como se refere na decisão da matéria de facto, considerou-se provado que a Requerente pagou a quantia autoliquidada (o que não é controvertido), embora não se tenha apurado quando fez o pagamento.

A Requerente pede a restituição do imposto indevidamente suportado, no montante de 835.325,48, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2019 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

4.1 Restituição do imposto indevidamente pago

 

Resulta da prova produzida que a Requerente, aplicando no cálculo do pro rata a percentagem de 10% em vez de 23%, pagou a mais € 835.325,48, pois, sendo de € 14.709.913,50 o valor do IVA suportado nos recursos de utilização durante o ano de 2019, teria direito a deduzir o montante de 6.425.580,61 e deduziu € 642.558,06.

Assim, na sequência da anulação da autoliquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 835.325,48, que pagou indevidamente.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Recusar com fundamento em inconstitucionalidade, por ser incompaginável com os 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, a aplicação do artigo 23.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009;

b)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2019, consubstanciada na declaração periódica n.º...;

c)            Anular a referida autoliquidação, na parte em que foi deduzido IVA em montante inferior ao que resulta do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, com inclusão do valor total das rendas de locação financeira;

d)           Julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga em excesso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 835.325,48;

e)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 4.2 deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 835.325,48.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.934,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 20-10-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Francisco Carvalho Furtado)

(Júlio Tormenta)