Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 498/2020-T
Data da decisão: 2021-06-01  IVA  
Valor do pedido: € 39.215,67
Tema: IVA - Indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa – Ação arbitral – Falta de objeto.
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SUMÁRIO

 

A ausência do dever legal de decidir conduz a que o administrado não tenha a faculdade de presumir o indeferimento tácito pelo que o pedido de pronúncia arbitral formulado nestas circunstâncias tem de ser rejeitado por falta de objeto.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.Relatório

 

1. A… – …, LDA, NIPC …, com sede na …, …, Flores, …, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 28-09-2020, tem como objeto imediato a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa nº ...2020..., de 06-03-2020, apresentado junto do Serviço de Finanças de ..., respeitante a atos de liquidação de IVA e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos referidos atos tributários relativos aos períodos de tributação de 2016-01 a 2019-01, na parte em que, na sequência decisão do Subdiretor-Geral do IVA, de 28-05-2020, proferida sobre a informação n.º 7/SDG, da DSIVA, de 19-05-2020, ainda não foi reembolsada pela AT, no valor de € 39 215,67.

 

3. Além do reembolso da importância acima referida, A Requerente solicita, ainda, que lhe seja reconhecido o direito aos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta a Requerente, em síntese, que os atos tributários impugnados, decorrem da regularização de IVA relativo a “vendas a distância” a que aplicou o IVA português mas que seriam sujeitos a tributação em França e em Itália, por, nos termos do respetivo regime comunitário, excederem os limiares fixados nestes países. Muito embora tenha sido determinado, por via da referida decisão da Administração Tributária, o reembolso à Requerente do montante de IVA devido, e pago, junto das Administrações fiscais francesa e italiana, não foi tomado em consideração o montante de € 39 215,17, respeitante à diferença de taxas vigentes em Portugal (23%) – aplicada nas transações em causa - e em França (20%) e em Itália (22%),consideradas na regularização do imposto respeitante às transações sujeitas a tributação nestes Estados-Membros da União Europeia.

 

5. Em resposta ao que é pedido, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado:

- por exceção, invocando a inutilidade originária do pedido de pronúncia arbitral por falta de objeto por se ter pronunciado há menos de 2 anos sobre pretensão do mesmo autor relativa à mesma matéria, com os mesmos fundamentos, e,

- por impugnação, no sentido da improcedência do pedido, alegando, no essencial, a falta de sustentação legal.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 18-12-2020.

 

11. Por despacho de 03-05-2021, foi determinada a notificação da Requerente, para, querendo, se pronunciar sobre a exceção invocada pela AT, sendo-lhe concedido, para o efeito, o prazo de 10 dias. Dentro do referido prazo, a Requerente contestou a posição da AT, considerando que a mesma deverá improceder, por, em seu entender, carecer em absoluto de razão de facto e de direito.

 

12. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando o disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição arbitral por remissão expressa do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a junção de alegações, por desnecessárias.

 

13. Pelo mesmo despacho foi indicado o dia 20-06-2021 como data limite para prolação da decisão arbitral.

II. Saneamento

 

14. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

20. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

21. O processo não enferma de nulidades, tendo, contudo, sido suscitada exceção de inutilidade originária da lide por falta de objeto, considerada a inexistência do dever legal de decidir.

 

III. Matéria de facto

 

22. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

22.1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, com sede em ..., cujo objeto social consiste no “Comércio a retalho de computadores, unidades periféricas, programas informáticos, consolas e videojogos, equipamentos de telecomunicações e outros meios de comunicação; comércio de equipamento fotográfico, cinematográfico e audiovisual, comércio a retalho de eletrodomésticos, comércio de mobiliário de escritório, comércio e outros serviços; comércio de jornais, revistas, artigos de papelaria, discos, CD, DVD, cassetes e similares, comércio a retalho por correspondência ou via internet, venda por máquinas automáticas. Reparação de computadores, equipamento de comunicação, bens de uso pessoal e doméstico. Atividades dos serviços para animais de companhia. Organização de eventos desportivos e outros eventos.”

 

22.2. Para efeitos de IRC, encontra-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável. Em sede de IVA, enquadra-se no regime normal com periodicidade mensal.

 

22.3. A atividade de comércio a retalho é exercida em estabelecimentos comerciais que a Requerente possui nas cidades de Vila Real e de Bragança. Para além das vendas realizadas através desses estabelecimentos, promove e vende bens através do seu endereço na internet e através de plataformas (Amazon, Cdiscount), procedendo à sua expedição para entrega dentro e fora do território nacional.

 

22.4. Na sequência de pedido de reembolso de IVA formulado na declaração periódica do período 2019/05, no montante de € 350 672,87, foi a Requerente destinatária de procedimento de inspeção. Este procedimento, externo e parcial nos termos dos artigos 13.º, alínea b) e 14.º, n.º 1, alínea b), do RCPITA, teve por objeto aferir a legalidade das operações subjacentes ao direito de crédito relativo ao reembolso solicitado pelo sujeito passivo.

 

22.5. Na referida ação inspetiva, iniciada em 22-08-2019, constatou-se que o reembolso solicitado pelo sujeito passivo resulta da acumulação de créditos de períodos anteriores sendo originado, essencialmente, por regularizações de imposto a seu favor, no montante de € 273 607,18, inscrito no campo 40 do quadro 6 da declaração periódica do período 2019/05.

 

22.6. As referidas regularizações resultam, essencialmente, dos seguintes factos:

- Em 04-03-2016, o sujeito passivo ultrapassou o limiar para as vendas à distância efetuadas com destino a adquirentes particulares domiciliados em França, que, nos termos do artigo 34.º da Diretiva 2006/112/CE – Diretiva IVA – este Estado-Membro da União Europeia fixou em € 35 000,00. Não obstante este facto, que implica a deslocalização das transmissões de bens de Portugal para França, o sujeito passivo continuou a aplicar às mesmas a taxa de IVA em vigor no território nacional até 29-01-2019.

 

- Em 15-03-2016, o sujeito passivo ultrapassou o limiar para as vendas à distância com destino a adquirentes particulares domiciliados em Itália, fixado em € 35 000,00, continuando, contudo, a liquidar IVA à taxa vigente em Portugal.

 

22.7. Em 2019, o sujeito passivo pretendeu regularizar a situação procedendo à anulação de inúmeras operações de vendas a distância localizadas fora do território nacional, nomeadamente em França e Itália, faturadas e contabilisticamente registadas nos anos de 2016 a 2019, e emitindo notas de crédito a seu favor.

 

22.8. As notas de crédito, no caso das transmissões com destino a adquirentes domiciliados em França, foram emitidas na sequência de notificação à Requerente efetuada pela Administração fiscal francesa, relativa a liquidação de IVA devido naquele Estado-Membro. Esta liquidação decorre do faco de ter efetuado vendas a distância para não sujeitos passivos de IVA em França, em valor superior a € 35 000,00, sem que se tivesse registado naquele país como sujeito passivo e aí ter procedido à competente liquidação e entrega do imposto devido, em observância do regime comunitário do IVA nas vendas à distância.

 

22.9. As notas de crédito emitidas pelo sujeito passivo em 2019 para regularizar o imposto liquidado nas operações relativas a vendas a distância para França e Itália, totalizam o valor de € 1 341 205,71, com IVA no valor de € 308 477,31, conforme se evidencia no seguinte quadro:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 

22.10. Com base na análise dos registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte, constataram os serviços de inspeção tributária que:

a) O sujeito passivo procedeu à liquidação do IVA na origem como transmissões (internas) de bens;

b) Procedeu aos registos contabilísticos das transmissões de bens após emissão das correspondentes faturas;

c) Em 04-03-2016, excedeu o limiar para as transmissões intracomunitárias de vendas à distância estabelecido para as transmissões com destino a adquirentes (particulares) domiciliados em França (e em Itália), continuando, no entanto, a considerar essas transmissões como transmissões internas, sujeitas à taxa normal de IVA em vigor no território nacional (Continente);

d) Verifica-se a prova de saída dos bens de Portugal com destino a França e a Itália,

 

22.11. Com referência à emissão de notas de crédito para regularizar o imposto liquidado nas transmissões de bens sujeitas a tributação em França e na Itália, o sujeito passivo apresentou documentos comprovativos do pagamento de IVA junto das Administrações fiscais francesa e italiana.

 

22.12. Considerando, porém, que o sujeito passivo procedeu à anulação das vendas a distância tributadas fora do território nacional sem que tivesse na sua posse prova de que os clientes haviam sido reembolsados, conforme resulta do artigo 78.º, n.º 5, do Código do IVA, concluiu-se, no âmbito da ação inspetiva, pela irregularidade do procedimento adotado.

 

22.13. Em 28-01-2020 – enquanto decorria ainda a ação inspetiva, a ora Requerente, apresentou um pedido junto da Administração fiscal em que, em síntese, alega que “a não consideração das regularizações de IVA no campo 40 das declarações periódicas de janeiro a maio de 2019, relativas a imposto indevidamente liquidado em operações intracomunitárias de vendas a distância localizadas em França (realizadas nos anos de 2016,2017,2018 e janeiro de 2019) e em Itália (realizadas em janeiro de fevereiro de 2019), sendo o imposto devido e liquidado sobre as mesmas operações naqueles Estados membros, configura”... uma dupla tributação internacional de IVA ...” pelo que “...pretende iniciar o procedimento para eliminar e evitar a dupla tributação...” ou, em alternativa, lhe seja indicada “outra solução adequada às circunstâncias”.  A finalizar, o sujeito passivo solicita “... que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido *a arrecadação de tributo em montante superior ao previsto na lei,”

 

22.14. Com base no referido pedido foi instaurado na Direção de Serviços do IVA o processo 2020…, remetido ao Gabinete do Subdiretor-Geral do IVA, para análise e decisão.

 

22.15. Foi esta matéria objeto detalhada análise na Informação n.º …/SDG-2020-05-19, de que se destacam os seguintes considerandos:

 

“3.3.3 – Ora, estão em causa operações de vendas à distância com destino a numerosos clientes particulares em França e Itália, realizadas de 2016 a fevereiro de 2019 e faturadas erradamente com IVA português, considerando ainda o seguinte:

 

a) O sujeito passivo só nos primeiros meses de 2019 terá tido conhecimento de que as mesmas não se localizavam em Portugal, mas sim naqueles Estados-Membros por ter ultrapassado os limites estabelecidos e, por esse motivo, aí ser devido IVA;

 

b) De boa-fé, terá atuado e tentado regularizar a situação através da emissão de notas de crédito globais com os seus NIF Português (IVA a 23%) e novas faturas também globais com os seus NIF Francês (IVA a 20%) e italiano (IVA a 22%), logo após aí ter efetuado o registo;

 

c) O facto dos adquirentes serem ou não sujeitos passivos (particulares) e em grande número, leva a que não seja viável, a retificação de cada fatura, o acerto de contas com cada adquirente e a obtenção da respetiva prova prevista no n.º 5 do art. 78.º do CIVA;

 

d) Os adquirentes, enquanto particulares residentes em França e Itália, mantêm na sua posse as faturas com IVA português indevidamente liquidado, mas não foi deduzido nem reembolsado, pelo que, por essa via, não há risco de perda de receita fiscal;

 

e) O sujeito passivo tinha pago ao Estado Português o IVA à taxa de 23% repercutido aos adquirentes e agora vê-se obrigado a pagar o IVA ao Estado francês à taxa de 20% e ao Estado italiano à taxa de 22%, sobre as respetivas operações aí localizadas, sem que lhe seja possível concretizar o acerto de contas com os adquirentes, acabando este imposto por tornar-se um encargo para o sujeito passivo, caso não fosse permitida qualquer regularização do IVA português, o que constituiria uma negação do direito à repetição do indevido e ao princípio da neutralidade do imposto;

 

f) Mas o respeito pelo direito à repetição do indevido e princípio da neutralidade do IVA, implica ter evitado o risco de perda de receita fiscal e o enriquecimento sem causa, não podendo assim o sujeito passivo vir a beneficiar de uma regularização a seu favor superior ao montante do imposto que resulte num encargo efetivamente por si suportado. No presente caso, são os montantes correspondentes ao imposto pago ao Estado francês e ao Estado italiano (excluindo juros, coimas e outros encargos) e não o montante do IVA à taxa de 23% repercutido aos adquirentes, na medida em que os montantes correspondentes às de taxas 3% (=23% - 20%) e 1% (=23%-22%) constituiria em enriquecimento sem causa do sujeito passivo;

 

g) Afastado o risco de perda de receita fiscal, não havendo indícios de fraude, evasão fiscal ou eventuais abusos, com respeito pelo princípio da neutralidade do IVA, no caso em apreço a título excecional, poder-se-ia considerar a contagem do prazo para as regularizações com referência à data em que o sujeito passivo tomou conhecimento do imposto devido em França e em Itália, mas apenas poderão beneficiar das regularizações aquando do efetivo pagamento do imposto naqueles Estados.

 

22.16. Com base nos considerandos acima transcritos, é formulada a seguinte proposta:

“ 4 – Proposta

Aqui chegados, tendo presente os excertos da jurisprudência do TJUE transcritos no ponto 3.3.1 sobre a interpretação de normas da Diretiva IVA e os seus princípios fundamentais, com as necessárias adaptações às circunstâncias do caso em apreço, propõe-se:

 

a) Que seja considerada equivalente a reembolso do IVA português, efetuado pelo sujeito passivo aos adquirentes, os montantes correspondentes ao imposto pago ao Estado francês e ao Estado italiano (excluindo juros, coimas e outros encargos) sobre as operações de vendas à distância aí localizadas ora em causa, desde que o sujeito passivo apresente as respetivas provas de pagamento, no âmbito do procedimento inspetivo em curso OI2019…, dispensando-se as demais limitações questionadas relativamente à aplicação dos n.ºs 3 e 5 do art. 78.º, do CIVA;

 

b) Que a presente informação seja remetida à DF de ... – Divisão de Inspeção Tributária, sugerindo-se que, no âmbito do referido procedimento inspetivo, esse serviço proceda à notificação da resposta positiva à pretensão do sujeito passivo da solução adequada às circunstâncias.”

 

22.17. O procedimento proposto foi acolhido por despacho concordante do Subdiretor-Geral do IVA, de 26-05-2020.

 

22.18. Depois de efetuada prova do pagamento do IVA exigido pelas Administrações fiscais francesa e italiana e de proceder à regularização da situação tributária através de entrega de declaração de substituição relativa ao período 2019-05, a Requerente obteve o reembolso do IVA português em montante equivalente ao imposto pago ao Estado francês e ao Estado italiano, no valor total de € 260 421,93, em conformidade com o decidido pelo despacho do Subdiretor-Geral acima referido.

 

22.19. Em 06-03-2020, a Requerente apresento junto da DF de ... o pedido de revisão oficiosa n.º ...2020..., onde é pedido o reembolso do imposto indevidamente liquidado nos períodos de 2016 a 2019, por errado enquadramento em IVA das vendas à distância com a França e Itália.

 

22.20. Em 28-09-2020, é interposto o presente pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento tácito daquele pedido de revisão oficiosa e solicitado o reembolso da importância de € 39 215,67, referente a regularizações de IVA relativas aos períodos de 2016 a 2019.

 

22.21. A Requerente alicerça o presente pedido com base na alegação de que, no decurso do procedimento de inspeção, já ter sido efetuado o reembolso de € 260 085,00, entretanto entregue à Administração fiscal francesa mas que ainda não foi reembolsada do valor de € 39 215,67, respeitante à diferença de 3% entre as taxas de IVA vigentes em Portugal e em França.

 

23. Os factos provados baseiam-se nos elementos constantes dos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito - Questão prévia

 

24. Preliminarmente, tendo sido suscitada pela Requerida, por exceção, a inutilidade originária do pedido de pronúncia arbitral por falta de objeto, torna-se necessário começar por analisar esta exceção, porquanto a procedência da mesma terá necessariamente consequências no tocante ao conhecimento do mérito do pedido arbitral.

 

25. A invocada exceção vem fundamentada nos seguintes termos;

17. (..., não existe qualquer presunção de indeferimento tácito porque o pedido autuado como pedido de revisão oficiosa foi apreciado em sede de acção inspectiva que viria a culminar com a regularização voluntária da Requerente.

18. O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa pressupõe que a AT não tenha proferido qualquer decisão, o que se revela incoerente com o facto de a Requerente apenas reagir contra o indeferimento tácito de parte do seu pedido, o que implica que a outra parte tenha sido expressamente deferida,

19. Não se alcançando como a mesma pretensão, objecto de análise pela DSIVA, através de informação nº 7/SDG, superiormente sancionada pelo Sr. Subdiretor-Geral, e incorporada no Relatório Final da acção inspectiva efectuada para análise do pretendido reembolso, possa ter sido em parte objecto de decisão expressa favorável à Requerente, e, noutra parte, contra a qual ora se reage, não tenha havido qualquer pronúncia com a consequente formação de indeferimento tácito.

20. Sobre o dever de pronúncia da AT, do qual depende a formação do indeferimento tácito, atente-se, ainda, no disposto no nº 1 e na alínea a) do nº 2 do art. 56º da LGT, do qual resulta que a AT não tem o dever de pronúncia quando já se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objecto e fundamentos.

21. Assim, e noutra prespectiva, a circunstância de a AT se ter pronunciado sobre o pedido de reembolso apresentado com a DP de 05/2019, através do Relatório Final de 19/06/2020, o qual integra o parecer da DSIVA contido na informação nº 7/DSG com sancionamento do Subdiretor –Geral da AT.

22. Dispensou a AT de apreciar o pedido de revisão oficiosa, de 06/03/2020, por já ter apreciado idêntico pedido há menos de 2 anos.

23. Nos termos supra expostos, deve ser julgada procedente a excepção da inutilidade originária da lide com as devidas e legais consequências.

 

26. Notificada para se pronunciar acerca da exceção, inutilidade originária da lide por falta de objeto, invocada pela Requerida na sua resposta, a Requerente veio manifestar a sua discordância alegando, no essencial que:

“ 4 - Não corresponde à verdade que não existia à data da propositura do pedido de pronúncia arbitral um dever de decisão da Autoridade Tributária.

5. Conforme decorre do exposto da petição inicial apresentada (nomeadamente nos artigos 65 e seguintes): “Decorreu a inspecção e da mesma resultou que a Impugnada reconheceu o reembolso devido de IVA do valor de 299.300,67 €” “A impugnada reembolsou em 01.07.2020 o valor de 260,085,00 €” “Impugnante, porém, ficou em falta o valor de 39.215,67€”

6. O direito ao reembolso já se materializou no valor de 260.085,00€ encontrando-se em falta apenas o valor de 39.215,67 € (cfr. art.ºs 30º, nº 1, al. c) e 78º ambos da LGT). 7. E “…a Impugnada deverá concluir o acto de reembolso pelo valor global de 299,300,67 €, já se encontrando reembolsado o valor de 260.085,00 €, apenas faltará o reembolso de 39.215,67 € …”

8. Não se pode aceitar o entendimento da Autoridade Tributária quando refere já haver-se pronunciado relativamente ao pedido feito pela Requerente, porque efectivamente isso não aconteceu de modo algum.

9. Não pode prevalecer o entendimento da Autoridade Tributária que pretende fazer equivaler as conclusões do procedimento de Inspecção Tributária com uma eventual resposta ao pedido de revisão oficiosa”

 

27. Dos elementos factuais que integram o presente processo extrai-se, em conclusão, que a ora Requerente formulou, no decurso de ação inspetiva, pretensão relativa à regularização e consequente reembolso de IVA liquidado em Portugal mas que, de acordo com o regime comunitário das vendas à distância, deveria ter sido liquidado em França e em Itália.

 

28. Esta pretensão foi submetida a decisão do Subdiretor-Geral do IVA que, com base em detalhada informação do respetivo gabinete, decidiu autorizar o reembolso dos montantes de imposto equivalentes ao IVA comprovadamente pago em França e Itália, com exclusão de juros, coimas e outros encargos.

 

29. Conforme bem se assinalada na informação em que se suporta a referida decisão, não se contém no âmbito das importâncias a reembolsar o valor correspondente à diferença de taxas de 3% e 1%, “por constituir em enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”

 

30. São estes 3% que perfazem a importância de € 39 215,37, que, segundo a Requerente, ainda lhe não foram reembolsados, que se conteriam no âmbito do pedido de revisão oficiosa oportunamente apresentado e, ao que se alega, constituiria o objeto mediato do presente pedido.

 

31. Do exposto resulta, pois, que a AT já se pronunciou, através da referida decisão do Subdiretor-Geral do IVA sobre o pedido de reembolso formulado pelo sujeito passivo, não se verificando, no caso em análise, violação do dever de decisão previsto no artigo 56.º da Lei Geral Tributária.

 

32. Com efeito, o dever de decisão, consagrado no referido preceito, traduz-se em verdadeiro dever de decisão procedimental, vinculando a Administração Tributária a tomar posição em resposta a qualquer petição apresentada por um sujeito passivo no procedimento tributário sempre que o assunto apresentado se configure como uma questão a resolver por via de ato administrativo.

 

33. Porém este dever de decisão é afastado sempre que se verifique uma das situações contempladas no n.º 2 do mesmo artigo, cuja alínea a) estabelece não existir dever de decisão quando A administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objeto e fundamentos;”

 

34. No presente caso, como se extrai dos elementos que integram o processo, é manifesto que o pedido de revisão oficiosa a que a Requerida imputa o indeferimento tácito que abriria caminho para o presente pedido de pronúncia arbitral, tem o mesmo objeto e fundamentos do pedido sobre que foi proferida a decisão do Subdiretor-Geral, de 26-05-2020.

 

35. Não obstante a referida decisão de suportar numa análise que envolve a globalidade das operações em causa, não deixa a mesma de se pronunciar, de forma inequívoca, no sentido de que a autorização concedida, não é extensiva ao valor de IVA resultante da diferença de taxas, conforme pretende a Requerente.

 

36. Do exposto resulta, com meridiana clareza que, no presente caso, a AT não se encontra vinculada ao dever de decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 06-03-2020, por se verificarem os pressupostos constantes da alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da Lei Geral Tributária.

 

37. Assim, e acompanhando a jurisprudência firmada dos tribunais superiores[i], considera o Tribunal que a ausência do dever legal de decidir conduz a que o administrado não tenha a faculdade de presumir o indeferimento tácito da pretensão pelo que, consequentemente, o pedido de pronúncia arbitral, formulado nestas circunstâncias tem de ser rejeitado, por falta de objeto.

 

38. Face ao exposto, entende este Tribunal Arbitral que procede a exceção da inutilidade originária da lide por falta de objeto suscitada pela Requerida, ficando assim prejudicado o conhecimento do mérito do pedido.

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente a invocada exceção de inutilidade da lide por falta de objeto do pedido,

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 39 215,67nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 836,00, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 1 de junho de 2020,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

A ausência do dever legal de decidir conduz a que o administrado não tenha a faculdade de presumir o indeferimento tácito pelo que o pedido de pronúncia arbitral formulado nestas circunstâncias tem de ser rejeitado por falta de objeto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.Relatório

 

1. A… – …, LDA, NIPC …, com sede na …, …, Flores, …, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 28-09-2020, tem como objeto imediato a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa nº ...2020..., de 06-03-2020, apresentado junto do Serviço de Finanças de ..., respeitante a atos de liquidação de IVA e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos referidos atos tributários relativos aos períodos de tributação de 2016-01 a 2019-01, na parte em que, na sequência decisão do Subdiretor-Geral do IVA, de 28-05-2020, proferida sobre a informação n.º 7/SDG, da DSIVA, de 19-05-2020, ainda não foi reembolsada pela AT, no valor de € 39 215,67.

 

3. Além do reembolso da importância acima referida, A Requerente solicita, ainda, que lhe seja reconhecido o direito aos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta a Requerente, em síntese, que os atos tributários impugnados, decorrem da regularização de IVA relativo a “vendas a distância” a que aplicou o IVA português mas que seriam sujeitos a tributação em França e em Itália, por, nos termos do respetivo regime comunitário, excederem os limiares fixados nestes países. Muito embora tenha sido determinado, por via da referida decisão da Administração Tributária, o reembolso à Requerente do montante de IVA devido, e pago, junto das Administrações fiscais francesa e italiana, não foi tomado em consideração o montante de € 39 215,17, respeitante à diferença de taxas vigentes em Portugal (23%) – aplicada nas transações em causa - e em França (20%) e em Itália (22%),consideradas na regularização do imposto respeitante às transações sujeitas a tributação nestes Estados-Membros da União Europeia.

 

5. Em resposta ao que é pedido, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado:

- por exceção, invocando a inutilidade originária do pedido de pronúncia arbitral por falta de objeto por se ter pronunciado há menos de 2 anos sobre pretensão do mesmo autor relativa à mesma matéria, com os mesmos fundamentos, e,

- por impugnação, no sentido da improcedência do pedido, alegando, no essencial, a falta de sustentação legal.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 18-12-2020.

 

11. Por despacho de 03-05-2021, foi determinada a notificação da Requerente, para, querendo, se pronunciar sobre a exceção invocada pela AT, sendo-lhe concedido, para o efeito, o prazo de 10 dias. Dentro do referido prazo, a Requerente contestou a posição da AT, considerando que a mesma deverá improceder, por, em seu entender, carecer em absoluto de razão de facto e de direito.

 

12. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando o disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição arbitral por remissão expressa do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a junção de alegações, por desnecessárias.

 

13. Pelo mesmo despacho foi indicado o dia 20-06-2021 como data limite para prolação da decisão arbitral.

II. Saneamento

 

14. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

20. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

21. O processo não enferma de nulidades, tendo, contudo, sido suscitada exceção de inutilidade originária da lide por falta de objeto, considerada a inexistência do dever legal de decidir.

 

III. Matéria de facto

 

22. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

22.1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, com sede em ..., cujo objeto social consiste no “Comércio a retalho de computadores, unidades periféricas, programas informáticos, consolas e videojogos, equipamentos de telecomunicações e outros meios de comunicação; comércio de equipamento fotográfico, cinematográfico e audiovisual, comércio a retalho de eletrodomésticos, comércio de mobiliário de escritório, comércio e outros serviços; comércio de jornais, revistas, artigos de papelaria, discos, CD, DVD, cassetes e similares, comércio a retalho por correspondência ou via internet, venda por máquinas automáticas. Reparação de computadores, equipamento de comunicação, bens de uso pessoal e doméstico. Atividades dos serviços para animais de companhia. Organização de eventos desportivos e outros eventos.”

 

22.2. Para efeitos de IRC, encontra-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável. Em sede de IVA, enquadra-se no regime normal com periodicidade mensal.

 

22.3. A atividade de comércio a retalho é exercida em estabelecimentos comerciais que a Requerente possui nas cidades de Vila Real e de Bragança. Para além das vendas realizadas através desses estabelecimentos, promove e vende bens através do seu endereço na internet e através de plataformas (Amazon, Cdiscount), procedendo à sua expedição para entrega dentro e fora do território nacional.

 

22.4. Na sequência de pedido de reembolso de IVA formulado na declaração periódica do período 2019/05, no montante de € 350 672,87, foi a Requerente destinatária de procedimento de inspeção. Este procedimento, externo e parcial nos termos dos artigos 13.º, alínea b) e 14.º, n.º 1, alínea b), do RCPITA, teve por objeto aferir a legalidade das operações subjacentes ao direito de crédito relativo ao reembolso solicitado pelo sujeito passivo.

 

22.5. Na referida ação inspetiva, iniciada em 22-08-2019, constatou-se que o reembolso solicitado pelo sujeito passivo resulta da acumulação de créditos de períodos anteriores sendo originado, essencialmente, por regularizações de imposto a seu favor, no montante de € 273 607,18, inscrito no campo 40 do quadro 6 da declaração periódica do período 2019/05.

 

22.6. As referidas regularizações resultam, essencialmente, dos seguintes factos:

- Em 04-03-2016, o sujeito passivo ultrapassou o limiar para as vendas à distância efetuadas com destino a adquirentes particulares domiciliados em França, que, nos termos do artigo 34.º da Diretiva 2006/112/CE – Diretiva IVA – este Estado-Membro da União Europeia fixou em € 35 000,00. Não obstante este facto, que implica a deslocalização das transmissões de bens de Portugal para França, o sujeito passivo continuou a aplicar às mesmas a taxa de IVA em vigor no território nacional até 29-01-2019.

 

- Em 15-03-2016, o sujeito passivo ultrapassou o limiar para as vendas à distância com destino a adquirentes particulares domiciliados em Itália, fixado em € 35 000,00, continuando, contudo, a liquidar IVA à taxa vigente em Portugal.

 

22.7. Em 2019, o sujeito passivo pretendeu regularizar a situação procedendo à anulação de inúmeras operações de vendas a distância localizadas fora do território nacional, nomeadamente em França e Itália, faturadas e contabilisticamente registadas nos anos de 2016 a 2019, e emitindo notas de crédito a seu favor.

 

22.8. As notas de crédito, no caso das transmissões com destino a adquirentes domiciliados em França, foram emitidas na sequência de notificação à Requerente efetuada pela Administração fiscal francesa, relativa a liquidação de IVA devido naquele Estado-Membro. Esta liquidação decorre do faco de ter efetuado vendas a distância para não sujeitos passivos de IVA em França, em valor superior a € 35 000,00, sem que se tivesse registado naquele país como sujeito passivo e aí ter procedido à competente liquidação e entrega do imposto devido, em observância do regime comunitário do IVA nas vendas à distância.

 

22.9. As notas de crédito emitidas pelo sujeito passivo em 2019 para regularizar o imposto liquidado nas operações relativas a vendas a distância para França e Itália, totalizam o valor de € 1 341 205,71, com IVA no valor de € 308 477,31, conforme se evidencia no seguinte quadro:

 

 

22.10. Com base na análise dos registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte, constataram os serviços de inspeção tributária que:

a) O sujeito passivo procedeu à liquidação do IVA na origem como transmissões (internas) de bens;

b) Procedeu aos registos contabilísticos das transmissões de bens após emissão das correspondentes faturas;

c) Em 04-03-2016, excedeu o limiar para as transmissões intracomunitárias de vendas à distância estabelecido para as transmissões com destino a adquirentes (particulares) domiciliados em França (e em Itália), continuando, no entanto, a considerar essas transmissões como transmissões internas, sujeitas à taxa normal de IVA em vigor no território nacional (Continente);

d) Verifica-se a prova de saída dos bens de Portugal com destino a França e a Itália,

 

22.11. Com referência à emissão de notas de crédito para regularizar o imposto liquidado nas transmissões de bens sujeitas a tributação em França e na Itália, o sujeito passivo apresentou documentos comprovativos do pagamento de IVA junto das Administrações fiscais francesa e italiana.

 

22.12. Considerando, porém, que o sujeito passivo procedeu à anulação das vendas a distância tributadas fora do território nacional sem que tivesse na sua posse prova de que os clientes haviam sido reembolsados, conforme resulta do artigo 78.º, n.º 5, do Código do IVA, concluiu-se, no âmbito da ação inspetiva, pela irregularidade do procedimento adotado.

 

22.13. Em 28-01-2020 – enquanto decorria ainda a ação inspetiva, a ora Requerente, apresentou um pedido junto da Administração fiscal em que, em síntese, alega que “a não consideração das regularizações de IVA no campo 40 das declarações periódicas de janeiro a maio de 2019, relativas a imposto indevidamente liquidado em operações intracomunitárias de vendas a distância localizadas em França (realizadas nos anos de 2016,2017,2018 e janeiro de 2019) e em Itália (realizadas em janeiro de fevereiro de 2019), sendo o imposto devido e liquidado sobre as mesmas operações naqueles Estados membros, configura”... uma dupla tributação internacional de IVA ...” pelo que “...pretende iniciar o procedimento para eliminar e evitar a dupla tributação...” ou, em alternativa, lhe seja indicada “outra solução adequada às circunstâncias”.  A finalizar, o sujeito passivo solicita “... que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido *a arrecadação de tributo em montante superior ao previsto na lei,”

 

22.14. Com base no referido pedido foi instaurado na Direção de Serviços do IVA o processo 2020…, remetido ao Gabinete do Subdiretor-Geral do IVA, para análise e decisão.

 

22.15. Foi esta matéria objeto detalhada análise na Informação n.º …/SDG-2020-05-19, de que se destacam os seguintes considerandos:

 

“3.3.3 – Ora, estão em causa operações de vendas à distância com destino a numerosos clientes particulares em França e Itália, realizadas de 2016 a fevereiro de 2019 e faturadas erradamente com IVA português, considerando ainda o seguinte:

 

a) O sujeito passivo só nos primeiros meses de 2019 terá tido conhecimento de que as mesmas não se localizavam em Portugal, mas sim naqueles Estados-Membros por ter ultrapassado os limites estabelecidos e, por esse motivo, aí ser devido IVA;

 

b) De boa-fé, terá atuado e tentado regularizar a situação através da emissão de notas de crédito globais com os seus NIF Português (IVA a 23%) e novas faturas também globais com os seus NIF Francês (IVA a 20%) e italiano (IVA a 22%), logo após aí ter efetuado o registo;

 

c) O facto dos adquirentes serem ou não sujeitos passivos (particulares) e em grande número, leva a que não seja viável, a retificação de cada fatura, o acerto de contas com cada adquirente e a obtenção da respetiva prova prevista no n.º 5 do art. 78.º do CIVA;

 

d) Os adquirentes, enquanto particulares residentes em França e Itália, mantêm na sua posse as faturas com IVA português indevidamente liquidado, mas não foi deduzido nem reembolsado, pelo que, por essa via, não há risco de perda de receita fiscal;

 

e) O sujeito passivo tinha pago ao Estado Português o IVA à taxa de 23% repercutido aos adquirentes e agora vê-se obrigado a pagar o IVA ao Estado francês à taxa de 20% e ao Estado italiano à taxa de 22%, sobre as respetivas operações aí localizadas, sem que lhe seja possível concretizar o acerto de contas com os adquirentes, acabando este imposto por tornar-se um encargo para o sujeito passivo, caso não fosse permitida qualquer regularização do IVA português, o que constituiria uma negação do direito à repetição do indevido e ao princípio da neutralidade do imposto;

 

f) Mas o respeito pelo direito à repetição do indevido e princípio da neutralidade do IVA, implica ter evitado o risco de perda de receita fiscal e o enriquecimento sem causa, não podendo assim o sujeito passivo vir a beneficiar de uma regularização a seu favor superior ao montante do imposto que resulte num encargo efetivamente por si suportado. No presente caso, são os montantes correspondentes ao imposto pago ao Estado francês e ao Estado italiano (excluindo juros, coimas e outros encargos) e não o montante do IVA à taxa de 23% repercutido aos adquirentes, na medida em que os montantes correspondentes às de taxas 3% (=23% - 20%) e 1% (=23%-22%) constituiria em enriquecimento sem causa do sujeito passivo;

 

g) Afastado o risco de perda de receita fiscal, não havendo indícios de fraude, evasão fiscal ou eventuais abusos, com respeito pelo princípio da neutralidade do IVA, no caso em apreço a título excecional, poder-se-ia considerar a contagem do prazo para as regularizações com referência à data em que o sujeito passivo tomou conhecimento do imposto devido em França e em Itália, mas apenas poderão beneficiar das regularizações aquando do efetivo pagamento do imposto naqueles Estados.

 

22.16. Com base nos considerandos acima transcritos, é formulada a seguinte proposta:

“ 4 – Proposta

Aqui chegados, tendo presente os excertos da jurisprudência do TJUE transcritos no ponto 3.3.1 sobre a interpretação de normas da Diretiva IVA e os seus princípios fundamentais, com as necessárias adaptações às circunstâncias do caso em apreço, propõe-se:

 

a) Que seja considerada equivalente a reembolso do IVA português, efetuado pelo sujeito passivo aos adquirentes, os montantes correspondentes ao imposto pago ao Estado francês e ao Estado italiano (excluindo juros, coimas e outros encargos) sobre as operações de vendas à distância aí localizadas ora em causa, desde que o sujeito passivo apresente as respetivas provas de pagamento, no âmbito do procedimento inspetivo em curso OI2019…, dispensando-se as demais limitações questionadas relativamente à aplicação dos n.ºs 3 e 5 do art. 78.º, do CIVA;

 

b) Que a presente informação seja remetida à DF de ... – Divisão de Inspeção Tributária, sugerindo-se que, no âmbito do referido procedimento inspetivo, esse serviço proceda à notificação da resposta positiva à pretensão do sujeito passivo da solução adequada às circunstâncias.”

 

22.17. O procedimento proposto foi acolhido por despacho concordante do Subdiretor-Geral do IVA, de 26-05-2020.

 

22.18. Depois de efetuada prova do pagamento do IVA exigido pelas Administrações fiscais francesa e italiana e de proceder à regularização da situação tributária através de entrega de declaração de substituição relativa ao período 2019-05, a Requerente obteve o reembolso do IVA português em montante equivalente ao imposto pago ao Estado francês e ao Estado italiano, no valor total de € 260 421,93, em conformidade com o decidido pelo despacho do Subdiretor-Geral acima referido.

 

22.19. Em 06-03-2020, a Requerente apresento junto da DF de ... o pedido de revisão oficiosa n.º ...2020..., onde é pedido o reembolso do imposto indevidamente liquidado nos períodos de 2016 a 2019, por errado enquadramento em IVA das vendas à distância com a França e Itália.

 

22.20. Em 28-09-2020, é interposto o presente pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento tácito daquele pedido de revisão oficiosa e solicitado o reembolso da importância de € 39 215,67, referente a regularizações de IVA relativas aos períodos de 2016 a 2019.

 

22.21. A Requerente alicerça o presente pedido com base na alegação de que, no decurso do procedimento de inspeção, já ter sido efetuado o reembolso de € 260 085,00, entretanto entregue à Administração fiscal francesa mas que ainda não foi reembolsada do valor de € 39 215,67, respeitante à diferença de 3% entre as taxas de IVA vigentes em Portugal e em França.

 

23. Os factos provados baseiam-se nos elementos constantes dos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito - Questão prévia

 

24. Preliminarmente, tendo sido suscitada pela Requerida, por exceção, a inutilidade originária do pedido de pronúncia arbitral por falta de objeto, torna-se necessário começar por analisar esta exceção, porquanto a procedência da mesma terá necessariamente consequências no tocante ao conhecimento do mérito do pedido arbitral.

 

25. A invocada exceção vem fundamentada nos seguintes termos;

“ 17. (..., não existe qualquer presunção de indeferimento tácito porque o pedido autuado como pedido de revisão oficiosa foi apreciado em sede de acção inspectiva que viria a culminar com a regularização voluntária da Requerente.

18. O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa pressupõe que a AT não tenha proferido qualquer decisão, o que se revela incoerente com o facto de a Requerente apenas reagir contra o indeferimento tácito de parte do seu pedido, o que implica que a outra parte tenha sido expressamente deferida,

19. Não se alcançando como a mesma pretensão, objecto de análise pela DSIVA, através de informação nº 7/SDG, superiormente sancionada pelo Sr. Subdiretor-Geral, e incorporada no Relatório Final da acção inspectiva efectuada para análise do pretendido reembolso, possa ter sido em parte objecto de decisão expressa favorável à Requerente, e, noutra parte, contra a qual ora se reage, não tenha havido qualquer pronúncia com a consequente formação de indeferimento tácito.

20. Sobre o dever de pronúncia da AT, do qual depende a formação do indeferimento tácito, atente-se, ainda, no disposto no nº 1 e na alínea a) do nº 2 do art. 56º da LGT, do qual resulta que a AT não tem o dever de pronúncia quando já se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objecto e fundamentos.

21. Assim, e noutra prespectiva, a circunstância de a AT se ter pronunciado sobre o pedido de reembolso apresentado com a DP de 05/2019, através do Relatório Final de 19/06/2020, o qual integra o parecer da DSIVA contido na informação nº 7/DSG com sancionamento do Subdiretor –Geral da AT.

22. Dispensou a AT de apreciar o pedido de revisão oficiosa, de 06/03/2020, por já ter apreciado idêntico pedido há menos de 2 anos.

23. Nos termos supra expostos, deve ser julgada procedente a excepção da inutilidade originária da lide com as devidas e legais consequências.

 

26. Notificada para se pronunciar acerca da exceção, inutilidade originária da lide por falta de objeto, invocada pela Requerida na sua resposta, a Requerente veio manifestar a sua discordância alegando, no essencial que:

“ 4 - Não corresponde à verdade que não existia à data da propositura do pedido de pronúncia arbitral um dever de decisão da Autoridade Tributária.

5. Conforme decorre do exposto da petição inicial apresentada (nomeadamente nos artigos 65 e seguintes): “Decorreu a inspecção e da mesma resultou que a Impugnada reconheceu o reembolso devido de IVA do valor de 299.300,67 €” “A impugnada reembolsou em 01.07.2020 o valor de 260,085,00 €” “Impugnante, porém, ficou em falta o valor de 39.215,67€”

6. O direito ao reembolso já se materializou no valor de 260.085,00€ encontrando-se em falta apenas o valor de 39.215,67 € (cfr. art.ºs 30º, nº 1, al. c) e 78º ambos da LGT). 7. E “…a Impugnada deverá concluir o acto de reembolso pelo valor global de 299,300,67 €, já se encontrando reembolsado o valor de 260.085,00 €, apenas faltará o reembolso de 39.215,67 € …”

8. Não se pode aceitar o entendimento da Autoridade Tributária quando refere já haver-se pronunciado relativamente ao pedido feito pela Requerente, porque efectivamente isso não aconteceu de modo algum.

9. Não pode prevalecer o entendimento da Autoridade Tributária que pretende fazer equivaler as conclusões do procedimento de Inspecção Tributária com uma eventual resposta ao pedido de revisão oficiosa”

 

27. Dos elementos factuais que integram o presente processo extrai-se, em conclusão, que a ora Requerente formulou, no decurso de ação inspetiva, pretensão relativa à regularização e consequente reembolso de IVA liquidado em Portugal mas que, de acordo com o regime comunitário das vendas à distância, deveria ter sido liquidado em França e em Itália.

 

28. Esta pretensão foi submetida a decisão do Subdiretor-Geral do IVA que, com base em detalhada informação do respetivo gabinete, decidiu autorizar o reembolso dos montantes de imposto equivalentes ao IVA comprovadamente pago em França e Itália, com exclusão de juros, coimas e outros encargos.

 

29. Conforme bem se assinalada na informação em que se suporta a referida decisão, não se contém no âmbito das importâncias a reembolsar o valor correspondente à diferença de taxas de 3% e 1%, “por constituir em enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”

 

30. São estes 3% que perfazem a importância de € 39 215,37, que, segundo a Requerente, ainda lhe não foram reembolsados, que se conteriam no âmbito do pedido de revisão oficiosa oportunamente apresentado e, ao que se alega, constituiria o objeto mediato do presente pedido.

 

31. Do exposto resulta, pois, que a AT já se pronunciou, através da referida decisão do Subdiretor-Geral do IVA sobre o pedido de reembolso formulado pelo sujeito passivo, não se verificando, no caso em análise, violação do dever de decisão previsto no artigo 56.º da Lei Geral Tributária.

 

32. Com efeito, o dever de decisão, consagrado no referido preceito, traduz-se em verdadeiro dever de decisão procedimental, vinculando a Administração Tributária a tomar posição em resposta a qualquer petição apresentada por um sujeito passivo no procedimento tributário sempre que o assunto apresentado se configure como uma questão a resolver por via de ato administrativo.

 

33. Porém este dever de decisão é afastado sempre que se verifique uma das situações contempladas no n.º 2 do mesmo artigo, cuja alínea a) estabelece não existir dever de decisão quando “A administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objeto e fundamentos;”

 

34. No presente caso, como se extrai dos elementos que integram o processo, é manifesto que o pedido de revisão oficiosa a que a Requerida imputa o indeferimento tácito que abriria caminho para o presente pedido de pronúncia arbitral, tem o mesmo objeto e fundamentos do pedido sobre que foi proferida a decisão do Subdiretor-Geral, de 26-05-2020.

 

35. Não obstante a referida decisão de suportar numa análise que envolve a globalidade das operações em causa, não deixa a mesma de se pronunciar, de forma inequívoca, no sentido de que a autorização concedida, não é extensiva ao valor de IVA resultante da diferença de taxas, conforme pretende a Requerente.

 

36. Do exposto resulta, com meridiana clareza que, no presente caso, a AT não se encontra vinculada ao dever de decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 06-03-2020, por se verificarem os pressupostos constantes da alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da Lei Geral Tributária.

 

37. Assim, e acompanhando a jurisprudência firmada dos tribunais superiores , considera o Tribunal que a ausência do dever legal de decidir conduz a que o administrado não tenha a faculdade de presumir o indeferimento tácito da pretensão pelo que, consequentemente, o pedido de pronúncia arbitral, formulado nestas circunstâncias tem de ser rejeitado, por falta de objeto.

 

38. Face ao exposto, entende este Tribunal Arbitral que procede a exceção da inutilidade originária da lide por falta de objeto suscitada pela Requerida, ficando assim prejudicado o conhecimento do mérito do pedido.

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente a invocada exceção de inutilidade da lide por falta de objeto do pedido,

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 39 215,67nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 836,00, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 1 de junho de 2020,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 


[i]  Cfr, STA, Acs. de 25.5.1993, Proc. 28847, de 3.11.2005, Proc. 0637/05 e de 31.3.2016-Proc. 0411/15